Ação de impugnação a mandato eletivo, decorrente da compra de votos eleitorais.
EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA JUÍZA DE DIREITO DA ..... ZONA ELEITORAL -
COMARCA DE ........ - ESTADO DE .......
O MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, por intermédio do Órgão de Execução in fine
assinado, diante dos elementos probatórios contidos nos documentos em anexo, vem
respeitosamente perante V. Ex.ª, com fulcro na Lei Complementar n.º 64/90; na
Lei n.º 9.504/97 (artigos 41-A e 73, inciso IV), no art. 72, ..............grafo
único, da Lei Complementar n.º 75/93, bem como, no art. 14 §§ 10 e 11, da
Constituição Federal, oferecer
AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO
em face de
....., brasileiro (a), (estado civil), profissional da área de ....., portador
(a) do CIRG n.º ..... e do CPF n.º ....., residente e domiciliado (a) na Rua
....., n.º ....., Bairro ....., Cidade ....., Estado ....., ....., brasileiro
(a), (estado civil), profissional da área de ....., portador (a) do CIRG n.º
..... e do CPF n.º ....., residente e domiciliado (a) na Rua ....., n.º .....,
Bairro ....., Cidade ....., Estado ....., ....., brasileiro (a), (estado civil),
profissional da área de ....., portador (a) do CIRG n.º ..... e do CPF n.º
....., residente e domiciliado (a) na Rua ....., n.º ....., Bairro ....., Cidade
....., Estado ....., pelos motivos de fato e de direito a seguir aduzidos.
DOS FATOS
1.Compra direta de voto
Aproximadamente dez dias antes das últimas eleições municipais, por volta das
10:00 h., o primeiro representado, em sua própria casa, doou dinheiro ao eleitor
....., entregando-lhe a importância de R$ ....., a fim de obter-lhe o voto.
2. Compra indireta de votos
Aproximadamente quinze dias antes das últimas eleições municipais, o candidato a
vereador .... do time de futebol de ....., a mando do primeiro representado,
doou dinheiro ao eleitor ....., entregando-lhe a importância de R$ ....., a fim
de obter os votos dos membros de sua família (tanto para o próprio .... -
candidato a vereador - como para ..... - candidato a prefeito e,
conseqüentemente, para o segundo representado, candidato a vice).
Tal "negócio" resultou de um entendimento anterior mantido entre o primeiro
representado e o eleitor ...., oportunidade em que aquele prometeu blocos a
este. Cumprindo tal promessa, ... entregou o dinheiro, por meio de ...., para
..... comprar os blocos.
3. Distribuição de terrenos públicos
Durante a última campanha eleitoral, o candidato à reeleição nas eleições
majoritárias, Sr. ....., na qualidade de Prefeito Municipal de..., loteou uma
área pública situada no ....., e distribuiu os lotes de terra a pessoas
escolhidas por ele mesmo, a fim de obter-lhes o voto.
Dentre os beneficiários destacam-se: .....
Ressalte-se que ao distribuir os terrenos o representado entregava um documento
ao agraciado, no qual constava a localização do lote (número e quadra), bem
como, a assinatura dele próprio (representado), na condição de Prefeito
Municipal - vide documentos acostados.
Em muitos casos, ao "entregar o lote" o representado pedia expressamente voto
para si.
Embora os documentos apresentados não sejam aptos a transferir o domínio dos
bens imóveis citados, não há dúvida de que representaram uma vantagem para o
eleitor, na medida em que estes receberam do Chefe do Executivo Municipal
(primeiro representado) autorização para exercerem o direito de uso sobre os
bens públicos e, de fato, ocuparam os terrenos.
Além disso, note-se que o representado explorou a ignorância das pessoas
beneficiadas, na medida em que entregou os documentos supracitados como se estes
conferissem a propriedade da terra ao seu portador. E tais pessoas, realmente
acreditavam, sinceramente, que tinham recebido o domínio dos imóveis. Assim
agindo, o primeiro representado abusou não só da pobreza material do povo, mas
também, da sua miséria cultural, intelectual (as quais, em regra, andam de
braços dados).
Enfim, com tais condutas, o representado entregou terrenos públicos para que
fossem ocupados por eleitores, em busca, é claro, de votos.
