FURTO TENTADO - RAZÕES AO RECURSO - PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - RÉ MÃE
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA ____ª VARA CRIMINAL DA
COMARCA DE _________
Processo-crime nº _________
Objeto: oferecimento de razões ao recurso de apelação
_________, brasileira, mãe de duas filhas menores, tecelã, residente e
domiciliada nessa cidade de _________, pelo Defensor subfirmado, vem,
respeitosamente, a presença de Vossa Excelência, nos autos do processo crime,
ciente do despacho de folha ____, o qual recebeu a apelação interposta à folhas
____, arrazoar o recurso interposto, no prazo do artigo 600 do Código de
Processo Penal, combinado com o artigo 128, inciso I da Lei Complementar nº 80
de 12.01.94.
ISTO POSTO, REQUER:
I.- Recebimento da presente peça, com as razões que lhe emprestam lastro,
abrindo-se vista dos autos ao Doutor Promotor de Justiça que oficia no presente
feito, para, querendo, oferecer sua contradita, remetendo-o, após ao Tribunal
Superior, para a devida e necessária reapreciação da matéria alvo de férreo
litígio.
Nesses Termos
Pede Deferimento
_________, ____ de _________ de _____.
DEFENSOR
OAB/
EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO _________
COLENDA CÂMARA JULGADORA
ÍNCLITO RELATOR
RAZÕES AO RECURSO DE APELAÇÃO FORMULADAS POR: _________
Volve-se o presente recurso contra sentença condenatória editada pelo notável
julgador monocrático, em regime de exceção junto a ____ª Vara Criminal da
Comarca de _________, DOUTOR _________, o qual em oferecendo respaldo parcial de
agnição à denúncia, condenou a apelante a expiar, pela pena de (02) dois anos e
(06) seis meses de reclusão, acrescida de (20) vinte dias-multa, dando-a como
incursa nas sanções do artigo 155, § 4º, inciso IV, conjugado com o artigo 14,
inciso II, do Código Penal, com a agravante contemplada no artigo 61, inciso I,
do mesmo estatuto repressivo, sob a clausura do regime fechado.
A irresignação da apelante, ponto aríete da presente peça, centra-se e
condensa-se em quatro tópicos, assim delineados: primeiramente, repisará a tese
da negativa da autoria proclamada pela ré em seu termo de interrogatório, a
qual, contristadoramente, não encontrou eco na sentença repreendida; para, num
segundo momento, discorrerá sobre a ausência de provas robustas, sadias e
convincentes, para outorgar-se um veredicto adverso, em que pese tenha sido este
parido, de forma equivocada pela sentença, ora respeitosamente reprovada; num
terceiro momento, postulará pela incidência do princípio da insignificância, ao
caso submetido a desate; para, num quatro e derradeiro momento, postular pela
expunção da circunstância agravante da reincidência, reconhecida indevidamente.
Passa-se, pois, a análise em conjunto dos pontos alvo de debate.
Consoante sinalado pela ré, no termo de interrogatório de folhas ____, a
mesma foi categórica e peremptória em negar ter perpetrado o delito de furto que
lhe é irrogado pela peça portal coativa, e encampado, data máxima vênia, de
forma insólita pela sentença, aqui veementemente hostilizada.
Sinale-se, por amor a verdade, que a ré, encontrou as indigitadas sacolas que
portava em depósito de lixo, localizado no passeio público.
Logo se de algum bem se assenhoreou, foi daquele que se encontrava lançado a
derrelição.
A atipicidade na conduta, assoma alva e inconcussa, de sorte, que não comete
crime, aquele e ou aquela, que se apossa de coisa abandonada.
Nas palavra literais da apelante à folha 93 e verso: "... Ao V: não é
verdadeira a acusação. Ao VI e VII: "... Voltavam a pé, a interroganda e
_________, quando perto da igreja viram dois guris correrem e jogarem bolsas em
uma cesta de lixo. Foram verificar do que se tratava e viram que no interior das
bolsas havia cigarros, dois pacotes fechado e algumas carteiras. A depoente
convidou sua prima para pegarem as bolsas, eis que _________ precisava de
dinheiro, pensando em vender o cigarro. Não viram se as bolsas continham mais
algumas coisas, pegaram as mesmas e saíram em direção ao centro. Em frente ao
antigo bingo, a viatura policial as abordou. Os Policiais disseram que elas
deveriam confessar que foram elas que furtaram aqueles bens e a depoente disse
que não faria tal afirmação e foram levadas até a lixeiras e encontraram talão
de cheque e mais carteiras de cigarro e então as prenderam..."
