Ação declaratória, pleiteando-se o reconhecimento de
cobrança indevida de taxa de esgoto, uma vez que o serviço não se encontra à
disposição da população.
EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA ... VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE
.... - ESTADO DO .....
....., brasileiro (a), (estado civil), profissional da área de ....., portador
(a) do CIRG n.º ..... e do CPF n.º ....., residente e domiciliado (a) na Rua
....., n.º ....., Bairro ....., Cidade ....., Estado .....,....., brasileiro
(a), (estado civil), profissional da área de ....., portador (a) do CIRG n.º
..... e do CPF n.º ....., residente e domiciliado (a) na Rua ....., n.º .....,
Bairro ....., Cidade ....., Estado .....,....., brasileiro (a), (estado civil),
profissional da área de ....., portador (a) do CIRG n.º ..... e do CPF n.º
....., residente e domiciliado (a) na Rua ....., n.º ....., Bairro ....., Cidade
....., Estado .....,....., brasileiro (a), (estado civil), profissional da área
de ....., portador (a) do CIRG n.º ..... e do CPF n.º ....., residente e
domiciliado (a) na Rua ....., n.º ....., Bairro ....., Cidade ....., Estado
....., por intermédio de seu (sua) advogado(a) e bastante procurador(a)
(procuração em anexo - doc. 01), com escritório profissional sito à Rua .....,
nº ....., Bairro ....., Cidade ....., Estado ....., onde recebe notificações e
intimações, vêm mui respeitosamente à presença de Vossa Excelência propor
AÇÃO DECLARATÓRIA
em face de
Município do ...., representado por ....., com endereço na Rua ....., n.º .....,
Bairro ....., Cidade ....., Estado .....,pelos motivos de fato e de direito a
seguir aduzidos.
DOS FATOS
Os Autores são domiciliados na Comarca de ...., Estado do ...., residentes na
Vila .... de .... A .... .... pagou a rede coletora de esgoto, quando esta
passou pelos imóveis em que residem.
Invariavelmente, porém, todos pagam a taxa de esgoto, embutida na conta do
fornecimento de água potável. Nas residências que dispõem de poços artesianos, a
Ré instalou hidrômetros para que pudesse quantificar o consumo de água, e, com
base nele, determinar o valor da taxa de esgoto.
Os autores não utilizam nem tem à disposição o tratamento de esgotos, não
obstante paguem, mensal e compulsoriamente pelo serviço, como se verifica dos
documentos anexos sob os nºs ... a ....
A Comarca de ...., além da sua importância no cenário estadual, é um pólo
turístico nacional e internacional mas não possui o serviço de esgoto instalado
nas condições exigidas em lei.
A rede coletora atende ...% da população urbana, mas não possui a cidade
qualquer tratamento para o esgoto antes de ser lançado nos rios receptores. No
momento, o esgoto coletado é despejado in natura nos rios .... e ...., agredindo
o meio ambiente contribuindo para a poluição, acarretando um potencial nocivo à
saúde pública.
Houve promessa de que no ano de .... seriam construídas .... estações de
tratamento, bem como aumento da rede coletora em mais .... metros. Nada foi
concretizado, permanecendo os Autores pagando compulsoriamente por um serviço
público que não existe.
A inexistência de estação de tratamento de esgoto na Comarca de .... é fato
público e notório, reconhecido pela .... (Doc. nº ....). Esse fato motivou,
inclusive, que naquela cidade fosse iniciado movimento para municipalizar o
serviço de fornecimento de água e tratamento de esgoto, conforme se pode
verificar da reportagem anexa, publicada no jornal ...., no dia .... de .... de
.... (Doc. .nº ....).
Daí a invocação da tutela jurisdicional para a solução da lide. Os Autores
propuseram Medida Cautelar perante este MM. Juízo, como preparatória desta Ação
Declaratória, obtendo liminar para pagar destacadamente a taxa de água,
depositando a taxa de esgoto em conta corrente vinculada ao Juízo (Doc. nº
....).
Propõem, agora, no prazo legal, a presente Declaratória, que tem por finalidade
eliminar a situação de incerteza jurídica na relação existente entre os Autores
e a Ré.
