BANCO - RELAÇÃO DE CONSUMO - NOTA PROMISSÓRIA - INEXISTÊNCIA DE TÍTULO
EXTRAJUDICIAL NOS AUTOS - JUROS - LIMITE
CONSTITUCIONAL - ILEGALIDADE - EXECUÇÃO - EMBARGOS - CÓDIGO DE DEFESA DO
CONSUMIDOR - ANATOCISMO
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA ....ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE
..........- ....
Autos nº ......
............ e outros, já qualificados nos autos de embargos à execução aforada
contra ................., vem, por intermédio de seus procuradores,
respeitosamente perante Vossa
Excelência, inconformados com a r. decisão que julgou improcedentes os embargos
à execução, apresentar
RECURSO DE APELAÇÃO,
de conformidade com os artigos 513 e seguintes do Código de Processo Civil,
pelas razões em anexo, requerendo, para tanto, seu regular recebimento e, após,
o
devido encaminhamento ao Egrégio Tribunal, para recebimento e provimento.
N. Termos,
P. Deferimento.
.........., ...... de ...... de .......
...............
Advogado
EGRÉGIO TRIBUNAL:
RAZÕES DA APELAÇÃO.
Apelante: .......... e outros.
Apelado: ...............
Origem: .....a VARA CÍVEL DA COMARCA DE ........ - ......
Autos nº: ....../....
Colenda Câmara:
Trata-se de ação de embargos à execução, onde a apelante pretende o
reconhecimento da ilegalidade das taxas de juros e formas de atualização
pretendidas pela
embargada na execução, bem como o reconhecimento de que os juros aplicados por
esta são capitalizados, questionando-se ainda, a exigibilidade do instrumento
apresentado por não
se revestir de título executivo, a não demonstração da forma de realização dos
cálculos, a aplicação do código de defesa do consumidor, as taxas de juros
abusivas, a cobrança de juros
de forma extorsiva, o anatocismo, o limite constitucional de juros, aplicação da
súmula 121 do STF.
Após os trâmites normais do feito, o MM. Juiz "a quo" em sua r. sentença,
entendeu por bem julgar improcedentes os embargos, determinando o prosseguimento
da
ação executiva (consubstanciada nos autos ...../.....) e, condenou a embargante
ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios do patrono do
embargado.
A r. sentença não pode ser mantida, de vez que afronta toda a sistemática
moderna do direito positivo, conforme amplamente apresentado em sede de embargos
e, pelo
que se demonstrará a seguir.
1. PRELIMINARMENTE.
Da inexistência de título executivo nos autos.
Não há revestimento de título executivo in casu, tendo em vista que o
instrumento de contrato apresentado não representa, com a necessária exatidão,
promessa de
pagar quantia determinada, não se revestindo das qualidades essenciais, quais
sejam, liquidez, certeza e exigibilidade.
Aliás, tal assertiva é demonstrada pelo próprio recorrido que alega ser credor
dos recorrentes da importância líquida de R$ ............ conforme unilateral
demonstrativo
de cálculo.
Inclusive, se confrontada ainda a malsinada nota promissória e contrato
apresentado como títulos executivos, nos quais os valores apontados totalizam
............. sendo,
ainda, o crédito à época do contrato no valor de R$ .........., dar-se-á por
encerrada qualquer afirmação de valor "liquido e certo".
Denota-se cabalmente que a própria recorrida afetou a possibilidade de execução
do contrato em questão ao apontar valores tão desconexos entre si - nota
promissória, escritura pública, demonstrativo de débito, abertura de crédito.
Evidentemente não há como admitir presunção de veracidade ao alegado pelo
recorrido e de alguns documentos colacionados aos autos de execução, tendo em
vista
tratar-se de uma elaboração unilateral, o que afeta flagrantemente a liquidez e
a certeza do título.
Ademais, a instituição financeira está tomando como seu um direito que sequer
foi reconhecido judicialmente, o que ofende aos princípios constitucionais do
contraditório
e do devido processo legal, insertos no artigo 5º, incisos LIV e LV da
Constituição Federal.
Não se pode olvidar do princípio da intangibilidade dos contratos, que encontra
respaldo no limite do princípio da ordem pública e dos bons costumes, devendo as
cláusulas de adesão ser interpretadas contra quem as editou ante a
unilateralidade com que se impõem.
Assim, além dos valores apontados como devidos não terem sido aceitos como
verdadeiros pelos recorrentes, o valor do contrato, da nota promissória e a
forma de
atualização, são desconexos com a legislação.
O contrato de abertura de crédito é aquele "pelo o Banco (creditador) se obriga
a colocar à disposição do cliente ou de terceiro (creditado) certa importância
pecuniária, facultando-lhe
a utilização dessa soma, no todo ou em parte, quer por meio de saque, de aceite,
de aval ou de fiança, até o montante convencionado" (Sergio Carlos Covello,
Contratos Bancários, p.
187, n 1, Saraiva, 1991, 2ª edição).
A modalidade de contrato de abertura de crédito é bastante usual nos dias de
hoje, pode ser descrita da seguinte forma:
"Utilizado o valor e vencido o prazo do contrato deve o creditado reembolsar o
creditador, pagando-lhe o principal e os acessórios contratados; e muito embora
seja
bilateral, preenchidos os requisitos do artigo 585, II, do CPC, tem ele em
princípio eficácia executiva, residindo a dificuldade em aceitá-lo como título
executivo, no entanto, em dois
pontos: a) na prova do adimplemento da obrigação, qual seja: de colocar os
valores à disposição do creditado; b) na determinação da liquidez. Para esses
dois objetivos bastam, a
priori, os extratos e o demonstrativo da dívida, desde que um e outro abranjam
todo o período de movimentação da conta corrente, documentos suficientes para
que o juiz e o devedor
possam apurar o cumprimento da obrigação do banco e a evolução da dívida. De
fato, se o título executivo deve, abstratamente, pelo seu só exame, revelar a
natureza e o objeto da
relação jurídica (certeza) e os dados para a determinação do quantum debeatur
(liquidez), sem se falar ainda, neste momento, da existência e do conteúdo do
direito de crédito, mas
somente na eficácia do título executivo, aqueles dois pressupostos podem ser
examinados a partir dos extratos e do demonstrativo. (conceito extraído dos
autos nº 208/99 da 11ª VC
de Curitiba, em sentença proferida pelo MM. Juiz Albino J. Guérios)
Nesse mesmo sentido, quanto aos conceitos de certeza e de liquidez e quanto a
eficácia executiva do contrato bilateral:
A exigência de um direito certo, portanto, resolve-se na necessidade de que o
título tenha por conteúdo um direito cuja natureza seja conhecida e cujo objeto
seja também de natureza
conhecida (Cândido Rangel Dinamarco, Execução Civil, p. 488, n 328, Malheiros
Editores, 1993, 3ª edição);
A certeza leva, pois, ao entendimento de que é indispensável a existência de um
título executivo, ou seja, do fato ou ato jurídico a que a lei relaciona a
aplicação de uma sanção. Trata-se
de mero "juízo de eficácia processual". A certeza da obrigação, enquanto
inerente ao título, retrata apenas a consideração legal de um "elevado grau de
probabilidade da existência do
crédito ou da obrigação:. Se existe ou não, mostrá-lo-á o curso do processo...
Ora, para configurar título executivo, basta que se atenda ao figurino legal. Se
houve descumprimento do contrato, isso há de ser argüido pelo executado e
discutido nos embargos
(Sérgio Shimura, ob. C., p. 137, n 2.8) e
Quanto aos títulos executivos extrajudiciais, embora nada ainda tenha sido sobre
a responsabilidade de cada parte, se for evidente a ausência da prova da
prestação que cabe ao
credor, o juiz poderá indeferir o pedido de citação do devedor. Se, porém, não
for perceptível, prima facie, a questão apenas será debatida se o devedor
invocar a cláusula non
adimpleti contractus ou a non rite adimpleti contractus (Alcides de Mendonça
Lima, Comentários ao Código de Processo Civil, volume VI, p. 223, n 593,
Forense, 1991, 6ª edição);
De saída, a principal novidade reside na circunstância de que tais documentos
podem contemplar obrigações de qualquer natureza. Assim, os negócios bilaterais,
mesmo contemplando
obrigações recíprocas simultâneas, que desfrutavam de norma explícita quanto à
caracterização do inadimplemento (art. 582) e eram reprovavelmente discriminados
(por exemplo, só
porque "o surgimento da obrigação de uma das partes vincula-se à determinada
prestação de outra"), desfrutam de eficácia executiva (Araken de Assis,
Inovações do Código de
Processo Civil, obra conjunta, p. 147, n 7.2.3., Livraria do Advogado, 1996).
