RECURSO E RAZÕES - RECEPTAÇÃO - ATIPICIDADE E REINCIDÊNCIA
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA ______ VARA CRIMINAL DA
COMARCA DE ___________________ (___).
processo-crime n.º _______________________
objeto: apelação de sentença condenatória e oferecimento de razões.
_______________________, brasileiro, casado, motorista, residente e
domiciliado nesta cidade de ____________, hodiernamente constrito junto ao
Presídio _____________________, pelo Defensor Público subfirmado, vem,
respeitosamente, a presença de Vossa Excelência, em atenção ao despacho de folha
____, que recebeu o recurso de apelação formulado pelo réu à folha _____,
oferecer as presentes razões recursais, no prazo do artigo 600 do Código de
Processo Penal, combinado com o artigo 128, inciso I, da Lei Complementar n.º 80
de 12.01.94.
ISTO POSTO, REQUER:
I.- Recebimento da presente peça, com as razões que lhe emprestam lastro,
franqueando-se a contradita ao ilustre integrante do parquet, remetendo-o, após,
ao Tribunal Superior, para a devida e necessária reapreciação da matéria alvo de
férreo litígio.
Nesses Termos
Pede Deferimento.
__________________, _____ de __________ de 2.0___.
______________________________
DEFENSOR PÚBLICO TITULAR
OAB/UF _________________
EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO ____________________
COLENDA CÂMARA JULGADORA
ÍNCLITO RELATOR
"No processo penal, máxime para condenar, tudo deve ser claro como a luz,
certo com a evidência, positivo como qualquer expressão algébrica. Condenação
exige certeza..., não bastando a alta probabilidade..., sob pena de se
transformar o princípio do livre convencimento em arbítrio"(RT 619/267)
RAZÕES AO RECURSO DE APELAÇÃO FORMULADAS POR:___________________
Volve-se o presente recurso contra sentença condenatória editada pelo notável
e operoso julgador monocrático titular da ____ Vara Criminal da Comarca de
____________________, DOUTOR _______________, o qual em oferecendo respaldo
parcial de agnição à denúncia, condenou o apelante a expiar, pela pena de (03)
três anos de reclusão, acrescida da reprimenda pecuniária, cifrada em (20) vinte
dias-multa, dando-o como incurso nas sanções do artigo 180, caput, (duas vezes),
na forma do artigo 69, caput, do Código Penal, sob a clausura do regime
semi-aberto.
A irresignação do apelante, ponto central da presente peça, condensa-se em
dois tópicos, assim delineados: primeiramente, como questão central discorrerá
sobre a ausência de concreção do tipo penal a remanesceu condenado, o que é
aferido e constado, com uma clareza o doer os olhos, pela prova reunida à
demanda, o que conduzirá, de forma inexorável, a absolvição do recorrente, por
atipicidade na conduta; num segundo e derradeiro momento, como questão
periférica, postulará pela expunção da reincidência, ante sua notória e
incontrastável inconstitucionalidade, alinhando jurisprudência autorizada.
1.) ATIPICIDADE NA CONDUTA
Pelo que reluz das assertivas declinadas pelo recorrente, quando interrogado,
tem-se, que o mesmo ignorava, cabalmente, que o bem da vida adquirido tivesse
origem ilícita.
Diz textualmente o réu à folha ________:
"... Fazia três meses que tinha o veículo quando foi preso e a Polícia disse
que carro era roubado. O depoente estava foragido do semi-aberto há quatro
meses, cumprindo pena por roubo. Não pegou recibo pelo valor pago e não recebeu
qualquer documento do veículo. Os cheques apreendidos estavam no porta-luvas do
carro. Não tinha examinado o porta-luvas que estava trancado..."
Demais, o réu jamais suspeitou da origem falsa do bem adquirido. Se pairasse
dúvida, não teria implementado o negócio, o qual de resto teve efêmera duração,
amargando, o comprador (réu) ingente prejuízo.