DO DIREITO
O Decreto nº 82.587, de 6 de novembro de 1978, em seu capitulo I, define os
serviços públicos de saneamento básico (art. 2º). O §2º do mesmo artigo dispõe
especificamente:
"§2º - Os serviços públicos de saneamento básico compreendem:
(...)
b) os sistemas de esgotos, definidos como o conjunto de obras, instalações e
equipamentos, que tem por finalidade coletar, transformar e dar destino final
adequado ás águas residuárias ou servidas."
A Constituição Federal, ao disciplinar a saúde pública, afirma que ela é direito
de todos e dever do Estado, visando a redução dos riscos de doenças e de outros
agravos, sendo de relevância pública as ações e serviços de saúde (arts. 196 e
197).
Por outro lado, as ações e serviços públicos de saúde integram um sistema único
com as diretrizes fixadas no art. 198.
Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições (art. 200),
participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento
básico (IV).
Como serviço público que é, o sistema de esgotos sanitários é remunerado através
de taxa, na dicção do art. 145, II, da Carta Magna:
"Art. 145 - A União, os Estados, O Distrito Federal e os Municípios poderão
instituir os seguintes tributos:
(...)
II - taxas, em razão do exercício do poder de polícia, ou pela utilização,
efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e disponíveis, prestados
ao contribuinte ou postos à sua disposição..."
O Código Tributário Nacional, em seus artigos 77 e 79, detalha o conceito
constitucional:
"Art. 77 - As taxas cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou
pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, têm como fato
gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou
potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte
ou posto à sua disposição."
Já o art. 79, assim dispõe;
"Art. 79 - Os serviços públicos a que se refere o art. 77 consideram-se:
I - utilizados pelo contribuinte:
a) efetivamente, quando por ele usufruídos a qualquer titulo;
b) potencialmente, quando, sendo de utilização compulsória, sejam postos à sua
disposição mediante atividade administrativa em efetivo funcionamento;
(...)
II - específicos, quando possam ser destacados em unidades autônomas de
intervenção, de utilidade ou de necessidade públicas;
III - divisíveis, quando suscetíveis de utilização separadamente, por parte de
cada um dos seus usuários."
É inafastável, assim, para a existência e exigibilidade da taxa, como exação,
que haja um serviço público, específico e divisível, utilizado, efetiva ou
potencialmente, pelo contribuinte, ou posto à sua disposição. E, mais, que o
serviço resulte de uma atividade administrativa em efetivo funcionamento. A
taxa, pois, vincula-se a essa atividade administrativa.
Pela definição legal, contida no §2º, do art. 2º, do Decreto 82.587, de 6 de
novembro de 1978, vê-se que o serviço de esgoto faz parte do saneamento básico,
e é serviço público por excelência.
Consiste ele, no dizer legal, no conjunto de obras, instalações e equipamentos
com a finalidade de coletar, transportar e dar destino final adequado às águas
servidas.
No caso em tela, como já se afirmou, os estabelecimentos autores pagaram a rede
coletora, que passou em suas propriedades, e todos, invariavelmente, pagam, em
caráter compulsório, a taxa de esgoto sem utilizar do serviço público, muito
menos o têm colocado à sua disposição. Isso ocorre porque não há tratamento de
esgoto, não há o "destino final adequado" de que fala a lei, acarretando a
inexistência do próprio serviço público cobrado.
Quem fala em conjunto, fala em unidade, em harmonia, em organicidade, a tal
ponto que a falta de urna das panes prejudica o todo, descaracteriza o conjunto,
desfaz a harmonia, destrói a organicidade, tornando inexistente aquilo a que o
conjunto se propõe representar.
Bem é de ver, então, in casu, que o conjunto que representa o sistema de
esgotos, no saneamento básico, na definição do parágrafo segundo do art. 2º, do
Decreto nº 82.587/78, é composto por obras, instalações e equipamentos para
coletar, transportar e dar destino final adequado às águas servidas. Vale dizer,
obras, instalações e equipamentos para coletar, transportar e fazer o tratamento
devido e adequado antes de dar o destino final.