Por seu turno a prova judicializada, ao contrário do sustentado pela
sentença, objeto de parcimoniosa censura, não é suficiente de per se, para
macular a tese da negativa da autoria suscitada pela ré desde a natividade da
lide.
Em verdade, perscrutando-se com acuidade a prova gerada com a instrução,
tem-se que a mesma resume-se a palavra da vítima do tipo penal, e àquela de
origem policial, ambas comprometidas em sua credibilidade, visto não possuírem a
isenção e a imparcialidade necessárias para arrimar um juízo adverso, como
propugnado, e forma nitidamente equivocada, pelo denodado integrante do parquet,
o qual logrou persuadir o altivo Sentenciante.
Gize-se, por fundamental que a palavra da vítima (vide folha ____) deve ser
recebida com extrema reserva, porquanto, possui em mira incriminar a ré, agindo
por vingança e não por caridade, - a qual segundo professado pelo apóstolo e
doutor dos gentios São Paulo é a maior das virtudes - mesmo que para tanto deva
criar uma realidade fictícia, logo inexistente.
Nesse norte é a mais lúcida jurisprudência, coligida junto aos tribunais
pátrios:
"As declarações da vítima devem ser recebidas com cuidado, considerando-se
que sua atenção expectante pode ser transformadora da realidade, viciando-se
pelo desejo de reconhecer e ocasionando erros judiciários" (JUTACRIM, 71:306)
No mesmo quadrante é o magistério de HÉLIO TORNAGHI, citado pelo
Desembargador ÁLVARO MAYRINK DA COSTA, no acórdão derivado da apelação criminal
nº 1.151/94, 2ª Câmara Criminal do TJRJ, julgada em 24.4.1995, cuja transcrição
parcial afigura-se obrigatória, no sentido de colorir e emprestar consistência
as presentes razões: "Tornaghi bem ressalta que o ofendido mede o fato por um
padrão puramente subjetivo, distorcido pela emoção e paixão. Nessa direção,
poder-se-ia afirmar que ainda que pretendesse ser isento e honesto, estaria
psicologicamente diante do drama que processualmente o envolve, propenso a
falsear a verdade, embora de boa-fé..."
Demais, os depoimentos prestados pelos policiais militares, constantes à
folhas ____, não poderão, de igual forma, operar validamente contra a apelante,
haja vista, constituem-se (ditos policiais) em algozes da ré possuindo interesse
direto do êxito da ação penal - da qual foram seus principais mentores - máxime,
considerado, que participaram ativamente das diligências que culminaram com a
arbitrária prisão da recorrente.
Dessarte, seus informes, não detém a menor serventia para respaldar o decisum,
eis despidos da neutralidade necessária e imprescindível para tal desiderato.
Nessa senda é a mais abalizada jurisprudência, digna de decalque:
"Prova testemunhal. Depoimento de policiais. Os policiais militares não são
impedidos de prestar depoimento e não são considerados, de per si, como
suspeitos. Todavia, sua descrição do fato em juízo, por motivos óbvios, deve ser
tomada sempre com cautela quando participaram da ação que deu causa ao processo"
(TACRIM-SP - apelação nº 127.760)
Outra não é a lição do renomado penalista, FERNANDO DE ALMEIDA PEDROSO, in,
PROVA PENAL, Rio de Janeiro, 1.994, Aide Editora, 1ª edição, onde à folha 117/
118, assiná-la: "Não obstante, julgados há que, entendem serem os policiais
interessados diretos no êxito da diligência repressiva e em justificar eventual
prisão efetuada, neles reconhecendo provável parcialidade, taxando seus
depoimento de suspeitos (RT 164/520, 358/98, 390/208, 429/370, 432/310-312,
445/373, 447/353, 466/369, 490/342, 492/355, 495/349 e 508/381).
Assim, em sondando-se a prova reunida à demanda, com a devida sobriedade e
comedimento, tem-se que inexiste uma única voz isenta e incriminar a recorrente.
Observe-se, que não existiram testemunhas presenciais do fato, rotulado
impropriamente como delituoso.
Efetivamente, se for expurgada a palavra de da vítima bem como a oriunda da
clave castrense, ambas manifestamente parciais e tendenciosas, em suas
claudicantes e inverossímeis assertivas, nada mais resta a delatar a autoria do
fato, tributado graciosamente a apelante.
