EXECUÇÃO - CONTRATO DE MÚTUO - CONTRATO DE ADESÃO - JUROS - USURA -
CAPITALIZAÇÃO DE JUROS - COMISSÃO DE PERMANÊNCIA - TR - MULTA - CÓDIGO DE DEFESA
DO CONSUMIDOR
EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA ....ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE .... ESTADO DO
....
.... (qualificação), com sede na Comarca de ...., inscrita no CNPJ/MF sob nº
...., vem respeitosamente, perante Vossa Excelência, através de seus advogados
ao final assinados, opor
EMBARGOS À EXECUÇÃO,
requerida pelo ...., autuada sob nº ...., pelos fatos e fundamentos de direitos
a seguir expostos e aduzidos.
OS FATOS
A embargante realizou operação de crédito junto ao banco réu, consubstanciada em
cédula de crédito comercial sob nº ...., no valor de R$ ...., junto à agência
.... (....), sendo que sempre procurou manter o controle dos pagamentos.
Contudo, conforme as parcelas de pagamento foram sendo honradas, a embargante
verificou um razoável aumento do valor da dívida, através da cobrança de juros,
correção monetária, comissão de permanência e multa.
Contrariada com tal situação e no intuito de resolver da melhor maneira a
questão, haja vista o menosprezo e intransigência com que a embargada vinha
tratando do caso, elaborou uma análise da movimentação de sua conta,
discriminando créditos, débitos, correção monetária, multas e juros a fim de
verificar eventual diferença entre o valor indicado pelo banco como devido e o
real valor contabilizados.
E, qual não foi sua surpresa ao constatar que não apenas nada mais devia mas,
ainda, era credora da quantia de R$ ...., considerando o expurgo da correção
monetária pela TR, da incidência da comissão de permanência e dos juros
sobreincidentes.
De imediato, procurou a ré, no sentido de que esclarecesse as razões para tal
cobrança, sendo que, até o presente momento, não recebeu qualquer resposta.
Diante disso, suspendeu o pagamento do restante das parcelas, fato que ensejou o
enviou seu nome ao SERASA - Centralização de Serviços Bancários, o que
impossibilita de realizar qualquer operação de crédito, muito menos de atua
junto às instituições financeiras.
DO CONTRATO
A embargada sempre adotou uma postura desmesurada no cálculo dos encargos
contratuais, aplicação dos juros legais e da correção monetária.
Isso porque, além de cobrar uma taxa de juros exorbitante, efetua uma
estranha indexação do débito, praticando o que se chama de capitalização de
juros, ou seja, taxou juros sobre juros, o que é terminantemente ilegal, tal
como disposto no artigo 4º, do Decreto-lei nº 22.626/33.
No intuito de comprovar suas afirmações, anexa aos presentes Embargos, cálculo
devidamente discriminado, demonstrando de maneira clara os excessos praticados
pela Instituição financeira ré.
Prosseguindo em suas ilegalidades, conforme prática notória no meio bancário,
todas as cláusulas do contrato celebrado foram fixadas unilateralmente pelo
Banco. Ou seja, enquadram-se os mesmos na definição de contratos de adesão, de
modo que o quantum devido e a forma de pagamento foram fixados sem a devida
oportunidade de interveniência da embargante.
Portanto, durante todo o tempo, o Banco sempre adotou uma postura desmesurada no
cálculo dos juros contratuais e de outras taxas aplicadas nas relações
financeiras. No entanto, a empresa embargante somente procedeu a assinatura do
contrato premida pelas circunstâncias e pressionada pela insistência do banco,
haja vista necessitar do numerário para a implementação de sua atividade
profissional.
O referido contrato foi previamente elaborado, em típica contratação sob os
moldes de contrato de adesão. Todas as cláusulas constantes do mesmo foram
previamente dispostas, formalizadas em típico instrumento contratual do tipo
formulário. Em última análise, ou os autores aderiam ao contrato, ou então
nenhuma outra forma de obter o empréstimo haveria.