Portanto, como primeira conclusão, o contrato de abertura de crédito em conta
corrente, sem embargo da divergência na doutrina e nos tribunais, é título
executivo, mas desde que
acompanhado dos extratos de conta corrente de todo o período contratual.
Nesse sentido:
Em suma, o contrato de abertura de crédito, desde que assinado pelo devedor e
subscrito por duas testemunhas, acompanhado do correspondente extrato de conta,
configura título
executivo extrajudicial, diante do permissivo do art. 585, II, do CPC. Eventual
discordância do creditado poderá ser manifestada em sede de Embargos à Execução,
sem qualquer
prejuízo para seus interesses, como sucede em relação a todas as pretensões
executivas (Carlos Alberto de Oliveira, Exiqüibilidade dos Contratos de Abertura
de Crédito, Revista
Jurídica 242/133, Editora Síntese) e
Contrato de abertura de crédito acompanhado de extrato circunstanciado de
movimentação da conta corrente. Título executivo. Liquidez (STJ, Revista
Jurídica 242/148).
Especificamente no caso dos autos; (a) os extratos apresentados pelo Banco
..........., não abrangem todo período do contrato, (b) conseqüentemente falta a
liquidez.
Por tal razão, deve ser julgado extinto o feito na forma do artigo 267, IV, do
CPC.
2 Contrato bancário. Código de Defesa do Consumidor. Relativização da pacta sunt
servanda.
Todas as questões discutidas dependem da determinação do sistema normativo que
regula o contrato bancário -- se de direito comum (civil ou comercial) ou do
direito do consumidor
-- , muito embora um ou outro leve ao mesmo resultado prático (mencionam-se dos
sistemas para a eventualidade de um deles, por opção do intérprete, não ser o
adequado e como
reforço de argumento e da conclusão), dado necessário para que se possa: 1)
relativizar o princípio da força obrigatório dos contratos, de modo a permitir
ao Juiz, para reequilibrá-lo, o
exame do conteúdo do contrato; 2) determinar se há cláusulas abusivas.
A relação de consumo requer a presença de um fornecedor ou de um prestador de
serviços e de alguém que receba os produtos ou os serviços como destinatário
final, não recolocá-los
no mercado (artigos 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor), muito embora,
excepcionando a regra, ao lado do consumidor destinatário final o artigo 29 do
Código de Defesa do
Consumidor equipare ao consumidor outras pessoas, físicas ou jurídicas,
igualmente hipossuficientes, para o fim de protegê-las contra práticas
comerciais previstas pelo mesmo código,
como, por exemplo, a atividade bancária (artigo 3º, parágrafo 2º, do CDC).
Ponderando esses dois critérios relevantes para o conceito de consumidor e a
expressa referência à
atividade bancária a doutrina e alguns julgados, inclusive do Superior Tribunal
de Justiça, submetam os contratos bancários ao Código de Defesa do Consumidor.
Nesse sentido:
Apesar das posições contrárias iniciais, e com apoio na doutrina, as operações
bancárias no mercado, como um todo, foram consideradas pela jurisprudência
brasileira como
submetidas às normas e ao novo espírito do CDC de boa fé obrigatória e
equilíbrio contratual (Cláudia Lima Marques, Contratos no Código de Defesa do
Consumidor, p. 143, Editora
Revista dos Tribunais, 1995, 2º edição)
Ainda que ad argumentandum se diga que as operações bancárias não seriam
ontologicamente destinadas ao consumo, são elas consideradas ex lege como
serviços para os efeitos de
sua caracterização como relação de consumo. Haveria, por assim dizer, uma ficção
jurídica conceituando as atividades bancária como sendo objeto das relações de
consumo (Nelson
Nery Júnior, Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores
do Anteprojeto, p. 311, n 11, Forense Universitária, 1991, 1ª edição)
Enquanto no artigo 2º o critério é a destinação final, no artigo 29 outro é o
fundamento: exposição das pessoas (determináveis ou não) às práticas de
produção, montagem, criação,
construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou
comercialização de produtos ou prestação de serviços, práticas perpetradas por
pessoa física ou jurídica, pública ou
privada, bem como os entes despersonalizados (artigo 3º)
A exposição da pessoa às práticas referidas não significa que elas sejam
destinatárias finais. Pode-se admitir a situação de destinatário final, mas
também de destinatário virtual, ou
possível destinatário final.
O critério do artigo 29 é mais amplo, razão por que a equiparação dos 'expostos'
sejam destinatários finais efetivos ou virtuais, estabelece outra espécie de
consumidores (Aclibes
Burgarelli, O Consumidor e a Relação de Consumo, Revista Literária de Direito,
maio/junho de 1996, pp. 40 e seguintes, Editora Jurídica Brasileira Ltda.)
Nosso Código, em verdade, terminou por proteger o figurante fraco,
independentemente de sua qualificação (consumidor ou profissional), não se
contentando com a observação de
Jean Calais- Auloy, evidentemente com olhos postos na legislação do seu país, de
que a proteção aos "profissionais em situação de fraqueza" se realiza através de
legislação específica
Antonio Janyr Dall'Agnol Júnior, Direito do Consumidor e Serviços Bancários e
Financeiros - Aplicação do CDC nas Atividades Bancárias, Revista de Direito do
Consumidor 27/7-17,
Editora Revista dos Tribunais) e, na jurisprudência,
O conceito de consumidor, por vezes, se amplia, no CDC para proteger quem
"equiparado". É o caso do art. 29. Para o efeito das práticas comerciais e da
proteção contratual,
"equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas
às práticas nele previstas".
O CDC rege as operações bancárias, inclusive as de mútuo ou de abertura de
crédito, pois relações de consumo (RT 697/173)
2. Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos bancários, mas as
cláusulas ditas abusivas devem estar perfeitamente demonstradas pelo devedor
(TAPR, Apelação
Cível 0114834-7, de Curiuva, 4ª Câmara Cível, Relator Juiz Ruy Cunha Sobrinho) e
Os bancos, como prestadores de serviços especialmente contemplados no art. 3º,
parágrafo 2º, estão submetidos às disposições do Código de Defesa do Consumidor.
A circunstância
de o usuário dispor do bem recebido através da operação bancária, transferindo-o
a terceiros, não o descaracteriza como consumidor dos serviços prestados pelo
banco (STJ, Revista
de Direito do Consumidor 16/179, Editora dos Tribunais).
Apenas para arrematar:
De fato o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) foi editado para
revolucionar as relações vividas na sociedade brasileira, impondo a partir da
sua vigência, o fornecimento
de produtos e serviços segundo os melhores padrões de qualidade, confiabilidade
e segurança.
Desta forma, não se pode admitir que somente alguns segmentos da economia
nacional fiquem à margem dessa evolução legislativa, como no caso das
instituições bancárias e financeiras.
A defesa do consumidor possui respaldo na Constituição Federal que à elevou a
categoria princípio geral da atividade econômica (art. 170, inc. V) e garantia
individual (art. 5º, inc.
XXXII), bem como o ordenamento jurídico repugna qualquer abusividade, seja no
plano constitucional, comercial, trabalhista etc...
Se no nosso sistema de proteção do consumidor não faz distinção entre o
consumidor pessoa física e jurídica, bem como equipara (tornando-o igual para
efeito de aplicação da lei) a
consumidores diversas pessoas expostas às práticas tratadas pelos (sob pena de
julgar contra legis), deixar de dar a interpretação ou aplicação correta dos
seus dispositivos. Neste
sentido, entendemos impertinente o questionamento da destinação do serviço ou do
crédito de incidência ou não das normas da lei 8.078/90 (Antônio Carlos Efing,
Responsabilidade
Civil do Agente Bancário e Financeiro, Segundo as Normas do Código de Defesa do
Consumidor, Revista de Direito do Consumidor, volume 18, pp. 125 e seguintes,
Editora Revista
dos Tribunais, 1996).