Ademais, sinale-se, por relevantíssimo, que para referendar-se uma condenação
no orbe penal, mister que a autoria e a culpabilidade resultem incontroversas,
contrário senso, a absolvição se impõe por critério de justiça, visto que, o
ônus da acusação recai sobre o artífice da peça acusatória. Não se
desincumbindo, a contento, de tal tarefa, marcha, de forma inexorável, a peça
parida pelo Senhor da ação penal pública incondicionada à morte.
Nesse passo fecunda é são os arestos compilados juntos aos tribunais pátrios:
Insuficiente para embasar decreto condenatório simples probabilidade de
autoria de delito, eis que se trata de mera etapa da verdade, não constitutiva,
por si só, de certeza" (Ap. 42.309, TACrimSP, Rel. GOULART SOBRINHO)
"O Direito Penal não opera com conjecturas ou probabilidades. Sem certeza
total e plena da autoria e da culpabilidade, não pode o Juiz criminal proferir
condenação" (Ap. 162.055. TACrimSP, Rel. GOULART SOBRINHO)
"Sentença absolutória. Para a condenação do réu a prova há de ser plena e
convincente, ao passo que para a absolvição basta a dúvida, consagrando-se o
princípio do 'in dubio pro reo', contido no art. 386, VI, do C.P.P"
Donde, inexistindo prova segura, correta e idônea a referendar e sedimentar a
sentença, impossível percute sua manutenção, emergindo imperiosa sua ab-rogação,
sob pena de perpetrar-se gritante injustiça.
Registre-se, que somente a prova judicializada, ou seja àquela parida sob o
crisol do contraditório é factível de crédito para confortar um juízo de
reprovação. Na medida em que a mesma revela-se frágil e impotente para secundar
a denúncia, assoma impreterível a absolvição da ré, visto que a incriminação de
ordem ministerial, quedou-se defendida em prova falsa, sendo inoperante para
sedimentar uma condenação, não obstante tenha esta vingado, contrariando todas
as expectativas!
Mesmo, admitindo-se, a título de mera e surrealista argumentação, que sobeje
no bojo dos autos duas versões dos fatos, a primeira proclamada pela ré, a qual
a exculpa, e a segunda encimada pelo dono da lide, o qual pretextando defender
os interesses da sedizente vítima, inculpa a ré pelo fictício furto deve, e
sempre, prevalecer, a versão declinada pela apelante, calcado no vetusto, mas
sempre atual princípio in dubio pro reu.
Nesse sentido é a mais cobiçada jurisprudência, extraída das cortes de
justiça, digna de decalque face sua extrema pertinência ao em discussão:
"Inexistindo outro elemento de convicção, o antagonismo entre as versões da
vítima e do réu impõe a decretação do non liquet" (Ap. 182.367, TACrimSP, Rel.
VALENTIM SILVA.
"Sendo conflitante a prova e não se podendo dar prevalência a esta ou àquela
versão, é prudente a decisão que absolve o réu" (Ap. 29.899, TACrimSP, Rel.
CUNHA CAMARGO).
"Sem que exista no processo uma prova esclarecedora da responsabilidade do
réu, sua absolvição se impõe, eis que a dúvida autoriza a declaração do non
liquet, nos termos do art. 386, VI, do C.PP" (Ap. 160.097, TACrimSP, Rel.
GONÇALVES SOBRINHO).
Outrossim, consigne-se, que o fato imputado a apelante, vem despido de
potencialidade lesiva, bem como de não se verificou qualquer prejuízo a vítima,
na medida em que os objetos supostamente subtraídos, retornaram na sua
integralidade, ao patrimônio desta, não tendo sofrido, por conseguinte, qualquer
abalo em seu tesouro, consoante admitido e proclamado pela própria à folha ____,
ao afirmar que: "... Disse que os objetos furtados lhe foram devolvidos, nenhum
dano lhe foi causado..."
Aferido, pois, o contexto fáctico, hospedado à demanda, o mesmo conduz ao
reconhecimento do princípio da insignificância, apregoado pelo Direito Penal
mínimo, o qual possui como força motriz, exorcizar o delito agasalhado pela
sentença, fazendo-o fenecer, ante ausência de tipicidade.
Nesse momento, faz-se imperioso o decalque de jurisprudência que jorra dos
pretórios:
"Ainda que formalmente a conduta executada pelo sujeito ativo preencha os
elementos compositivos da norma incriminadora, mas não de forma substancial, é
de se absolver o agente por atipicidade do comportamento realizado, porque o
Direito Penal, em razão de sua natureza fragmentária e subsidiária só deve
intervir, para impor uma sanção, quando a conduta praticada por outrem ofenda um
bem jurídico considerado essencial à vida em comum ou à personalidade do homem
de forma intensa e relevante que resulte uma danosidade que lesione ou o coloque
em perigo concreto" (TACRIM, ap. nº 988.073/2, Rel. MÁRCIO BÁRTOLI, 03.01.1966)
"As preocupações do Direito Penal devem se atear aos fatos graves, aos
chamados espaço de conflito social, jamais interferindo no espaço de consenso.
