Representação eleitoral por abuso do poder econômico em campanha política.
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA ..... ZONA ELEITORAL -
COMARCA DE ... - MUNICÍPIO DE ... - ESTADO DE ....
O MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, por intermédio do Órgão de Execução in fine
assinado, diante dos elementos probatórios contidos nos documentos em anexo
(ofício em 04 laudas encaminhado a Promotoria de Justiça Eleitoral pelo Partido
da Frente Liberal - Diretório Municipal de ... - SE - acompanhado de uma fita de
vídeo cassete VHS) vem respeitosamente perante V. Ex.ª, com fulcro nos artigos
1.º, alíneas "d" e "h" e 22, da Lei Complementar n.º 64/90; artigos 73, incisos
I e IV c/c §§ 4.º, 5.º e 7.º, do mesmo dispositivo legal e 74, todos da Lei n.º
9.504/97, oferecer
REPRESENTAÇÃO ELEITORAL
em face de
....., brasileiro (a), menor, representado por sua mãe ....., brasileiro (a),
(estado civil), profissional da área de ....., portador (a) do CIRG n.º ..... e
do CPF n.º ....., residente e domiciliado (a) na Rua ....., n.º ....., Bairro
....., Cidade ....., Estado ....., ....., brasileiro (a), menor, representado
por sua mãe ....., brasileiro (a), (estado civil), profissional da área de
....., portador (a) do CIRG n.º ..... e do CPF n.º ....., residente e
domiciliado (a) na Rua ....., n.º ....., Bairro ....., Cidade ....., Estado
....., ....., brasileiro (a), menor, representado por sua mãe ....., brasileiro
(a), (estado civil), profissional da área de ....., portador (a) do CIRG n.º
..... e do CPF n.º ....., residente e domiciliado (a) na Rua ....., n.º .....,
Bairro ....., Cidade ....., Estado ....., pelos motivos de fato e de direito a
seguir aduzidos.
DOS FATOS
Nos dias 15, 16 e 17 de setembro do ano em curso a Prefeitura Municipal de ...
promoveu a festa popular intitulada "FESTA DO JEGUE", oportunidade em que várias
bandas de música se apresentaram ao público, todas contratadas pelo Poder
Público, de acordo com a programação em anexo.
Tudo não deveria passar de mais uma festa tradicional, de um momento de lazer
proporcionado aos munícipes pelo Executivo local, todavia, durante as
apresentações das bandas "AQUARIUS" e "MASTRUZ COM LEITE" houve um verdadeiro
comício em favor dos candidatos à reeleição, Srs. R. F. e S. S. E tudo de forma
escancarada, é claro, como todo ato de propaganda.
Basta assistir à fita de vídeo acostada para constatar o uso do dinheiro
público, do poder político, em proveito dos candidatos supracitados.
Observe-se que todos os integrantes da banda "AQUARIUS" realizaram o espetáculo
com camisetas nas quais contava: "(Número) - DR. R. - VICE: S."
Como se não bastasse, durante a apresentação do grupo "MASTRUZ COM LEITE" o
vocalista da banda interrompeu a música e anunciou: "Por gentileza, o prefeito
de vocês", oportunidade em que o Sr. R. assumiu o microfone falando à platéia,
ad verbum:
"Quero apenas aqui registrar a presença do nosso grande governador aqui (...) A.
F., sem ele também nós não realizaríamos esta festa. Um grande abraço, registrar
a presença do Deputado U. A., dos nossos vereadores e da Prefeita em exercício
D. G."
Encerrando a campanha, o vocalista da banda formulou uma pergunta aos presentes,
já consignando, não por acaso, a resposta, verbis:
"Qual o nome do futuro ou do atual e também do futuro prefeito de vocês ? E qual
o número dele no dia 1.º de outubro ?"
DO DIREITO
1. Evolução Social e Jurídica
Paulatinamente a sociedade vem mudando sua postura ético-moral, revendo seus
valores, reformulando seus conceitos, precipuamente no que diz respeito à
moralidade pública.
A ciência do Direito, por seu turno, diante de sua natureza eminentemente
social, não fica alheia a tais mutações.