DO DIREITO
1.Esclarecimento Prévio - Ausência de Litispendência
Em razão da ausência de técnica legislativa e das interpretações antagônicas
emanadas do próprio TSE a respeito dos efeitos da AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL
ELEITORAL (ação esta já proposta por esta Promotoria Eleitoral contra os mesmos
réus e abordando os mesmos fatos), faz-se mister a propositura da presente AÇÃO
DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO, com o escopo de resguardar a eficácia de
futura decisão que reconheça abuso de poder econômico e/ou político por parte
dos representados.
Isto porque, há uma corrente de pensamento no referido Tribunal Superior(1), no
sentido de que se a AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL for julgada após a
eleição e já tiver decorrido o prazo para propositura da AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE
MANDATO ELETIVO - 15 dias após a diplomação - (como fatalmente acontecerá na
hipótese sub examine, já que a instrução processual da mencionada AIJE sequer
teve início e já houve a diplomação dos ora representados), nada mais poderá ser
feito para impedir que o condenado continue no exercício do mandato conquistado
de forma ilegal e ilegítima.
Criou-se, com tal interpretação, situação esdrúxula e imoral: A Justiça
Eleitoral reconhece que o candidato abusou do poder econômico e/ou político para
se eleger, mas, ao mesmo tempo, entende que ele (candidato) deve permanecer no
exercício do mandato!!!
É bem verdade que existem lúcidas posições em sentido inverso.
Alguns, como o jovem e sapiente ADRIANO SOARES DA COSTA(2), defendem a tese
segundo a qual, nestas hipóteses, o prazo de 15 dias para propositura da AIME só
começa após o trânsito em julgado da decisão da AIJE e não a partir da
diplomação, pois se assim não fosse, ficaria impossível o cumprimento do
disposto no art. 22, inciso XV, da Lei Complementar n.º 64/90.
Outros, tendo em vista a finalidade da norma e considerando que o processo não
pode ter um desfecho inútil, vão além, como é o exemplo do Tribunal Regional
Eleitoral do Rio Grande do Sul(3), verbo ad verbum:
O Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul, após julgar procedente ação
de investigação judicial, cassou o mandato do promovido. O relatório do Ministro
Vilas Boas no Agravo Regimental, não provido, contra despacho que indeferiu
pedido de liminar no MS 1445- Porto Alegre, impetrado contra a Corte Gaúcha,
esclarece esse pormenor:
"O Impetrante fez publicar na Companhia Riograndense de Artes Gráficas - CORAG,
empresa estatal e à custa do erário, determinado número de calendários de mesa
(3.000), com sua fotografia, o dístico Thos 90 e frases alusivas a seus
propósitos.
Realizada investigação judicial, mercê de representação formulado pelo
Ministério Público, presidida pelo eminente Desembargador Corregedor Regional, o
Tribunal julgou comprovados os fatos, concluindo, por unanimidade, pela
aplicação das sanções legais, ao representado.
Foi entendimento da Corte que não teria sentido julgar procedente a
representação, sem que disso nada decorresse. Daí a conclusão de declarar o
candidato inelegível, com conseqüente cancelamento de registro e sustação da
diplomação. A tese de que fosse julgada procedente a representação e ficasse ele
na dependência de novo processo do Ministério Público eleitoral, e um novo
julgamento, não era um procedimento razoável..."
Sobre o tema, importante ainda registrar as relevantes observações de DJALMA
PINTO(4), ipsis litteris:
A impossibilidade da cassação do mandato na ação de investigação judicial foi
mais um óbice, erigido pelo próprio legislador, à efetiva moralização do
processo eleitoral. É fácil demonstrar esta assertiva e do descompasso do
comando que erigiu, com a Constituição.
Dispõem os incisos XIV e XV do art.22, da Lei Complementar n.º 64/90:
"XIV - Julgada procedente a representação, o Tribunal declarará a
inelegibilidade do representado e de quantos hajam contribuído para a prática do
ato, cominando-lhes sanção de inelegibilidade para as eleições a se realizarem
nos 3 três anos subseqüentes à eleição em que se verificou, além da cassação do
registro do candidato diretamente beneficiado pela interferência do poder
econômico e pelo desvio ou abuso do poder de autoridade, determinando a remessa
dos autos ao Ministério Público Eleitoral, para instauração de processo
disciplinar, se for o caso, e processo crime, ordenando quaisquer outras
providências que espécie comportar;
XV - Se a representação for julgada procedente após a eleição do candidato,
serão remetidas cópias de todo o processo ao Ministério Público Eleitoral, para
fins previstos no art. 14, §§ 10 e 11, da Constituição Federal e art. 262, inc.
