Interposição de recurso em sentido estrito em face de concessão de prisão domiciliar à condenado por crime de lavagem de dinheiro e evasão de divisas.
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DA ...... VARA DA JUSTIÇA FEDERAL CRIMINAL,
DO JÚRI E DAS EXECUÇÕES PENAIS DE .....
AUTOS Nº .....
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelas Procuradoras da República que a esta
subscrevem, nos autos da ação penal movida contra ..........., vêm à presença de
Vossa Excelência interpor
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO
em face de
respeitável decisão de fls. .....; por medida de economia e celeridade
processuais, o MPF requer, desde logo, a juntada das anexas razões recursais.
Nesses Termos,
Pede Deferimento.
[Local], [dia] de [mês] de [ano].
[Assinatura]
EGRÉGIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA ..... REGIÃO...
RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RECORRIDO ........
ORIGEM .......ª VARA FEDERAL CRIMINAL, DO JÚRI E DAS EXECUÇÕES PENAIS DE ......
AUTOS Nº .....
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelas Procuradoras da República que a esta
subscrevem, nos autos da ação penal movida contra ..........., vêm à presença de
Vossa Excelência interpor
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO
em face de
respeitável decisão de fls. ....., pelos motivos de fato e de direito a seguir
aduzidos.
DAS RAZÕES RECURSAIS
COLENDO TRIBUNAL,
EGRÉGIA TURMA
DOS FATOS
Em ação penal onde o recorrido ........ denunciado pelos crimes de evasão de
divisas e lavagem de capitais, relativamente às verbas desviadas dos cofres
públicos na construção do Fórum Trabalhista de ......, o MM. Juiz de primeiro
grau concedeu-lhe o benefício da prisão domiciliar, com base no artigo 117 da
Lei de Execuções Penais, por considerar que o acusado tem mais de setenta anos e
é portador de doença grave.
A decisão merece ser inteiramente reformada.
DO DIREITO
1. A DECISÃO RECORRIDA
A respeitável decisão atacada pode ter seus fundamentos assim resumidos:
o artigo 117 da Lei nº 7.210/84 prevê a prisão domiciliar aos maiores de 70
anos, aos acometidos de doença grave, às condenadas gestantes ou que tenham
filho menor ou deficiente físico ou mental;
o artigo 1º da Lei nº 5.256/67 autoriza o recolhimento do preso provisório a seu
domicílio se não houver estabelecimento adequado às suas condições pessoais;
os relatórios médicos são uníssonos no sentido de que o acusado padece de
problemas de saúde;
em tais casos deverá ser deferida a prisão domiciliar, consoante jurisprudência
do STJ;
o juízo considerou grave o quadro descrito nos relatórios médicos e a falta de
condições do local onde se encontrava preso o acusado para os devidos exames e
os tratamentos prescritos pelas médicas;
embora reconhecendo não ter conhecimento suficiente para julgar a precisão dos
pareceres médicos e o acerto da recomendação de tratamento ambulatorial, diante
da legislação em vigor e do quadro de saúde precário do acusado, aliados à
idade, dão ao acusado esse direito;
a prisão domiciliar foi concedida em caráter "provisório", por trinta dias,
ficando autorizada a remoção do acusado de sua residência para a realização de
exames e tratamentos médicos pertinentes, todos com custos às expensas do réu,
com o devido monitoramento da Polícia Federal, devendo ser realizados novos
exames no decorrer de trinta dias;
o preso deverá permanecer sob a vigilância da Polícia Federal.
2. O CABIMENTO DO RECURSO EM SENTIDO ESTRITO
O Ministério Público Federal interpõe o presente Recurso em Sentido Estrito com
fundamento no inciso V do artigo 581 do Código de Processo Penal, entendendo que
a concessão do benefício equivaleu, nos autos, à revogação tácita da prisão
preventiva decretada pelo DD. Juízo de origem.
Apesar de a numeração dos incisos do artigo 581 do Código de Processo Penal ser
taxativa, tanto os Tribunais quanto a melhor doutrina têm entendido pelo
cabimento da interposição em situações que, forte na interpretação extensiva e,
na lacuna da lei, remetendo à analogia, aos costumes e aos princípios gerais do
Direito, seriam proximamente assemelhadas do numerus clausus legal.
