Ação de improbidade administrativa.
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DA ..... VARA DA JUSTIÇA FEDERAL DA SEÇÃO
JUDICIÁRIA DO ESTADO DO .......
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por conduto dos Procuradores da República in fine
assinados, vem, perante Vossa Excelência, com fundamento no art. 129, incisos
II, III e IX, da Constituição Federal, art. 6º, inciso XIV, alínea " f", da Lei
Complementar nº 75, de 20.05.93, e nas disposições da Lei nº 8.429, 02.06.92,
propor a presente
AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA COM PEDIDO LIMINAR DE AFASTAMENTO DE CARGO
em face de
....., brasileiro (a), (estado civil), profissional da área de ....., portador
(a) do CIRG n.º ..... e do CPF n.º ....., residente e domiciliado (a) na Rua
....., n.º ....., Bairro ....., Cidade ....., Estado ....., pelos motivos de
fato e de direito a seguir aduzidos.
DOS FATOS
No dia ...... de ........... de .........., o Excelentíssimo Senhor Ministro da
Justiça, Dr. Íris Rezende, na qualidade de presidente do Conselho de Defesa dos
Direitos da Pessoa Humana, baixou ato[1] constituindo subcomissão desse órgão
colegiado vinculado ao Ministério da Justiça, com o fito de investigar denúncias
acerca de graves violações a direitos humanos ocorridas neste Estado
do............, formuladas pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão/MPF,
Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados e por Sua Excelência o
Presidente do Colendo Tribunal de Justiça do Estado do ........., Des.
............
A referida subcomissão ficou instalada fisicamente na sede da Procuradoria da
República no Estado do ..........., valendo-se da estrutura operacional
disponível, inclusive de pessoal. Era, portanto, o palco das principais ações
encetadas pela subcomissão e para onde afluíam todos os papéis resultantes dos
trabalhos investigatórios. Para tanto, procedimento administrativo restou
autuado nesta Procuradoria sob o nº ..............., a cargo, destarte, do
Ministério Público Federal.
Um dos critérios norteadores da atuação da referida subcomissão, em razão de seu
objeto, era o rigor na não divulgação de sua atuação. No entanto, com o
desenrolar da instrução, entenderam os membros da subcomissão de guardarem
estreito sigilo acerca dos documentos, atividades e, principalmente, identidade
dos colaboradores, e oitivas de testemunhas levadas a efeito. Tal cautela
objetivava, sobretudo, resguardar a integridade física dessas pessoas, até
porque, muitas delas, e até seus familiares, foram alvo de sérias ameaças.[2]
Exemplifique-se com dois casos que denotam a gravidade das questões em apuração
no procedimento e a necessidade de cautela e sigilo. Primeiro a permanente
escolta policial, tanto estadual, quanto federal, que acompanha o atual
Presidente do Tribunal de Justiça do ............., que primeiro denunciou os
fatos investigados. O segundo, o caso da testemunha ................, que, com
sua família, encontra-se fora do Estado do ............, amparado pelo Programa
de Proteção à Testemunhas do Ministério da Justiça.
Tais fatos, em maior ou menor escala, chegavam ao conhecimento dos servidores,
dependendo, principalmente, da função que desempenhavam.
E apesar da extrema cautela com que se desenrolavam todas essas atividades,
adotando-se todas as precauções possíveis, os membros da subcomissão, amiúde,
deparavam-se com situações em que os fatos do procedimento chegavam ao
conhecimento dos investigados. Verificados todos os mecanismos de cautela, estes
estavam acordes. Havia, portanto, vazamento das informações, sem que fosse
detectada a fonte.
Paralelamente a esse Procedimento, relatado por Sua Excelência o Procurador da
República ..................., foi determinada, pela Justiça Estadual, a quebra
do sigilo telefônico de diversas pessoas, dentre as quais a do Delegado de
Polícia Civil ....................., [3] cuja prisão preventiva, inclusive, foi
decretada.