Não foi por acaso que a população brasileira, devidamente organizada pela Igreja
Católica, promoveu importante inovação na legislação eleitoral, com o advento do
disposto no art. 41 - A, da Lei n.º 9.504/97, introduzido pela Lei n.º 9.840/99
- de iniciativa popular.
Com o escopo de resguardar os princípios constitucionais, as leis vêm se
tornando cada vez mais rígidas, reflexo dos anseios populares. E os operadores
do direito, por outro lado, cada vez mais atentos e exigentes no cumprimento de
suas funções.
A situação está melhorando; basta ter paciência e atenção para vislumbrar os
avanços.
Nessa linha de esperança, otimismo e raciocínio, percebemos que os fatos
descritos alhures são vedados pela legislação eleitoral. Mas não apenas vedados;
são veementemente censurados e severamente punidos com a cassação do registro ou
diploma, em razão do abuso do poder político ou de autoridade. Vejamos:
2.Legitimidade passiva
Devem figurar no pólo passivo da presente relação processual, tanto o agente
público responsável diretamente pela prática do ato, quanto o(s) candidato(s)
beneficiados pelo mesmo.
Interpretação diversa contraria a própria evolução jurídico - social salientada
no tópico anterior.
Expondo o tema com maestria, ADRIANO SOARES DA COSTA(1) , com espeque,
outrossim, na jurisprudência, leciona, ipsis litteris:
"Questão de interesse surge quanto a legitimidade passiva ad causam, ou seja
sobre quem pode ser acionado através da AIJE".
Durante muito tempo se compreendeu que os efeitos da AIJE apenas alcançariam
aquelas pessoas efetivamente culpadas pela prática do ato vergastado, não
podendo alcançar os que tivessem concorrido para o abuso de poder econômico, ou
uso ilegal de transporte, nada obstante fossem beneficiados por esses fatos
ilícitos. Mas desde o advento do Ac. 12.030 (rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJU
de 16.09.1991), houve uma nova linha jurisprudencial adotada pelo TSE, segundo a
qual:
´A perda de mandato que pode decorrer da ação de impugnação, não é uma pena cuja
imposição devesse resultar da apuração de crime eleitoral de responsabilidade do
mandatário, mas, sim, conseqüência do comprometimento da legitimidade da
eleição, por vício de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude. Por isso,
nem o art. 14, § 10 (da Constituição), nem o princípio do due process of law,
ainda que se lhe empreste o conceito substantivo que ganhou na América do Norte,
subordinam a perda do mandato à responsabilidade pessoal do candidato eleito nas
práticas viciosas que, comprometendo o pleito, a determinem´
...
Por essa razão, fica evidenciado que a ação de investigação judicial eleitoral
pode ser proposta contra:
- os candidatos beneficiados pelo abuso do poder econômico e político...
- qualquer pessoa, candidato ou não-candidato, que beneficie ilicitamente algum
candidato... - acrescentamos negrito.
Com a aprovação da Lei n.º 9.840/99 - que deu nova redação ao § 5.º do art. 73
da Lei n.º 9.504/97 - foi definitivamente agasalhado tal pensamento do TSE,
porquanto o dispositivo legal faz expressa referência ao responsabilizar o
"candidato beneficiado, agente público ou não".
Faz-se mister, portanto, a formação do litisconsórcio passivo necessário, como
proposto nesta peça.
3. Violação do disposto no art. 1.º, alíneas "d" e "h" e 22, ambos da Lei
Complementar n.º 64/90
Estudando o tema, procuremos - de início - conceituar "abuso de poder político
ou de autoridade", destacando mais uma vez, os ensinamentos do jovem e
competente autor ADRIANO SOARES DA COSTA(2), ipsis litteris:
"Abuso de poder político é o uso indevido de cargo ou função pública, com a
finalidade de obter votos para determinado candidato. Sua gravidade consiste na
utilização do munus público para influenciar o eleitorado, com desvio de
finalidade. É necessário que os fatos apontados como abusivos, entrementes, se
encartem nas hipóteses legais de improbidade administrativa (Lei n.º 8.429/92),
de modo que o exercício de atividade pública possa se caracterizar como ilícita
do ponto de vista eleitoral". Destacamos com negrito.