IV, do Código Eleitoral".
Ao determinar o inc. XV a remessa de cópia do processo para que o Ministério
Público ingresse com recurso contra a diplomação ou ação de impugnação de
mandato, nos casos em que a investigação judicial for julgada procedente após a
eleição do candidato, consagrou-se a incongruência e o princípio da inutilidade
processual.
É que, se a investigação judicial, autêntico processo de conhecimento, em que
são assegurados a ampla defesa e contraditório, permite a cassação do registro,
uma vez proclamada a sua procedência, por que não conhecer-lhe aptidão, também
para subtração do mandato, caso julgada após a eleição? A ilicitude do abuso não
pode ter seus efeitos minorados porque apurada após a eleição.
Ao destacar a Constituição que o mandato poderia ser impugnado através da ação
de impugnação, não condicionou a sua perda, exclusivamente, às hipóteses em que
seja proposta a ação impugnatória. O princípio consagrado na Constituição é da
proibição do exercício do mandato obtido por meio de abuso do poder econômico ou
abuso no exercício de função.
A afronta à Constituição reside, justamente, no permitir-se que alguém venha
exercer o mandato, galgado por meios comprovadamente ilícitos, apuradas através
da própria Justiça Eleitoral.
Deixá-lo no exercício de mandato, obtido através dessa forma inidônea, é ferir
de morte o princípio constitucional que tem por ilegítima e anormal a eleição de
quem abusou do poder de autoridade. (art.14, § 9º,CF).
3. Legitimidade Passiva
Devem figurar no pólo passivo da presente relação processual, tanto o agente
público responsável diretamente pela prática do ato, quanto o(s) candidato(s)
beneficiados pelo mesmo.
Interpretação diversa contraria a própria evolução jurídico - social salientada
no tópico anterior.
Expondo o tema com maestria, ADRIANO SOARES DA COSTA(8), com espeque, outrossim,
na jurisprudência, leciona, ipsis litteris:
Questão de interesse surge quanto a legitimidade passiva ad causam, ou seja
sobre quem pode ser acionado através da AIJE.
Durante muito tempo se compreendeu que os efeitos da AIJE apenas alcançariam
aquelas pessoas efetivamente culpadas pela prática do ato vergastado, não
podendo alcançar os que tivessem concorrido para o abuso de poder econômico, ou
uso ilegal de transporte, nada obstante fossem beneficiados por esses fatos
ilícitos. Mas desde o advento do Ac. 12.030 (rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJU
de 16.09.1991), houve uma nova linha jurisprudencial adotada pelo TSE, segundo a
qual:
A perda de mandato que pode decorrer da ação de impugnação, não é uma pena cuja
imposição devesse resultar da apuração de crime eleitoral de responsabilidade do
mandatário, mas, sim, conseqüência do comprometimento da legitimidade da
eleição, por vício de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude. Por isso,
nem o art. 14, § 10 (da Constituição), nem o princípio do due process of law,
ainda que se lhe empreste o conceito substantivo que ganhou na América do Norte,
subordinam a perda do mandato à responsabilidade pessoal do candidato eleito nas
práticas viciosas que, comprometendo o pleito, a determinem
Por essa razão, fica evidenciado que a ação de investigação judicial eleitoral
pode ser proposta contra:
- os candidatos beneficiados pelo abuso do poder econômico e político...
- qualquer pessoa, candidato ou não-candidato, que beneficie ilicitamente algum
candidato... - acrescentamos negrito.
Com a aprovação da Lei n.º 9.840/99 - que deu nova redação ao § 5.º do art. 73
da Lei n.º 9.504/97 - foi definitivamente agasalhado tal pensamento do TSE,
porquanto o dispositivo legal faz expressa referência ao responsabilizar o
"candidato beneficiado, agente público ou não".
Como expressamente consignado no acórdão citado, este estudo aplica-se tanto a
.... como à .....