No entanto, conforme é notório, com o advento do Código de Defesa do Consumidor,
instituiu-se uma nova visão e concepção dos contratos. Desta forma, embora a lei
reserve um espaço para autonomia de vontade, a importância e extensão desta
cederam, levando à relativização da noção de força obrigatória e intangibilidade
dos contratos, permitindo aos magistrados um controle de seu conteúdo, tendo em
vista mandamento da lei, efeitos sociais dos contratos e interesses das partes,
de modo a suprir as deficiências provocadas pelas cláusulas abusivas.
Aliás, diante da nova sistemática contratual, extrai-se que, o antigo princípio
segundo o qual, os contratos fazem lei entre as partes (pacta sunt servanda),
atualmente deve ser relativizado em matéria contratual. É exatamente a lição do
ilustre professor Barbosa Moreira, que afirma:
"...Todo e qualquer princípio jurídico, não tem rigidez absoluta. Nenhum
princípio deve ser convertido em ídolo."
(Moreira, José Carlos Barbosa, In Revista de Processo, vol. 81, p. 206).
Não resta dúvida de que a embargante é hipossuficiente em relação à instituição
financeira, que sempre pautou sua conduta unilateralmente, valendo-se da prática
abusiva dos contratos de adesão.
Com o advento do Código de Defesa do Consumidor, regulamentou-se a possibilidade
de revisão contratual, principalmente em relação às cláusulas em que não há
possibilidade de discussão por parte do consumidor, nos chamados contratos de
adesão e que contém cláusulas leoninas, tais como a que permite a capitalização
de juros. Neste particular têm-se entendido pela nulidade das cláusulas
consideradas abusivas, que ferem elementos básicos de interesse público, em
detrimento ao supostamente convencionado entre as partes. Corroborando este
entendimento, os juristas Arruda Alvim, Thereza Alvim, Eduardo Arruda Alvim e
James Marins, lecionam que:
"A primeira modalidade de proteção contratual do art. 6º, atribui ao consumidor
o direito de alterar as cláusulas que registrem prestações desproporcionais
(lesão), de forma a que se restabeleça a igualdade ou o equilíbrio contratual,
já originariamente inexistente (art. 6º, II, segunda parte, e, especificamente o
inciso V, primeira fase).
Basta então a verificação da desproporcionalidade entre prestação e
contraprestação decorrente do contrato mesmo, isto é, entre o produto ou o
serviço que recebe o consumidor e a contrapartida que lhe incumbe cumprir em
favor do fornecedor, para que possa exercer a faculdade de modificação das
cláusulas que já tornaram desigual a avença."
(Alvim, Arruda, et alli. Código do Consumidor comentado, 2ª ed., São Paulo, RT,
1995, p. 30).
Por sua vez, Nelson Nery Jr., no que diz respeito com os aspectos contratuais da
defesa do consumidor, afirma que o CDC:
"Rompe com as tradições do direito privado, cujas bases estão assentadas no
liberalismo que reinava na época das grandes codificações européias do século
XLX, para:
a) relativizar o princípio da intangibilidade do conteúdo do contrato, alterando
sobremodo a regra milenar expressada pelo brocardo pacta sunt servanda e
enfatizar o princípio da conservação do contrato (art. 6º, V);
b) instituir a boa-fé como princípio basilar informador das relações de consumo
(art. 4º, caput e nº III, art. 51, nº IV);
c) impor ao fornecedor o dever de publicidade (art. 30);
d) estabelecer a execução especifica da oferta como regra (arts. 35, nº I, e 84
§ 1º), deixando a resolução em perdas e danos da obrigação de fazer inadimplida
como expediente subsidiário, a critério exclusivo do consumidor (arts. 35, nº
III, e 84, § 1º), apenas para dar alguns dos mais significativos exemplos de
inovação e modificação das regras privatisticas até então vigentes para as
relações de consumo, normas essas revisitadas pelo sistema do DC."
(Nery Júnior, Nelson, Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, Rio de Janeiro,
Forense Universitária, 1991, p. 273/264).
