Reintegração de posse decorrente de fim de contrato de comodato.
EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA ..... VARA CÍVEL DA COMARCA DE ....., ESTADO
DO .....
CONTRA-FÉ
....., brasileiro (a), (estado civil), profissional da área de ....., portador
(a) do CIRG n.º ..... e do CPF n.º ....., residente e domiciliado (a) na Rua
....., n.º ....., Bairro ....., Cidade ....., Estado ....., por intermédio de
seu (sua) advogado(a) e bastante procurador(a) (procuração em anexo - doc. 01),
com escritório profissional sito à Rua ....., nº ....., Bairro ....., Cidade
....., Estado ....., onde recebe notificações e intimações, vem mui
respeitosamente à presença de Vossa Excelência propor
AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE COM PEDIDO DE LIMINAR
em face de
....., brasileiro (a), (estado civil), profissional da área de ....., portador
(a) do CIRG n.º ..... e do CPF n.º ....., residente e domiciliado (a) na Rua
....., n.º ....., Bairro ....., Cidade ....., Estado ....., pelos motivos de
fato e de direito a seguir aduzidos.
DOS FATOS
1. O Autor é proprietário do imóvel objeto do presente litígio, consoante atesta
o registro e a matrícula (doc. anexos), prédio este que está veleidamente
ocupado pela Demandada, que se recusa, terminantemente a devolvê-lo.
2. O réu através do anexo Instrumento particular de Confissão de Dívida e Dação
em Pagamento, confessou ser devedor da importância de R$ ........... e deu em
pagamento ao autor o Terreno situado nesta cidade, no bairro ......, nos fundos
da rua ......., representado pelo lote n.º ...., do Loteamento Residencial
....., contendo a área de ............, edificado com uma casa de alvenaria, com
a área de ......m2, coberta com telhas de barro, com 02 pavimentos, aprovado
pela Prefeitura Municipal de ......... sob n.º....., em data de
..../...../......
3. Através da cláusula ....ª do Instrumento Particular de Confissão de dívida e
Dação em Pagamento, ficou consignado que: "Após a transferência do imóvel
descrito na alínea "a" da cláusula 2ª, o credor compromete-se a firmar contrato
de comodato com o devedor, o qual poderá a residir naquele imóvel por prazo não
inferior à um ano".
4. O referido imóvel foi devidamente transferido ao autor, em data de
..../.../.... Assim, o contrato de comodato, tácito, teve seu primeiro ano
vencido em data de ..../..../....
5. Ocorre que, o demandante em data de ..../..../...., notificou o Réu do
término do comodato e, bem como, assinalou-lhe, prazo razoável, para desocupar o
imóvel (doc. anexo).
6. Todavia, a despeito da notificação do término da relação comodatal, e de
igual modo dos reiterados pedidos do Autor para que o Demandado procedesse a
desocupação do imóvel, a Ré demonstrando a sua notória falta de fidalguia - para
infelicidade da Demandante - tem lançando mão de práticas sub-reptícias,
amedrontando aqueles que com ela tratam, impondo sua vontade mediante ameaças
que desviam do curso normal qualquer tratativa honesta que com ela se pretenda
fazer.
7. O que se pretende com este relato talvez inusual para uma petição inicial de
possessória, é demonstrar o profundo desequilíbrio de forças entre as duas
partes litigantes no trato dos assuntos que lhe dizem respeito, desequilíbrio
este refletido na condução manu militari da questão pela Ré, que redundou no
ilegal e abusivo esbulho praticado contra o Autor.
DO DIREITO
Inicialmente, é bom se frisar e esclarecer a natureza da relação jurídica
existente entre a Ré e o imóvel.
Desanuviadamente - em cores fortes - percebe-se que o litígio sub examine
envolve detenção a qual distingue-se de atos possessórios, como passa a se
demonstrar, pelas palavras do douto Min. MOREIRA ALVES:
"O que, em verdade distingue a posse da detenção é um outro elemento externo e,
portanto, objetivo, que se traduz no dispositivo legal que, com referência a
certas relações que preenchem os requisitos da posse, retira delas os efeitos
possessórios. Detenção pois é uma posse degradada: uma posse que em virtude da
lei, se avilta em detenção.
Como afirma Ihering é uma posse degradada: uma posse que em virtude da lei se
avilta em detenção." (A detenção no direito brasileiro).
