Contestação à ação de indenização por danos morais,
onde se alega: inépcia da petição inicial, decadência, além de inexistência
de culpa ou dolo para fins de reparação.
EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA ..... VARA CÍVEL DA COMARCA DE ....., ESTADO
DO .....
AUTOS Nº .....
....., pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ sob o n.º ....., com
sede na Rua ....., n.º ....., Bairro ......, Cidade ....., Estado ....., CEP
....., representada neste ato por seu (sua) sócio(a) gerente Sr. (a). .....,
brasileiro (a), (estado civil), profissional da área de ....., portador (a) do
CIRG nº ..... e do CPF n.º ....., por intermédio de seu advogado (a) e bastante
procurador (a) (procuração em anexo - doc. 01), com escritório profissional sito
à Rua ....., nº ....., Bairro ....., Cidade ....., Estado ....., onde recebe
notificações e intimações, vem mui respeitosamente à presença de Vossa
Excelência propor:
CONTESTAÇÃO
à ação de indenização por danos morais, interposta por ....., brasileiro (a),
(estado civil), profissional da área de ....., portador (a) do CIRG n.º ..... e
do CPF n.º ....., residente e domiciliado (a) na Rua ....., n.º ....., Bairro
....., Cidade ....., Estado ....., pelos motivos de fato e de direito a seguir
aduzidos.
PRELIMINARMENTE
INÉPCIA DA PETIÇÃO INICIAL: AUSÊNCIA DE DOCUMENTO INDISPENSÁVEL
A Lei nº 5.250/69 ao regular o procedimento da ação de reparação de dano moral,
prevê em seu art. 57, que:
"A petição inicial da ação para haver reparação de dano moral deverá ser
instruída com o exemplar do jornal ou periódico que tiver publicado o escrito ou
notícia, ... (omissis)."
Como se vê, o "exemplar do jornal" é, para os efeitos da lei, documento
essencial, sem o qual a vestibular não pode ser recebida.
No caso presente, o Autor juntou aos Autos meras cópias sem autenticação de
páginas de jornal, nas quais o noticiário dito ofensivo teria sido veiculado,
mas não juntou um exemplar do jornal como preconiza a lei.
Ora, a toda evidência que não se deu atendimento ao requisito legal, pois não há
como se aceitar que tais cópias possam satisfazer a exigência do referido art.
57, especialmente quando o mesmo é expresso ao referir-se a "exemplar do
jornal". A locução do dispositivo legal é clara e não comporta interpretação que
não seja literal, e como tal, não admite que o Autor da ação substitua o próprio
"exemplar do jornal" por cópias da notícia, sem autenticação.
Sendo o "exemplar do jornal" documento indispensável, a sua ausência impede o
recebimento da inicial, que deve, por conseguinte, ser desde logo indeferida,
conforme doutrina Calmon de Passos:
"A juntada do documento indispensável é um dever processual do autor. Se
desatendido, indefere-se a inicial." (in Comentários ...", III Vol., Forense,
1979, p. 229).
E nem há o que se falar em regularização posterior, uma vez que isto não foi
determinado pelo MM. Juiz:
"Não tendo o juiz determinado, nos termos do art. 284, que o autor junte
documento indispensável, não apresentado com a inicial (JTA 122/268), a parte só
poderá fazê-lo ulteriormente se provar força maior (RT 508/241, 659/119,
maioria)." (Theotônio Negrão, in "Código de Processo Civil e Legislação
Processual em Vigor", 27ª Ed., Saraiva, p. 259).
E nada justifica a omissão do Autor, pois se trata de um jornal de grande
circulação, do qual ninguém pode alegar dificuldade em obter exemplares diários.
Demonstrada a qualidade de documento indispensável que a lei confere ao exemplar
do jornal e não havendo nenhuma razão plausível para que o Autor não tenha
atendido ao referido requisito da inicial, impõe-se o seu indeferimento, por
inépcia, o que desde logo se requer.