Como ensina Antônio Chaves, os contratos de adesão submetem-se a um regime
específico, exigindo um tratamento adequado:
"Enquanto que nos contratos do tipo tradicional existe a mais ampla liberdade na
discussão das cláusulas, que podem ou não ser aceitas, total ou parcialmente,
nestes não existe tal liberdade, devido à preponderância de um dos contratantes
que impõe ao outro a sua vontade."
(Chaves, Antônio. Tratado de direito civil, São Paulo, Revista dos Tribunais,
1984, p. 380).
Sendo assim, em tais contratos reduz-se ao mínimo a vontade de um dos
contratantes, ao qual apenas é oportunizado a faculdade de aderir globalmente ou
recusar a contratação sem possibilidade de discuti-la. É exatamente o que se
sucede no caso em tela, onde à empresa embargante não foi dado o direito de
discutir as cláusulas dos sucessivos contratos, principalmente em relação aos
encargos daí advindos.
No caso em apreço, ou a empresa embargante submetia-se às exigências impostas
pelo Banco, ou então, jamais lhe seria concedido qualquer espécie de crédito ou
empréstimo, o que deu margem à usura.
Assim, comentando a questão da necessidade, em face da idéia de dolo de
aproveitamento, previsto como mecanismo de proteção do consumidor, o ilustre
jurista Caio Mário da Silva Pereira escreveu o seguinte:
"A necessidade de que lei fala, não é a miséria a insuficiência habitual de seus
meios para prover a subsistência própria ou dos seus. Não é a alternativa entre
a fome e o negócio. Deve ser a necessidade contratual. Ainda que o lesado
disponha de fortuna, a necessidade se configura na impossibilidade de evitar o
contrato. Um indivíduo pode ser milionário. Mas, se num momento dado ele precisa
de dinheiro de contado, urgente e insubstituível, e para isto dispõe de um
imóvel a baixo preço, a necessidade que o leva a aliená-lo compõe a figura da
lesão.
(...)
A necessidade contratual não decorre da capacidade econômica ou financeira do
lesado, mas das circunstância de não poder ele deixar de efetuar o negócio."
(Pereira, Caio Mário da Silva, Lesão nos contratos, Rio de Janeiro, Forense,
1993, p. 164).
Assim, o usuário de serviços bancários, enquanto consumidor, tem o direito de
utilizar-se das garantias implementadas pelo Código de Defesa do Consumidor,
conforme se depreende do
seguinte arresto oriundo do E. Tribunal de Alçada do Estado do Rio Grande do
Sul:
"O conceito de consumidor, por vezes, se amplia no CDC, para proteger quem é
'equiparado'. É o caso do art. 29. Para efeito das práticas comerciais e da
proteção contratual, 'equiparam-se aos consumidores todas as pessoas,
determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas'.
O CDC rege as operações bancárias, inclusive as de mútuo ou de abertura de
crédito, pois relações de consumo.
O produto da empresa de banco é o dinheiro ou o crédito, bem juridicamente
consumível, sendo, portanto, fornecedora; e consumidor o mutuário ou creditado.
Sendo os juros o 'preço' pago pelo consumidor, nula cláusula que previa
alteração unilateral do percentual prévia e expressamente ajustado pelos
figurantes do negócio.
Sendo nulidade prevista no art. 51 do CDC da espécie 'pleno iure', viável o
conhecimento e a decretação de ofício, a realizar-se tanto que evidenciado o
vício (art. 146, §, do Código Civil)."
(TARS - AJDJ 193051216 - 7ª CC - j. 19.5.93).
Do bojo do acórdão, extrai-se o seguinte:
"Não há, como visto, distinção entre pessoa física e jurídica; e a tal decantada
vulnerabilidade, quando não aferível do indiscutível desequilíbrio que se há de
reconhecer entre uma poderosa instituição financeira, de um lado, e de uma
pequena ou média empresa comercial, de como outro, resssai da utilização de
contrato com cláusulas unilateralmente predispostas pelo economicamente mais
forte, como no caso"
Assim, diante de tais circunstâncias, a embargante pretende a discussão da
dívida, através de ação competente, visando a revisão contratual e
desconsideração das cláusulas abusivas, a fim de reduzir o montante apontado
pelo Baco como devido, aos patamares razoáveis. Aliás, é de se observar que a
boa-fé da embargante resta evidente, eis que esta não se recusa ao pagamento de
eventual dívida, mas apenas pretendem fazê-lo dentro dos lim8ites legais e
razoáveis.
