ESTELIONATO - NEGATIVA DE DOLO - RECURSOS E RAZÕES
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA ____ª VARA CRIMINAL DA
COMARCA DE _________
Processo crime nº _________
Objeto: apelação de sentença condenatória e oferecimento de razões
_________, brasileiro, solteiro, pedreiro, residente e domiciliado nesta
cidade de _________, devidamente qualificado, pelo Defensor Público subfirmado,
vem, respeitosamente, a presença de Vossa Excelência, nos autos do processo
crime em epígrafe, ciente da sentença condenatória de folha __ até __, interpor,
no prazo legal, o presente recurso de apelação, por força do artigo 593, inciso
I, do Código de Processo Penal, eis encontrar-se desavindo, irresignado e
inconformado com apontado decisum, que lhe foi prejudicial e sumamente adverso.
ISTO POSTO, REQUER:
I.- Recebimento da presente peça, com as razões que lhe emprestam lastro,
franqueando-se a contradita ao ilustre integrante do parquet, remetendo-o, após,
ao Tribunal Superior, para a devida e necessária reapreciação da matéria alvo de
férreo litígio.
Nesses Termos
Pede Deferimento
_________, ____ de _________ de _____.
DEFENSOR
OAB/
EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO _________
COLENDA CÂMARA JULGADORA
ÍNCLITO RELATOR
RAZÕES AO RECURSO DE APELAÇÃO FORMULADAS POR: _________
Volve-se, o presente recurso contra sentença exarada pelo digno e operoso
julgador monocrático titular da ___ª Vara Criminal da Comarca de _______, DOUTOR
____________, o qual em oferecendo respaldo de agnição à denúncia condenou o
recorrente a expiar pela pena de (1) um ano de reclusão, acrescida da reprimenda
pecuniária, cifrada em (10) dez dias multa, por infringência ao artigo 171,
caput, do Código Penal, sob a franquia do regime aberto.
A irresignação do apelante, ponto nevrálgico e aríete do presente recurso,
cinge-se a dois tópicos, a saber: num primeiro momento, demonstrará o recorrente
a inexistência de dolo na conduta pelo mesmo encetada, o que redundará na
atipicidade do delito que lhe é graciosamente arrostado, para num segundo e
derradeiro momento, discorrer sobre a ausência de provas robustas, sadias e
convincentes, para outorgar-se um veredicto adverso, em que pese tenha sido este
parido, de forma equivocada pela sentença, ora respeitosamente reprovada.
Passa-se, pois, a análise, em conjunto dos pontos alvo de debate.
Segundo sinalado pelo réu, em seu termo de declarações prestadas junto ao
orbe inquisitorial de folha ______, o mesmo recebeu o cheque estampado à folha
______, de terceira pessoa, desconhecido piamente que fosse furtado.
Nas palavra literais do recorrente à folha _______: "... Que em data que não
recorda o declarante fez um serviço de pedreiro, uma calçada para um tal de
_________, isso no Bairro _________ a casa o declarante não saberia voltar no
local, que _________ lhe pagou com um cheque do Banespa no valor de R$ _________
conta em nome de _________, que o declarante trocou o cheque com _________,
pagou uma conta de R$ _________ e recebeu R$ _________ de troco, que dias após
_________ procurou o declarante dizendo que o cheque era furtado, que o
declarante quis pagar, porém o mesmo disse que não queria receber e sim 'ferrar'
o declarante, por isso o mesmo não lhe pagou até hoje... que o declarante está
inocente do caso, pois recebeu o cheque como pagamento de um serviço prestado,
passando o mesmo adiante, quando ficou sabendo que era furtado quis fazer um
acerto com _________, porém o mesmo não quis, disse que iria 'ferrar' o
declarante, que viu _________ mais uma vez, não o viu mais pela cidade..."
(grifo nosso).
A toda evidência, não engendrou o réu qualquer expediente espúrio para
ludibriar a vítima, por via do cheque pertencente a terceiro. A notícia, de que
a cártula era furtada chocou tanto o réu quanto a sedizente vítima!
Assim, tem-se, que a ação do réu é atípica, na medida em que recebeu o cheque
de terceiro - proveniente de serviços prestados pelo apelante na qualidade de
pedreiro ao Sº _________ - e crendo piedosamente que fosse isento a qualquer
mácula, o empregou para efetuar o pagamento de uma conta pendente junto a
sedizente vítima.
Aliás, a jurisprudência, tem sufragado, de antanho, o entendimento, de que na
hipótese do agente empregar cheque de terceiro, para efetuar pagamento, somente
poderá ser considerado estelionato, se e somente, verificado o dolo, em sua
conduta.
Neste sentido, imperiosa afigura-se o decalque do seguinte arresto:
"Sabe-se à saciedade que no estelionato o dolo é a essência da infração e
antecede a ação criminosa. Não havendo prova inquestionável de que o acusado
tenha agido com dolo preordenado, característico do estelionato, temerária é a
sua condenação, o que não afasta, contudo, que na esfera do Direito Civil seu
comportamento contamine de anulabilidade o ato jurídico praticado, obrigando-o a
indenizar os danos experimentados" (TACRIM-SP - AC - REL. RAUL MOTTA - in
JUTACRIM 85:356)
Outrossim, em perscrutando-se com acuidade a prova inculpatória coligida no
deambular do feito, tem-se que a mesma circunscreve-se, única e exclusivamente a
palavra da sedizente vítima do tipo penal, inquirida à folha ___.
Entrementes, tem-se, que a palavra da vítima do fato deve ser recebida com
extrema reserva, haja vista, que possui em mira, incriminar o réu, agindo por
vindita(1) e não por caridade(2) - a qual segundo apregoado pelo Apóstolo e
Doutor do gentios, São Paulo(3), é a maior das virtudes - mesmo que para tanto
deva criar uma realidade fictícia, logo inexistente.