PREJUDICIAL DE MÉRITO
DECADÊNCIA DA AÇÃO EM RELAÇÃO ÀS NOTÍCIAS PUBLICADAS NOS DIAS ..../..../....,
..../..../.... E ..../..../....
Reza o art. 56 da Lei nº 5.250/67 (Lei de Imprensa) que:
"Art. 56. A ação para haver indenização por dano moral poderá ser exercida
separadamente da ação para haver reparação do dano material, e sob pena de
decadência deverá ser proposta dentro de 3 meses da data da publicação ou
transmissão que lhe der causa."
Em assim sendo, o Autor não tem ação em face da Requerida, relativamente aos
fatos referidos nas notícias publicadas nas datas retro elencadas, dado que o
direito que pretende tutelar via da pretensão apresentada na exordial, foi
atingido pelos efeitos extintivos da decadência, conforme expressa previsão
legal.
A decadência, como se sabe, produz o perecimento da faculdade ou do poder de
agir que é outorgado, pelo ordenamento jurídico, ao titular do direito
subjetivo, quando este não é exercido no prazo pré-determinado. Sua inação
produz efeito extintivo da relação jurídica, à qual o direito impunha prazo para
o exercício.
Na lição de Caio Mário da Silva Pereira:
"O fundamento da decadência é não se ter o sujeito utilizado de um poder de
ação, dentro dos limites temporais estabelecidos à sua utilização. É que há
direitos que trazem, em si, o germe da própria destruição. São faculdades
condicionadas ao exercício dentro de tempo certo, e, então, o perecimento da
relação jurídica é uma causa ínsita ao próprio direito que oferece esta
alternativa: exerce-se no prazo preestabelecido, ou nunca mais." (in
"Instituições de Direito Civil", Vol. I, Forense, 1986, p. 479)
A decadência, como se vê, extingue o próprio direito, que tinha prazo
determinado para ser exercido e não o foi, atingindo por reflexo, o direito de
ação.
Leia-se com Washington de Barros Monteiro:
"Na decadência, o direito é outorgado para ser exercido dentro de determinado
prazo; se não exercido, extingue-se." (in "Curso de Direito Civil", 1º Vol.,
Saraiva, 1979, p. 287).
É exatamente o que ocorre na hipótese presente, pois que o eventual direito de
exigir indenização por dano moral, tendo como suporte fático o noticiário retro
citado, extinguiu-se três meses após a data da publicação, a saber:
- notícia publicada no dia ..../..../....: prazo decadencial = ..../..../....;
- notícia publicada no dia ..../..../....: prazo decadencial = ..../..../....;
- notícia publicada no dia ..../..../....: prazo decadencial = ..../..../....;
Resulta que, uma vez reconhecida a decadência do direito, não pode o Autor fazer
pedido indenizatório servindo-se daquele noticiário, devendo o mesmo ser
desconsiderado integralmente na apreciação da causa de pedir, uma vez que o
direito que tais fatos eventualmente suportariam está sepultado pela decadência.
Note-se que aquelas notícias não estão nos Autos apenas como reforço de
argumentação do Autor, mas como efetiva base fática da imputação que se faz ao
jornal, ou, em outros termos, como conduta típica, capaz de embasar pedido
indenizatório. Com esta função não podem mais ser admitidos, uma vez sujeitos
aos efeitos da decadência, na esteira do próprio direito.
Leia-se a propósito:
"RESPONSABILIDADE CIVIL - Lei de Imprensa - Reparação de danos - Decadência -
'Série de artigos programados' - Impossibilidade de seu reconhecimento, de modo
a formar um todo e, conseqüentemente, de fazer com que o prazo decadencial
comece a fluir do último artigo publicado - Inadmissibilidade, portanto, de
aplicação do princípio da continuidade delitiva - Lapso decadencial que se conta
da data da publicação ou transmissão, mesmo que possa ser semelhante a outra.
Não há como reconhecer a existência de uma 'confessada série de artigos
programados', de modo a formar um todo e, conseqüentemente, de fazer com que o
prazo decadencial comece a fluir do último artigo publicado.