DOS JUROS
Pretende a cobrança, além da correção monetária e juros, mais os juros
compostos, que são calculados após o levantamento do primeiro montante. Ou seja,
cobra-se juros de um valor em que já ouve a incidência destes.
Além disso, os juros cobrados com a correção monetária são abusivos e em muito
suplantam os juros legais e também os do mercado.
Têm-se, então, dupla ilegalidade, uma a dos juros capitalizados, outra a das
taxas extorsivas de juros simples, o que contraria, inclusive, o Código de
Defesa do Consumidor, o qual dispõe que o devedor tem o direito de saber
exatamente a origem da sua dívida. Bem como do revestimento legal da mesma.
Oportuno se faz a transcrição da definição adotada por Plácido e Silva para
os juros capitalizados, que segundo ele, representam a:
"Expressão usada na técnica do comércio para designar os juros devidos e já
vencidos que, periodicamente se incorporam ao principal, isto é, se unem ao
capital representativo da dívida ou obrigação, para constituírem um novo total.
São , assim, juros que se entregam ao capital, perdendo sua primitiva qualidade
de frutos, para se apresentarem na soma do capital assim constituído"
(De Plácido e Silva. Vocabulário jurídico, Rio de Janeiro, Forense, 1978, vol.
III/903)
Além disso, os juros cobrados junto da correção monetária são abusivos e em
muito suplantam os juros legais e também os de mercado.
Têm-se, então, uma dupla ilegalidade, a de juros capitalizados, e outra a das
taxas extorsivas de juros simples, o que contraria inclusive o Código de Defesa
do Consumidor, o qual determina que o devedor tem o direito de saber exatamente
a origem de sua dívida, bem como do revestimento legal da mesma.
O art. 253 do Código Comercial assim expressa:
"É proibido contar juros de juros; esta proibição não compreende a acumulação de
juros vencidos aos saldos liquidados em conta corrente de ano a ano."
E corroborando o disposto, vem a Súmula 121 do Supremo Tribunal Federal:
"É vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada."
Por sua vez Theotônio Negrão em nota ao artigo 4º, do Decreto nº 22.626/33,
comentou o seguinte:
"Esta súmula deve ser harmonizada com a de nº 596, em nota ao art. 1º, e com a
Súmula 93 do STJ (em nota ao art. 4º). A capitalização de juros é vedada, mesmo
em favor de instituições financeiras (RSTJ 13/352, 22/197; STJ - 3ª Turma, Resp.
2.2.93-SP, rel. Min. Eduardo Ribeiro, j. 12.6.90, não conheceram, DJU 27.8.90,
p. 8.321, 2ª ed., em: RTJ 92/1.341, 98/851, 108/277, 126/616; STF - Bol. AASP
1343/218), salvo quanto aos saldos líquidos em conta-corrente, de ano a ano.
(art. 4º, in fine)."
(Negrão Theotônio, Código Civil e legislação civil em vigor, 15ª ed., São Paulo,
Saraiva, 1996, p. 682).
Ou seja, de acordo com o explicitado pelo artigo mencionado e o posicionamento
do E. STF, veda-se a capitalização de juros, sendo que a Súmula de nº 596, ainda
que venha a ser invocada como hipótese de permissão para a capitalização de
juros, não guarda relação lógica com a prática do anatocismo. Nos termos do
julgamento do RE 90.341/PA, o E. Supremo Tribunal Federal pronunciou-se nos
seguintes termos:
"É vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada
(Súmula 121). Dessa proibição não estão excluídas as instituições financeiras,
dado que a Súmula 596 não guarda relação com o anatocismo."
(RTJ 92/1.341)."
Saliente-se neste sentido, o v. acórdão oriundo da Colenda 1ª Câmara Cível do E.