Registre-se, que na receptação dolosa, constitui-se em elemento essencial e
vital a sua perfectibilização, a ciência inequívoca, por parte do réu, de que o
bem pelo mesmo adquirido, tenha origem criminosa. Não basta o dolo eventual,
exige-se e reclama-se o dolo direito. (vg. STF, RT: 599/434)
Outrossim, até a presente data, sequer apurou-se, com exação, quem teria,
pretensamente transmitido dito bem ao réu, com o que resta descaracterizado o
tipo reitor da receptação.
Nesse norte é a mais abalizada jurisprudência que jorra dos tribunais
pátrios, digna de decalque, face sua extrema pertinência ao caso em discussão:
"O crime de receptação dolosa (art. 180 caput do Código Penal) pressupõe
crime antecedente e o receptador não pode ser responsabilizado sem que
definitivamente se declare a existência deste pressuposto. Pressupõe, ainda, o
conhecimento pelo acusado da origem criminosa da coisa e identificação da pessoa
que transmitiu o bem. Sem tais elementos é impossível a caracterização do
delito" RT: 663/293
"Para que alguém responda por receptação dolosa é indispensável que tenha
prévia ciência de que a coisa que recebe tem origem criminosa" RT: 592/353
Donde, sendo dado incontroverso, que o recorrente, desconhecia, piedosamente,
a desonra que padecia o bem da vida pelo mesmo cobiçado, e tendo permanecido
incógnito o vendedor, impõe-se a desconstituição da sentença objeto de incisiva
exprobação, eis calcada e sedimentada no sítio da mera plausibilidade, logo no
terreno das hipótese e conjecturas, jamais ostentando o galardão da
verossimilhança.
Quanto aos cheques apreendidos, os mesmos encontravam-se depositados no
porta-luvas do automóvel, sequer suspeitando o réu da sua existência.
A versão de que aludidos cheque foram ‘jogados pela janela’, foi engendrada
pelos agentes da policia civil, os quais na ânsia de incriminarem o réu,
valeram-se do artifício da simulação, dando luz a um fenômeno espúrio e mendaz,
o qual lastimosamente, foi encampado pela sentença, respeitosamente hostilizada.
Conseqüentemente, a sentença estigmatizada, por se encontrar lastreada em
premissas inverossímeis, estéreis e claudicantes, clama e implora por sua
reforma, missão, esta, reservada aos Preclaros Desembargadores, que compõem essa
Augusta Câmara Criminal.
2.) DA REINCIDÊNCIA
Sobremais, inadmissível, tenha o recorrente agravada sua pena pela
reincidência, haja vista, que pelo delito anterior o réu já foi penalizado, não
podendo o mesmo expiar duas vezes pelo mesmo fato - ainda que a exasperação da
pena venha dissimulada pela agravante estratificada no artigo 61, inciso I, do
Código Penal - sob o risco de incidir-se num bis in idem, flagrantemente
inconstitucional.
Neste sentido, já decidiu o Terceiro Grupo Criminal, nos embargos
infringentes n.º 70.000.916.106, em 16 de junho de 2000 cuja ementa assoma de
obrigatória transcrição:
EMBARGOS INFRINGENTES - AGRAVAÇÃO DA PENA PELA REINCIDÊNCIA. A agravação da
pena pela reincidência, caracteriza bis in idem. Um mesmo fato não pode ser
tomado em consideração duplamente porque possibilita uma inadmissível reiteração
no exercício do jus puniendi do Estado.
Embargos acolhidos para que prevaleça o voto minoritário que afasta o
acréscimo da pena pela reincidência. Predominância dos votos mais favoráveis do
empate.
No mesmo sentido, é a posição adotada pela 6ª Câmara Criminal do Tribunal de
Justiça do Estado, na apelação criminal n.º 70.000.847.699, cujo decalque
veicula-se inarredável, por ferir com maestria e propriedade a matéria submetida
a desate.