Assim, como a responsabilidade civil é independente da criminal, não se pode
aplicar aos princípios e normas processuais penais à esfera civil sob pena de
subverter a ordem jurídica. Inadmissível, assim, proclamar a continuidade
delitiva na ação civil de reparação de danos, até porque o art. 56, da Lei
5.250/67 manda contar o prazo decadencial 'da data da publicação ou transmissão
que lhe der causa', cada publicação ou transmissão, portanto, goza de autonomia,
mesmo que possa ser semelhante a outra, ou outras." (EInfrs. 191.921-1/9-01, 7C
do TJSP in RT 718/97)
Destarte, a pretensão do Autor terá de ser apreciada, obrigatoriamente, a partir
dos fatos não alcançados pelos efeitos decadenciais, sob pena de nulidade da
decisão.
Diante do exposto, requer-se pronunciamento prévio de Vossa Excelência, sobre a
presença dos efeitos decadenciais sobre o direito de pedir indenização com base
nos fatos referidos no noticiário dos dias ..../..../...., ..../..../.... e
..../..../....
DO MÉRITO
1. DA ERRÔNEA TIPIFICAÇÃO DOS FATOS TIDOS COMO ILÍCITOS
Antes de ferir os aspectos jurídicos da questão suscitada, impõe-se um rápido
histórico sobre os antecedentes da notícia, de forma a mostrar, desde logo, que
a versão trazida aos Autos com a inicial, não se ajusta à realidade.
A origem da informação divulgada pelo jornal, relativamente ao Autor acha-se
indicada no próprio corpo de todas as notícias que a ele se referem. Ou seja, os
jornalistas responsáveis pelo noticiário não inventaram nada, apenas
reproduziram o que lhes foi informado pelas autoridades responsáveis pelos
procedimentos investigatórios. Foi assim em relação a informação procedente de
...., onde o suplente de delegado, ...., forneceu ao repórter as informações
sobre o andamento do inquérito existente naquela Delegacia de Polícia, aberto
para apuração dos fatos noticiados.
As notícias sobre inquéritos que seriam abertos na Polícia Federal partiram da
própria autoridade responsável pelo procedimento, sendo certo que aquela
publicada no dia ..../..../.... foi do próprio delegado da Polícia Federal ali
nominado. Aquela do dia ..../..../.... igualmente informa que a Polícia Federal
iria intimar o Autor para prestar esclarecimentos no inquérito que ali seria
aberto.
Quando da publicação da notícia do ..../..../.... - a única que efetivamente
interessa à apuração dos fatos, nestes Autos -, o Autor foi contatado, repetidas
vezes, pelo repórter para dar sua versão dos fatos, negando-se a fazê-lo sob a
alegação de que se achava muito atarefado.
Ante estas considerações conclui-se que a notícia referida pelo Autor:
a) não decorreu de nenhuma interpretação apressada, maldosa ou de qualquer forma
dirigida a ofender quem quer que seja;
b) a Requerida deu aos fatos a dimensão que julgou merecedores e procurou
retratá-los para seus leitores tal como ocorreram, sem emitir Juízo de valor
sobre os mesmos;
c) a Requerida teve o cuidado de ouvir as autoridades encarregadas de apurar os
fatos, sem privilegiar a opinião de qualquer delas;
d) a notícia narra um fato ocorrido e repercute a forma como a sociedade o
encarou;
e) ao Autor foi franqueada a oportunidade de manifestar-se sobre os fatos,
recusando-se a fazê-lo.
Daí se dizer que a conduta dos jornalistas e da Requerida não tipifica as
modalidades criminosas que concluiu ter ocorrido, e, portanto, não é o caso para
se deferir reflexos na esfera civil.
A leitura da matéria noticiosa mostra que não se pode vislumbrar a prática dos
crimes de calúnia e difamação, sendo errônea a tipificação dada aos fatos, que,
à evidência, não se subsumem às hipóteses legais.
