CONTRADITA À IMPUGNAÇÃO DE LAUDO PERICIAL - SEMI-RESPONSÁVEL
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA ____ VARA CRIMINAL DA COMARCA
DE _______________(___).
processo-crime n.º ____________________
objeto: contradita a impugnação.
O Defensor Público subfirmado, vem, respeitosamente, a presença de Vossa
Excelência, nos autos do processo crime em epígrafe, onde figura como réu,
_____________________, ciente da manifestação de clave ministerial estratificada
à folhas _____, oferecer a presente contradita, aduzindo o quanto segue:
Pelo se que dessume do arrazoado de jaez ministerial ora contraditado, o
mesmo possui como escopo e desiderato mor, infirmar o laudo pericial n.º ______,
o qual concluiu pela semi-responsabilidade do réu à época do fato.
Segundo reluz da referida perícia, à folha ____, item ___, o réu teve
diagnosticado os seguintes distúrbios:
1.) TRANSTORNO MENTAL E DE COMPORTAMENTO DEVIDO AO USO DE ÁLCOOL - SÍNDROME
DE DEPENDÊNCIA.
2.) TRANSTORNO MENTAL E DE COMPORTAMENTO DEVIDO AO USO DE COCAÍNA - SÍNDROME
DE DEPENDÊNCIA.
Ora, tais anomalias, aferidas pela via científica, toldaram e obliteraram,
ainda que de forma parcial, a cognição e mormente a volição do réu à época do
fato, o que determinou, sua classificação pelos experts, na rol dos
semi-responsáveis, ao abrigo do parágrafo único, do artigo 26, do Código Penal.
Em virtude do que, secundando-se a ensinança do conceituado jurista, DAVID
TEIXEIRA DE AZEVEDO, in, DOSIMETRIA DA PENA, São Paulo, 1998, página, 112,
irrepreensível assoma as conclusões do laudo, de sorte que, ao contrário do
afirmado pelo nobre agente do parquet, os peritos adotaram a teoria
biopsicológica normativa:
"Segundo a qual a imputabilidade depende de condições de higidez, sanidade e
desenvolvimento mental do agente que o façam apto a compreender o caráter
ilícito da ação e determinar-se conforme esse entendimento"
De resto, como salientado e explicitado pelo laudo o réu é credor da
imputabilidade diminuída, onde:
"O desenvolvimento mental já não se apresenta totalmente prejudicado e a
doença não compromete integralmente a capacidade de avaliação ética e de
autodeterminação conforme essa avaliação.
"Por haver um resíduo de culpabilidade, o legislador prevê uma pena diminuída
de um a dois terços ou, se o caso, a aplicação de medida de segurança mediante
internação, ou por meio de tratamento ambulatorial no prazo mínimo de um a três
anos (art. 98 do Código Penal)
...........................................................
"A imputabilidade diminuída, em decorrência da qual se opera a diminuição nos
limites punitivos, é matéria relacionada exclusivamente com a culpabilidade. A
imputabilidade constitui-se em um pressuposto da culpabilidade. Não se pode
censurar a conduta do agente impermeável aos imperativos éticos e jurídicos, ou,
se sensível a esses valores, incapaz de autodeterminar-se segundo as coordenadas
axiológicas que lhe informa a consciência. Não há uma atitude interna do sujeito
digna de desaprovação.
"O apequenar da reprimenda funda-se, portanto, no menor dimensionamento da
culpabilidade, não se fixando em considerações relativas ao bem jurídico objeto
de tutela". (DAVID TEIXEIRA DE AZEVEDO, obra citada à página 113/114)
O efeito destruidor da cocaína, no aspecto neuroquímico nos é fornecida por
ALBERTO CORAZZA, in, DROGAS - MORTE TOTAL E IRRESTRITA, São Paulo, 1990, Globo/Joá,
folha 12, cujo decalque do excerto que aborda a questão em foco, afigura-se,
inarredável:
"O grande poder da cocaína sobre os usuários está no seu poder de ‘produzir’
prazer e euforia. A explicação científica desse mecanismo pelo qual a cocaína
proporciona o prazer é a seguinte: quando uma mensagem em forma de impulso
elétrico alcança um terminal nervoso, estimula a liberação de
neurotransmissores, que é uma substância química que atravesse o espaço
carregando a mensagem para o nervo receptor.
"Depois disso, parte dos neurotransmissores dissolve-se, e outra parte
retorna ao nervo que os disparou. As terminações nervosas são separadas por
pequenos espaços que se chamam sinapses. Ocorre que a cocaína bloqueia tais
sinapses, impedindo o processo de recuperação de três neurotransmissores: a
dopamina, a noradrenalina (ou nerepinefrina) e a serotonina, que são substâncias
envolvidas no controle das emoções e das funções motoras.
"Dessa maneira os neurotransmissores continuam a agir no nervo receptor,
prolongando e aumentando seus efeitos normais. Ocorre que, após repetidas doses
de cocaína, o estoque disponível de dopamina, que está ligada às sensações de
euforia e de prazer, esgota-se, por não estar sendo reaproveitada para uso
posterior, e o organismo degrada-a mais rapidamente do que seu substituto.
Assim, depois de algum tempo, não existem mais neurotransmissores suficientes
para manter as sensações normais do usuário e surge, desse modo, a depressão,
ansiedade e a compulsão para obter mais cocaína, a fim de aumentar a eficiência
da quantidade disponível de neurotransmissores.
"Está instalada, então, a dependência psicológica. O uso prolongado e maciço
de cocaína poderá esgotar completamente o estoque dos neurotransmissores,
ocasionado a impossibilidade do usuário sentir qualquer prazer, mesmo os mais
comuns.