Com efeito, dispõe o art. 22 da Lei das Inelegibilidades, in verbis:
"Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral
poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou
Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir
abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso de
poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou
meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político."
- incluímos negrito.
Bastaria tal previsão normativa para acolher a pretensão ora deduzida em Juízo,
tendo em vista que a atual Prefeita de ... usou indevidamente, desviou e abusou
do poder de sua autoridade ao contratar em nome do município e com dinheiro
público, bandas musicais que realizaram propaganda eleitoral do candidato de sua
preferência à sucessão municipal, com a nítida intenção de obter votos para o
mesmo.
Com tais condutas, o eleitorado foi influenciado indevidamente, com desvio de
finalidade.
Por outro ângulo, cumpre-nos registrar que os fatos apontados como abusivos
configuram hipóteses legais de improbidade administrativa, nos termos do art. 11
caput e inciso I, da Lei n.º 8.429/92.
Primeiro, porque os comportamentos combatidos feriram, a talhe de foice, os
princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade (art. 37 da CF), violando
os deveres de honestidade, imparcialidade e lealdade às instituições.
3.1. Princípios que regem a administração pública
A Constituição Federal, no art. 37 caput estabelece, ipsis litteris:
"A administração pública, direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos
Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá
aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e
eficiência"
Os princípios constitucionais - conjunto de normas que alicerçam um sistema e
lhe garantem a validade - são a síntese dos valores precípuos da ordem jurídica,
posto que consubstanciam suas premissas básicas indicando o ponto de partida e
os caminhos que devem ser percorridos.
Ao interpretar a Constituição de 1891 Rui Barbosa afirmou que "as cláusulas
constitucionais são regras imperativas e não meros conselhos, avisos ou lições".
(apud Raul Machado Horta,"Estrutura, Natureza e expansividade das Normas
Constitucionais", Revista Trimestral de Direito Público, 4/1993, Ed. RT, p. 41).
Na lição de Celso Antonio Bandeira de Mello, "Violar um princípio é muito mais
grave do que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não
apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos.
É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão
do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema,
subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço
lógico e corrosão de sua estrutura mestra." ("Curso de Direto Administrativo",
Malheiros Editores, 5ª ed., 1.994,, p. 451)
Os princípios constitucionais dirigem-se ao Executivo, Legislativo e Judiciário,
condicionando-os e pautando a interpretação e aplicação de todas as normas
jurídicas vigentes.
No Estado de Direito o que se quer é o governo das leis e não dos homens, razão
pela qual os administradores têm o dever de cumprir as aspirações legais.
"É próprio do Estado de Direito que se delineie na regra geral e impessoal
produzida pelo Legislativo, o quadro, o esquema, em cujo interior se moverá a
Administração." ("Desvio de Poder", Celso Antonio Bandeira de Mello, in RDP
89/24).
Não pode o particular compactuar com atos lesivos ao erário público. Se a
Administração Pública só pode fazer o que a Lei prevê (agir conforme a Lei), ao
particular é vedado fazer, concorrer ou se beneficiar de atos ilegais e lesivos
ao Estado (agir contra a Lei).
"O primeiro direito do administrado frente à Administração, consiste, portanto,
na garantia de legalidade do comportamento administrativo e na aderência desse
mesmo comportamento ao interesse público, hipoteticamente descrito na norma."
(Luciano Ferreira Leite,"Discricionariedade Administrativa e Controle Judicial",
Ed. Revista dos Tribunais, 1.981, p. 35)
Conforme o festejado Celso Antonio Bandeira de Mello, "explícita a subordinação
da atividade administrativa à lei e surge como decorrência natural da
indisponibilidade do interesse público, noção esta que, conforme foi visto,
informa o caráter da relação de administração." ("Curso de Direito
Administrativo", Malheiros Editores, 5ª ed. 1.994, p. 24).