A calúnia, por exemplo, é delito que se caracteriza pela imputação falsa a
alguém de fato definido como crime. Pela calúnia ofende-se a honra objetiva da
pessoa.
Damásio E. de Jesus destaca que o núcleo do tipo de calúnia contém os verbos
imputar e divulgar, a saber:
"Imputar significa atribuir a alguém a responsabilidade pela prática de algum
fato. Propalar é o relato verbal. Divulgar é narrar algum fato por qualquer
meio.
Assim, no tipo fundamental da calúnia, descrito no art. 138, caput, do CP,
pune-se o autor da calúnia, uma vez que o núcleo é o verbo imputar.
Já nos subtipos do § 1º são punidos os que repetem o que souberam." (in "Direito
Penal", 2º Vol., Saraiva, pág. 230)
Ao tratar do elemento normativo do tipo, ensina o mesmo Damásio de Jesus, que
este exige a prova da falsidade na imputação.
"Diante disso, é necessário que seja falsa a imputação formulada pelo sujeito.
Se atribui a terceiro a prática de crime que realmente ocorreu, inexiste a
calúnia." E1.(ob. cit., pág. 230).
Extrai-se da exata compreensão da natureza do crime de calúnia, que este só
ocorre quando se imputa, falsamente, a outrem, a prática de fato definido como
crime.
A espécie trata do registro da existência de procedimentos investigatórios
envolvendo autoridades policiais e particulares na prática de delitos amplamente
noticiados por toda a imprensa local, inclusive, televisiva.
Logo, não se pode dizer, pena de incorrer no mesmo erro da inicial, que tivesse
sido imputado ao Autor, falsamente, pelos jornalistas que confeccionaram a
notícia ou pela Requerida, a prática da modalidade criminosa referida, ou de
qualquer outra prevista na legislação criminal.
Noticiar uma ocorrência policial não é o mesmo que imputar um fato a alguém,
ainda mais falsamente. A notícia não diz, por exemplo, que o Autor participou da
prática criminosa e sim que ele estaria sendo acusado de participação, o que são
coisas absolutamente diferentes. Dizer que o Autor estava sendo acusado da
prática de crime não é o mesmo que lhe imputar prática delituosa.
A Requerida cumpriu com seu dever de dar conhecimento ao público a um fato de
indiscutível interesse jornalístico e para tanto, utilizou-se de fontes
envolvidas no acontecimento noticiado, sem nada acrescentar de opinativo ou que
não correspondesse ao que realmente foi dito pelas pessoas consultadas,
inclusive o próprio Secretário da Segurança Pública, como se lê às fls. ....
O conteúdo da notícia publicada corresponde fielmente ao ocorrido e nela não se
encontram os elementos informativos do tipo criminoso declinado na inicial, a
começar pela imputação, inexistente na espécie.
Freitas Nobre, doutrina que:
"Para configurar a calúnia, é, assim, indispensável:
a) a imputação de um crime e não apenas de um simples fato desonroso;
b) que a imputação seja objetivamente falsa e,
c) que o autor tenha conhecimento da inocência do caluniado."
(in "Comentários à Lei de Imprensa", pág. 98, Saraiva, 1985).
Nenhum desses elementos acha-se na hipótese presente, onde:
a) não se imputou crime ao Autor, apenas noticiou-se a abertura de procedimentos
investigatórios onde o mesmo teria sido citado;
b) não havendo imputação, não há o que se falar em falsidade; e,
c) a notícia sobre os procedimentos investigatórios era absolutamente
verdadeira, tanto assim que o Autor foi removido de localidade, passando a
responder por outra Delegacia e Polícia em evidente prova de que houve
interferência da administração superior da Polícia Civil no episódio.
Também da citada obra de Damásio de Jesus, colhe-se que o elemento subjetivo do
crime de calúnia é o dolo de dano. E esclarece:
Pode ser direto, quando o sujeito tem a intenção de macular a reputação da
vítima; e eventual, quando tem dúvida sobre a veracidade da imputação. Como
veremos, o § 1º do art. 138 do C.P. exige o dolo direto. Além disso, exige-se um
elemento subjetivo do tipo, já estudado.