FURTO. CONSUMAÇÃO. MOMENTO. O CRIME DE FURTO SE CONSUMA, SE APERFEIÇOA,
QUANDO OCORRE A INVERSÃO DA POSSE DA RES, OU SEJA, O AGENTE PASSA A TER A
TRANQÜILA DETENÇÃO DA COISA, AINDA QUE POR CURTO ESPAÇO DE TEMPO, E LONGE DA
VIGILÂNCIA DA VÍTIMA. PENA. DOSIMETRIA. REINCIDÊNCIA. DESVALOR DE AGRAVAMENTO.
CONSIDERANDO A GARANTIA CONSTITUCIONAL DA LIBERDADE, DEVE-SE, FAZENDO UMA
RELEITURA DA LEI PENAL, APENAS DAR VALOR POSITIVO AS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DA
CONDUTA SOCIAL E PERSONALIDADE. SÓ PODEM SER CONSIDERADAS PARA BENEFICIAR O
ACUSADO, E NÃO MAIS PARA LHE AGRAVAR A PENA. E DENTRO DESTE RACIOCÍNIO, TAMBÉM
TEM-SE QUE AFASTAR O AGRAVAMENTO DA PUNIÇÃO PELA REINCIDÊNCIA. INCLUÍ-LA COMO
CAUSA DE AGRAVAÇÃO DE PENA, NÃO LEVA EM CONTA QUE O DELINQÜENTE REINCIDENTE NEM
SEMPRE E O MAIS PERVERSO, O MAIS CULPÁVEL, O MAIS PERIGOSO EM CONFRONTO COM O
PRIMÁRIO. ALÉM DISSO, MÃO PODE O PRÓPRIO ESTADO, UM DOS ESTIMULADORES DA
REINCIDÊNCIA, NA MEDIDA EM QUE SUBMETE O CONDENADO A UM PROCESSO DESSOCIALIZADOR,
DESESTRUTURADO SUA PERSONALIDADE POR MEIO DE UM SISTEMA PENITENCIÁRIO DESUMANO E
MARGINALIZADOR, DEPOIS EXIGIR QUE SE EXACERBE A PUNIÇÃO A PRETEXTO DE QUE O
AGENTE DESRESPEITOU A SENTENÇA ANTERIOR, DESPREZOU A FORMAL ADVERTÊNCIA EXPRESSA
NESSA CONDENAÇÃO E, ASSIM, REVELOU UMA CULPABILIDADE MAIS INTENSA. (09 FLS)
(Apelação Crime nº 70000847699, 6ª Câmara Criminal do TJRS, Garibaldi, REL.
DESEMBARGADOR DOUTOR SYLVIO BAPTISTA NETO. j. 27.04.2000).
Portanto, cumpre exorcizar-se a agravante da reincidência, suprimindo-se da
pena-base, os (6) seis meses legados, afora redimensionar-se a pena definitiva,
alterando-se, por decorrência, o regime de cumprimento da pena, o qual de
semi-aberto, passará para o aberto.
ANTE AO EXPOSTO, REQUER:
I.- Seja cassada a sentença judiciosamente buscada rescindir, expungindo-se
do decisum o veredicto condenatório uma vez que se encontram descaracterizados
os delitos de receptação dolosa tributados contra o apelante, o que se vindica
com supedâneo no artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal.
II.- Na remota hipótese de sobejar condenado, a despeito do requerido no item
supra, seja reputada tida e havida como inconstitucional a majoração da
pena-base, frente a reincidência, expurgando-se da sanção corporal os (06) seis
meses legados pela agravante, bem como alterando-se o regime de cumprimento da
pena, para o aberto.
Certos estejam Vossas Excelências, mormente o Insigne e Culto Doutor
Desembargador Relator do feito, que em assim decidindo, estarão julgando de
acordo com o direito, e, sobretudo, perfazendo, restabelecendo e restaurando, na
gênese do verbo, o primado da JUSTIÇA!
______________________, em ___ de _____________ de 2.0___.
___________________________
DEFENSOR PÚBLICO TITULAR
OAB/UF ________________