Hely Lopes Meirelles assinalou que: "A legalidade, como princípio de
administração (CF, art. 37, caput), significa que o administrador público está,
em toda sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências
do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato
inválido e expor-se a responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o
caso." ("Direito Administrativo Brasileiro", Malheiros Editores, 19.ª ed., p.
82)
"Fora da lei, portanto, não há espaço para atuação regular da Administração.
Donde, todos os agentes do Executivo, desde o que lhe ocupa a cúspide até o mais
modesto dos servidores que detenha algum poder decisório, hão de ter perante a
lei - para cumprirem corretamente seus misteres - a mesma humildade e a mesma
obsequiosa reverência para com os desígnios normativos. É que todos exercem
função administrativa, a dizer, função subalterna à lei, ancilar - que vem de
ancila, serva, escrava." (Celso Antonio Bandeira de Mello, "Discricionariedade e
Controle Jurisdicional", Malheiros Editores, 2ª ed., 1993, p. 50).
Insitos ao princípio da legalidade, dentre outros, estão os princípios da
finalidade e indisponibilidade dos interesses públicos.
A finalidade pública é o bem jurídico buscado pelo ato; e o Administrador
Público, bem como, todas as pessoas previstas no artigo 2.º da Lei 8.429/92, têm
o dever jurídico de alcançá-la, sob pena de configurar-se o abuso de poder.
Ruy Cirne Lima escreveu sobre os princípios de direito administrativo e bem
definiu o conceito de Administração. Para ele a palavra administração, tanto sob
a ótica do direito privado como do direito público, designa atividade do que não
é proprietário.
Prosseguindo, o mesmo autor afirma com muita propriedade que: "O fim - e não a
vontade - domina todas as formas de administração. Supõe, destarte, a atividade
administrativa a preexistência de uma regra jurídica, reconhecendo-lhe uma
finalidade própria. Jaz, conseqüentemente, a administração pública debaixo da
legislação que deve enunciar e determinar a regra de direito." ...
"Administração, segundo o nosso modo de ver, é a atividade do que não é
proprietário - do que não tem a disposição da coisa ou do negócio
administrado."..."Opõe-se a noção de administração à de propriedade visto que,
sob administração, o bem não entende vinculado à vontade ou personalidade do
administrador, porém, à finalidade impessoal a que essa vontade deve servir."
("Princípios de Direito Administrativo", Editora RT, 5ª ed., 1.982 págs. 20 e
22).
Destaque-se, outrossim, o intitulado Princípio da Impessoalidade, o qual no
dizer de Hely Lopes Meirelles - "...nada mais é que o clássico princípio da
finalidade, o qual impõe ao administrador público que só pratique o ato para o
seu fim legal. E o fim legal é unicamente aquele que a norma de Direito indica
expressa ou virtualmente como objetivo do ato, de forma impessoal".
"Esse princípio também deve ser entendido para excluir a promoção pessoal de
autoridades ou servidores públicos sobre suas realizações administrativas (CF,
art. 37, § 1º)". (ob. cit., p. 85, grifo nosso)
O princípio da impessoalidade ou finalidade foi ferido de morte quando os
requeridos permitiram (ou concorreram) que os músicos contratados pelo Poder
Público - e representando a Administração Pública local - vestissem camisas de
propagando política de determinado candidato, trabalhando assim, na campanha do
mesmo, deixando de lado a finalidade de prestar um serviço de lazer e diversão à
comunidade, de forma independente, imparcial e impessoal.
Marino Pazzaglini Filho, Márcio Fernando Elias Rosa e Waldo Fazzio Júnior(3)
abordam com proficiência o princípio da impessoalidade, asseverando, ad
litteram:
"Administrar é um exercício institucional e não pessoal. A conduta
administrativa deve ser objetiva, imune ao intersubjetivismo e aos liames de
índole pessoal, dos quais são exemplos o nepotismo, o favorecimento, o
clientelismo e a utilização da máquina administrativa como promoção pessoal".
Pautada pela lei, a conduta administrativa deve ser geral e abstrata, jamais
focalizada em pessoas ou grupos. Sua finalidade é a realização do bem comum,
síntese tradutora dos objetivos fundamentais do Estado Brasileiro.