E se o agente, agindo de boa fé, supõe erroneamente que é verdade a imputação?
Existe erro de tipo, que incide sobre o elemento normativo do tipo 'falsamente'.
Neste caso, o sujeito não responde por calúnia em face da atipicidade do fato,
causado pela ausência do dolo (CP, art. 20, caput).
(págs. 230/131)
A propósito, a Jurisprudência:
"O 'animus narrandi', como os outros 'animi', exclui o elemento subjetivo
específico de crime contra a honra, isto é, o propósito mau, a vontade perversa
de difamar ou injuriar.
(RT 428/350)
O 'animus narrandi' neutraliza a intenção de caluniar, eliminando o dolo
específico da infração.
(RT 489/349)
O simples fato de alguém dar circulação à calúnia não constitui crime, a menos
que se prove tenha o divulgador agido com plena ciência da falsidade do fato
lesivo à reputação de outrem.
(TACrimSP-Rec. Crim., in "Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial", por
Alberto Silva Franco e outros, RT, pág. 626)."
Estreme de dúvida, destarte, tivesse a Requerida praticado, na espécie, o crime
de calúnia, que exigia para sua tipificação, houvesse uma imputação, que esta
fosse falsa e que o agente tivesse conhecimento prévio da falsidade e agisse com
a intenção deliberada de causar um dano ao caluniado.
O caderno processual mostra claramente que a Requerida apenas exercitou seu
direito de informar livremente os fatos que interessam aos seus leitores, sem
abusar das prerrogativas constitucionais que tem na prática de seu mister.
Conforme anotado preambularmente, a causa de pedir refere-se, também, à suposta
prática do crime de difamação como motivação para pedir a indenização.
A inicial não indica claramente que conduta dos jornalistas tipificariam o crime
de difamação, conformando-se apenas em referir-se genericamente aos fatos para
extrair a conclusão de que configurariam conduta delitiva. A Requerida, ante a
omissão, acha-se na contingência de supor, de adivinhar, quais fatos, ao ver do
Autor, tipificariam referida modalidade delitiva.
O fato do nome do Autor ter sido veiculado no noticiário, como é cediço, não
constitui violação à honra, ainda que o retrato não seja o mais lisonjeiro. Isto
porque, como observa magistralmente Stendhal, ("Le rouge et le noir") é errôneo
culpar o espelho pela lama que reflete, e mais errôneo ainda, culpar o
carregador do espelho pelo estado de conservação da estrada que o espelho
reflete.
É o que se pretende neste caso: busca-se penalizar o jornal pelas mazelas
sociais que reflete em suas páginas, olvidando-se que o jornal, tal como o
espelho de Stendhal, não existe para refletir somente o azul do firmamento mas
também, a lama da estrada.
Resta apreciar, de qualquer forma, se o noticiário configura base fática para
tipiticação do crime de difamação. Ora, é evidente que não.
A difamação caracteriza-se pela imputação a alguém de fato ofensivo à sua
reputação, sujeito à disciplina da Lei nº 5.250/67, quando praticado pela
imprensa.
Reclama a ocorrência do tipo, que preexista a intenção de ofender, sendo certo
que, como os demais crimes contra a honra, não se admite a conduta culposa na
composição do tipo.
Noticiar a abertura de inquérito para apuração de eventual prática delitiva,
mesmo que o indicado seja autoridade pública, não é fato ofensivo à reputação de
ninguém, seja ele delegado ou qualquer outra espécie de profissional. Trata-se
de procedimento absolutamente normal, tanto abrir-se um inquérito quanto a sua
divulgação pela imprensa.
Aliás, o Autor, como Delegado de Polícia que é, sabe bem disso, pois
rotineiramente promove abertura de inquérito que nem sempre acaba por indiciar a
pessoa, ou as pessoas supostamente envolvidas nos fatos investigados.