DO DIREITO
No dia .........de outubro do corrente ano, encontrando-se ele custodiado na
sede da Polícia Federal, nesta Capital, e regularmente interceptada sua linha
telefônica celular de nº ................., por força da precitada decisão
judicial, recebeu, às 14:46 h, chamada da linha de nº .............,
identificada como sendo do ora Denunciado, conforme laudo de gravação de fls.
11/14, dando notícia (ou confirmando), indiretamente, que seus telefones estavam
sendo monitorados.
Ouvindo-se a gravação, percebe-se, claramente, que a voz que fala com o
investigado é do Sr. Raimundo Boaventura Netto.
E pertence ele ao Quadro de servidores do Ministério Público Federal, há vários
anos, como titular do cargo de assistente de transporte (motorista), com lotação
na Procuradoria da República neste Estado. Ocupava, ademais, a função de
confiança de secretário administrativo do Gabinete do Procurador-Chefe, havendo
sido dispensado no dia 20.11.98.[4]
Assim, em razão do cargo, e em especial pela função que exercia, era intenso o
contato do mencionado servidor com os Procuradores da República lotados neste
Estado, ou que eram designados em caráter transitório, dentre os quais aqueles
que vieram no interesse do CDDPH, haja vista que nesta unidade existe tão
somente um veículo de representação.
E nesse contato, segundo se presume, o Sr. ..................soube de fatos
sobre os quais deveria manter sigilo, mormente porque gozava de livre acesso a
todas as dependências da............, mesmo aos gabinetes dos Procuradores,
incumbindo-lhe, ademais, levar aos destinatários, muitos dos papéis que saem da
Procuradoria, inclusive para a Polícia Federal.
Pelas suas palavras iniciais, o Sr. ................. confirma, tacitamente, a
interceptação telefônica, o que jamais poderia fazer, por dever de ofício, ainda
que seja imensa e fraternal a amizade que nutre pelo Delegado .............,
segundo se extrai da conversa travada entre ambos, donde fica patente sua
fidelidade para com o amigo, e não para com o seu órgão-empregador, como seria
exigível.
Estava detectada a origem dos vazamentos, da constante quebra de sigilo e de
cautela com que os investigados se portavam perante a subcomissão.
Quanto aos motivos da conduta ilícita perpetrada pelo Denunciado, que o levaram
a trair o Ministério Público Federal, os autos esclarecem perfeitamente, seja
pelo teor da conversa mantida com o Delegado ............., seja pelas
declarações prestadas pelos APF s............ .................. (fl. 50) e
................ (fl. 51), reportando-se ao comportamento do Réu quando, na
clínica em que se achava internado o Delegado .........., no dia 08.10.98,
encontrou-se com o Dep. ...................., pessoa contra quem pesam acusações
da maior gravidade, relacionadas, não por acaso, ao objeto das investigações da
subcomissão, sendo ele próprio * convém não se olvidar -, um dos principais
investigados.
É, inelutavelmente, íntimo e fraterno o relacionamento do Sr. ...............
com as ditas pessoas, sendo bastante provável, que o *nosso amigo*, por ele
referido na conversa do dia 16.10.98 com o Delegado ..............., seja o Dep.
.............., cuja linha telefônica realmente estava sendo monitorada.[5] Mais
uma vez estava certo o Sr. ................
Dispõe o art. 11 e seu inciso III da Lei nº 8.429/92:
*Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os
princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os
deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições,
e notadamente:
..........................................................................................
III - * revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das
atribuições e que devia permanecer em segredo;*
A conduta do Réu amolda-se, perfeitamente, à previsão legal acima transcrita,
pois divulgou fatos e circunstâncias sigilosas (ao menos quanto à existência de
escuta telefônica levada a efeito pela Polícia Federal, em procedimento de
interesse do Ministério Público Federal, já está comprovado) a terceiros
interessados em obter tais informações, as quais veio a conhecer em razão do
cargo que ocupava, configurando, desse modo, o ato ímprobo mencionado.
