ROUBO QUALIFICADO - CONFISSÃO EXTRAJUDICIAL - TORTURA - RAZÕES E RECURSO -
APELAÇÃO
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA COMARCA DE _________
Processo-crime nº _________
Réu preso
Objeto: apelação de sentença condenatória e oferecimento de razões
_________, brasileiro, solteiro, dos serviços gerais, atualmente constrito
junto ao Presídio Estadual de _________, pelo Defensor subfirmado, vem,
respeitosamente, a presença de Vossa Excelência, nos autos do processo crime em
epígrafe, ciente da sentença condenatória de folha ____ até ____, interpor, no
prazo legal, o presente recurso de apelação, por força do artigo 593, inciso I,
do Código de Processo Penal, eis encontrar-se desavindo, irresignado e
inconformado com apontado decisum, que lhe foi prejudicial e sumamente adverso.
ISTO POSTO, REQUER:
I.- Recebimento da presente peça, com as razões que lhe emprestam lastro,
franqueando-se a contradita a ilustre parquet, remetendo-o, após ao Tribunal
Superior, para a devida e necessária reapreciação da matéria alvo de férreo
litígio.
Nesses Termos
Pede Deferimento
_________, ____ de _________ de _____.
Defensor
OAB/
EGRÉGIO TRIBUNAL DE ALÇADA DO ESTADO DO _________
COLENDA CÂMARA JULGADORA
ÍNCLITO RELATOR
RAZÕES AO RECURSO DE APELAÇÃO FORMULADAS POR: _________
Volve-se o presente recurso contra sentença condenatória editada pelo notável
e douto julgador monocrático da Comarca de _________, DOUTOR _________, o qual
em oferecendo respaldo de prossecução à denúncia, condenou o apelante a expiar
pela pena de (05) cinco anos e (4) quatro meses de reclusão, acrescida de multa,
dando-o como incurso nas sanções dos artigo 157, § 2º, incisos I e II do Código
Penal, sob a clausura do regime semi-aberto.
A irresignação do apelante, ponto aríete da presente peça, condensa-se em
dois tópicos, assim delineados: primeiramente, repisará a tese da negativa da
autoria proclamada pelo réu em seu termo de interrogatório, a qual,
contristadoramente, não encontrou eco na sentença repreendida; e, num segundo
momento, discorrerá sobre a ausência de provas robustas, sadias e convincentes,
para outorgar-se um veredicto adverso, em que pese tenha sido este parido, de
forma equivocada pela sentença, ora respeitosamente estigmatizada
Passa-se, pois, a análise da conjunta dos pontos alvo de debate.
Segundo afirmado, pelo apelante, de forma categórica e convincente, em seu
termo de interrogatório colhido frente ao Julgador togado (vide folha ____) o
mesmo negou, terminantemente, a imputação que lhe é arrostada, de forma graciosa
pela denúncia.
Por relevantíssimo o apelante, salientou no aludido termo de interrogatório,
que a confissão extrajudicial (estampada à folha ____) foi-lhe extorquida pela
Polícia Judiciária, a qual servindo-se de métodos herdados da ditadura, torturou
o espancou o recorrente, compelindo-o a assinar malfadado papel, após de tê-lo
adredemente preparado, com intenções escusas, todas dirigidas no único intuito
de incriminá-lo, de forma deliberada.
De outro norte, tem-se, que a negativa da autoria suscitada pelo réu, não foi
infirmada e ou entibiada no deambular do feito, visto que, a instrução judicial,
limitou-se a oitiva por precatória, de duas testemunhas, (vide folha ____), as
quais carecem de valor probatório, porquanto, constituem-se, nos algozes do réu,
face terem atuado na prisão do último, nos termos da ocorrência de folha ____ e
do termo de declarações de folha ____.
Outrossim, obtempera o distinto Magistrado, à folha ____, no intuito de
salvaguardar a confissão extrajudicial, o fato de o réu ter sido submetido a
exame médico, (vide folha ____) o qual não constatou qualquer lesão, de que
paciente, presumindo-se, pois, que não foi alvo de sevícias e ou espancamento
pela autoridade policial, devendo sua confissão reputar-se válida.
Entrementes, se forem confrontadas as datas dos dois documentos (confissão à
folha ____ e auto de exame de folha ____ à ), tem-se que assoma justificada a
inexistência das lesões, porquanto, o exame a que submetido o réu, foi obrado
pelo médico no dia ___ de _________ de _____, enquanto que a confissão policial
foi extorquida do réu no dia ___ de _________ de _____.
Assim, impossível era a perícia detectar qualquer lesão a integridade física
do réu, pelo simples e comezinho motivo, de que o exame foi realizado no dia
anterior, ao da confissão!