Ao lado desse há outro argumento, subsidiário e de valor caso aquele primeiro
(argumento), ad argumentandum, não esteja correto. O Código de Defesa do
Consumidor introduziu (ou
confirmou) dois princípios elementares do novo direito dos contratos: a boa fé e
a justiça contratual. O sistema do direito do consumidor, por outro lado, não é
excepcional, mas
especial (e não se pode negar que, ao menos do ponto de vista legislativo, há
alguma coisa nova no ordenamento jurídico, cfr. Edilson Pereira Nobre Júnior, A
Proteção Contratual no
Código do Consumidor e o Âmbito de sua Aplicação, Revista de Direito do
Consumidor 27/56-77, Editora Revista dos Tribunais), portanto, exatamente porque
novas normas
passaram a integrar o ordenamento jurídico, o contrato em geral, não apenas os
de consumo, não é mais visto como algo estático e individual, mas como algo
dinâmico e social,
necessário para o comércio jurídico e para a satisfação de interesses legítimos
(e basta um passar de olhos pela Constituição Federal para constatá-lo),
entendimento que permite
relativizar o princípio da pacta sunt servanda e abre espaço para a justiça
contratual, a tutela da confiança e a boa fé. O contrato, então como resultado
desses novos princípios, deve
ser o instrumento de satisfação de necessidades individuais e coletivas, não
para a supremacia de um contratante sobre o outro ou para que esse enriqueça às
custas daquele.
Indo um pouco além, e na esteira da constitucionalização do direito privado, o
recurso ao direito do consumidor, que ostensivamente consagra princípios
constitucionais relevantes para
o mercado, encobre uma postura metodológica acanhada, tímida -- a que impede o
intérprete de olhar para a Constituição e aplicá-la diretamente, como se as
normas constitucionais
contivessem meros conselhos ao legislador ordinário e como tais passíveis de
descumprimento, não preceitos ou ordens ou normas jurídicas, dotadas de
eficácia. Um rápido passar de
olhos pela Constituição da República revela, ao menos do ponto de vista teórico
(o que não é pouco, mas muito, desde que o operador do direito aceite o comando
e o concretize), as
mudanças operadas no direito contratual. Os incisos III e IV do artigo 1º (da
CF), por exemplo, conforme será visto também mais adiante, consagram a dignidade
da pessoa humana e
a necessidade da compatibilização entre a livre iniciativa e o trabalho. O
artigo 3º, I, II, e III, fala na justiça e na solidariedade, no desenvolvimento
nacional e na justa distribuição de
riquezas. O 5º, XXIII, limita o direito de propriedade, dando-lhe um colorido
social. O 170, caput, e III, VII e IX, disciplinam diretamente a atividade
econômica, orientando-a para a
valorização da justiça social e da dignidade do Homem. Essa série de princípios,
desde que sejam consideradas duas premissas, a saber: 1) a eficácia das normas
constitucionais, mesmo
das chamadas programáticas, que também têm eficácia, ainda que negativa, isto é,
de no mínimo evitar comportamentos contrários a sua diretriz e de exigir o
intérprete autêntico (o Juiz)
a interpretação das normas ordinárias conforme o que elas estabelecem, e 2) o
contrato constitui o fundamento e o pressuposto da atividade econômica, autoriza
a seguinte conclusão:
devendo o mercado, a atividade econômica, seguir as diretrizes constitucionais
-- o mercado deve ser equilibrado, estruturado não apenas para propiciar a
acumulação de riquezas a um
dos contratantes mas também, e principalmente, para atender ao desenvolvimento
nacional, sem provocar injustiças --, o contrato, seu ponto de apoio, deve
trazer implícito na sua
estrutura o modo de realização daqueles valores, o que somente será possível se
houver justiça contratual e um atuar conforme a boa fé objetiva. O que não se
pode, sem se violar
aquele princípios, é pensar o contrato nos moldes antigos, de prevalência da
vontade individual de um dos contratantes, porque, aí, não haverá
desenvolvimento nacional, justiça social,
equilíbrio nas relações etc.
Ou dito de outra forma e melhor explicando esse entendimento. Mesmo sem o Código
de Defesa do Consumidor, que não é uma lei excepcional, mas especial,
compatibilizando-se com
a noção de contrato delineada pela Constituição Federal e por isso passível de
aplicação aos contratos em geral, ainda que de direito comercial ou civil (cfr.
Fernando Noronha, O
Direito dos Contratos e seus Princípios Fundamentais, p. 02. n1.1, Saraiva,
1994), não seria incongruente dizer que o modelo contratual flexibilizou-se e
socializou-se com o advento da
nova ordem constitucional. Essa conclusão exige algum esforço de argumentação.
Sabidamente, todo objeto cultural reflete uma ideologia, uma concepção de mundo,
quer no momento
em que ele é produzido ou mais tarde, quando é compreendido ou interpretado. O
Direito, como objeto do mundo da cultura e como superestrutura que é (e cada um
dos seus institutos
por extensão) é essencialmente ideológico (Luis Roberto Barroso, Interpretação e
Aplicação da Constituição, Saraiva, 1996). Não poderia escapar à regra o
contrato, ponto de
convergência de toda a atividade econômica da sociedade. Como instrumento de
circulação de riquezas e de satisfação de interesses e necessidades ele teve e
sempre terá o seu
conceito marcado por idéias econômicas, políticas e filosóficas e servirá,
mediatamente, para a realização dos valores idealizados como corretos por essas
idéias (logo, um conceito
cambiante). Assim é que, em pleno século XIX, quando do predomínio do
individual-liberalismo, tanto no plano econômico como no jurídico, o contrato
como lei entre as partes tinha
no ambiente sócio-cultural-econômico de então o necessário fundamento.
Raciocinava-se deste modo: se todos são iguais (falácia, desmentida pela
realidade dos homens, regulando-a
somente em poucos casos, os contratantes também são iguais e, portanto, quando
da contratação, têm iguais oportunidades de discutir o conteúdo; sendo assim, o
pacto terá de ser
integralmente cumprido, porque, sendo as partes os melhores juízes de seus
interesses e possuindo a vontade individual força suficiente para produzir
efeitos jurídicos, a justiça material
estará garantida, abrindo-se exceção somente para os vícios da vontade e a muito
custo para a teoria da imprevisão. Essa visão do contrato ajustava-se também ao
tipo de economia da
época - essencialmente agrária. Com a mudança do mundo, principalmente da
economia, que passou para uma economia industrial e de massa, aquela idéia de
contrato foi superada,
desmentindo-se os dogmas da vontade, da igualdade e da liberdade contratual.
Princípios como o da boa fé e da justiça contratual, frutos de uma concepção
social do Direito e do
contrato, juntamente, ou como produto, com a constatação de que os homens não
são iguais, logo, não discutem em pé de igualdade um contrato, relativizaram o
princípio da pacta sunt
servanda, possibilitando ao juiz, para a proteção do economicamente mais fraco,
a revisão do "livremente" pactuado. Chega-se assim ao conceito de contrato como
algo social e
destinado à satisfação de interesses legítimos, não para o enriquecimento de um
contratante em detrimento do outro ou para o predomínio vazio da vontade de um
sobre a do outro; o
instituto, em outras palavras, imantou-se da idéia de que as partes devem agir
de boa fé e segundo a boa fé objetiva e que entre prestação e contraprestação
deve existir o necessário
equilíbrio. Ora, o Código de Defesa do Consumidor nada mais fez do que ressaltar
o que sempre esteve subentendido no sistema - a boa fé objetiva e a justiça
contratual, reflexos no
campo do Direito Contratual dos novos valores do sistema jurídico como um todo;
conseqüentemente, as disposições daquele Código devem ser aplicadas sempre que,
constatada a
hipossuficiência de um dos contratantes, a vontade de um dos contratantes, em
razão da fraqueza econômica do outro, prevaleça ditando condições contratuais
iníquas.