Faz-se mister, portanto, a formação do litisconsórcio passivo necessário, como
proposto nesta peça.
4. Abuso do poder político e econômico
Estudando o tema, procuremos - de início - conceituar "abuso de poder político
ou de autoridade", destacando mais uma vez, os ensinamentos do jovem e
competente autor ADRIANO SOARES DA COSTA(9), ipsis litteris:
"Abuso de poder político é o uso indevido de cargo ou função pública, com a
finalidade de obter votos para determinado candidato. Sua gravidade consiste na
utilização do munus público para influenciar o eleitorado, com desvio de
finalidade. É necessário que os fatos apontados como abusivos, entrementes, se
encartem nas hipóteses legais de improbidade administrativa (Lei n.º 8.429/92),
de modo que o exercício de atividade pública possa se caracterizar como ilícita
do ponto de vista eleitoral". Destacamos com negrito.
Com efeito, dispõe o art. 22 da Lei das Inelegibilidades, in verbis:
"Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral
poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou
Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir
abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso de
poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou
meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político."
- incluímos negrito.
Bastaria tal previsão normativa para acolher a pretensão ora deduzida em Juízo,
tendo em vista que o atual Prefeito de ........ usou indevidamente, desviou e
abusou do poder de sua autoridade ao distribuir terrenos públicos para que
fossem ocupados por eleitores (estes com animus domini), demonstrando nítida
intenção de obter votos. De igual modo, a conduta configura abuso do poder
econômico, já que houve distribuição de bens materiais.
Com tais condutas, o eleitorado foi influenciado indevidamente, com desvio de
finalidade.
Por outro ângulo, cumpre-nos registrar que os fatos apontados como abusivos
configuram hipóteses legais de improbidade administrativa, nos termos do art. 11
caput e inciso I, da Lei n.º 8.429/92.
Primeiro, porque os comportamentos combatidos feriram, a talhe de foice, os
princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade (art. 37 da CF), violando
os deveres de honestidade, imparcialidade e lealdade às instituições.
Princípios que regem a administração pública
A Constituição Federal, no art. 37 caput estabelece, ipsis litteris:
"A administração pública, direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos
Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá
aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e
eficiência"
Os princípios constitucionais - conjunto de normas que alicerçam um sistema e
lhe garantem a validade - são a síntese dos valores precípuos da ordem jurídica,
posto que consubstanciam suas premissas básicas indicando o ponto de partida e
os caminhos que devem ser percorridos.
Ao interpretar a Constituição de 1891 Rui Barbosa afirmou que "as cláusulas
constitucionais são regras imperativas e não meros conselhos, avisos ou lições".
(apud Raul Machado Horta, "Estrutura, Natureza e expansividade das Normas
Constitucionais", Revista Trimestral de Direito Público, 4/1993, Ed. RT, p. 41).
Na lição de Celso Antonio Bandeira de Mello, "Violar um princípio é muito mais
grave do que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não
apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos.
É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão
do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema,
subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço
lógico e corrosão de sua estrutura mestra." ("Curso de Direto Administrativo",
Malheiros Editores, 5ª ed., 1.994,, p. 451)
Os princípios constitucionais dirigem-se ao Executivo, Legislativo e Judiciário,
condicionando-os e pautando a interpretação e aplicação de todas as normas
jurídicas vigentes.
No Estado de Direito o que se quer é o governo das leis e não dos homens, razão
pela qual os administradores têm o dever de cumprir as aspirações legais.
"É próprio do Estado de Direito que se delineie na regra geral e impessoal
produzida pelo Legislativo, o quadro, o esquema, em cujo interior se moverá a
Administração." ("Desvio de Poder", Celso Antonio Bandeira de Mello, in RDP
89/24).
Não pode o particular compactuar com atos lesivos ao erário público. Se a
Administração Pública só pode fazer o que a Lei prevê (agir conforme a Lei), ao
particular é vedado fazer, concorrer ou se beneficiar de atos ilegais e lesivos
ao Estado (agir contra a Lei).
"O primeiro direito do administrado frente à Administração, consiste, portanto,
na garantia de legalidade do comportamento administrativo e na aderência desse
mesmo comportamento ao interesse público, hipoteticamente descrito na norma."