Acresce-se, ademais, que o mesmo fato, que aos olhos do Autor, teria ensejado a
prática do crime de calúnia não pode, ao mesmo tempo, ser classificado como
difamatório. Se entendeu o Autor que a notícia continha imputação de fato
definido como crime e, portanto, caluniosa, por precisar a prática de um tipo
penal, não pode pretender que este mesmo suporte fático possa servir para
embasar a imputação da prática de difamação.
Em realidade não há difamação, pois o fato de noticiar a abertura de inquérito
policial e administrativo, não é depreciativo da postura profissional de
ninguém. Ademais, falta na espécie exatamente o animus diffamandi, elemento
essencial à configuração do modelo delitivo, conforme precedentes
jurisprudenciais antes transcritos.
2. O DIREITO DE INFORMAR
A Constituição Federal garante a todos os residentes no país, o acesso à
informação, traduzindo direito fundamental do cidadão.
Diz a Magna Carta no item XIV do art. 5º.
"É assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte,
quando necessário ao exercício profissional."
Para que essa garantia possa ser efetivada na prática diária dos cidadãos
brasileiros, o texto maior assegura, em contrapartida, a liberdade de informação
no seu artigo 220, com a seguinte dicção:
"Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação,
sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição,
observado o disposto nesta Constituição.
§ 1º. Nenhuma lei conterá disposição que possa constituir embaraço à plena
liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social,
observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV."
Disso se dessume, em primeiro, que o jornal tem um dever de informar, posto que
o acesso à informação é um direito do cidadão, garantido expressamente pela
Constituição Federal.
Não se trata, portanto, do exercício de uma mera atividade econômica, mas da
prestação de um serviço público, previsto no texto maior, ao qual estão
obrigados todos aqueles que tomam para si a tarefa de informar.
A nobre missão de informar nem sempre é bem compreendida, e muitas vezes, sob o
pálio do direito ofendido, pretende-se silenciar a voz do jornalista, seja pela
força, seja pela intimidação.
O país recém saiu de um período em que a imprensa esteve manietada, sujeita à
censura no seu mister, impossibilitada de cumprir integralmente a sua nobre
função de informar e formar opinião pública. Na busca do controle da informação
é lançada mão de leis castradoras, da intimidação pela força, da tentativa de
corromper pelo poder do dinheiro, etc. O objetivo sempre é evitar que a opinião
pública seja informada, que a população forme opinião sobre o que ocorre a sua
volta. A própria Lei nº 5.250/67 é, ainda, entulho que restou desse período e
dela lançam mãos os interessados em manter as coisas no estado em que estavam,
notadamente quando seus interesses políticos são arranhados.
O caso presente é exemplar. Os fatos existiram tal como narrados pela Requerida,
que se ateve aos limites de sua função de informar e ciente de sua garantia que
a Constituição Federal lhe assegura para o cumprimento de sua missão (art. 220).
Tem a Requerida plena consciência de que não cometeu abuso algum ao levar ao seu
público leitor o retrato do que realmente aconteceu, ainda que tivesse que se
referir ao Autor, pois este foi citado expressamente nas entrevistas concedidas
pelas autoridades policiais encarregadas de investigar os fatos. Assim agindo,
sua conduta não se enquadra em nenhum dos dispositivos da Lei nº 5.250/67,
afastando, por isto mesmo, qualquer possibilidade de responsabilidade por dano,
seja moral, seja patrimonial.
Corrobora esta assertiva o seguinte precedente jurisprudencial da 1ª Câmara
Cível do Tribunal de Justiça do Paraná:
"Dano moral. Lei de Imprensa. Reportagens que não podem ser consideradas como
caluniosas ou difamatórias. Indenização indevida. Apelação desprovida.
Considerando que as reportagens publicadas sob jornal se ativeram na divulgação
de fatos atuais e verdadeiros, noticiados por toda a imprensa nacional, não
extrapolando os limites deferidos pelo art. 220 da Constituição Federal, não há
como possa ser pretendida indenização por dano moral, inexistindo intenção de
ofender a honorabilidade de quem quer que seja." (Ac. nº 9197, por cópia em
anexo).