No caso em exame, considerando tratar-se de prisão preventiva, conceder-se ao
acusado o benefício de privar de todo o conforto do lar, com a companhia de
familiares e amigos, gozando das facilidades da vida moderna (fax, telefone,
televisão, celulares, internet etc), características do regime domiciliar, é o
mesmo que colocar o acusado em liberdade. Ainda que vigiada. Observa o culto
Promotor de Justiça paulista FERNANDO CAPEZ, em seu "Curso de Processo Penal",
6ª ed. RT, p. 418:
"Recentemente, o Supremo Tribunal Federal adotou o entendimento de que não é
taxativa a enumeração do art. 581 do Código de Processo Penal, admitindo
analogia e interpretação extensiva". (HC 75.798-DF, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, j.
23-3-1998, Informativo do STF nº 104).
"O Superior Tribunal de Justiça tem admitido a interpretação extensiva para
interposição de recurso em sentido estrito, abrandando a literalidade da
numeração dos incisos do artigo 581 da lei instrumental, como por exemplo nos
casos das decisões que envolvem a suspensão do processo com base no art. 366 do
CPP". (HC 2000.00.50451-3-SP, 6ª Turma, Rel. Min. FERNANDO GONÇALVES, DJU
02.10.2000 p. 192: HC 1999.00.66069-2-SP, 6ª Turma, Rel. Min. FERNANDO
GONÇALVES, DJU 17.12.1999 p. 493; HC 1998.00.025785-3-SP, 5ª Turma, Rel. Min.
JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, DJU 4.10.1999 p. 80).
"Do mesmo entendimento vem partilhando este Colendo Tribunal Regional Federal da
3ª Região". (ApCrim. 96.03.076896-0-SP, 2ª Turma, Relª VERA JUCOVSKY, DJU
24.05.2000 p. 320; ApCrim. 96.03.093970-6-SP, 2ª Turma, Relª SYLVIA STEINER, DJU
22.12.1999 p. 178).
Cabível, portanto, o presente recurso em sentido estrito contra a decisão que
concedeu regime domiciliar à prisão preventiva, por interpretação extensiva
aplicada ao inciso V do artigo 581 do CPP.
3. A NECESSIDADE DE REFORMA DA DECISÃO
Desde ..... de ...... de ......, quando o DD. Juízo de origem decretou a prisão
preventiva de ........ em duas ações penais (autos nº ........ e ........), o
recorrido vem galgando todos os graus de jurisdição obter a respectiva
revogação, sem sucesso. De ...... de ......., quando foi preso, até a época
atual, vinha tentando, até então sem êxito, obter o benefício da prisão
domiciliar. Inclusive perante o MM. Juízo recorrido, que agora a concedeu.
A decisão recorrida teve como embasamento o artigo 117 da Lei nº 7.210/84 (Lei
de Execuções Penais- LEP), que dispõe que:
"Art. 117. Somente se admitirá o recolhimento do beneficiário de regime aberto
em residência particular quando se tratar de:
I - condenado maior de 70 (setenta) anos;
II - condenado acometido de doença grave;
III - condenada com filho menor ou deficiente físico ou mental;
IV - condenada gestante".
Embora seja pacificamente admitido que a Lei de Execuções Penais pode ser
aplicada aos presos provisórios, opinião perfilada pela subscritora, não se pode
prescindir da verificação das condições expressamente previstas no artigo 117
para se deferir a concessão do benefício. No caso em exame, a decisão recorrida
ocupou-se dos incisos e esqueceu-se do "caput".