Nosso direito - ao conceituar detenção - segue a concepção tradicional,
classificando-a em duas grandes categorias indicadas por IHERING como detenção
absoluta e detenção relativa, ou ainda como detenção doméstica ou detenção
contratual.
Embora entre nós aqueles que se dedicam a escrever sobre o assunto, segundo
observa o eminente magistrado da Suprema Corte, pouca atenção dêem as duas
categorias de detenção, estas se manifestam visivelmente através dos arts. 1198
e 1208 do Novo Código Civil:
"Considera-se detentor aquele que, achando-se em relação de dependência para com
o outro, conserva a posse em nome deste e em cumprimento de ordens ou instruções
suas."
Já na disposição do art. 1208 aparece a outra categoria de detenção, ao dispor o
legislador que igualmente:
"Não induzem posse os atos mera permissão ou tolerância, assim, como não
autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de
cessar a violência, ou a clandestinidade."
Razão pela qual não se há de falar em posse do Réu, pois, durante a vigência do
contrato de comodato, não havia posse mas, sim, mera detenção, e mesmo após a
revogação do sobredito pacto, não se configurou nenhuma das hipótese previstas
no art. 1223 do Novo Código Civil caracterizadoras da perda da posse.
Constitui fato incontroverso terem as partes clara e expressamente avençado
constituído possessório. Tanto o fizeram que, legitimamente, o réu deu ao autor
em pagamento o imóvel objeto da presente lide, transmitindo-lhe a posse e
domínio do bem (cláusula 2ª, alínea "a"), para em seguida, firmarem contrato
particular de comodato (cláusula 4ª).
A posse, que de fato pertencia ao réu, posto então fundada no domínio que lhe
pertencia, foi transmitida contratualmente ao autor, que a entregou ao primeiro
mediante vínculo obrigacional de comodato.
Segundo a doutrina de ORLANDO GOMES, modo exclusivo de perda da posse pela
eliminação do elemento animus é o constituído possessório. O possuidor conserva
o poder de dispor da coisa, que vinha possuindo como dono, mas perde a posse,
porque passa a possuir em nome de outrém. A perda da posse, arremata, se dá em
privação do corpus, porque passa o adquirente, embora, em alguns casos, o
alienante retenha a posse direta, como na hipótese do proprietário que vende a
casa onde mora e continua a habitá-la na qualidade de locatário (Direitos Reais,
Ed. Forense, 7ª ed. Págs. 58-59)
Mediante esse modo de perda e de aquisição da posse, ensina o Professor
Washington de Barros Monteiro, o próprio possuidor transforma em causa
detentionis a causa possessionis, de tal sorte que a posse verdadeira é
rebaixada a mera detenção, pois o elemento visível, externo material, isto é, o
corpus, não varia, o que se modifica é o elemento interno, subjetivo, o animus
(cf. CURSO, Direito das Coisas, 14ª ed., Ed. Saraiva, 1975, pág. 75).
Portanto, o que ocorreu no presente caso, foi que o réu alienou o imóvel,
dando-o ao autor em pagamento de dívidas, demitindo-se da posse, posse essa que
passaram a exercer em nome do autor, na qualidade de comodatário. Na mesma
medida, o autor passou a exercer a posse da coisa, posto que lhe foi transmitida
pelo réu.
Neste sentido a sábia jurisprudência:
"Ementa: Agravo de Instrumento. Possessória. Constituído Possessório. Havendo
venda do imóvel e seu vendedor nele permanecendo como comodatário, existe
constituído possessório, mesmo que não expresso. Feita a notificação judicial,
deixando-o em mora, a não desocupação do imóvel constitui-se em esbulho, sanável
pela reintegração liminar. (Ac. Unân. da Câm. Especial Do TJRO no agr. N°
97.001559-3, Rel. Des. Sérgio Lima;).
Assim, a melhor posse é a do Autor, que é o legítimo proprietário do imóvel,
consoante atesta a documentação em anexo, e não o do Réu que apenas detinha o
imóvel para a Demandante.