Tribunal de Alçada do Estado do Rio Grande do Sul, que pronunciando-se a
respeito decidiu da seguinte forma:
"Embargos à execução Lei de Usura. Anatocismo. Aplicação da Súmula nº 121 do
STF. Nos contratos de mútuo com prazo inferior a um ano, mesmo celebrados com
Bancos ou outras entidades do sistema financeiro nacional, embora aplicável a
restrição à taxa de juros prevista no Decreto nº 22.626/33, é defesa a prática
do anatocismo, a não ser que expressamente autorizada em lei ou ato normativo do
Conselho Monetário Nacional. Como vem decidindo o STF, continua em vigor a
Súmula nº 121. Apelo provido em parte."
(Ap. cível nº 186.083.168-1ª C.C. - Porto Alegre - JTARGS vol. 63. p. 236)."
Da mesma forma, julgando a apelação cível nº 390.648-3, a Colenda 2ª Câmara
Especial do Primeiro Tribunal de Alçada Cível do Estado de São Paulo decidiu
assim:
"JUROS - Mútuo - Execução por título extrajudicial - Cambial - Nota promissória
- Inclusão nesta dos juros descontados por antecipação - Caracterização como
Capitalização de juros (anatocismo) - Descabimento, uma vez que vedada pela
Súmula 121 do STF - Inaplicabilidade da Súmula 596 do STF - Recurso parcialmente
provido para expurgar o anatocismo da execução."
(JTACSP, vol. 113, p. 194)."
Por sua vez, dado o seu caráter elucidativo, oportuno se faz a transcrição da
emenda do v. acórdão da lavra do ilustre Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira,
no julgamento do Resp. nº 1285, publicado na RSTJ, vol. 22, p. 197:
"EMENTA: Direito privado. Juros. Anatocismo. Vedação incidente também sobre
instituições financeiras. Exegese do enunciado nº 121, em face do nº 596, ambos
da Súmula do STF. Precedentes da Excelsa Corte.
A capitalização de juros (juros de juros) é vedada pelo nosso direito, mesmo
quando expressamente convencionada, não tendo sido revogada a regra do art. 4º
do Decreto nº 22.626/33 pela Lei nº 4.595/64. O anatocismo, repudiado pelo
verbete nº 121 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, não guarda relação com a
enunciado nº 596 da mesma Súmula."
(RSTJ, vol. 22, p. 197)"
De idêntico conteúdo elucidativo, o v. acórdão oriundo do Resp. nº 28.509-8, da
lavra do ilustre Min. Athos Gusmão Carneiro, onde figura-se presente a mesma
solução já preconizada:
"EMENTA: JUROS - FINANCIAMENTO BANCÁRIO ATRAVÉS DE MERO CONTRATO DE ABERTURA DE
CRÉDITO. IMPOSSIBILIDADE DA CAPITALIZAÇÃO MENSAL.
O Superior Tribunal de Justiça, após período inicial de divergência, adotou
entendimento permissivo da capitalização até mensal dos juros, mas isso em
existindo expresso dispositivo de lei que a admita, como para os créditos rurais
o art. 5º do Decreto-lei nº 167/67; para os créditos industriais o art. 5º do
Decreto-lei nº 413/69, e para os créditos comerciais o art. 5º da Lei nº
6.840/80. A não ser assim, vige a Súmula 121 do Supremo Tribunal Federal não
revogada pela Súmula 596 do mesmo pretório excelso."
(RTJ 124/616)."
Se não bastasse a cobrança de juros capitalizados sobre o valor do principal, a
embargada também fez incidir juros sobre a correção monetária, sobre a comissão
de permanência e, até mesmo, sobre o valor da multa, o que acabou elevando os
pagamentos em até ....% (....).
Os cálculos em anexo demonstram claramente que, caso tivesse efetuado a cobrança
isoladamente de cada encargo (ou seja, de acordo com a lei), a dívida não só
estaria quitada antes do pagamento da última parcela, como haveria, inclusive,
um determinado saldo credor. Tal situação também ocorre com relação aos demais
encargos, cobrados cumulativamente.
Neste sentido, o art. 52, do Código do Consumidor, em seu parágrafo primeiro,
esclarece que:
"As multas de mora decorrentes do inadimplemento de obrigação no seu termo não
poderão ser superiores a dez por cento do valor da prestação."