(Luciano Ferreira Leite, "Discricionariedade Administrativa e Controle
Judicial", Ed. Revista dos Tribunais, 1.981, p. 35)
Conforme o festejado Celso Antonio Bandeira de Mello, "explícita a subordinação
da atividade administrativa à lei e surge como decorrência natural da
indisponibilidade do interesse público, noção esta que, conforme foi visto,
informa o caráter da relação de administração." ("Curso de Direito
Administrativo", Malheiros Editores, 5ª ed. 1.994, p. 24).
Hely Lopes Meirelles assinalou que: "A legalidade, como princípio de
administração (CF, art. 37, caput), significa que o administrador público está,
em toda sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências
do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato
inválido e expor-se a responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o
caso." ("Direito Administrativo Brasileiro", Malheiros Editores, 19.ª ed., p.
82)
"Fora da lei, portanto, não há espaço para atuação regular da Administração.
Donde, todos os agentes do Executivo, desde o que lhe ocupa a cúspide até o mais
modesto dos servidores que detenha algum poder decisório, hão de ter perante a
lei - para cumprirem corretamente seus misteres - a mesma humildade e a mesma
obsequiosa reverência para com os desígnios normativos. É que todos exercem
função administrativa, a dizer, função subalterna à lei, ancilar - que vem de
ancila, serva, escrava." (Celso Antonio Bandeira de Mello, "Discricionariedade e
Controle Jurisdicional", Malheiros Editores, 2ª ed., 1993, p. 50).
Insitos ao princípio da legalidade, dentre outros, estão os princípios da
finalidade e indisponibilidade dos interesses públicos.
A finalidade pública é o bem jurídico buscado pelo ato; e o Administrador
Público, bem como, todas as pessoas previstas no artigo 2.º da Lei 8.429/92, têm
o dever jurídico de alcançá-la, sob pena de configurar-se o abuso de poder.
Ruy Cirne Lima escreveu sobre os princípios de direito administrativo e bem
definiu o conceito de Administração. Para ele a palavra administração, tanto sob
a ótica do direito privado como do direito público, designa atividade do que não
é proprietário.
Prosseguindo, o mesmo autor afirma com muita propriedade que: "O fim - e não a
vontade - domina todas as formas de administração. Supõe, destarte, a atividade
administrativa a preexistência de uma regra jurídica, reconhecendo-lhe uma
finalidade própria. Jaz, conseqüentemente, a administração pública debaixo da
legislação que deve enunciar e determinar a regra de direito."...
"Administração, segundo o nosso modo de ver, é a atividade do que não é
proprietário - do que não tem a disposição da coisa ou do negócio
administrado."..."Opõe-se a noção de administração à de propriedade visto que,
sob administração, o bem não entende vinculado à vontade ou personalidade do
administrador, porém, à finalidade impessoal a que essa vontade deve servir."
("Princípios de Direito Administrativo", Editora RT, 5ª ed., 1.982 págs. 20 e
22).
Destaque-se, outrossim, o intitulado Princípio da Impessoalidade, o qual no
dizer de Hely Lopes Meirelles - ...nada mais é que o clássico princípio da
finalidade, o qual impõe ao administrador público que só pratique o ato para o
seu fim legal. E o fim legal é unicamente aquele que a norma de Direito indica
expressa ou virtualmente como objetivo do ato, de forma impessoal.
Esse princípio também deve ser entendido para excluir a promoção pessoal de
autoridades ou servidores públicos sobre suas realizações administrativas (CF,
art. 37, § 1º)". (ob. cit., p. 85, grifo nosso)
Marino Pazzaglini Filho, Márcio Fernando Elias Rosa e Waldo Fazzio Júnior(10)
abordam com proficiência o princípio da impessoalidade, asseverando, ad
litteram:
"Administrar é um exercício institucional e não pessoal. A conduta
administrativa deve ser objetiva, imune ao intersubjetivismo e aos liames de
índole pessoal, dos quais são exemplos o nepotismo, o favorecimento, o
clientelismo e a utilização da máquina administrativa como promoção pessoal.
Pautada pela lei, a conduta administrativa deve ser geral e abstrata, jamais
focalizada em pessoas ou grupos. Sua finalidade é a realização do bem comum,
síntese tradutora dos objetivos fundamentais do Estado Brasileiro.