Por oportuno, merece transcrição o seguinte arresto:
"Há substancial diferença entre o simples possuidor e o detentor direto. Todo
possuidor direto é detentor, mas nem sempre o detentor é também possuidor
direto. Serão possuidores diretos, por exemplo, o usufrutuário, o comodatário, o
locatário, o arrendatário, o inventariante, o credor pignoratício , o
depositário e todos os demais que exerçam um poder de guarda ou detenção fundado
em título jurídico. Por sua vez, não serão possuidores diretos , mas simples
detentores, aqueles que conservarem a coisa em nome de outrém, a título
precário, em cumprimento de ordem ou instruções dele recebidas, como é o caso do
mandatário ...os simples detentores não são possuidores, isto é, não tem posse.
Assim, na posse direta, o possuidor exerce um poder próprio, fundado em título
jurídico, ao passo que ao detentor de coisa alheia nenhum poder próprio
assiste...pois não exerce um poder próprio, mas dependente. Esta a serviço da
posse de outro, é instrumento mecânico da posse e não possuidor" (Ac. Unân. da
3° Câm. Do TJSC no agr. N° 4.391, Rel. Des. Wilson Guarany; DJSC de 29.03.89;
Adcoas, 1989, n° 123.720).
Se já não bastasse todo o exposto, somente a título de esclarecimento, é bom se
frisar, caso se entenda que na espécie houve posse e não detenção, que a "posse"
exercida pela Demandada era uma POSSE PRECÁRIA e, como é sabido, a posse
precária não gera - nesta hipótese - direitos.
No mesmo sentido é a lição do brilhante SÍLVIO RODRIGUES, a qual ora
transcrevemos :
"Diz-se precária a posse daquele que, tendo recebido a coisa para depois
devolvê-la (como o locatário, o comodatário, o usufrutuário, o depositário
etc.), a retém indevidamente, quando a mesma é reclamada.
Lafayette definia bem a posse precária, dizendo ser a posse daquele que, tende
recebido a coisa das mãos do proprietário, por um título que o obriga a
restituí-la, recusa injustificadamente a fazer a devolução e passa a possuir a
coisa em seu próprio nome (ob. Cit., n. 6, nota 9).
O vício da precariedade macula a posse, não permitindo gere ela efeitos
jurídicos. Aliás, o referido art. 1208 proclama não induzirem posse os atos de
mera permissão ou tolerância, o que decerto, abrange a pose precária.
Todavia, quando o legislador permite que a posse convalesça dos vícios da
violência e da clandestinidade, silencia no que diz respeito à posse precária.
Transcrevo, para fins de conferência, o art. 1208 do Novo Código Civil :
Art. 1208. Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância, assim como
não autorizam a sua aquisição os atos violentos ou clandestinos, senão depois de
cessar a violência ou a clandestinidade.
E por que a posse precária não convalesce? O legislador, naturalmente reage de
maneira mais violenta à hipótese da precariedade em razão dela implicar a quebra
da confiança, na falta de fé do contrato. Mas a meu ver não é esta a razão
principal.
A posse precária não convalesce jamais porque a precariedade não cessa nunca. O
dever do comodatário, do depositante, do locatário etc., de devolverem a coisa
recebida, não se extingue jamais, de modo que o fato de a reterem, e de
recalcitrarem em não entregá-la de volta, não ganha jamais foro de juridicidade,
não gerando, em tempo algum, posse jurídica."
Enquanto a posse violenta ou clandestina pode gerar efeitos jurídicos, uma vez
cessada a violência e a clandestinidade, conforme conferimos no citado art. 1208
do NCCB, a posse precária - alicerçada em razão de um contrato - jamais
convalesce de seu vício, não gerando quaisquer efeitos jurídicos. Ela é incapaz
de gerar usucapião ou qualquer outra pretensão de índole possessória.
Assim, qualquer pretensa alegação de direitos ou amparo jurídico por parte do
Demandado se mostrará de todo inaceitável.
O esbulho se constitui na privação injusta da posse. Ora, no caso vertente, tal
se deu quando o Réu se recusou a devolver o imóvel, após ser solicitado para
tal.
Assim, o momento preciso do esbulho pode ser caracterizado no instante em que
ultrapassou o prazo que lhe foi assinalado na notificação, a saber: .... de
....... de ...... Posto que a partir desta data caracterizou-se a intenção do
Réu de se manter na posse e de não devolver o imóvel ao Autor, ou seja, houve a
privação injusta da posse.
Consoante se nota, trata-se de esbulho de menos de ano e dia, conforme exige a
lei.