São, assim, três ações, três condutas a que se subordina a atividade
administrativa para executar e colocar à disposição do povo o conjunto que forma
o serviço público de saneamento básico, na sua modalidade de esgoto.
Não se pode considerar como existente, o conjunto em questão, quando uma das
partes, a mais importante, em termos de saúde pública e de implicações
ambientais, confessadamente, não existe (doc. nº ....).
E, por outro lado, não se pode considerar como "dar destino final adequado" às
águas residuárias, o despejo delas, in, natura, nos Rios .... e ....
A coleta e o transporte, isto é, a rede coletora, representam uma fase primária
da execução do serviço, mas, não são o serviço. A fase que não existe na
hipótese, isto é, o tratamento, é que constitui o serviço em si, é o centro
nuclear do sistema, porque evita danos à saúde pública e ao meio ambiente, bem
de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida, na feliz dicção do
art. 225 da Constituição Federal.
Os Autores estão na seguinte situação: pagam por um serviço público que não é
prestado. A taxa, em tais condições, é indevida. O caráter social do serviço, no
que tange à fixação do valor da taxa, não significa nem autoriza a que o Poder
Público cobre a exação tributária sem que o serviço seja utilizado, nem posto à
disposição nos casos de utilização compulsória, como é o caso.
A inexistência do serviço público toma inexigível e indevida a imposição
tributária.
A Constituição Federal, ainda que com intensidade média, acolheu o princípio da
retributividade. Isto é, no dizer de Geraldo Ataliba:
"Parece-nos nítido que os serviços públicos ou os atos de polícia (a que se
refere o inciso II do art. 145 da Constituição) não são simples 'pretextos' ou
ocasiões de tributação (meros pressupostos) mas, mais que isso: uma atuação
atual e concreta do Estado é fundamento e, pois, parâmetro da tributação."
(Hipótese de incidência Tributária, 5ª edição, 2ª tiragem, p. 172).
"Em termos singelos: a taxa, no direito positivo brasileiro, é um tributo
remuneratório dos serviços, ou ressarcitório das despesas implicadas pelos atos
de polícia individualizáveis." (ob. e loc. cit.).
O preceito, por seu lado, do inciso IV do art. 167, da Constituição, veda à lei
prescrever destinação ao produto da arrecadação dos impostos. Essa vedação não
se aplica às contribuições e às taxas. Ela é, aliás, a própria razão de ser dos
tributos em causa.
"O mesmo com as taxas. A destinação do produto da sua arrecadação à cobertura
das despesas com a atuação (serviço público ou atividade de polícia, nos termos
do preceito do inciso II do art. 145 da Constituição) está implicitamente não só
autorizada como estabelecida pelo Texto Magno." (Geraldo Ataliba, ob. cit., p.
175).
A Constituição Federal, em seu art. 145, II, só admite taxa nos casos de
serviços específicos: quer dizer, serviço que não seja geral. Ou seja, serviço
público propriamente dito (stricto sensu), definido por Celso Antônio como
prestação de utilidade material, fruível individualmente pelos administrados,
sob regime de direito público. Serviços públicos (lato sesu) gerais,
insuscetíveis de gozo individual, ou de medição, não comportam taxa.
A base imponível (ou base de cálculo), assevera Ataliba, é, geralmente, o custo
do serviço. Por isso, por exigência do princípio da isonomia - básico de toda a
Constituição e fundamental em matéria tributária - esse custo deve ser repartido
entre todos os usuários. Daí que cada qual deva pagar sua parte, na proporção da
intensidade do uso (ob. cit., p. 134).
Fica claro, prossegue o jurista Ataliba, que o requisito constitucional é que
seja possível destacar-se unidades de utilização para fruição individual pelos
administrados. A divisibilidade permite ao legislador tributário estabelecer
unidades de utilização, para medir o consumo de cada contribuinte, permitindo,
assim, a constitucionalmente desejada repartição do custo total da manutenção do
serviço por todos os usuários (ob. cit., pp. 134/135).
A existência do serviço e a sua utilização, efetiva ou potencial, caracterizam a
taxa. Não existindo o serviço não há lugar para a imposição da taxa, já que
impossível a utilização efetiva ou potencial.