Nesse sentido, partindo da Constituição Federal e aplicando os seus preceitos:
Como se vê, o princípio geral é o de que salvo motivos especiais, há um valor
que deve ser preservado na vida contratrual que é o da equivalência ou
proporcionalidade das prestações
e contraprestações recíprocas, o que não tem sido infelizmente respeitado pela
chamada Nova República (Miguel Reale, Temas de Direito Positivo, p. 19, Editora
Revista dos Tribunais,
1992).
Disso tudo resulta o novo modelo contratual - socializado e, forçosamente,
eticizado.
Nesse sentido:
Assim, através da aplicação dos princípios que regem a nova realidade
contratual, busca-se a segurança jurídica, mas não através da liberdade
contratual, onde imperava a supremacia
da "palavra dada" (pacta sunt servanda), mas através da tutela da confiança e da
boa fé, banhados pelo princípio da justiça contratual (Renata Mandelbaum,
Contratos de Adesão e
Contratos de Consumo, p. 101, n 36.2, Editora Revista dos Tribunais, 1996)
Com efeito, o princípio da autonomia da vontade parte do pressuposto de que os
contratantes se encontram em pé de igualdade, e que, portanto, são livres de
aceitar ou rejeitar os
termos do contrato (Silvio Rodrigues, Direito Civil, volume 3, p. 19, n 8,
Saraiva, 1975, 5ª edição) e, destacando o aspecto transcendente do contrato:
A verificação de que o contrato tem um impacto que transcende a "privacidade"
das partes nos leva a outra mudança de enfoque.
A teoria clássica entendia o contrato como fenômeno economicamente neutro. Isto
não é assim, tem efeitos distributivos. Desde a análise econômica, tem sido
posto em destaque, o
efeito redistributivo que têm as normas contratuais.
A análise particularizada no contrato impede, muitas vezes, perceber a
globalidade do "negócio" celebrado. A venda a baixo preço (contrato) pode
objetivar a eliminação de um
concorrente (negócio) e transformar-se em ilícita à luz da regulamentação da
concorrência.
Tanto as normas derivadas da autonomia privada como as regulamentações
intervencionistas têm efeitos econômicos distributivos...
Há uma grande massa de excluídos do consumo; trata-se de instrumentalizar normas
de ordem pública que flexibilizem esse acesso em condições de qualidade e
segurança aceitáveis.
Para que isso seja possível, há que reforçar o acesso ao consentimento pleno,
despejando as dúvidas individuais (intervenção como garantia subjetiva ao
consentimento pleno) e
colocando as partes em igualdade material de expressão (ordem pública de
proteção) (Ricardo Luis Lorenzetti, Fundamentos do Direito Privado, pp. 541 a
543, n III e IV, Editora
Revista dos Tribunais, 1998).
Se essa é a tendência no momento e se o Código de Defesa do Consumidor contém
normas que atenuam a força obrigatória do contrato, como resultado dos
princípios constitucionais
antes mencionados, além de não representar o direito do consumidor um sistema
excepcional mas sim especial, conforme insistentemente repetido, resta aplicá-lo
sempre que frente a
frente estiverem contratantes economicamente desnivelados, flexibilização a que
se chegaria apenas com a Constituição da República (em outros termos: os novos
valores,
redescobertos pela Carta da República e concretizados em princípios como o da
Justiça, da solidariedade, da função social da propriedade, da iniciativa
econômica aliada ao respeito
do trabalho e da dignidade humana etc, impõem um novo modelo de contrato, e como
o Código de Defesa do Consumidor materializou esses valores as suas disposições,
regras e
princípios devem ser aplicadas a todos os contratos não paritários).
Mais ainda, e também nessa linha de raciocínio, o contrato bancário é de adesão
- ou o cliente adere, aceitando as condições impostas pelo banco, ou não adere e
permanece sem
recursos para levar adiante a sua empresa ou o atendimento de necessidades -- o
que vulnera o postulado do desenvolvimento nacional, entre outros, e contraria
mesmo a essência do
modo de produção capitalista ao impedir a livre iniciativa (a respeito,
percebendo essa situação, o seguinte trecho do voto do Ministro Athos Gusmão
Carneiro, verbis; "Ora, em casos
como o dos autos, é o credor que está, em realidade, criando o título executivo
extrajudicial em seu favor, fixando-lhe o valor e o momento da exigibilidade,
mercê de outorga de
poderes imposta compulsoriamente em contrato de adesão, compulsoriedade a que as
pessoas obrigadas ao uso do crédito bancário não têm como fugir. Ou aderem, ou
estão expulsas
do mundo dos negócios, pelos menos a imensa maioria dos médios e pequenos
empresários, que não têm condição alguma de discutir com os fornecedores de
crédito, com as
instituições financeiras...", grifos nossos, in Wilson Bussada, Súmulas do
Superior Tribunal de Justiça, Acórdãos de Origem e Sentenças Decorrentes, volume
II, p. 972, Jurídica
Brasileira, 1995, 1ª edição). A falta da Justiça formal (que ocorre quando o
equilíbrio de forças é rompido no instante da contratação) abre oportunidade ao
reequilibro, na busca da
justiça contratual material, da economia do contrato; e a necessidade de
reequilibro pressupõe a possibilidade de intervenção no contrato, sem que se
possa falar na sua intangibilidade.
Nesse sentido:
Ora, posta assim a questão, a melhor solução parece ser aquela que, partindo da
distinção entre justiça formal e substancial, considera que esta se deve
presumir a partir daquela: em
princípio, deve admitir-se ser substancialmente justa a relação entre prestação
e contraprestação, entre benefícios e encargos, que as próprias partes
estabeleceram. Garantidas as
condições para a realização da justiça formal, é de se presumir que o contrato
seja justo, já que em geral são as partes que estão em melhores condições para
avaliar se a prestação e
contraprestação se equilibram e se ônus e riscos estão divididos de forma
eqüitativa...
(Continua - Próxima Íntegra - F12)(Continuação - Íntegra 01).
Mesmo em contratos que não sejam de consumo, a cláusula abusiva poderá ver
questionada a sua validade se figurar em contratos padronizados e de adesão,
porque, não existindo
prévia negociação sobre o conteúdo contratual ou sendo ela ineficaz, não se pode
presumir a relação de equilíbrio entre prestação e contraprestação, que é
pressuposta pela justiça
formal (Fernando Noronha, O Direitos Contratos e seus Princípios Fundamentais,
pp. 225. 226 e 249, n. 9.3 e 9.4.4., Saraiva, 1994).
Concluído, pois, por um ou por outro fundamento chega-se ao mesmo resultado -
necessidade do exame ponderado da posição das partes dentro do contexto do
contrato,
avaliando-se eventual desequilíbrio para saná-lo.
A resistência a esse ponto de vista tem um substrato ideológico (alias como
qualquer interpretação da norma jurídica) e em certa medida contraria o próprio
conceito de Direito --
objeto cultural, portanto, teleológico, voltado a valores, constatação que
força: a) o reconhecimento de que as velhas idéias são descartadas com o passar
do tempo pelo meio social e
que novas (idéias) surgem, representando essas novas idéias o conceito de
Justiça e que, necessariamente, por isso, devem ser apreendidas pela norma
jurídica, e b) coloca o intérprete
que teime em apegar-se à antiga ordem de valores em contradição com a própria
idéia de Direito. Melhor explicando. O Direito é uma superestrutura, e como
superestrutura é
essencialmente ideológica (Luís Roberto Barroso, Interpretação e Aplicação da
Constituição, Saraiva, 1996). Os órgãos que o elaboram e o aplicam submetem-se,
mesmo
inconscientemente, a certa ideologia e a perpetuam, e assim agem porque o
legislador, o intérprete e o aplicador da norma vivem em um ambiente
sócio-político que sofre influências
ideológicas e por isso tendem a preservá-lo, sem críticas. Compreende-se,
portanto, a resistência de alguns setores à limitação da atividade bancária;
olha-se o banqueiro (ou o capital,
mais amplamente), o seu lucro, apenas, esquecendo-se da contraparte e, o que é
pior, a tarefa que a própria Constituição Federal atribui ao sistema financeiro
(artigo 192, caput).