3. DA RESPONSABILIDADE CIVIL PELO DANO MORAL
A presente ação, que visa a responsabilidade civil pelo dano moral, baseada na
lei de imprensa, do ponto de vista do direito material, tem a mesma natureza de
qualquer outra ação de reparação de dano, sujeitando-se aos mesmos pressupostos
de admissibilidade. O direito aplicável ao caso busca-se pela integração dos
vários institutos que disciplinam a matéria, sem se esquecer que o fundamento da
obrigação de reparar é o mesmo daquele do art. 186 do Código Civil. Não é o fato
da Lei de Imprensa referir-se também à matéria que tenha de se deixar de lado o
Código Civil.
A Lei em questão não criou uma categoria nova de direito e nem inovou em relação
a teoria da responsabilidade civil. Tanto é fato que o art. 49 reza que a
responsabilidade só nasce quando o agente se conduz com dolo ou culpa e causa
prejuízo a alguém.
O Autor introduz os fatos da causa afirmando que a Requerida ao publicar a
matéria inquinada de ofensiva teria deliberadamente, ofendido a sua honra,
produzindo um resultado danoso, legitimando-se, por esta razão, a ocupar o pólo
passivo da obrigação de indenizar.
Ao longo desta resposta a Requerida demonstra cabalmente, que não cometeu
infrigência alguma à disciplina legal da liberdade de informação. Seus escritos
procuraram com isenção e exatidão, retratar um fato, tanto assim que o mesmo nem
é negado pelo Autor, ou seja, o Autor não nega que seu nome fora envolvido no
episódio. Isto por si só, não autoriza o Autor a imaginar que esteja sendo
vítima do crime de calúnia ou difamação.
Como pondera Arnoldo Marmitt:
"... a imprensa tem o direito e o dever de bem informar o público. No exercício
dessa função, ao publicar o que acontece, sem extrapolar, nenhuma ilegalidade
comete, e as perdas e danos que daí resultarem eventualmente, não emanam da
publicação em si, mas dos próprios fatos acontecidos. Desde que a imprensa não
devasse a privacidade do cidadão, para publicar reservas pessoais e
desautorizadas, ou a intimidade dos lares, ou a privacidade a que tem direito a
pessoa, enquanto não violar interesse do poder público, que em benefício da
coletividade não devem ser do conhecimento de todos, se apenas criteriosamente
informa o leitor, estará no exercício regular de sua missão de manter a
população ciente do que acontece ao redor e no mundo em que vive." (in Perdas e
Danos, Aide, 1987, pág. 125).
Esse direito de informar ao público, sem omitir fatos, só é possível onde exista
liberdade de expressão, onde não se busque a intimidação dos órgãos de
informação por meio de pedidos incabíveis como o veiculado nesta ação.
O já saudoso Geraldo Ataliba disse a propósito que:
"O direito à informação não se realiza onde não haja uma imprensa livre, dotada
de condições objetivas e subjetivas inquestionáveis de liberdade."
(in República, Igualdade e Ampla Defesa - O caso Folha, artigo publicado na
Revista dos Tribunais, vol. 661, págs. 235/237).
Não demonstrado o dolo e nem ao menos culpa, seja porque a hipótese não tipifica
os crimes de calúnia e difamação, pois a Requerida não imputou fato criminoso ao
Autor e nem lhe ofendeu a reputação, impõe-se a rejeição do pedido, conforme já
se decidiu, valendo transcrever os seguintes precedentes jurisprudenciais:
"RESPONSABILIDADE CIVIL - Exercício da liberdade de manifestação de pensamento e
informação - Dano moral resultante de informação veiculada - Falta de prova de
dolo ou culpa - Ação de indenização improcedente - Aplicação do art. 49 da Lei
nº 5.250/67.
O dano moral, reparável pelo exercício da liberdade de informação, tem
fundamento na violação de direito ou no prejuízo mediante dolo ou culpa.
(...)