Ora, o que pretende a embargada é fugir à tal regra, impondo a cobrança
cumulativa dos encargos, de modo à onerá-los acima da taxa legal.
LIMITAÇÃO LEGAL DO CÁLCULO DOS JUROS
Para a exata compreensão do assunto que se passa a tratar, convém ressaltar,
desde logo, que a Lei nº 1.521/51, em seu artigo 4º, dispõe que:
"Constitui crime da mesma natureza a usura pecuniária ou real, assim se
considerando:
(...)
b) obter ou estipular, em qualquer contrato, abusando da premente necessidade,
inexperiência, ou leviandade de outra parte, lucro patrimonial que exceda a
quinto do valor corrente ou justo da prestação feita ou prometida..."
Ou seja, já em 1951 o legislador pátrio tinha sua preocupação com o lucro e com
sua repercussão social, dadas as suas implicâncias no seio da sociedade. Assim,
nem é preciso maior argumentação para demonstrar que, o lucro há que ser
limitado, moderado, restrito a padrões sociais, culturais e morais aceitáveis.
Nesse contexto, não se pode olvidar que o mundo atual não pode ser imaginado sem
as instituições financeiras, que estão a ele integradas de modo absolutamente
definitivo. Não há mais lugar para o velho e surrado argumento de que os bancos
não passam de instrumentos de especulação financeira e, assim sendo, não
integram o setor produtivo das sociedades. Nas sociedades modernas, onde a
prestação de serviços assume proporções nunca antes vistas, não é exagero dizer
que, sem as instituições bancárias, o setor produtivo, no sentido mais literal
da palavra, não sobreviveria. Em fim, a supressão das instituições financeiras
da vida das sociedades modernas importaria no verdadeiro caos.
Tanto que, na iminência da quebra de uma instituição financeira, o Banco Central
e o Governo Federal têm se apressado em resolver a situação sempre no sentido de
revitalizar o banco, assumindo seu passivo e vendendo o ativo à outra
instituição financeira.
Assim sendo, já que tais instituições fazem parte, de modo definitivo, da vida
das sociedades modernas, é necessário que sua integração seja cada vez mais
fiscalizada, compatível com os preceitos que regem o Estado de Direito
Democrático, ou, numa palavra, haja respeito à cidadania.
Só para se ter uma idéia, conforme corrente no meio bancário, o custo mais alto
para o banco na captação do dinheiro é o CDI - Certificado de Depósito
Interbancário. Sem dúvida, trata-se da fonte mais cara de captação de recursos
no sistema financeiro. Ocorre que, mesmo nessa modalidade de captação de
recursos as instituições financeiras, ainda assim, obtêm lucros (spread)
superiores a ....% (....), acima, portanto, da limitação mencionada no
dispositivo legal supracitado. Vale dizer, mesmo captando o dinheiro mais caro,
o Banco quase sempre trabalha com um lucro superior à 20% (vinte por cento),
bastando uma simples verificação junto ao meio financeiro para comprovar-se
assertiva.
O que se quer dizer é que não se justifica, de modo algum que, numa situação de
inflação em torno de .... a .... ao mês, se permita que os bancos cobrem juros
de ..., ...., .... e até .... ao mês. Não há no mundo, um único país em que a
economia esteja com índices inflacionários similares aos do Brasil, que se
permita tal abuso.
Só para se ter uma idéia, em seu último balanço anual (....), o Banco ....
acusou um lucro em torno de ....%
Daí porque a conclusão de que as instituições financeiras, hoje mais do que
nunca, devem desempenhar seu papel atento às suas responsabilidades sociais, ou
seja, o banco não pode existir somente para dar lucro ao banqueiro.
Para tanto, dispõe a Carta Magna em seu artigo 170 que:
"A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre
iniciativa, tem por fim assegurar a todos a existência digna, conforme os
ditames da justiça social...''