Vale dizer, a moderna Criminologia sugere seja ela a ultima ratio da tutela dos
bens jurídicos, a tornar viável, inclusive, o princípio da insignificância, sob
cuja inspiração e persecução penal deve desprazer o fato típico de escassa ou
nenhuma lesividade" (TACRIM, ap. nº 909.871/5, Rel. DYRCEU CINTRA, 22.06.1.995).
Por significativo, registre-se, que a apelante é mãe de duas filhas menores,
respectivamente com (1) e (4) anos de idade, as quais carecem de sua genitora
para não perecerem de inanição. Qualquer restrição a liberdade imposta a ré,
comprometerá a subsistência das infantes.
Rememore-se, por oportuno, as sábias palavra do Papa JOÃO XXIII (+) de
imortal memória, na carta encíclica, PACEM IN TERRIS, quando exorta:
"Hoje em dia se crê que o bem comum consiste sobretudo no respeito aos
direitos e deveres da pessoas humana. Orienta-se, pois, o empenho dos poderes
públicos sobretudo no sentido de que esses direitos sejam reconhecidos,
respeitados, harmonizados, tutelados e promovidos, tornando-se assim mais fácil
o cumprimento dos respectivos deveres. A função primordial de qualquer poder
público é defender os direitos invioláveis da pessoa e tornar mais viável o
cumprimento dos seus deveres.
Por isso mesmo, se a autoridade não reconhecer os direitos da pessoa, ou os
violar, não só perde ela a sua razão de ser como também as suas injunções perdem
a força de obrigar em consciência". (60/61)
Por último, obtempere-se, que a recorrente não é reincidente, visto que o
processo (tombado sob o nº _________, constante do rol de folha ____), em seu se
louva o digno Julgador, para assim qualificá-la encontra-se em fase recursal, o
que se depreende da própria certidão de folha ____, a qual não menciona o
trânsito em julgado da sentença, bem como da novel certidão em anexo, expedida
pela Vara Criminal, onde teve tramitação o feito.
Em assim sendo, impossível é a manutenção do labéu da reincidência irrogado
aleatoriamente contra a recorrente, cumprindo-se glosar-se da sentença, dita
qualificadora.
Destarte, todos os caminhos conduzem, a absolvição da ré, frente ao conjunto
probatório domiciliado à demanda, em si sofrível e altamente defectível, para
operar e autorizar um juízo adverso contra a apelante.
Conseqüentemente, a sentença estigmatizada, por se encontrar lastreada em
premissas inverossímeis, estéreis e claudicantes, clama e implora por sua
reforma, missão, esta, reservada aos Preeminentes e Preclaros Desembargadores,
que compõem essa Augusta Câmara Secular de Justiça.
ANTE AO EXPOSTO, REQUER:
I.- Seja cassada a sentença judiciosamente buscada desconstituir, face a
manifesta e notória deficiência probatória que jaz reunida à demanda, impotente
em si e por si, para gerar qualquer veredicto condenatório, absolvendo-se a ré
(apelante), forte no artigo 386, inciso VI, do Código de Processo Penal, não
olvidando-se da tese de negativa da autoria, argüida pela ré em seu depoimento
judicial, a merecer trânsito, pelo artigo 386, inciso IV, do Código de Processo
Penal.
II.- Na longínqua e remotíssima hipótese de não serem acolhidas teses
amalgamadas no item supra, seja a ré, de igual sorte absolvida, a teor do artigo
386, inciso III, do Código de Processo Penal, face subsumir-se e amoldar-se a
conduta pela mesma testilhada, ao princípio da insignificância penal.
III.- Em remanescendo incólume a sentença, a despeito do aqui expendido, seja
suprimida dos comemorativos do decisum, a agravante da reincidência
(inexistente), bem como substituída a pena privativa de liberdade pela
restritiva de direitos, eis presentes os requisitos estatuídos no artigo 44 do
Código Penal.
Certos estejam Vossas Excelências, mormente o Insigne e Culto Doutor
Desembargador Relator do feito, que em assim decidindo, estarão julgando de
acordo com o direito e, sobretudo, restabelecendo, perfazendo e restaurando, na
gênese do verbo, o primado da JUSTIÇA!
_________, ____ de _________ de _____.
DEFENSOR
OAB/