A jurisprudência pátria vem se manifestando no sentido de não ser devida a taxa
de esgoto quando o serviço não é prestado:
"AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO. CORSAN. CONTA DE ÁGUA E ESGOTO. Procede a consignatária do
valor da taxa de água, quando não se presta o serviço de esgoto." (TJRS, Ap.
Cível nº 586.003809-3, Rel. Des. Elias Manssour).
"TARIFAS DE ÁGUA E ESGOTO. INEXISTÊNCIA OU DEFICIÊNCIA DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO
RELACIONADO COM A ÚLTIMA. COBRANÇA DE AMBAS EM CONTA ÚNICA. AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO
EM PAGAMENTO. Pode o usuário de tais serviços liberarem da obrigação tocante à
água. pelo pagamento em separado, demonstrada a deficiência ou inexistência da
prestação dos serviços de coleta de esgoto." (TJRS, Ap. Cível nº 588.02530-4, 4ª
Câmara).
"No mesmo diapasão, o Superior Tribunal de Justiça tem entendido que,
inexistindo o serviço, nada sendo prestado, não pode ser exigida a taxa" (Resp.
nº 32.050-5 SP - 93.0003127-9, Rel. Mim. Milton Luiz Pereira, DJU, Seção II, de
13/03/95).
Em igual sentido, Resp. 46.147-2-SP, de que foi relator o Mim. Antônio de Pádua
Ribeiro, em acórdão assim ementado:
"EMENTA - Tributário. Taxa de Fiscalização de Funcionamento. Ilegitimidade.
I É ilegítima a Taxa de Fiscalização de Funcionamento, cobrada pelo Município de
Campos do Jordão, á falta de contraprestação de serviços e da efetivação do
poder de polícia, capazes de justificar a imposição. Aplicação dos arts. 77 e 78
do CTN. Precedentes.
II - Recurso especial reconhecido e provido".
Não há dúvida de que o saneamento básico na modalidade esgoto é serviço público
por excelência, do mesmo modo que o fornecimento de água. Como serviço público,
há de ser remunerado com taxa, a teor da Constituição Federal e do Código
Tributário Nacional.
Dissecando tal espécie tributária ter-se-á:
1) Hipótese de incidência: atuação do Estado diretamente dirigida ao obrigado;
2) Fato tributário: atuação estatal concretamente verificada;
3) Base de cálculo: critério mensurador da ação estatal;
4) Base calculada: dimensão única e uniforme do fato único: atuação estatal em
unidade de serviço. Única para todos os fatos;
5) Alíquota: fator individual, não estável Ordem de grandeza incita à
referibilidade da atuação;
6) Quantum debeatur: combinação da base de cálculo com a alíquota.
Se rememorados forem os ensinamentos doutrinários a respeito, há de se
verificar, com o mestre Baleeiro que a:
"Taxa e sempre uma técnica fiscal de repartição da despesa com um serviço
público especial e mensurável pelo grupo restrito das pessoas que se aproveitam
de tal serviço, ou o provocaram ou o têm ao seu dispor" (Uma Introdução à
Ciência das Finanças, vol. 1, p. 345).
"A taxa tem, como causa jurídica e fato gerador a prestação efetiva ou potencial
de um serviço específico ao contribuinte, ou a compensação deste à Fazenda
Pública por lhe ter provocado, por ato ou fato seu, despesa também especial ou
mensurável." (Baleeiro, ob. cit., p. 346).
"É bastante claro que os serviços públicos não são simples momentos de
tributação ou simples pretextos, mas refletem uma atuação atual e concreta do
Estado, é fundamento e, pois, parâmetro da tributação, na lição sempre lúcida de
Geraldo Ataliba" (Hipótese de Incidência Tributária, p. 172).
"A taxa, então, no direito positivo brasileiro, é uma tributo remuneratório dos
serviços, ou ressarcitório das despesas implicadas pelos atos de polícia
individualizáveis." (Ataliba, ob. cit., p. 172).
Já a base de cálculo de uma taxa, somente poderá ser tomada pelo legislador como
medida, grandeza numérica e econômica do fato gerador, portanto, da atividade
estatal.