Também é a impessoalidade afetada. Destaque-se, outrossim, o intitulado
Princípio da Impessoalidade, o qual no dizer de Hely Lopes Meirelles - "...nada
mais é que o clássico princípio da finalidade, o qual impõe ao administrador
público que só pratique o ato para o seu fim legal. E o fim legal é unicamente
aquele que a norma de Direito indica expressa ou virtualmente como objetivo do
ato, de forma impessoal.
Esse princípio também deve ser entendido para excluir a promoção pessoal de
autoridades ou servidores públicos sobre suas realizações administrativas (CF,
art. 37, § 1º)". (ob. cit., p. 85, grifo nosso)
Marino Pazzaglini Filho, Márcio Fernando Elias Rosa e Waldo Fazzio Júnior(10)
abordam com proficiência o princípio da impessoalidade, asseverando, ad
litteram:
"Administrar é um exercício institucional e não pessoal. A conduta
administrativa deve ser objetiva, imune ao intersubjetivismo e aos liames de
índole pessoal, dos quais são exemplos o nepotismo, o favorecimento, o
clientelismo e a utilização da máquina administrativa como promoção pessoal.
Pautada pela lei, a conduta administrativa deve ser geral e abstrata, jamais
focalizada em pessoas ou grupos. Sua finalidade é a realização do bem comum,
síntese tradutora dos objetivos fundamentais do Estado Brasileiro.
Também é a impessoalidade afetada pelo princípio republicano que impõe ao
administrador o dever de, como mero gestor da res publica, não fazer seu ou de
alguns aquilo que é de todos. A prevalência do interesse social sobre eventuais
anelos individuais ou grupais reclama uma conduta administrativa impessoal.
Em resumo, da indisponibilidade do interesse público decorre a impessoalidade
administrativa." - Inovamos com destaques.
Infere-se, pois, que devido à flagrante, gritante, escancarada ofensa a tais
postulados, o princípio da impessoalidade foi um dos mais sacrificados pela
conduta do representado, o qual destinou bens públicos a eleitores por ele
escolhidos.
De igual forma, o princípio da legalidade foi totalmente posto de lado, tendo em
vista que os imóveis pertencentes ao município foram distribuídos sem
observância das formalidades legais exigidas pelo ordenamento jurídico pátrio,
mormente pela Lei n.º 8.666/93 e pela Lei n.º 6.766/79.
Por derradeiro, como ficou claro no confronto dos atos impugnados com os
princípios já analisados, os réus transgrediram outrossim, o Princípio da
Moralidade, que na conformidade do caput do artigo 37, da Constituição Federal,
incontestavelmente constitui pressuposto de validade de todo ato administrativo.
A respeito do alcance desse princípio e citando lição de Maurice Hauriou, Hely
Lopes Meirelles ressaltou que: "Não se trata da moral comum, mas sim de uma
moral jurídica, entendida como "o conjunto de regras de conduta tiradas da
disciplina interior da Administração."..."O certo é que a moralidade do ato
administrativo juntamente com sua legalidade e finalidade constituem
pressupostos de validade sem os quais toda atividade pública será ilegítima."
(ob. cit., p. 83).
Observe-se que o exame da moralidade do ato contém um decisivo componente ético.
O administrador não deve cingir-se apenas à legalidade ou ilegalidade, justiça
ou injustiça e à conveniência e oportunidade do ato. Deverá, também, ajustar sua
conduta aos parâmetros da moralidade. Como poderia ser permitido utilizar bens
do município para realizar campanha eleitoral, beneficiando eleitores escolhidos
pelo Chefe do Executivo? Qualquer do povo sabe que a coisa pública se destina a
todos e não a um candidato ou grupo selecionado, ao alvedrio do detentor do
poder.
Em suma, o Administrador não pode deixar de atender a finalidade legal
pretendida pela lei, em sintonia, outrossim, com a moralidade pública. Não tem
ele a disponibilidade sobre os interesses públicos confiados à sua guarda. Quem
concorre ou se beneficia de atos que não observam a finalidade legal e os demais
princípios ora estudados, está incorrendo em improbidade administrativa, segundo
art. 11 caput, da Lei 8.429/92.