Esquece-se também da hipossuficiência de quem contrata com o banco. Somente sob
esse ponto de vista é que se consegue justificar a corrente que nega o caráter
de norma de eficácia
plena ao artigo 192, parágrafo 3º, da Constituição, e que consente que os juros
possam ser capitalizados e cobrados a qualquer taxa e outros encargos exigidos,
procedendo a aguda
crítica do Professor José Carlos Barbosa Moreira, verbis: "Só na hora de
interpretar a Constituição é que não se sabe o que é: não se sabe porque não se
quer saber. É claro que taxa
de juros reais é tudo aquilo que se cobra, menos a correção monetária"(apud Luís
Roberto Barroso, ob. C., p. 243). Ou, arrematando, toda "estrutura jurídica
reproduz o jogo de
forças sociais e políticas, bem como os valores morais e culturais de uma dada
organização social" (Antonio Carlos Wolkmer, Ideologia, Estado e Direito, p.
145. n 5.6., Editora Revista
dos Tribunais, 1995, 2ª edição) e, segundo Carlos Cossio, em crítica à dogmática
jurídica, "o jurista, ao trabalhar sobre tal formulação (o positivismo e o
normativismo), se acha a
serviço de um padrão capitalista de estrutura social... e Ao final de seu texto,
Cossio fazia alusão ao muito que podem fazer os juizes e os juristas, dentro da
tradição democrática, para
viver em um mundo melhor, com libertar-se desta ideologia que mede todas as
coisas, inclusive a justiça, pelo dinheiro e que faz do dinheiro a razão de ser
da existência humana" (apud
Nelson Saldanha, A Propósito de "Crítica da Dogmática". Anotação a um Texto de
Cossio, in Revista Trimestral de Jurisprudência dos Estados 27/19, Editora Jurid
Vellenich Ltda.,
abril/junho 1984).
Para reduzir as contradições dessa interpretação puramente ideológica com a
realidade, com marca liberal-individualista, supondo ainda em vigor a antiga
ordem jurídica, opta-se por
outra (interpretação) também ideológica (toda interpretação do Direito tem
raízes ideológicas, não sendo o intérprete neutro, ao contrário do que entende a
doutrina clássica, positivista
e normativista), só que com compromisso com uma nova ideologia, marcada justiça
contratual e coerente mesmo com o nosso sistema e com certos valores
fundamentais, resultando daí
um novo enfoque dos juros nos contratos bancários e de regra das disposições
contratuais como um todo. E essa nova ordem axiológica é revelada, primeiro,
pela própria Constituição
Federal, no seu Preâmbulo e no seu artigo 1º, onde valores como justiça,
liberdade e dignidade do homem são colocados como supremos e servem de guia para
a perfeita compreensão
do sistema (a respeito da relevância do preâmbulo das constituições, João
Barbalho, apud José Cretella Júnior, Comentários à Constituição Brasileira de
1988, volume I, pp. 74 e 78, n
1, forense Universitária, 1989, 1ª edição, e sobre a relevância dos princípios
constitucionais para a interpretação da norma constitucional e da
infraconstitucional, Luís Roberto Barroso,
ob. C.) (e, note-se, que a própria Constituição Federal impõe o mesmo
compromisso ao sistema financeiro ao fazer que ele deve servir aos interesses da
coletividade e concorrer para o
desenvolvimento equilibrado do País - artigo 192, caput, da CF) e, segundo, pelo
novo Código de Defesa do Consumidor, que dinamizou a aplicação desses princípios
gerais. São
esses os dados componentes da nova ideologia - de justiça social - que devem ser
pensados e pesados no caso (e com isso fica-se dentro do próprio sistema sem o
receio de críticas à
necessidade de uma posição fora do ordenamento). E toda e qualquer norma que
destoe dos valores predominantes em dado ordenamento jurídico "podem, por causa
da contradição
de valores nela incluídas, atentar contra o princípio constitucional de
igualdade e, por isso, serem nulas" (Claus-Wilhelm Canaris, Pensamento
Sistemático e Conceito de Sistema na
Ciência do Direito, p. 225, Fundação Calouste Gulbenkian, 1989). Certamente
alguém argumentará que os juros são fixados pelo mercado financeiro, mercado que
sofre a interferência
direta do Estado como medida de política econômica, e que, sendo assim, os
bancos perderiam ao captar dinheiro pagando certa taxa e recebendo outra
inferior. O argumento à
primeira vista impressiona e poderia autorizar o raciocínio simplista de que se
a empresa ou a pessoa física vale-se do banco para conseguir dinheiro então que
arque com os ônus daí
advindos, não podendo nunca a instituição sofrer prejuízos; se alguém tiver que
perder que seja o mutuário. Mas esse raciocínio passa ao largo da realidade ao
desconhecer ou esconder
a dependência que toda a economia mantém com o sistema bancário, que caracteriza
o chamado fenômeno da bancarização, desde o empregado mais humilde, que recebe
em cheque o
seu salário, até a média empresa que, em momentos difíceis, recorre a
financiamentos. A busca de recursos junto a instituições financeiras não é uma
opção, mal algo que a todos é
imposto, e imposto pelo consumismo e a busca de melhores condições de vida e
que, matreiramente, monopoliza o crédito e o dinheiro nas mãos dos bancos. O
pagamento de juros
elevados sacrifica o consumidor absurdamente, na medida em que ele, no seu dia a
dia, desenvolvendo as suas atividades, não consegue obter o necessário para
quitar o débito,
porquanto o mercado não o remunera suficientemente para arcar com juros
superiores a 1% (um por cento) ao mês ou para suportar um acréscimo mensal, a
título de comissão de
permanência, de mais de 9% (nove por cento) (o sistema financeiro, nesse
contexto, descumpre, ao inviabilizar principalmente a empresa, aquela finalidade
que a Constituição da
República expressamente lhe atribui, de promover o desenvolvimento nacional);
para o banco pode ocorrer uma perda, sem dúvida. Mas dos dois, quem pode melhor
suportar o
prejuízo? O banco, certamente, não só pela sua melhor estrutura patrimonial como
pela possibilidade de compensá-lo com a cobrança de outros serviços, como aliás,
o vem fazendo. A
opção pelo menos favorecido não é uma escolha arbitraria do juiz, mas sim do
ordenamento jurídico como um todo, representado pelos valores já referidos,
todos de cunho social e que
servem para fomentar a solidariedade, implementando a justiça distributiva.
Com esses argumentos não se está contrariando ou inviabilizando o sistema de
mercado, ou o capitalismo. Busca-se apenas, na esteira da eticização do Direito,
uma forma de
harmonizá-lo com certos valores agora priorizados e, em certa medida, proteger
aquele sistema, o único viável, contra certas pressões ou efeitos por ele
próprio produzidos e que
podem destruí-lo.
O argumento de que o juiz deve cumprir a lei e não inovar, permanecendo neutro
(a neutralidade não passa de um dogma, cuja falsidade pode ser facilmente
demonstrada: na medida
em que a ordem jurídica incorpora valores sócio-políticos, o juiz, ao aplicar
irrefletidamente a lei, está na verdade aderindo a esses valores e ao assim
proceder não mais estará agindo
com neutralidade), prende-se a uma ideologia liberal-individualista e
eminentemente capitalista e também a um modelo filosófico, o racionalismo, de há
muito esquecido em outros
setores do pensamento humano, mas que teima em persistir no campo jurídico por
convir àquela ideologia, e coloca ou tenta colocar o Direito como uma ciência
exata, capaz de
soluções matematicamente corretas. Por mais que a realidade demonstre que o
homem muda suas idéias, o seu comportamento, os seus valores, evoluindo, quer
pela insatisfação que
lhe é própria, quer porque novos fenômenos repercutem na sociedade, escapando
tudo isso ao legislador mais cauteloso; por mais que se diga que o Direito
evolui ao sabor de uma
nova realidade, exigindo do juiz um envolvimento maior com o presente e com a
nova ordem axiológica, agindo "como canal de comunicação entre o universo
axiológico da sociedade e
o caso concreto", não inovando, mas trazendo "para as suas decisões,
positivando-as com isso, os cambiantes imperativos da ordem social e política da
nação, rompendo a estática dos
textos legais e interpretando-os segundo os valores a preservar" (Cândido Rangel
Dinamarco, Escopos Políticos do Processo, in Participação e Processo, p. 115, n
1, Editora Revista
dos Tribunais, 1988, Coordenação de Ada Pellegrini Grinover, Cândido Rangel
Dinamarco e Kazuo Watanabe), insiste-se em apregoar, até compreensivelmente,
como forma de
prolongar privilégios, o imobilismo e a neutralidade judicial. Deve inovar,
mesmo desrespeitando um dispositivo legal isolado, olhando para a evolução do
sistema como um todo, por
isso o direito é um sistema aberto e móvel, e interpretando, para readaptá-lo ou
reintegrá-lo nesse sistema, o preceito de acordo com a nova valoração de
condutas feita pela norma. E é
precisamente a partir dessas idéias, repita-se, a questão dos juros bancários há
de ser examinada, ou seja, segundo uma nova ordem axiológica. Frise-se que não
se é contra a lei, mas,
sim, a favor da necessidade de adaptá-la a essa nova ordem axiológica, de
interpretá-la segundo certos princípios retores.