Desse modo, como afirma Aires Barreto:
"O núcleo da hipótese realizada é a medida da atuação estatal, no caso das
taxas.
A perspectiva dimensível de hipótese de incidência já não é mais a de um fato
lícito qualquer, que não uma ação estatal, mas, justamente, a grandeza desta."
(Base de Cálculo, Alíquotas e Princípios Constitucionais, pp. 62 e 63).
Nas taxas, a base de cálculo é única; o valor da atuação estatal. Não existe
base de cálculo apurável para cada fato. Sendo base de cálculo o valor da
atuação do Estado, fato interno da Administração, é fato único, de dimensão
única, nada tendo a ver com a atuação do particular, e, portanto, não toma em
consideração atributos inerentes ao sujeito passivo ou relativos à matéria sobre
a qual se refere a taxa.
A base de cálculo das taxas, ainda na lição de Ares Barreto:
"É unicamente o valor da atuação do Estado que a justifica. Custo efetivo,
estimado, presumido, social, são espécies do valor eleito para a atividade e não
bases diversas." (ob. cit., p. 68).
Do mesmo modo é a lição de Geraldo Ataliba (ob. cit., p. 143):
"60.2 - Efetivamente, se a hipótese de incidência da taxa é uma ação estatal,
referida a alguém, a base imponível é, nesse tributo, uma dimensão qualquer da
própria atividade do Estado: custo, valor ou outra grandeza qualquer (da própria
atividade)."
A lição de Amílcar Falcão deve ser, sempre, lembrada:
"Também o fato gerador é decisivo para a definição da base de cálculo do
tributo, ou seja, daquela grandeza econômica ou numérica sobre a qual se aplica
a alíquota para obter o quantum a pagar. Essa base de cálculo tem que ser urna
circunstância inerente ao fato gerador, de modo a afigurar-se como urna
verdadeira expressão econômica." (Fato Gerador da Obrigação Tributária, p. 138).
O próprio Ataliba afirma que a base imponível (ou base de cálculo) da taxa é,
geralmente, o custo do serviço. Por isso, esse custo deve ser repartido entre
todos os usuários. Dai que cada qual deve pagar sua parte, na proporção da
intensidade do uso (ob. cit., p. 134)
Fica claro, prossegue Ataliba, que a Constituição exige que se possa destacar
unidades de utilização para fruição individual pelos administrados. Tal
divisibilidade permite ao legislador tributário, estabelecer unidades de
utilização, para medir o consumo de cada contribuinte, permitindo a
constitucionalmente desejada repartição do custo total da manutenção do serviço
por todos os usuários (ob. cit., pp. 134/135).
Não dissente dessa orientação, Roque Carraza (Curso de Direito Constitucional
Tributário, pp. 281 e 282):
"O valor da taxa, seja de serviço, seja de polícia, deve corresponder ao custo,
ainda que aproximado, da atuação estatal específica..." (p. 281).
"Se não houver equivalência entre o custo da atuação estatal específica, e o
quantum da taxa, o tributo será inconstitucional, por desvirtuamento de sua base
de cálculo." (pp. 281 e 282).
"Portanto, a taxa de serviço deve ter por base o custo, ainda que aproximado, do
serviço público prestado, ou posto à disposição do contribuinte." (p. 282).
No caso dos autos, inexistente o serviço, não há como determinar o seu custo e
fixar a taxa correspondente, não há, numa palavra, como estabelecer a base de
cálculo. Sem base de cálculo, a taxa não pode ser cobrada.
A lição do eminente magistrado e ilustre professor da Universidade Federal do
Ceará, Hugo de Brito Machado é esclarecedora:
"Se o serviço não é de utilização compulsória, só a sua utilização efetiva
enseja a cobrança de taxa. Se a utilização é compulsória, ainda que não ocorra
efetivamente a utilização, desde que a atividade estatal se encontre em efetivo
funcionamento, a taxa poderá ser cobrada." (Curso de Direito Tributário, p.
259).
A taxa de esgoto, na hipótese dos autos não poderia, como não pode, ser cobrada,
seja porque lhe falta a base de cálculo, seja porque o serviço público
correspondente não existe.