...
Também é a impessoalidade afetada pelo princípio republicano que impõe ao
administrador o dever de, como mero gestor da res publica, não fazer seu ou de
alguns aquilo que é de todos. A prevalência do interesse social sobre eventuais
anelos individuais ou grupais reclama uma conduta administrativa impessoal.
Em resumo, da indisponibilidade do interesse público decorre a impessoalidade
administrativa. - Inovamos com destaques.
Infere-se, pois, que devido a flagrante, gritante, escancarada ofensa a tais
postulados, o princípio da impessoalidade foi um dos mais sacrificados pelas
condutas dos representados.
Por derradeiro, como ficou claro no confronto dos atos impugnados com os
princípios já analisados, os réus transgrediram outrossim, o Princípio da
Moralidade, que na conformidade do caput do artigo 37, da Constituição Federal,
incontestavelmente constitui pressuposto de validade de todo ato administrativo.
A respeito do alcance desse princípio e citando lição de Maurice Hauriou, Hely
Lopes Meirelles ressaltou que: "Não se trata da moral comum, mas sim de uma
moral jurídica, entendida como" o conjunto de regras de conduta tiradas da
disciplina interior da Administração." ..."O certo é que a moralidade do ato
administrativo juntamente com sua legalidade e finalidade constituem
pressupostos de validade sem os quais toda atividade pública será ilegítima."
(ob. cit., p. 83).
Observe-se que o exame da moralidade do ato contém um decisivo componente ético.
O administrador não deve cingir-se apenas à legalidade ou ilegalidade, justiça
ou injustiça e à conveniência e oportunidade do ato. Deverá, também, ajustar sua
conduta aos parâmetros da moralidade. Como poderia ser permitido utilizar
dinheiro da Prefeitura, dinheiro público, para realizar campanha eleitoral de
candidato agraciado, escolhido pelo Chefe do Executivo? Qualquer do povo sabe
que as verbas públicas se destinam a todos e não a um candidato ou grupo
selecionado, ao alvedrio do detentor do poder.
Em suma, o Administrador não pode deixar de atender a finalidade legal
pretendida pela lei, em sintonia, outrossim, com a moralidade pública. Não tem
ele a disponibilidade sobre os interesses públicos confiados à sua guarda. Quem
concorre ou se beneficia de atos que não observam a finalidade legal e os demais
princípios ora estudados, está incorrendo em improbidade administrativa, segundo
art. 11 caput, da Lei 8.429/92.
3.2. Ato de Improbidade previsto no inciso I, do art. 11, da Lei n. 8.429/92
Além de afrontar o caput do artigo legal supracitado, os atos que os réus
praticaram amoldando-se, outrossim, ao inciso I, do mesmo dispositivo, na medida
em que visaram a fim proibido em lei.
Eis a redação do texto legal:
"I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele
previsto, na regra de competência;"
A toda evidência, fazer propaganda pessoal e política de candidato com dinheiro
público, constitui fim proibido em lei; e mais, na Lei das Leis (art. 37 caput
da Consituição Federal e seus §§).
Comentando o inciso supra transcrito, Marino Pazzaglini Filho, Márcio Fernando
Elias Rosa e Waldo Fazzio Júnior(4) asseveram, ipsis verbis:
"É o desvio de finalidade, seja porque atua com fito pessoal (por exemplo,
vingança, protecionismo, etc.), seja porque tem em mira a finalidade
administrativa diversa da determinada em lei."
...
Age com óbvio desvio abuso de poder, por exemplo, o agente público que orienta a
entidade que administra para fim estranho a seu objeto estatutário ou de modo a
favorecer interesses particulares em detrimento dos interesses sociais
...
Para que se configure o disposto no inciso, basta que o ato impugnado vise a fim
ilícito ou extrapole a esfera de competência do agente público" - inovamos com
negrito.
Como se não bastassem tantas violações legais, foi infringida ainda, a Lei da
Eleições. Senão vejamos.