Os que assim pensam esquecem que concessões como essas, de espectro social, ao
invés de destruir o modo de produção capitalista, concorrem para preservá-lo,
evitando a
autodestruição do capitalismo pelos próprios capitalistas. A intervenção do
Estado compensando os excesso, ou as "disfunções do processo de acumulação"
(Eros Roberto Grau,
Direito Posto e Direito Pressuposto, pp. 89 e seguintes, Editora Revista dos
Tribunais, 1998, 2ª edição), permite a subsistência e o desenvolvimento do
mercado, afastando pressões
autodestrutivas.
Nesse sentido:
Devemos também ter total consciência de outra circunstância: a sobrevivência e a
aceitação do moderno sistema de mercado foram, em grande medida, uma conquista
dos socialmente
engajados. Ele não teria sobrevivido sem nossas bem-sucedidas iniciativas
civilizadoras. O capitalismo em sua forma original era terrivelmente cruel.
Somente com os sindicatos, a
proteção aos trabalhadores e aos seus direitos, pensões para os idosos,
indenizações para os desempregados, assistência pública, habitação de baixo
custo -- uma rede de segurança,
embora imperfeita, para os desafortunados e privados -- e ações públicas para
atenuar o compromisso capitalista com o crescimento e a queda, o politicamente
aceitável (John kenneth
Galbraith, O Enganjamento Social Hoje, texto reproduzido e traduzido por Luiz
Roberto Mendes Gonçalves na Folha de São Paulo de 20 de dezembro de 1998).
Ou seja: ainda que não se tenha afinidade com os novos valores introduzidos pela
Constituição da República, ou amor pelo Justo e pelo eqüitativo, o novo modelo
contratual deve ser
aceito como forma de viabilizar atenuando-se as pressões.
Sintetizando tudo o quanto foi exposto e para finalizar esse tópico, trabalhando
com outro argumento, a nova ordem axiológica e de princípios, mesmo sem um ato
formal de revogação,
ao ser introduzida no direito positivo, por lhe ser contrária, e exatamente por
isso, afastou a antiga ordem, impedindo-lhe de continuar em vigor.
Nesse sentido:
Limitando-nos, contudo, às relações entre o Direito antigo e o Direito novo sob
o aspecto das nossas "contradições entre princípios", diremos que Wengler
mostrou como, em toda a
parte do mundo, as modificações das circunstâncias de facto, das concepções
políticas, culturais e morais, e sobretudo ainda da restante legislação "pela
qual a regra jurídica em questão
como se encontra rodeada", conduzem, sem a intervenção de uma especial lex
posterior, à rejeição do Direito contrário aos princípios, isto é, em
contradição com os novos princípios.
O "espirito da nova legislação" exorcizará o Direito antigo, formal, que ainda
se encontra em vigor...Uma forma menos ampla de adaptação do antigo Direito à
nova situação jurídica
global seria a já acima...referida "interpretação conforme à Constituição", na
medida em que esta interpretação se refira a "Direito pré-constitucional" e não
só o "interprete" em sentido
estrito como também o "complemente" ou "desenvolva" (Karl Engish, Introdução ao
Pensamento Jurídico, pp. 322 e 323, Fundação Calouste Gulbenkian, 6ª edição).
Portanto, partindo-se também, diretamente ou mesmo indiretamente para os que
teimem em dizer que a atividade bancária não é de consumo, do Código de Defesa
do Consumidor e
dos novos princípios por ele revelados, ou melhor, colocados em relevo, é que as
questões discutidas pelas partes devem ser equacionadas.
Todo o exposto justifica e fundamenta este asserto: a vontade declarada pelo
consumidor não é absoluta, e não o é porque, repetindo, ele simplesmente adere
ao contrato bancário, não
o discutindo; e não sendo absoluta, o sistema permite o reexame da base e do
conteúdo do negócio para que possa estabelecer se existe ou não justiça
contratual e, em caso negativo,
para o realinhamento da economia do contrato.
Abrindo-se um parêntese. Com freqüência as partes em seus arrazoados e os
tribunais em seus acórdãos referem-se ao Professor Orlando Gomes como um
defensor intransigente da
pacta sunt servanda, esquecendo-se que o extraordinário jurista, em muitas
outras obras, defendeu a flexibilização desse princípio, como o revela o
seguinte trecho do livro Direito
Econômico, em co-autoria com Antunes Varela, Saraiva, p. 152:
Mas, se alguma coisa se perdeu com a segurança com a expansão do princípio geral
da boa fé, muito mais se ganhou em justiça (que é o valor primordial de toda a
ordem jurídica) na
luta contra os abusos do poder econômico. Maior justiça na flexibilidade da lei,
na maleabilidade dos institutos, na possibilidade de adaptação das decisões
concretas às necessidades
reais da vida. E, sobretudo, maior eqüidade na proteção concedida ao contratante
socialmente mais fraco, como se faz mister para salvaguarda da igualdade
substancial entre as partes e
da independência econômica dos indivíduos, que constituem os esteios mais fortes
da autêntica liberdade negocial.
Muito bem, é esse ponto de vista -- hipossuficiência de quem contrata com o
banco, portanto, a necessidade do reequilíbrio entre os contratantes segundo a
justiça contratual e a boa fé
objetiva -- que deve nortear o julgamento da lide, o exame de todas as questões
discutidas pelas partes.
3. Juros. Anatocismo.
a) Juros.
Primeiro, antigamente, antes do instituto da correção monetária, as altas taxas
de juros justificavam-se pela perda do poder aquisitivo da moeda e pela falta de
um instrumento adequado
para contornar o problema.
Nesse sentido:
Os juros bancários procuram, de certa forma, tendo em vista que a mercadoria dos
bancos é o dinheiro, obviar a desvalorização monetária. Assim, a taxa bancária
inclui, além dos juros
normais, outras despesas, que os estabelecimentos bancários dispendem para
atendimento do público, como uma parcela representativa da depreciação
monetária, sendo, dessa forma,
complexa em sua constituição (Álvaro Villaça Azevedo, Teoria Geral das
Obrigações, p. 232, n 3, Editora Revista dos Tribunais, 1987, 4ª edição).
Existindo hoje um indexador que evita essas perdas não mais se justifica a
manutenção de taxas elevadas, acima de 1% (um por cento), a não ser como forma
de aumentar o lucro dos
bancos em detrimento do consumidor. Tendo perdido o seu objetivo, os atos
administrativos do Conselho Monetário Nacional que regulam as taxas dos encargos
financeiros, se não
fossem ilícitos e inconstitucionais por outros motivos, violariam o chamado
princípio da razoabilidade, que tem fundamento constitucional. Esse princípio
impede que o administrador
adote, ao editar o ato administrativo, comportamentos ou soluções contrárias ao
sentido da lei e mais amplamente ao do sistema; em outras palavras, "ninguém
poderia aceitar como
critério exegético de uma lei que esta sufrague as providências insensatas que o
Administrador queira tomar; é dizer, que avalize previamente condutas
desarrazoadas, pois isto
corresponderia a irrogar dislates à própria regra de direito" (Celso Antonio
Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, p. 54, n 16, Malheiros
Editores, 1994, 5ª edição). A
falta de razoabilidade, no caso dos juros bancários, decorre do esvaziamento da
finalidade básica destes, sendo agora fonte de injustiças na medida em que
importa em um desequilíbrio
na economia do contrato ou entre prestação e contraprestação (a respeito do due
process of law substancial, Carlos Roberto de Siqueira Castro, O Devido Processo
Legal e a
Razoabilidade das Leis na Nova Constituição do Brasil, Forense, 1989); e
faltando razoabilidade, são, sob esse ponto de vista, as circulares e resoluções
do Conselho Monetário, atos
administrativos inconstitucionais.