Mesmo admitindo-se, apenas por argumentar, que dito exame tenha sido
realizado às 00:35 horas do dia ___ de _________ de _____, - consoante
consignado de forma açodada pelo presumível médico que examinou o réu, o qual
não deixou consignado seu nome no aludido auto e ou sua inscrição no CREME-UF,
fato que torna o laudo írrito de pleno direito - tem-se, mesmo assim, que o
exame precedeu a inquirição do réu, a qual somente verificou-se na manhã do dia
___ de _________ de _____.
Donde, tendo o réu negado o fato delituoso frente ao Julgador monocrático,
dando as razões que inquinam de nulidade sua confissão policial (extorquida
mediante tortura), tem-se, que passa a merecer crédito em sua assertiva
judicializada, passando o ônus da prova (descrédito de retratação), ao órgão
reitor da denúncia. Nesse sentido é a jurisprudência colhida junto ao Pretório
Excelso, da lavra do Eminente Ministro XAVIER DE ALBUQUERQUE, digna de
transcrição, em razão de sua extrema pertinência ao caso em debate:
"A confissão extrajudicial, feita no curso de inquérito policial, pode e deve
ser considerada pelo julgador na formação de seu convencimento. Retratada que
ela seja, contudo, em juízo, tal consideração só é cabível se outras provas a
confortam ou corroboram. Mas, a produção de provas outras, que confirmem ou
prestem apoio à confissão retratada, é ônus da acusação ou dever do juiz na
livre condução do processo. Não toca ao réu, como às vezes que lê em julgados
que subvertem princípios consagrados, o ônus de provar que não espelha a verdade
a confissão extrajudicial por ele retratada" in, (RTJ, 81:337)
Da leitura atenta da sentença, tem-se, que o Julgador singelo, edificou seu
edifício sentencial, ancorado-o e escudando-o, quase que exclusivamente, na
prova provinda do inquérito policial.
Se dessume, que o nobre Julgador singular, prestigiou para a tessitura do
decreto condenatório várias peças oriundas da fase inquisitorial, com destaque
para o auto de reconhecimento de pessoa de folha 19 (confeccionado em
transgressão aos mais rudimentares princípios de que regem o instituto, por
força do artigo 226, inciso II, do Código de Processo Penal, o que o redunda em
nulidade do ato, segundo manifestação do Egrégio Supremo Tribunal Federal: "o
reconhecimento de pessoa deve obedecer à forma imperativa imposta pelo art. 226
do C.P.P." in, RTJ, 52:467), bem como o depoimento da vítima inserto à folha
____, e a confissão do réu, estampada à folha ____.
Tal procedimento atenta contra as regras constitucionais vigentes, sabido,
que após o avento da Carta Magna de 1.988, por força do artigo 5º LV, a prova
somente adquire tal qualificação, quando produzida com a participação e
fiscalização da defesa.
Prova arredia a contradita prova não é, e jamais poderá, validamente, operar
contra o réu.
Ademais, deprimente, nos dias que correm, sob o pálio do Estado de Direito,
emprestar-se valia, em grau absoluto, aos elementos granjeados durante o fabrico
do inquérito policial (como realizado pelo Julgado singular na sentença
reprovada), notório, que este é peça meramente informativa, de feições
administrativas e sendo elaborado por autoridade discricionária, não se sujeita
a ciranda do contraditório.
Data máxima vênia, nesse passo afrontou o digno Julgador unocrático regra
basilar inserta na Lei Fundamental, ao emprestar preeminência aos informes
advindos da esfera policial, para em guindando-os em fonte da verdade, aviar a
condenação, aqui buscada desconstituir.
Registre-se, por mais uma vez que a confissão extrajudicial do réu, foi-lhe
arrebatada mediante tortura, não podendo deter qualquer serventia para emissão
de juízo de valor em desfavor do apelante.
Gize-se, que a instrução judicial, como aliás já referido, circunscreve-se a
inquirição de dois policiais militares, os quais depuseram de ofício contra o
réu, com o indisfarçável desiderato de inculpá-lo, visto que efetuaram sua
prisão.
Ora, a defectibilidade probatória, advinda com a instrução judicial, não
autoriza o honorável sentenciante, à míngua de elementos para condenar o réu, a
socorrer-se dos informes advindos com o inquérito policial, estabelecendo,
estes, como pedra angular, do decisum.