Não se deixa de procurar valorizar o alcance da nova lei e a reparabilidade do
dano moral, em termos de objetividade. Daí não se deve inferir a existência de
uma culpa objetiva e menos que independa de prova, como afirma o apelante.
Aliás, desenvolve a sua atividade processual, procurando convencer de culpa, o
que não conseguiu, como ficou evidenciado. O dano moral, reparável pelo
exercício da liberdade de informação, tem fundamento na violação do direito ou
no prejuízo mediante dolo ou culpa. Assim, ao recurso é negado provimento." (Ac.
nº 170.040 da 2ª Câm. Civ. do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo -
RT-404/140).
"A reparação dos danos morais ocasionados por publicação de matéria ofensiva
pela imprensa depende de comprovação de culpa, sendo irrelevante a existência ou
não de reflexos patrimoniais." (Ap. nº 77.077 - 6ª Câm. Civ. do TJSP -
RT-618/69).
"Responsabilidade civil - Ação de reparação por danos morais - Menção em
programa de rádio do nome do advogado como patrono de integrante de quadrilha de
ladrões - simples narrativa com intuito de prestar esclarecimentos - Referência,
outrossim, aos nomes de outros advogados - Dano moral indemonstrado -
Improcedência da ação.
Ementa oficial: ação de reparação de danos morais por ofensas que teriam
decorrido do alegado através de programa radiofônico. Ação improcedente,
sentença confirmada em grau de recurso, por não ter o autor demonstrado em que
consistiu o dano moral que alegou. Dificilmente se poderia considerar ofensa a
honra e a dignidade de advogado militante perante a Justiça da Comarca o fato de
ser mencionado, através de programa radiofônico com intuito de prestar
esclarecimentos sobre noticiário jornalísticos a respeito de quadrilha de
ladrões de automóveis que operava na região, como advogado de um dos ladrões,
considerando ainda que o mesmo noticiário indicara também os nomes de outros
causídicos incumbidos da mesma tarefa."
(Ac. nº 5.016 - 3ª Civ. do Trib. de Just. do Paraná, in "Paraná Judiciário",
vol. 24, pág. 24).
Os julgados transcritos abonam inteiramente o que se vem de alegar ao longo
desta peça contestatória, no sentido de que a prova da conduta dolosa ou culposa
do agente é indispensável ao reconhecimento da obrigação de indenizar, sem o
que, a pretensão não pode ser acolhida, devendo ser, desde logo, rejeitada, como
se espera no caso presente.
Ao final, impugna-se o valor da indenização pedida, uma vez que sem nenhuma
relação com a repercussão que o noticiário possa ter causado ao Autor, que
aliás, nem foi referida. Impugna-se, igualmente, a verba honorária, pedida no
limite máximo permitido pela lei, quando a causa não indica tamanho nível de
dificuldade.
DOS PEDIDOS
Por todo o exposto, Requer e confia a Requerida, seja acolhida:
a) preliminar de inépcia da petição inicial, por falta de documento
indispensável a propositura da ação;
b) e a preliminar de decadência, para extinguir a ação em relação aos fatos
atingidos pelos seus efeitos; e
c) pelo mérito, se a tanto chegar, seja a presente ação julgada improcedente, à
vista de que não se encontra nos autos prova alguma de ofensa ao direito
subjetivo do Autor, muito menos a existência de dolo ou culpa ensejadores da
obrigação de indenizar. Ausente o fato típico, ausente os seus elementos
intrínsecos, impõe-se o decreto de improcedência, com a conseqüente condenação
do Autor nas custas e despesas do processo e em honorários advocatícios que
forem arbitrados por este Julgador, com os acréscimos de juros e correção
monetária.
Requer a ouvida do Autor, pena de confesso, inquirição das testemunhas abaixo
arroladas para a necessária intimação, juntada de novos documentos e tudo o mais
que o contraditório dos autos exigir.
Nesses Termos,
Pede Deferimento.
[Local], [dia] de [mês] de [ano].
[Assinatura do Advogado]
[Número de Inscrição na OAB]