Também não é desarrazoado falar em uma lacuna axiológica, que ocorre "quando há
lei aplicável ao fato, mas ante a injustiça ou inconveniência, que sua aplicação
traria, deve ser
afastada" (Maria Helena Diniz, Compêndio de Introdução à Ciência do Direito, p.
417, n c. 3.2.2, Saraiva, 1992. 4ª edição)
Segundo, a Lei 4.595 de forma alguma liberou o Conselho Monetário Nacional para
fixar taxas de juros, mas somente para limitá-las.
Nesse sentido:
A Lei 4.595/64 - Lei da Reforma Bancária - não revogou o art. 1.062 do Código
Civil, nem os arts. 1º e 13 do Dec. N 22.626/33 - Lei de Usura. Limitar não é
sinônimo de liberar e
muito menos de majorar: exegese iníqua e equivocada do art. 4º, inc. VI e IX, da
Lei 4.595/64, consagrada na Súmula 596 do STF. Em 15 de setembro de 1976, vem à
lume a
Resolução n 389 do Conselho Monetário Nacional, pela qual os políticos
representantes não da população, mas dos donos dos grandes conglomerados
financeiros, com a assessoria
prestimosa dos burocratas daquele egr. Colegiado, interpretando a lei, ordenaram
que o resto do Brasil lesse o berbo limitar, contido no art. 4º, inc. IX, da Lei
4.595/64, com sinônimo
de liberar. Naquele instante, abriu-se a porta oficial à agiotagem, e a usura
ganhou sua carta de corso, instalando-se na vida econômica do País e se
constituindo em poderoso agente
inflacionário, embora não seja o único, por certo. Na realidade, em nenhum
momento de seu texto de sessenta e cinco artigos, a Lei 4.595/64 permite a
graduação dos juros, pelos
bancos e instituições financeiras, acima da taxa legal ou do limite convencional
permitido, e em nenhum momento se encontra algum dispositivo que revogue, sequer
implicitamente, o art.
1º da Lei de Usura e o art. 1.062 do Código Civil. A referida lei autorizou,
isto sim, o Conselho Monetário Nacional a limitar, sempre que necessário, as
taxas de juros, mas a partir da
malfadada Resolução nº 389, por influência e coerção de quem efetivamente ganha
alguma coisa com a inflação - que certamente não é o assalariado -, o verbo
passou a significar
também liberar...Sem necessidade de grande esforço hermenêutico, mas lançando
mão apenas de uma razoável memória histórica, cumpre proclamar, modo hialino e
desassombrado,
que a Súmula 596, nos dias atuais, revela-se anacrônica e destoante da realidade
jurídica e social do País. Com isso, não se está afrontando a autoridade da
Corte Maior, mas apenas
examinando um precedente jurisprudencial assentado há vária décadas, com olhos
de atualidade. Com efeito, o Enunciado nº 596 surgiu, principalmente, porque
naquela época não
havia correção monetária nos mesmos moldes de hoje e com isso o sistema
financeiro nacional não lograva repor o valor real da moeda no mesmo passo em
que obtinha a remuneração
do capital mutuado. Sem correção monetária, efetivamente, o limite de juros de
12% ao ano levaria o sistema financeiro à mais completa inviabilidade, à
falência. Com a construção
pretoriana que redundou na edição do Enunciado nº 596. A taxação dos juros acima
do permissivo legal cumpria finalidade dúplice, vale dizer, repunha a perda
inflacionária e
remunerava o capital emprestado pelos bancos. Hoje, data vênia, isso não
acontece mais, porque a indexação da economia e a larga utilização da correção
monetária afastaram, pelo
menos em grande parte, as perdas com a inflação. Em conseqüência, a conclusão
lógica e jurídica só pode ser uma: se além da correção monetária as instituições
financeiras ainda
pretendem cobrar juros acima de 12% ao ano, tal comportamento revela cupidez e
ganância desmedidas, ou seja, puramente usura. Se no resto do mundo os bancos
podem sobreviver,
aliás folgadamente, com juros que não ultrapassam 5% ou 6% ao ano, não é
possível entender por que os bancos brasileiros não possam (TARS, ADV 73497).
Terceiro, indaga-se, no entanto, se os órgãos do Poder Executivo podem
estabelecer taxas de juro. Pode argumentar-se com a Lei 4.595 e com a
autorização conferida por essa
mesma lei àqueles órgãos para legislarem a respeito. Entretanto, entra aqui um
complicador -- o artigo 25 das Disposições Constitucionais Transitórias. Mas e a
Lei 8.392/91, que
prorrogou indefinidamente os dispositivos legais que delegam a órgãos da
Administração poderes para regulamentar matéria de competência do Congresso
Nacional? Fala-se hoje em
ativismo judicial, o que quer significar o poder-dever do Juiz de, sempre e
sempre, verificar a constitucionalidade das leis, agindo criticamente (o que
parece absurdo é falar na recente
descoberta do ativismo judicial, como se l Juiz devesse permanecer inerte,
desrespeitando o princípio da supremacia da Constituição). Pois bem, por força
dessa nova visão: se o artigo
25 das Disposições Constitucionais Transitórias estabeleceu a revogação de todos
os dispositivos legais que atribuíam ou delegavam a órgãos do Poder Executivo a
normatização de
matéria exclusiva do Congresso Nacional e se entre as matérias de competência do
Poder legislativo está a "financeira, cambial e monetária, instituições
financeiras e suas operações
"(artigo 48, XIII, da CF), pode uma lei ordinária prorrogar indefinidamente o
prazo indicado na norma constitucional, tal como ocorre com a Lei 8.392/91? As
delegações legislativas
são excepcionais, porque contrariam "normas e princípios, como (i) o da
separação de Poderes, (ii) o da representação política, (iii) o da supremacia da
Constituição, e (iv) o do devido
processo legal "(Luis Roberto Barroso, O Direito Constitucional e a Efetividade
de suas Normas, p. 417, Renovar. 1996, 3ª edição), e sendo excepcionais não
podem, sob pena de
aqueles princípios serem irremediavelmente violados, perpetuar-se. De outro
lado, como entender e conciliar a vontade da norma constitucional, que limitou
no tempo as delegações,
com a lei ordinária que prorrogou por tempo indeterminado? Não está ocorrendo
aqui um flagrante desrespeito à norma constitucional, na medida em que o
legislador constituinte quis
fixar um prazo certo para a vigência das delegações? Sendo assim, a referida lei
é inconstitucional. E sendo inconstitucional, a Lei 8.392/91 não revigorou a
autorização ao Conselho
Monetário Nacional para regularem a matéria.
Quarto, se não bastasse isso há o artigo 51, IV, do Código de Defesa do
Consumidor. De fato, os juros altos e cobrados capitalizadamente sobrecarregam
em demasia o mutuário,
fazendo com que ele pague muito mais do que tomou emprestado. Falta aqui a
Justiça contratual substancial, criando-se uma situação extremamente iníqua e
demasiadamente
desvantajosa ao consumidor, pois os juros altos e capitalizados elevam em muito
o valor da dívida, comprometendo desnecessariamente, sem uma razão justificável,
o consumidor.
Quinto, existe ainda o artigo 192, parágrafo 3º, da Constituição Federal.
Esse artigo estabelece, peremptoriamente, a taxa de juro nos contratos
bancários, 12% (doze por cento) ao ano. A controvérsia reside na natureza desse
dispositivo, se de eficácia
plena, ou de eficácia contida e aplicabilidade imediata ou de eficácia limitada.
