Pedido de arquivamento de autos, em face de
inexistência de crime contra o Sistema Financeiro de Habitação.
EXMO. SR. DR. JUIZ DA ..... VARA DA JUSTIÇA FEDERAL DE .....
AUTOS Nº ....
O Ministério Público Federal, nos autos de peças de informação em epígrafe,
requer:
ARQUIVAMENTO DOS AUTOS
pelos motivos de fato e de direito a seguir aduzidos.
DOS FATOS
Comunica o Banco Central que ........., em ........, obteve junto ao Banco do
Brasil empréstimo para financiamento rural e que, apesar de estar obrigado a
tanto, o mutuário não teria feito a aplicação de tais recursos na atividade
agrícola.
DO DIREITO
À primeira vista, em tese, teria o mutuário praticado o seguinte crime, previsto
na Lei n.° 7.492/86:
Art. 20. Aplicar em finalidade diversa da prevista em lei ou contrato, recursos
provenientes de financiamento concedido por instituição financeira oficial ou
por instituição credenciada para repassá-lo:.........
Pena - Reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.
Sobre a razão finalística da Lei n.° 7.492/86 assim se expressa o colega Rodolfo
Tigre Maia, Procurador Regional da República no Rio de Janeiro e Professor de
Direito Penal da PUC/RJ Distrito Federal, em sua obra Dos Crimes Contra o
Sistema Financeiro Nacional1:
A Lei federal 7.492 ... tem por escopo assegurar na esfera do Direito Penal a
proteção ao Sistema Financeiro Nacional (SFN). Ainda que com nuanças e
especificidades marcantes, que emergem nos diversos tipos penais que a
conformam, o bem jurídico que fundamenta e valida globalmente sua existência é o
Sistema Financeiro Nacional. Assim, são criminalizadas aquelas ações ou omissões
humanas ... dirigidas a lesionar ou a colocar em perigo o SFN, enquanto
estrutura jurídico-econômica global valiosa para o Estado brasileiro, bem como
as instituições que dele participam,e o patrimônio dos indivíduos que nele
investem suas poupanças privadas.
Depois, comentando a disposição do art. 20, diz o mesmo jurista:
Tem por escopo o dispositivo resguardar o interesse público prevalente na
destinação dos recursos financeiros originários do erário governamental, e
assegurar que os beneficiários de tais recursos, em geral pessoas jurídicas,
apliquem-nos na concretização das metas sócio-econômicas que presidiram sua
concessão.2 (grifamos)
O intérprete que levar a disposição legal retrocitada ao pé-da-letra poderá
chegar à absurda conclusão de que um mutuário do sistema financeiro da habitação
que realize o chamado "contrato de gaveta", transferindo o imóvel a outrem,
estaria cometendo crime contra o sistema financeiro nacional.
Não é esse o nosso entendimento - para nós, não será qualquer aplicação
desvirtuada de empréstimo público que caracterizará o crime do art. 20 da Lei
n.° 7.492/86 e justificará a aplicação da rigorosa sanção penal nele prevista -
é preciso que a conduta se evidencie verdadeiramente como apta a afetar o
interesse da União no que atina à credibilidade, segurança, controle e
organização do sistema financeiro nacional.
"No presente caso, a documentação juntada pelo Banco Central revela que o
mutuário foi classificado como pequeno produtor (fl. 03) e obteve o empréstimo
para custeio de lavoura de 50ha de arroz (fl. 14), cujo valor certamente não se
mostra relevante a ponto de afetar o objeto jurídico tutelado pela chamada "lei
do colarinho branco".
DOS PEDIDOS
Entendendo que não houve o crime do art. 20 da Lei n.° 7.492/86 porque a conduta
apurada não afetou o objeto jurídico tutelado por esta lei, requer o Ministério
Público Federal o arquivamento do presente inquérito policial.
Nesses Termos,
Pede Deferimento.
[Local], [dia] de [mês] de [ano].
[Assinatura]