4. Violação do disposto no art. 73, incisos I e IV, da Lei n.º 9.504/97
Além da transgressão à Lei Complementar n.º 64/90, consoante demonstrado acima,
a conduta da terceira ré se inclui, também, dentre aquelas vedadas aos agentes
públicos em campanhas eleitorais.
Estabelece o art. 73, incisos I e IV, da Lei das Eleições, ipsis verbis:
"Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes
condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos
pleitos eleitorais:
I - ceder ou usar, em benefício de candidato, partido ou coligação, bens móveis
ou imóveis pertencentes à administração direita ou indireta da União, dos
Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ressalvada a
realização de convenção partidária;
...
IV - fazer ou permitir uso promocional em favor de candidato, partido político
ou coligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social
custeados ou subvencionados pelo Poder Público". Destacamos.
Indubitavelmente, ante os comportamentos descritos alhures, a representada cedeu
todos os bens móveis que integravam a estrutura da "festa do jegue" -
pertencentes à administração, dentre eles, palanque, equipamentos de som,
material de propaganda da festa e o próprio dinheiro público usado na
contratação das bandas - em benefício dos dois candidatos também representados,
afetando destarte, a igualdade de oportunidades entre os candidatos,
prejudicando sobremaneira aqueles concorrentes que não são do grupo político dos
réus.
De igual forma, a ré fez e permitiu (com participação direta do candidato R. F.,
de acordo com as imagens constantes da fita em apenso) uso promocional de
serviços de caráter social custeados pelo Poder Público, em favor de candidatos
e partido político, tendo em vista que uma festa popular patrocinada pelo Poder
Executivo, com apresentação de espetáculos musicais, constitui um serviço de
caráter social - já que o lazer é, indiscutivelmente um direito social, nos
precisos termos do art. 6.º da Lex Mater.
Protesta e requer provar o alegado por todos os meios de prova admitidos no
ordenamento jurídico pátrio, mormente através do depoimento pessoal dos
representados, de documentos - juntados nesta oportunidade e aqueles que ainda
serão anexados aos autos - e sobretudo, por meio da fita de vídeo cassete VHS
ora apresentada.
DOS PEDIDOS
Ex positis, o MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL requer:
1. o recebimento da presente representação - ação de investigação judicial
eleitoral - e a citação dos representados para oferecerem defesa no prazo de
cinco dias, nos termos do art. 22, inciso I, alínea "a", da Lei Complementar n.º
64/90;
2. seja requisitada a Prefeitura Municipal de ..., através da Prefeita em
exercício, cópia dos contratos firmados com as bandas musicais que prestaram
serviços ao Município, com fulcro no inciso VIII, do mesmo dispositivo legal
supracitado;
3. seja declarada a inelegibilidade dos representados, cominando-lhes sanção de
inelegibilidade para as próximas eleições do dia 1.º de outubro de 2.000, bem
como, para as eleições a se realizarem nos três anos subseqüentes à eleição em
que se verificou o abuso de poder político e de autoridade, com espeque no art.
22, inciso XIV, da Lei Complementar n.º 64/90;
4. sejam cassados os registros dos dois representados candidatos às eleições
majoritárias no município de ..., os quais foram beneficiados diretamente pelo
desvio e abuso do poder político e de autoridade, proibindo-se, conseqüentemente
a diplomação dos mesmos, caso eleitos no dia 01/10/2000, com supedâneo no art.
22, inciso XIV, da Lei Complementar n.º 64/90 e § 5.º, do art. 73, da Lei n.º
9.504/97;
5. na hipótese do Poder Judiciário entregar a prestação jurisdicional definitiva
apenas após a diplomação dos representados (se forem eleitos), requeremos o
envio das peças ao Ministério Público Eleitoral para propositura de Recurso
contra Diplomação ou Ação de Impugnação de Mandato Eletivo, em atenção ao
mandamento contido no art. 22, inciso XV, da Lei Complementar n.º 64/90;
Nesses Termos,
Pede Deferimento.
[Local], [dia] de [mês] de [ano].
[Assinatura do Advogado]
[Número de Inscrição na OAB]