Desta feita, o Réu embaraçou as investigações, expôs a risco a integridade
física das pessoas que estavam sendo ouvidas pelas subcomissão, feriu a
confiança do Parquet Federal, agiu com deslealdade para com a Instituição a que
serve. Afrontou, enfim, todos os princípios norteadores da conduta do servidor
público.
À toda evidência, o Réu foi desonesto. Optou por ficar ao lado daqueles que sua
Instituição investigava pela prática de delitos hediondos (formação de grupo de
extermínio), tanto que os tratava como *amigo*, *irmão*, *bacana*, *cabra macho*
e *cabra bom*, enquanto as autoridades que conduziam as investigações eram
tratadas como *magote de bundão*[6] e *vagabundos*.[7] Chegou mesmo a afirmar
que estava *articulando*, referindo-se a *nós*,[8] do que se dessume sua
vinculação, num grau ainda mais elevado, com as pessoas que estavam sendo
investigadas, trabalhando de maneira intensa e efetiva contra a subcomissão, não
se limitando a passar informações.
Mas não foram estes os únicos fatos, outros há, que vieram à balha no curso do
apuratório policial, também relacionados aos trabalhos da subcomissão.
No dia 03 de outubro de 1998, uma equipe da Polícia Federal, comandada pelo DPF
.............., dando cumprimento a mandado de busca e apreensão, dirigiu-se à
casa do Dep. ...................., sendo submetida à toda sorte de
constrangimentos e ameaças, culminando com a formulação de Denúncia[9] contra os
responsáveis.
A aludida Denúncia,[10] acompanhada dos autos do IPL nº 140/98, foi levada à
Justiça Federal no dia 25.11.98, por volta das 14:00 h,[11] pelo servidor
................, não chegando a ser protocolizada porque não se encontrava
instruída com o número de vias correto, tudo nos termos da certidão de fl. 67.
No mesmo dia, por volta das 18:15 h, o Sr. ................ contatou o Delegado
..........., pela linha celular ..............., que continuava a ser
monitorada, dizendo que precisava muito falar com ele, mas pessoalmente, em sua
residência.[12]
É evidente que os dois estiveram juntos, havendo o Delegado .......... sabido
das últimas notícias, porque no dia seguinte, 26.11.98, às 09:59 h, telefonou
para a linha de número ............., identificado como sendo da Sra.
..............., e narrou-lhe[13] que ia ser novamente preso, desta vez a pedido
do Ministério Público Federal, já se encontrando a Denúncia e a representação
pela preventiva na Justiça Federal, e que inclusive *tinha* até para o
................
Além disso, o Delegado também esteve na sede da Polícia Federal, no dia
27.11.98, onde procurou o ..................., a fim de saber se havia sido
decretada, pela Justiça Federal, a sua prisão, conforme assentado às fls. 58 e
63 v.
As informações passadas ao Delegado estavam parcialmente corretas, pois, como já
dito, a Denúncia cuja cópia foi carreada aos autos, incluiu, efetivamente, o
Dep. ..................
O Sr. .................. continuava a passar informações para os seus amigos, e
embora estas últimas não fossem, propriamente, de caráter sigiloso, o fato se
presta a confirmar a origem dos vazamentos, ratificando o que já havia sido
apurado.
À derradeira, é certo que houve, ainda, a prática de um outro ato de
improbidade, pois no dia 23.10.98, o Réu compareceu à sede da Polícia Federal, a
fim de visitar o Delegado ............., oportunidade em que se apresentou como
Procurador da República, conforme certidão de ocorrência de fl. 27 e declarações
do APF ..................... (fls. 45/46).