"In casu", a taxa de esgoto não reflete o custo do serviço, mas se constitui em
um plus sobre a taxa de água, na forma do que vem sendo cobrado, e a teor do §2º
do art. 41 do já citado Decreto estadual nº 3.926/88. Precisamente, a taxa de
esgoto é cobrada aplicando a Ré sobre a taxa de água o percentual de ....%.
Quer dizer, o mesmo ato tributário do contribuinte, do sujeito passivo -
utilização do serviço de água - gera duas taxas; a do serviço e a de esgoto, em
contraste com a norma constitucional e com os ensinamentos doutrinários que
entendem ser o custo do serviço a base de cálculo da taxa correspondente.
No caso, como afirma Amílcar Falcão, dá-se o bis in idem, isto é:
"Quando uma unidade federada decreta um imposto de sua competência e,
posteriormente, cria um adicional desse mesmo imposto, ou então institui um
imposto com nomen juris diverso, incidindo sobre o mesmo fato gerador: haverá,
então, reincidência duplicada do mesmo imposto." (Sistema Tributário Brasileiro,
p. 50).
As afirmações do saudoso tributarista baiano a respeito de imposto são, sem
dúvida, aplicáveis à taxa.
A inconstitucionalidade nas taxas será detectável pela base de cálculo. Haverá
afronta à Constituição quando a segunda taxa, conjugada à primeira, importar
manifesta e desmedida superação do valor da atuação estatal. A identidade das
taxas conduz ao bis in idem.
Do exposto, se verifica que dos fundamentos apontados decorre a necessidade,
concretamente demonstrada, de eliminar ou resolver a incerteza da relação
jurídica entre os Autores e a Ré.
A incerteza é objetiva pois é uma dúvida séria em condições de tomar duvidosa a
vontade concreta da lei no espírito de qualquer pessoa normal (Chiovenda), ou em
face da opinião comum (Zanzucci). A incerteza além de objetiva é, também,
jurídica, isto é, relativa a direitos e obrigações e atual, ou seja, já
existente e não, apenas, possível.
Na relação jurídica tributária o sujeito passivo da obrigação tem legítimo
interesse em que se declare, judicialmente, qual a sua obrigação, na espécie
taxa, ante a inexistência do serviço público correspondente.
A declaração, assim, é para explicitar se a taxa de esgoto pode ser cobrada
inexistindo o serviço público a que se refere.
O que se pretende, pois, é a declaração de que o contribuinte que utiliza o
serviço de água não deve a taxa de esgoto, percentualmente estabelecida sobre
aquele consumo. Em conseqüência, visa-se a declaração da inexistência de relação
jurídica entre os Autores e a Ré, no que tange ao serviço público de esgoto
enquanto inexistente.
Os fins desta declaratória são os de criar a certeza jurídica e facilitar a vida
social "mediante a eliminação das dúvidas que impedem o normal desenvolvimento
das relações jurídicas", como ensina Chiovenda. (Instituições de Direito
Processual, vol. I, p. 192).
O que os Autores pretendem, inequivocamente, é que não sejam obrigados a
recolher um tributo sobre o serviço público de esgoto que não existe.
A ação visa, assim, a declaração de inexistência de relação jurídica tributária
entre os Autores e a Ré enquanto o esgoto sanitário, serviço público por
excelência, não for prestado ou posto á disposição na dicção expressa e incisiva
da Constituição Federal e do Código Tributário Nacional.
Em outras palavras, a ação objetiva a declaração de existência de relação
jurídica tributária entre os Autores e a Ré, sobre o serviço público de esgoto,
somente a partir da prestação do serviço de modo adequado, ou, da colocação dele
à disposição dos usuários.
Não padece de dúvida, portanto, que na relação jurídica tributária entre Autores
e Ré, como foi aqui referido, há incerteza e dúvida que a declaratória visa o
necessário acertamento.
Inexistindo relação jurídica tributária entre os Autores e a Ré no que tange à
taxa de esgoto, a exação a respeito não é devida, e o que já foi pago deve ser
restituído aos Autores, por ser de direito e em nome do princípio que veda o
enriquecimento ilícito, devidamente corrigido e com juros, na forma da lei.