Ato de Improbidade previsto no inciso I, do art. 11, da Lei n. 8.429/92
Além de afrontar o caput do artigo legal supracitado, os atos do réu
amoldando-se, outrossim, ao inciso I, do mesmo dispositivo, na medida em que
visaram a fim proibido em lei.
Eis a redação do texto legal:
"I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele
previsto, na regra de competência;"
À toda evidência, distribuir bens públicos objetivando fazer filantropia e obter
proveito eleitoral das necessidades materiais do povo (sertanejo tão sofrido),
constitui prática de ato visando fim proibido em lei; não apenas na lei
eleitoral, mas também, na Lei das Leis (art. 37 caput da Consituição Federal e
seus §§).
Comentando o inciso supra transcrito, Marino Pazzaglini Filho, Márcio Fernando
Elias Rosa e Waldo Fazzio Júnior(11) asseveram, ipsis verbis:
"É o desvio de finalidade, seja porque atua com fito pessoal (por exemplo,
vingança, protecionismo, etc.), seja porque tem em mira a finalidade
administrativa diversa da determinada em lei
Age com óbvio desvio abuso de poder, por exemplo, o agente público que orienta a
entidade que administra para fim estranho a seu objeto estatutário ou de modo a
favorecer interesses particulares em detrimento dos interesses sociais
Para que se configure o disposto no inciso, basta que o ato impugnado vise a fim
ilícito ou extrapole a esfera de competência do agente público" - inovamos com
negrito.
Como se não bastassem tantas violações legais, foi infringida ainda, a Lei da
Eleições, consoante demonstraremos a seguir.
Violação do disposto no art. 73, inciso IV, da Lei n.º 9.504/97
Além da transgressão à Lei Complementar n.º 64/90, consoante salientado acima, a
conduta do primeiro representado se inclui, outrossim, dentre aquelas vedadas
aos agentes públicos em campanhas eleitorais.
Estabelece o art. 73, inciso IV, da Lei das Eleições, ipsis verbis:
"Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes
condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos
pleitos eleitorais:
IV - fazer ou permitir uso promocional em favor de candidato, partido político
ou coligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social
custeados ou subvencionados pelo Poder Público." Destacamos.
Indubitavelmente, ante os comportamentos descritos alhures, o representado, na
condição de agente público, cedeu bens imóveis pertencentes à administração para
que fossem ocupados por eleitores, beneficiando a si próprio - e ao seu vice -
ao fazer uso promocional da distribuição gratuita de tais bens públicos.
Observe-se ainda que, diante de tal quadro, foi afetada a igualdade de
oportunidades entre os candidatos, prejudicando sobremaneira aqueles
concorrentes que não dispunham da "máquina administrativa".
Por outro ângulo, os comportamentos do representado importam em abuso do poder
econômico.
Embora a legislação não defina expressamente "abuso do poder econômico", há, na
própria lei, exemplos típicos destes abusos (v.g. art. 41-A da Lei n.º
9.504/97), de modo que a doutrina não encontra dificuldade em identificar tal
vício. Senão vejamos:
"...valores destinados pelo candidato para pagamento de consultas médicas,
fornecimento de bens materiais aos eleitores, tipifica abuso do poder econômico.
Nessas ações de cunho fisiologista, aflora o desvio de finalidade no proceder do
candidato. Ao entregar os óculos ou alimentos aos eleitores, no ano da eleição,
candidato não tem em mente prestar-lhe solidariedade pura e exclusivamente. Sua
ação objetiva, antes de tudo, captar o voto do eleitor necessitado.
Impossível visualizar legitimidade no mandato, para cuja obtenção concorreu
filantropia espúria do candidato, objetivando a retirada de proveito das
necessidades materiais de integrantes do corpo eleitoral.
(...)
Generosidade desse jaez, realizada por candidato, em tempo de campanha, provoca
irremediável desigualdade na disputa, refletindo, sob outro enfoque, a índole
inconseqüente ou, por que não dizer, delinqüente do postulante"(12)
"Se isso ocorrer, como a distribuição de alimentos, dentaduras, sapatos,
telhado, tijolo, e mais o que o ensejo humano possa criar a fim de obter votos,
haverá evidente abuso de poder econômico, punível com a inelegibilidade dos que
o praticaram e de seus beneficiários".(13) - Destacamos.