Reza o art. 928, do CPC, que estando em ordem a petição inicial, o juiz deferirá
a reintegração postulada. Neste sentido há firmada jurisprudência:
"Requerida a expedição de mandado liminar de reintegração de posse, cumpre ao
juiz, estando a petição inicial devidamente instruída, deferir sua expedição."
(AI n° 406.425-9, 13.03.89, 3ª C 1° TACSP, Rel. Juiz André Mesquita, in RT
643/125).
"Deve ser concedida liminar de reintegração de posse, quando o requerente logra
demonstrar que preenche os requisitos indispensáveis ao seu deferimento, nos
termos do art. 927 do Código de Processo Civil (TJMS, in DJMS de 19.09.91, p.
08).
"Correta a liminar concedida em ação possessória, se encontram presentes os
requisitos que autorizam o seu deferimento, não cabendo no agravo de instrumento
discussão sobre o mérito da causa." (TJMS, in DJMS de 08.08.91).
Outrossim, saliente-se que é aflitiva a situação do Autor, necessitando ser
imediatamente reintegrado, para que possa gozar plenamente de sua posse.
Restando, então, de plano demonstrados, e inegavelmente comprovados os
requisitos do art. 927 do Código de Processo Civil, provados que estão a posse,
a data do esbulho e o direito à posse da autora, aplica-se o art. 928/CPC,
primeira parte, ou seja: "Estando a petição inicial devidamente instruída, o
juiz deferirá, sem ouvir o réu, a expedição de mandado liminar de manutenção ou
reintegração."
Faz necessária a concessão da medida liminar sem audição da parte contrária, uma
vez que o Demandado pode provocar danos de grandes conseqüências na área,
descaracterizando-a e apartando-a de sua finalidade original. Por esta mesma
razão, a determinação de justificação prévia, com a citação do Réu - antes do
cumprimento da liminar possessória - pode tornar inviável o exaurimento da
mesma.
Anote-se, finalmente, a lição de COUTO E SILVA, em comentário ao dispositivo
mencionado, ressalta a relevância de tal norma: ,E2."a disposição é a mais
importante em termos de procedimento especial, pois cuida dos requisitos para a
expedição do mandato liminar de manutenção ou reintegração de posse. Se o juiz
encontrar provados de plano os requisitos do art. 927, determinará, inaudita
altera parte a expedição de mandato liminar de manutenção ou reintegração, isto
é, conforme tenha havido simples turbação ou ocorrido a perda da posse."
DOS PEDIDOS
Assim, diante do presente suporte documental, jurídico e doutrinário; da
evidência fática inconteste e da qualidade probatória apresentada, REQUER:
a) A concessão liminar da Reintegração de Posse, com a conseqüente expedição do
competente mandado, para que possa reintegrar-se totalmente na posse de seu bem
esbulhado - Terreno situado nesta cidade de ........, no bairro ......., nos
fundos da rua ......., representado pelo lote n.º ...., do Loteamento
Residencial ......., sito na Rua ......., n.º...., contendo a área de ......m2,
edificado com uma casa de alvenaria, com a área de .....m2, coberta com telhas
de barro, com 02 pavimentos, aprovado pela Prefeitura Municipal de ......... sob
n.º ......, em data de ..../..../....
b) A citação do Demandado, na forma do art.172, § 2°, do CPC, para, querendo,
contestar a presente ação, no prazo legal, sob pena de revelia e confissão (art.
319/CPC);
c) Seja julgado procedente o pedido inicial e transformado em definitivo o
provimento jurisdicional liminarmente pleiteado;
d) Consoante o permissivo do art. 921, II, do CPC, solicita a cominação de pena
pecuniária de R$ .........., por dia de perpetração de novo esbulho pela Ré.
Esclarece-se a este R. Juízo, que o Autor não cumula este pedido possessório com
o de indenização por perdas e danos, conforme faculta o inc. I, do art. 921,
pois é pedido que será feito em ação ordinária própria.
Pretende provar o alegado por todos os meios admitidos em direito, especialmente
pelos documentos que instruem a presente inicial.
Dá-se à causa o valor de R$ .....
Nesses Termos,
Pede Deferimento.
[Local], [dia] de [mês] de [ano].
[Assinatura do Advogado]
[Número de Inscrição na OAB]