"É esse perigosa depressão que leva o usuário aos atos de desatino, ao
desespero e até ao suicídio. Os efeitos do uso crônico da cocaína não param aí.
Provocam destruição da mucosa nasal no início das aspirações e perfuração do
septo nasal ao final, a degradação dos dentes, queda dos cabelos, problemas
pulmonares, hepáticos e sério comprometimento do aparelho cardiovascular.
"Em casos não raros, impotência sexual gerandi e até coeundi aparece como
conseqüência do uso prolongado desse alcalóide. Não de pode esquecer de
mencionar as graves conseqüências na aplicação endovenosa da cocaína, pela
contaminação da seringa, agulha ou diluentes que causam endocardite bacteriana,
flebite, hepatite e, principalmente, a transmissão da AIDS (SIDA), e esse tempo
com estatísticas elevadas, alarmante entre os usuários, na base de 50% de
infectados, conforme nos noticiam as clínicas especializadas.
"As mortes por ‘overdose’ não são raras, pelo efeito da droga no Sistema
Nervoso Central, com colapso do aparelho cardiorrespiratório.
...........................................................
"O uso da cocaína causa acentuada dependência psicológica compulsiva,
havendo, nos casos mais crônicos, históricos de dependência física com síndrome
de abstinência".
Na mesma linha de raciocínio, embora empregando linguagem mais contundente, é
o escólio do psiquiatria argentino, EDUARDO KALINA, apud, RENATO POSTERLI, in,
TÓXICOS E COMPORTAMENTO DELITUOSO, Belo Horizonte, 1.997, Ed. Del Rey, páginas
85/86, digno de traslado:
"os ratos de laboratório preferem a cocaína a comer e, assim acabam optando
pela morte"
"Desse modo, ao recorrer à cocaína, a pessoa está psicologicamente muito mal
e acaba transformando-se num suicida, afirma o referido psiquiatra"
"Tem-se, lá que o dano que a cocaína provoca no cérebro do dependente é
verdadeiro estrago, e que ele é a única substância tóxica, entre as usadas,
capaz de matar repentinamente sua vítima"
Quanto a destruição operada pela droga sobre o caráter do indivíduo, bem como
os meios esdrúxulos e ilícitos que emprega para sua obtenção, tais dados nos são
fornecidos por RENATO POSTERELI, o qual na obra já mencionada à página 163,
enfatiza que:
"É fatal a ação destrutiva dos tóxicos sobre o caráter dos seus adeptos,
podendo, finalmente, cair no crime.
"Não só o delito de sangue, mas, depois de esgotados seus bens, o
farmacodependente pode recorrer ao furto, ao roubo, à fraude, à falsificação,
sempre com o fito exclusivo de obter meios de alimentar sua dependência, quando
não pode obter o tóxico de forma honrada.
"A droga pesada, como por exemplo o crack, especificamente associado à
cachaça, predispõe aos atos de violência."
De outro norte, em realizando abordagem, sobre os malefícios do álcool, uma
vez que o réu contou com diagnóstico positivo, saliente-se, na esteira da lição
do festejado e respeitado mestre, ANIBAL BRUNO, apud, FERNANDO DE ALMEIDA
PEDROSO, in, DA PROVA PENAL, Rio de Janeiro, 1.994, 1ª edição, página 96, que:
"...o alcoolismo crônico (ao reverso da ebriedade simples), é um estado mais
ou menores fixo, que resulta de alterações permanentes do sistema nervoso,
deixadas pela ação prolongada do tóxico, e que persiste mesmo quando este já foi
eliminado. É uma marca residual, uma deformação persistente no psiquismo,
assimilável a verdadeira psicose. ("Direito Penal, Parte Geral, Forense, 3ª
edição, 1967, II/157-8).
Na mesma vereda, RENATO POSTERLI, obra citada, à folha 164, agrega as
seguintes e judiciosas considerações, cuja reprodução percute obrigatória:
"O álcool, que também é tóxico, é solvente da consciência moral, ou seja do
superego. Dissolve os recatos da consciência superégica.
"São eliminados pelo álcool os freios inibitórios, ampliando, assim, os
limites da personalidade interna, das pulsões. E é comum o álcool tornar as
pessoas irascíveis.
"A bebida, notadamente o espírito forte, pode tornar as pessoas insensíveis
aos prejuízos sociais e nestas circunstâncias aflora o homem primitivo que
trazemos em nós.
Isso pode predispor a pessoa a perpetra certos atos reprováveis,
anti-sociais, que, me estado lúcido, de sobriedade, na certa não cometeria."
Em virtude do aqui consignado, percute verdadeiro despautério, classificar o
réu como plenamente culpável por seu ato, acoimado de delituoso pela peça portal
coativa.
O estado deplorável do réu (dependente de cocaína e de álcool), conduz, na
mais elementar das hipóteses, a classificá-lo como semi-responsável, logo, ao
abrigo do parágrafo único do artigo 26 do Código Penal. Pensamento, contrário
afrontaria a lógica e o bom senso de quem ainda a conserva.
Destarte, requer-se a homologação do laudo, na forma que vazado, mesmo
porque, o suscitante da impugnação, não solicitou sua renovação por equipe
técnica diversa daquele que o firmou, no intuito de avalizar pela via
científica, eventual e remota credibilidade a seu extenso arrazoado, embora tal
missão estaria, de antemão, fadada ao malogro, ante o acerto e a intangibilidade
da conclusão ofertada pelos renomados médicos psiquiatras que o firmam,
ancorados em seu grau.
Nesses Termos
Pede Deferimento.
_________________, ____ de ___________ de 2.0__.
_____________________________
DEFENSOR PÚBLICO TITULAR
OAB/UF _______________