Com espeque na linha de raciocínio esposada, podemos concluir que abuso de poder
econômico é o uso indevido de recursos no sentido de adquirir a preferência do
eleitorado explorando sua miséria, falta de instrução ou ausência de formação
moral.
Ora, o representado ao comprar votos diretamente, ou por interposta pessoa, ou
ainda, ao distribuir bens, utilizou indevidamente de recursos com o escopo de
conquistar a preferência dos eleitores beneficiados e seus familiares,
explorando a miséria em todos os seus aspectos (material, moral, intelectual).
Sobre o tema, vale trazer à colação lições do Professor ADRIANO SOARES DA
COSTA(14), ao comentar o art. 41-A da Lei das Eleições, ad litteram:
"Esse preceito tem a finalidade de explicitar como ilícitas as práticas de
aliciamento e abuso de poder econômico ou político. Trata-se de corrupção
eleitoral lato sensu, em que se conspurca a vontade do eleitor através de
vantagens ou benefícios a ele concedidos. Não raro - e isso tem sido comum como
moeda eleitoral - os candidatos ou padrinhos políticos têm o vezo de distribuir
favores aos eleitores, como promessa de lotes em terrenos, tratamento de saúde,
objetos de utilidade (fogão, bicicleta, panelas etc.). Esse procedimento, nas
regiões mais carentes do país, tem uma força eleitoral insuspeita,
desequilibrando a disputa e gerando o aparecimento de falsos representantes da
população, que se sentem descomprometidos com sua base eleitoral, uma vez que já
deu a paga pelos votos obtidos" - Inovamos com destaques.
Infere-se, pois, que os representados abusaram do poder econômico, político ou
de autoridade, beneficiando-se destas práticas ilícitas.
Protesta e requer provar o alegado por todos os meios de prova admitidos no
ordenamento jurídico pátrio, mormente através de documentos - juntados nesta
oportunidade e aqueles que ainda serão anexados aos autos - bem como, através
dos depoimentos dos personagens abaixo arrolados, requerendo desde já, a
notificação dos mesmos para comparecerem à audiência a ser designada por V. Exª.
DOS PEDIDOS
Ex positis, o MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL requer:
1. o recebimento da presente ação de impugnação de mandato eletivo e a citação
dos representados para oferecerem defesa;
2. notificação das pessoas abaixo arroladas para comparecerem à audiência de
instrução a ser designada por V. Exª.;
3. a cassação dos diplomas, bem como, dos mandatos eletivos dos representados,
com espeque no art. 41-A e § 5.º, do art. 73, ambos da Lei n.º 9.504/97 e do
art. 14 §§ 10 e 11 da CF;
Nesses Termos,
Pede Deferimento.
[Local], [dia] de [mês] de [ano].
[Assinatura do Advogado]
[Número de Inscrição na OAB]
NOTAS
1. Recurso 9.104 - Natal - TSE.
2. In Instituições de Direito Eleitoral, Editora Del Rey, 3.ª edição, Belo
Horizonte, 2.000.
3. Citado por Djalma Pinto in Direito Eleitoral : Temas Polêmicos, Rio de
Janeiro, Forense, 1994, págs. 43 e seg.
4. Luiz Djalma Barbosa Bezerra Pinto, in Direito Eleitoral : Temas Polêmicos,
Rio de Janeiro, Forense, 1994, págs. 43 e seg.
5. Ob. Cit.
6. Ob. Cit. p. 49.
7. In Código de Processo Civil Comentado, Editora Revista dos Tribunais, 4.ª
Edição, São Paulo, 1999, p. 794.
8. In Instituições de Direito Eleitoral, Editora Del Rey, 3.ª edição, Belo
Horizonte, 2.000, págs. 312 e 313.
9. Ob. Citada, p. 309.
10. In IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA, Atlas, 2.ª edição, págs. 50 e 51.
11. Ob. Citada, págs. 117 e 118.
12. DJALMA PINTO, in Direito Eleitoral, Temas Polêmicos, Editora Forense,
1.ªedição, 1994,, págs. 50 e 51.
13. ADRIANO SOARES DA COSTA, Ob. Cit. p. 309.
14. Ob. Cit. p. 470.in Direito Eleitoral : Temas Polêmicos, Rio de Janeiro,
Forense, 1994, págs. 43 e seg.