Sendo assim, um dos objetivos pretendidos pela Carta Magna é a realização da
justiça social. Neste sentido, o ilustre prof. Manoel Gonçalves Ferreira Filho,
comentando a questão em apreço, escreveu o seguinte:
"Quem atua no domínio econômico sem levar em conta o interesse geral e até
prevalecendo-se de sua posição, para impor o interesse particular, em detrimento
do bem comum, abusa do poder econômico. Tal abuso, como prejudicial à
comunidade, deve ser reprimido, segundo determina o preceito em exame."
(Ferreira Filho, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição brasileira, São
Paulo, Saraiva, 1986, p. 660).
Portanto, tal preceito de ordem constitucional deve servir de parâmetro para
validade das práticas comerciais e financeiras. E nem se diga que as
instituições financeiras encontram-se desimpedidas de observar tais imperativos
de ordem constitucional.
Ou seja, além de dar lucro ao banqueiro é preciso que a instituição financeira
contribua com o fomento da produção (ao invés da falência), com a distribuição
de renda (ao invés da pobreza), na geração de empregos (ao invés do desemprego).
Sobretudo o Judiciário deve estar atento a essas realidades, já que é sua
atribuição a contenção do abuso, do excesso, da prática da ilegalidade e, agora
com o novo ordenamento constitucional, da imoralidade.
Aliás, é bom lembrar que, ainda que tal decisão não tenha tido nenhum efeito
prático, o Supremo Tribunal Federal já decidiu:
"Juros reais (CF, art. 192, § 3º): passados quase cinco anos da Constituição e
dada a inequívoca relevância da decisão constituinte paralisada pela falta de
lei complementar necessária à sua eficácia - conforme já assentado pelo STF (ADIn
4, DJ 25-06-93, Sanches) -, declarar-se inconstitucional a persistente omissão
legislativa a respeito, para que a supra o Congresso Nacional."
(MI 361-I, STF/pleno, in RDA 197/198), Idem MI 341 (in RDA 198/246. Idem MI
321-I, DJ 30. 09.94, MI 342-4-SP, in RT 713/240 e MI 323-8-DF, in RT 715/301).
Assim, se já em 1951 o legislador pátrio preocupava-se com o lucro, inclusive no
âmbito do sistema financeiro ao ponto de impor-lhe sanção penal, também não foi
diferente em 1988, quando o legislador constituinte procurou limitar os juros ao
teto de ....% (....) ao ano. Note-se que, por ora, não se faz menção à Lei da
Usura e nem aos dispositivos do Código Civil que tratam de juros.
Assim sendo, a idéia que o sistema financeiro procura incutir na mente de
todos, no sentido de que qualquer regra que procure limitar os juros é absurda,
pois tais limites só podem ser impostos pelo próprio mercado financeiro, não tem
sentido. A força do "argumento" é tal que o Supremo Tribunal Federal viu-se na
contingência de (que vergonha) praticamente advertir o Congresso Nacional para
que regulamentasse o dispositivo constitucional que trata da limitação dos
juros.
Diante dessa realidade, se lucros astronômicos são moralmente questionáveis,
o que não dizer de práticas que importem em violação de leis e de súmulas dos
tribunais superiores.
No caso presente, não obstante a prática da capitalização de juros, o que por si
só já contribuiu para acrescer o débito em proporções vertiginosas, as autoras
também viram-se prejudicadas em face das taxas de juros adotadas. Evidentemente,
tais taxas superam em muito os limites legais, tal como disposto no Código Civil
e Comercial.
A REVOGAÇÃO DA LEI Nº 4.595/64
Vê-se, que as taxas de juros encontram-se em desconformidade com os preceitos
legais aplicáveis à espécie. Oportuno se faz, portanto, proceder a seguinte
análise, a partir do artigo 25 do ADCT, que dispõe:
"Art. 25. Ficam revogados, a partir de cento e oitenta dias da promulgação da
Constituição, sujeito este prazo a prorrogação por lei, todos os dispositivos
legais que atribuam ou deleguem a órgão do Poder Executivo, competência
assinalada pela Constituição ao Congresso Nacional, especialmente no que tange
a:
I - Ação normativa;
II - Alocação ou transferência de recursos de qualquer espécie."