Normas constitucionais de eficácia plena "são as que receberam do constituinte
normatividade suficiente à sua incidência imediata. Situam-se predominantemente
entre os elementos
orgânicos da constituição. Não necessitam de providência normativa ulterior para
sua aplicação. Criam situações subjetivas de vantagem ou de vínculo, desde logo
exigíveis" (José
Afonso da Silva, Aplicabilidade das Normas Constitucionais, p. 262, Malheiros
Editores, 1998, 3ª edição), contendo a respectiva fattispecie os elementos
necessários à sua imediata
incidência. O suporte fático das normas constitucionais de eficácia plena é
suficiente, completo o bastante, para o intérprete subsumir o caso concreto à
hipótese normativa.
Adotando esse conceito, pergunta-se se aquele artigo define os elementos que
compõem a hipótese de incidência da norma, sem necessidade de outro ato
normativo subseqüente.
Fala-se em juros reais (e esse é precisamente o termo que aqueles que negam a
auto-aplicabilidade reputam indefinido). O que são, afinal, juros reais? O seu
conceito é dado pelo
Professor José Carlos Barbosa Moreira, anteriormente citado, nos seguintes
termos:
Só na hora de interpretar a Constituição é que não se sabe o que é; não se sabe
porque não se quer saber. É claro que a taxa de juros reais é tudo aquilo que se
cobra, menos a
correção monetária. Se sabemos o que é boa fé, conceito muito mais vago; se
sabemos o que são bons costumes, o que é vaguíssimo, se sabemos o que é mulher
honesta, para
aplicarmos o dispositivo legal que define o crime de estupro, por que é que não
podemos saber o que são taxas de juros reais? Isso faz parte da tarefa
quotidiana do Juiz; interpretar
textos legais e definir conceitos jurídicos indeterminados; e este aqui é tão
indeterminado. Acho até que é bastante determinado (ob. c, p. 229).
Quer dizer: todos sabem o significado do termo, bastando ao intérprete preencher
o conceito com dados colhidos em outra Ciência, a Economia, e com isso aplicar a
norma
constitucional, norma que, como qualquer outra, foi instituída para ser efetiva.
O argumento ordinariamente empregado prende-se exclusivamente à posição da regra
no contexto do artigo, mero parágrafo, inferindo-se daí que o parágrafo não pode
contrariar, pois
o complementa, o caput; logo, se a cabeça do artigo 192 fala em lei
complementar, o parágrafo não poderia conter uma norma de eficácia plena. O
argumento é resistência dos setores
econômica e politicamente influentes, pois, primeiro, quem assim interpreta o
dispositivo vale-se de um só e único método de interpretação, e o mais falível
de todos, colocando de lado
os outros, principalmente o teleológico (e sabe-se que todos os métodos de
interpretação, e não apenas um, devem ser empregados para se chegar ao sentido
aproximado da norma,
cfe. Carlos Maximiliano, Hemenêutica e Aplicação do Direito, p. 127, n 129,
Forense, 1980, 8ª edição); segundo relega a segundo plano o próprio conceito de
norma de eficácia plena
e outros conceitos científicos.
No sentido do equívoco de tal interpretação:
Todo parágrafo, quando tecnicamente bem situado (e este não está, porque contém
autonomia de artigo), liga-se ao conteúdo do artigo, mas tem disciplina
normativa. Veja-se p. e., o
parágrafo 1º do mesmo art. 192. Ele disciplina assunto que consta dos incs. I e
II do artigo, mas suas determinações, por si, são autônomas, pois, uma vez
outorgada qualquer
autorização, imediatamente ela fica sujeita às limitações impostas no citado
parágrafo.
(Continua - Próxima Íntegra-F12)(Continuação)
Se o texto, em causa, fosse um inciso do artigo, embora com normatividade formal
autônoma, ficaria na dependência do que viesse a estabelecer a lei complementar.
Mas, tendo sido
organizado num parágrafo, com normatividade autônoma, sem referir-se a qualquer
previsão legal ulterior, detém eficácia plena e aplicabilidade imediata. O
dispositivo, aliás, tem
autonomia de artigo, mas a preocupação, muitas e muitas vezes reveladas ao longo
da elaboração constitucional, no sentido de que a Carta Magna de 1998 não
aparecesse com
demasiado número de artigos, levou a Relatoria do texto a reduzir artigos a
reduzir artigos a parágrafos e uns e outros, não raros, a incisos. Isso, no caso
em exame, não prejudica a
eficácia do texto (José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional
Positivo, ppl 692 e 693, n6 Editora Revista dos Tribunais, 1989, 5ª edição).
Um outro argumento merece repúdio, o da existência de coisa julgada material
resultante do julgamento da ADIN 04-DF. O PDT, nessa ação declaratória de
inconstitucionalidade,
impugnou, taxando-o de inconstitucional, o Parecer SR 70, de 06 de outubro de
1998, da Consultoria Geral da República. O Supremo Tribunal Federal
pronunciou-se estabelecendo a
constitucionalidade do mesmo parecer, e apenas isto. Mas se o parecer é
constitucional porque o artigo 192, parágrafo 3º, da Constituição Federal, para
aquela alta Corte, não é
auto-aplicável, a res judicata alcança apenas esse parecer, não a afirmação da
auto-aplicabilidade, razão de decidir, ou premissa de julgamento, expressamente
imune à autoridade da
coisa julgada (artigo 470 do CPC); conseqüentemente, como o Supremo Tribunal
Federal não afirmou, com autoridade de res judicata, a não auto-aplicabilidade,
qualquer juiz ou
tribunal pode, sem estar vinculado àquela decisão, questionar a matéria. Com
isso afasta-se o argumento sempre empregado pelos bancos, os quais,
sistematicamente, e mesmo
compreensivelmente, defendem a tese da não auto-aplicabilidade do dispositivo.
De outro lado, a boa doutrina adere à tese da auto-aplicabilidade:
é auto-aplicável o disposto no art. 192, parágrafo 3º, da nova Constituição, ao
fixar a taxa de juros em 12% a .a (Nagib Slaibi Filho, Anotações à Constituição
de 1988, Aspectos
Fundamentais, Forense, 1992, 3ª edição, e também, entre outros, Luís Roberto
Barroso, ibidem)
Outrossim, algumas Câmaras do Tribunal de Alçada do Paraná Vêm decidindo
reiteradamente no mesmo sentido:
O art. 192 parágrafo 3º da Constituição Federal é auto-aplicável e não depende
de regulamentação (Apelação Cível 0114656-3, de União da Vitória, Relator Juiz
Ruy Cunha
Sobrinho).
Por isso, a taxa de juros a ser considerada é a de 1% (um por cento) ao mês,
conforme planilha de análise de transações financeiras apresentada.
b) Anatocismo.
O embargado não impugnou a capitalização dos juros.
E a Lei de Usura veda o anatocismo mesmo para as instituições financeiras.
Nesse sentido:
Não se discute que continua em vigor o artigo 4º do Decreto 22.626/33, aplicável
mesmo às operações realizadas por instituições financeiras (STJ, ADV 74488)
De acordo com o nosso Direito, impõe-se lei necessária a fim de permitir a
capitalização (Arnaldo Rizzardo, Contratos Bancários, p. 277, n 3, Editora
Revista dos Tribunais, 1994, 2ª
edição).
Diante de todo o exposto Eméritos Julgadores, pelo que o notório conhecimento
desta C. Câmara certamente suprirá, respeitosamente requer, pelo recebimento do
presente recurso de apelação, requerendo, ainda, pelo seu provimento,
inicialmente, para acolher a preliminar levantada e extinguir o feito e, sendo
ultrapassada, para dar provimento ao
apelo para declarar a ilegalidade da taxa de juros cobrada além do que a
Constituição Federal permite, na forma apresentada pelo Relatório de Análises
Financeiras, excluir a
capitalização dos juros e incluir como índice de correção o IGP-M, excluindo,
consequentemente, a TR e invertendo o ônus de sucumbência.
N. Termos,
P. Deferimento.
........., ..... de ........ de ......
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Advogado