Nesta alheta e diapasão é a mais lúcida jurisprudência, coligida junto aos
tribunais pátrios:
"As declarações da vítima devem ser recebidas com cuidado, considerando-se
que sua atenção expectante pode ser transformadora da realidade, viciando-se
pelo desejo de reconhecer e ocasionando erros judiciários" (JUTACRIM, 71:306)
No mesmo quadrante é o magistério de HÉLIO TORNAGHI, citado pelo
Desembargador ÁLVARO MAYRINK DA COSTA, no acórdão derivado da apelação criminal
nº 1.151/94, da 2ª Câmara Criminal do TJRJ, julgada em 24.4.1995, cuja
transcrição parcial afigura-se obrigatória, no sentido de colorir e emprestar
consistência as presentes razões: "Tornaghi bem ressalta que o ofendido mede o
fato por um padrão puramente subjetivo, distorcido pela emoção e paixão. Nessa
direção, poder-se-ia afirmar que ainda que pretendesse ser isento e honesto,
estaria psicologicamente diante do drama que processualmente o envolve, propenso
a falsear a verdade, embora de boa-fé..." (*) in, JURISPRUDÊNCIA CRIMINAL:
PRÁTICA FORENSE: ACÓRDÃOS E VOTOS, Rio de Janeiro, 1999, Lumen Juris, página 19.
Donde, em sendo sopesada a prova gerada com a demanda, com a devia
imparcialidade e comedimento, constata-se que inexiste uma única voz isenta e
incriminar o réu, no que condiz com o fato a que subjugado pela sentença, aqui
comedidamente repreendida.
Se for expurgada a palavra da vítima, notoriamente parcial e tendenciosa,
nada mais resta a delatar o ilícito, tributado, indevidamente, ao recorrente.
Ademais, sinale-se, que para referendar-se uma condenação no arena penal,
mister que a autoria e a culpabilidade resultem incontroversas. Contrário senso,
a absolvição se impõe por critério de justiça, visto que, o ônus da acusação
recai sobre o artífice da peça portal. Não se desincumbindo, a contento, de tal
tarefa, marcha, de forma inexorável, a peça esculpida pelo dono da lide à morte,
amargando a mesma sorte a sentença, que encampou de forma imprudente a denúncia.
Neste norte, veicula-se imprescindível a compilação de jurisprudência
autorizada:
"A prova para a condenação deve ser robusta e estreme de dúvidas, visto o
Direito Penal não operar com conjecturas" (TACrimSP, ap. 205.507, Rel. GOULART
SOBRINHO)
"O Direito Penal não opera com conjecturas ou probabilidades. Sem certeza
total e plena da autoria e da culpabilidade, não pode o Juiz criminal proferir
condenação" (Ap. 162.055. TACrimSP, Rel. GOULART SOBRINHO)
"Sentença absolutória. Para a condenação do réu a prova há de ser plena e
convincente, ao passo que para a absolvição basta a dúvida, consagrando-se o
princípio do 'in dubio pro reo', contido no art. 386, VI, do CPP" (JUTACRIM,
72:26, Rel. ÁLVARO CURY)
Registre-se, que somente a prova judicializada, ou seja àquela vertida sob o
crisol do contraditório é factível de crédito para confortar um juízo de
reprovação. Na medida em que a mesma revela-se frágil e impotente para secundar
a denúncia, assoma impreterível a absolvição da réu, visto que a incriminação de
ordem ministerial, remanesceu defendida em prova falsa, sendo inoperante para
sedimentar uma condenação, não obstante tenha esta vingado, contrariando todas
as expectativas!
Destarte, todos os caminhos conduzem, a absolvição do apelante, frente ao
conjunto probatório domiciliado à demanda, em si sofrível e altamente
defectível, para operar e autorizar um juízo de epitímio contra o recorrente.
Conseqüentemente, a sentença estigmatizada, por se encontrar lastreada em
premissas inverossímeis, estéreis e claudicantes, clama e implora por sua
reforma, missão, esta, reservada aos Preclaros Desembargadores, que compõem essa
Augusta Câmara Secular de Justiça.
ANTE AO EXPOSTO, REQUER:
I.- Seja o réu absolvido, de sorte que a conduta pelo mesmo testilhada, é
isenta de censura, visto que não obrou como dolo (elemento constitutivo e vital
para a concreção do estelionato), reputando-se a mesma atípica, rescindindo-se,
por imperativo a sentença, forte no artigo 386, inciso III, do Código de
Processo Penal.
II.- Em não prosperando a tese mor (elencada no item retro), seja cassada a
sentença judiciosamente buscada desconstituir, face a rotunda defectibilidade
probatória, que preside a demanda, impotente em si e por si, para referendar um
juízo de exprobação, absolvendo-se o apelante, a teor do artigo 386, VI, do
Código de Processo Penal.
Certos estejam Vossas Excelências, mormente o Ínclito e Douto Desembargador
Relator do feito, que assim decidindo estarão julgado de acordo com o direito,
e, sobretudo, realizando, perfazendo e restabelecendo, na gênese do verbo, o
primado da mais lídima JUSTIÇA!
_________, ____ de _________ de _____.
DEFENSOR
OAB/
NOTAS
(1) "O inverso da caridade é a vingança" Camilo Castelo Branco.
(2) "A caridade cristã não se limita a socorrer o necessitado de bens
econômicos; leva-nos, antes de mais nada, a respeitar e a defender cada
indivíduo enquanto tal, na sua intrínseca dignidade de homem e de filho do
Criador" J. ESCRIVÁ DE BALAGUER (Cristo que passa, nº 72)
(3) 1º Coríntios 13,1-13