Esse é o pedido que será feito cumulativamente ao declaratório em conformidade
com as normas legais vigentes.
É inafastável, como já se disse, para a existência e exigibilidade da taxa, como
imposição estatal, que haja um serviço público, específico e divisível,
utilizado, efetiva ou potencialmente, pelo contribuinte, ou posto à sua
disposição. E, mais, que o serviço resulte de uma atividade administrativa em
efetivo funcionamento. A taxa, pois, vincula-se a essa atividade administrativa.
Na dicção legal, o serviço de esgoto consiste no conjunto de obras, instalações
e equipamentos com a finalidade de coletar, transportar e dar destino final
adequado às águas servidas.
No caso dos autos, os Autores pagaram a rede coletora que passou em suas
propriedades, e todos, invariavelmente, pagam, em caráter compulsório, a taxa de
esgoto sem que o serviço seja utilizado ou posto á disposição. Isso ocorre
porque não há tratamento de esgoto, não há o "destino final adequado" de que
trata a norma positiva, acarretando a inexistência do próprio serviço público
cobrado.
Bem é de ver, então, in casu, que o conjunto que representa o sistema de
esgotos, no saneamento básico, na definição do §2º do art. 2º do Decreto nº
82.587/78, é composto por obras, instalações e equipamentos para coletar,
transportar e fazer o tratamento devido e adequado antes de dar destino final.
São, assim, três ações, três condutas a que se subordina a atividade
administrativa para executar e colocar à disposição do povo o conjunto que forma
o serviço público de saneamento básico, na modalidade de esgoto.
Não se pode considerar como existente, o conjunto em questão, quando uma das
partes, a mais importante, em termos de saúde pública e de implicações
ambientais, confessadamente, não existe (doc. nº ....).
E, por outro lado, não se pode considerar como "dar destino final adequado" às
águas residuárias, o despejo delas in natura, nos Rios .... e ...., violando
disposto no art. 57 do Decreto estadual nº 3.926/88.
A coleta e o transporte, isto é, a rede coletora, representam urna fase primária
da execução do serviço, mas não são o serviço. A fase inexistente, isto é, o
tratamento adequado para dar o destino final, é que constitui o serviço em si, é
o centro nuclear do sistema, porque evita danos á saúde pública e ao meio
ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida, na
feliz dicção do art. 225 da Constituição Federal.
Caso, entretanto, venha entender Vossa Excelência que as três condutas já
referidas não constituem um conjunto indissociável, podendo, destarte, ser
separadas, os Autores formulam como pedido alternativo na restituição de
indébito que seja arbitrado qual o percentual das ações de coleta e transporte e
qual a do tratamento, com efeitos e reflexos no total a repetir como nos
depósitos efetuados.
Em síntese: em que percentual a coleta e o transporte contribuem para a taxa
cobrada, bem como o tratamento final, levando em conta que os usuários já
pagaram a rede coletora e a importância da fase de tratamento no meio social.
Isso, então, repercutirá nos pagamentos já efetuados (repetição do indébito) e
nos depósitos concretizados.
Dito de outro modo: é necessário determinar quanto da tarifa equivale ao serviço
não prestado para que a taxa seja reduzida no percentual respectivo, com todos
os reflexos mencionados.
DOS PEDIDOS
Diante do exposto, requer-se que Vossa Excelência julgue, a final, por sentença,
procedente esta Ação Declaratória e condene a Ré na forma do pedido principal,
ou, se o entender, do pedido alternativo, além do reembolso das custas e dos
honorários de advogado na base de ....% sobre o total que se vier a liquidar.
Se necessário, as Requerentes usarão de todos os meios de prova admitidos em
direito, o que fica, desde já, requerido, inclusive a juntada de contas de água
que, eventualmente, estejam faltando.
Requerem a distribuição da presente aos autos da Medida Cautelar nº .....
Dá-se à causa o valor de R$ ......
Nesses Termos,
Pede Deferimento.
[Local], [dia] de [mês] de [ano].
[Assinatura do Advogado]
[Número de Inscrição na OAB]