A finalidade de tal comportamento era, certamente, quando menos, ter livre
acesso às dependências da Polícia Federal, no que logrou êxito, daí a sua
assertiva ao Delegado ......................., de que levaria lá o que fosse
preciso, *na cara-de-pau*, *direto*.[14]
Incidiu, então, na norma plasmada no art. 11, inciso I, da Lei de Improbidade,
in verbis:
*Art. 11. Omissis.
I * praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento diverso daquele
previsto na regra de competência;*.
O que fez o Réu foi atribuir-se falsa identidade, pois se apresentou na Polícia
Federal como Procurador da República, com o escopo de obter vantagem indevida,
consistente no livre e insuspeito acesso às dependências da SRPF/AC.
É grande a desfaçatez do Réu, e a ousadia da ação reafirma a deslealdade para
com a Instituição Ministerial.
A concessão de liminar para afastar o Réu é viável, consoante o permissivo legal
do art. 20, parágrafo único, da Lei nº 8.429/92:
*Art. 20. Omissis.
Parágrafo único. A autoridade judicial ou administrativa competente poderá
determinar o afastamento do agente público do exercício do cargo, emprego ou
função, sem prejuízo da remuneração, quando a medida se fizer necessária à
instrução processual.*.
Ao agir , como agiu, o Réu tornou inviável a sua presença na Instituição, pois
esta passou a ser um impedimento objetivo para uma correta tramitação interna
dos atos que impulsionarão a presente ação, afetando sobremaneira a instrução do
presente processo, seja em razão de sua conduta haver retirado a necessária
confiança no exercício de suas funções, seja porque sua presença regular na
repartição põe em risco o andamento dos procedimentos que tramitam em sigilo na
Procuradoria.
É indesejável * porque evidentemente danoso ao interesse público * que,
doravante, sejam os Procuradores da República compelidos a suportarem a presença
do Servidor-Réu, devendo, pois, cercarem-se de inimagináveis cuidados para
preservar o segredo dos serviços a seu cargo, com incalculáveis prejuízos para o
bom andamento dos serviços.
Isto posto, presentes os requisitos essenciais à concessão de qualquer medida
liminar, representado o fumus boni juris pela exposição fática e jurídica
deduzida, e o periculum in mora pela possibilidade de advirem as conseqüências
atrás ponderadas, fruto do regular tempo de deslinde desta ação ordinária,
requer o Autor que Vossa Excelência determine, liminarmente, o imediato
afastamento do Réu de suas funções, mormente em se considerando que tal
circunstância, ex vi legis, não lhe acarretará qualquer prejuízo financeiro,
salvaguardando-se, pois, a ocorrência de periculum in mora inverso.
DOS PEDIDOS
Pelo exposto, requer o MPF:
I * a citação do Réu para, querendo, contestar a presente ação;
II * a intimação da União, pessoa jurídica de Direito Público Interno, através
de seu Procurador-Chefe no Estado do ................., para os fins do art. 17,
§ 3º, da Lei de Improbidade;
III * e protesta provar o alegado por todos os meios de prova em Direito
admitidos, notadamente documental, testemunhal (rol desde já apresentado, sem
embargo da possibilidade de ulterior revisão), pericial (para determinar se a
voz constante das gravações é, ou não, do Réu) e depoimento pessoal do Réu, sob
pena de confissão quanto à matéria fática;
IV * seja, ao final, julgada procedente a ação, com a condenação do Réu, nos
termos do art. 12-III da L.I., à perda da função pública, suspensão pelo prazo
de 5 (cinco) anos de seus direitos políticos, pagamento de multa civil
equivalente a 100 (cem) vezes a sua remuneração e à proibição de contratar com o
Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, ainda
que por intermédio de terceira pessoa, pelo prazo de 3 (três) anos.
Dá-se à causa o valor de R$.....
Nesses Termos,
Pede Deferimento.
[Local], [dia] de [mês] de [ano].
[Assinatura do Advogado]
[Número de Inscrição na OAB]