Nesse sentido é a mais lúcida jurisprudência que jorra dos tribunais pátrios,
digna de decalque:
"A confissão policial não é prova, pois o inquérito apenas investiga para
informar e não provar. A condenação deve resultar de fatos provados através do
contraditório, o que não há no inquérito policial que, além de inquisitório, é
relativamente secreto (Ap. 12.869, TACrimSP, Rel. CHIARADIA NETTO)
"Se uma condenação pudesse ter suporte probatório apenas o interrogatório
policial do acusado, ficaria o Ministério Público, no liminar da própria ação
penal, exonerado do dever de comprovar a imputação, dando por provado o que
pretendia provar e a instrução judicial se transformaria numa atividade
inconseqüente e inútil" (Ap. 103.942, TACrimSP, Rel. SILVA FRANCO)
"Não tendo sido ratificado em juízo e não se revelando concordante com as
demais provas, salta à vista que não se pode atribuir à confissão extrajudicial
a dignidade de fonte de convencimento" (JTACRIM, 7:145)
"O inquérito policial não admite contrariedade, constituindo mera peça
informativa à qual deve dar valor de simples indício. Assim, não confirmados em
juízo os fatos narrados na Polícia, ainda que se trate de pessoa de maus
antecedentes, impossível será a condenação"(TACrimSP, ap. 181.563, Rel. GERALDO
FERRARI)
"Inquérito policial. Valor informativo. O inquérito policial objetiva somente
o levantamento de dados referentes ao crime, não sendo possível sua utilização
para embasar sentença condenatória, sob pena de violar o princípio
constitucional do contraditório"(JTACRIM, 70:319)
Demais, é sabido e consabido que cumpre ao órgão reitor da denúncia, provar
pormenorizadamente tudo quanto proclamou na peça pórtica. Fracassando em tal
missão -é a hipótese dos autos- a obra prima pelo mesmo esculpida (denúncia),
marcha, de forma inexorável à morte.
Efetivamente, incursionando-se na prova que jaz cativa à demanda, tem-se que
é impossível emitir-se reprimenda, contra o réu, frete a orfandade probatória
que impregna o feito.
Aponte-se, que a condenação na constelação penal exige certeza plena e
inconcussa quanto a autoria do fato. Existindo dúvida, ainda que ínfima, deve o
julgador optar pela absolvição do réu. Nesse momento é a mais serena e abalizada
jurisprudência, digna de compilação face sua extrema adequação ao caso submetido
a desate:
"Insuficiente para embasar decreto condenatório simples probabilidade de
autoria de delito, eis que se trata de mera etapa da verdade, não constitutiva,
por si só, de certeza" (Ap. 42.309, TACrimSP, Rel. GOULART SOBRINHO)
"O Direito Penal não opera com conjecturas ou probabilidades. Sem certeza
total e plena da autoria e da culpabilidade, não pode o Juiz criminal proferir
condenação" (Ap. 162.055. TACrimSP, Rel. GOULART SOBRINHO)
"Sentença absolutória. Para a condenação do réu a prova há de ser plena e
convincente, ao passo que para a absolvição basta a dúvida, consagrando-se o
princípio do 'in dubio pro reo', contido no art. 386, VI, do C.P.P" ( JUTACRIM,
72:26, Rel. ÁLVARO CURY)
Aduz-se, que o réu negou o fato que lhe foi imputado desde a primeira hora. A
tese pelo mesmo argüida, não foi repelida e ou rechaçada pela acusação. Sua
palavra, pois, é digna de fé, devendo, por imperativo, prevalecer, frente a
versão esposada em sede policial, a qual foi-lhe extorquida mediante o suplício
da tortura, prática abominável, nefanda e injustificável, a merecer o
incondicional repúdio desse Colendo Areópago.
En passant, oportuno, salientar, que o apelante, encontra-se na amarga e
deletéria circunstância de responder por um delito que não praticou; e, o que é
mais grave e nocivo, está confinado à sejana, tal qual um semovente,
experimentado, toda sorte de infortúnios, vicissitudes e contratempos,
propiciados pelo ignominioso confinamento forçado, o qual é execrado pela
jurisprudência, pois importa no cumprimento antecipado da pena (RT 479/298),
violando-se, aqui, de forma flagrante e figadal o princípio da inocência,
insculpido no artigo 5º. LVII, da Constituição Federal.
Conseqüentemente, a sentença guerreada, por se encontrar lastreada em
premissas inverossímeis, estéreis e claudicantes, clama e implora por sua
reforma, missão, esta, reservada aos Preclaros e Cultos Juízes de Alçada, que
compõem essa Augusta Câmara Criminal.
ANTE AO EXPOSTO, REQUER:
I.- Seja cassada a sentença judiciosamente buscada desconstituir, face a
manifesta e notória deficiência probatória que jaz reunida à demanda, impotente
em si e por si, para gerar qualquer veredicto condenatório, absolvendo-se o réu
(apelante), forte no artigo 386, inciso VI, do Código de Processo Penal, não
olvidando-se da tese de negativa da autoria, argüida pelo réu em seu depoimento
judicial, a merecer trânsito, pelo artigo 386, inciso IV, do Código de Processo
Penal.
Certos estejam Vossas Excelências, mormente o Insigne e Preclaro Juiz de
Alçada Relator do feito, que em assim decidindo, estarão julgando de acordo com
o direito, e, sobretudo, restabelecendo, perfazendo e restaurando, na gênese do
verbo, o primado da JUSTIÇA!
_________, ____ de _________ de _____.
Defensor
OAB/