Na lição de JULIO FABBRINI MIRABETE:
"A enumeração legal é taxativa e não exemplificativa, não podendo o julgador
estender o alcance da prisão domiciliar a hipóteses não previstas da lei,
admitindo-se apenas, na jurisprudência, como já mencionado, que se coloque nessa
situação, excepcionalmente, o condenado que deva cumprir a pena em regime aberto
quando inexiste casa do albergado ou estabelecimento similar. (...) Deve-se
ressaltar que a prisão domiciliar é uma espécie reservada aos condenados que
cumprem pena em regime aberto, sendo absolutamente incompatível com outro
(semi-aberto ou fechado). Assim, por exemplo, não basta estar acometido por
doença grave para obter o benefício." ("Execução Penal", 9ª ed., Atlas, p. 394)
A primeira das condições, portanto - e que o recorrido não preenche - é ser
beneficiário de regime aberto. A LEP remete-nos necessariamente ao Código Penal,
cujo artigo 33 estabelece os parâmetros para a fixação do regime inicial de
execução da pena. No caso do recorrido, preso preventivamente em duas ações
penais que ainda estão em fase de instrução, tem-se que partir do pressuposto da
provável pena inicial, que teria que ser igual ou inferior a quatro anos.
Considerando apenas os crimes objeto do processo-crime onde se interpôs o
presente RSE (autos nº 2000.61.81.001248-1), a pena mínima seria de cinco anos
(art. 22 da Lei 7492/86 - 2 a 6 anos de reclusão; art. 1º da lei 9613/98 - 3 a
10 anos de reclusão), conferindo-lhe o regime inicial semi-aberto. A concessão
da domiciliar não seria possível e nesse sentido já se pronunciaram os
Tribunais:
"Prisão domiciliar. Absolutamente incompatível com o regime semi-aberto." (JTAERGS
90/29) "Processo de execução pena. Regime semi-aberto. Condenado portador de
cardiopatia grave e doença pulmonar. Prisão-albergue domiciliar indeferida" (RJTJERGS
183/164)
"Impossível ao réu, ainda não definitivamente condenado e provisoriamente preso
em cadeia pública local, passar para o regime aberto, a nível de prisão
albergue." (STF, RHC, Rel. Min. ANSELMO SANTIAGO, DJU 10.10.89 p. 15651)
Contudo, a mera circunstância do caput do art. 117 da LEP também não bastaria. É
preciso aliar a condição de beneficiário de regime aberto aos requisitos
elencados nos incisos.
A segunda condição - o único requisito verificado - é a idade: ser maior de
setenta anos. De fato, ......... nasceu em ......... está, na data de
interposição deste recurso, a poucos dias de completar 73 anos de idade.
Essa condição, do inciso I, é cumulativa com a do "caput" do artigo 117 da LEP
e, por si só, também não é suficiente para possibilitar o recolhimento do
acusado em sua residência particular, tendo já decidido o Superior Tribunal de
Justiça que "se o condenado, ainda que septuagenário, cumpre pena em regime
fechado e não atende ao requisito objetivo temporal para a progressão do regime
prisional, não tem direito à prisão domiciliar, conforme interpretação do art.
117 da Lei 7.210/84." (RT 764/519)
Fosse assim, todos os acusados maiores de 70 anos sequer deveriam ser detidos
pela polícia, ou deveriam ser todos os já presos mandados para suas casas,
independentemente do montante da pena a ser cumprido e do regime estabelecido
para a execução.
Se a idade individualmente considerada fosse causa de deferir recolhimento à
residência particular, levando em conta que quando os decretos de prisão foram
expedidos o recorrido contava com 71 anos de idade, o MM. Juízo de origem
poderia ter decretado a prisão preventiva determinando desde o início fosse
cumprida em regime domiciliar? Se a resposta a essa pergunta fosse absurdamente
afirmativa, com certeza teria causado grande economia à Nação, evitando os altos
custos da operação "Moréia", como se denominou a captura do recorrido, que mesmo
com mais de 70 anos de idade ficou foragido durante oito meses, de uma maneira
tão eficaz que sequer a INTERPOL conseguiu encontrá-lo.
Resta à análise, mas a ela não resiste, a terceira condição: ser portador de
doença grave.
Pelo que consta dos autos, os problemas de saúde de ...... começaram com a
derrota sofrida por ocasião da decisão proferida no habeas corpus nº .....,
julgado improcedente pelo Supremo Tribunal Federal em .........
Durante os meses em que esteve preso, a família do recorrido ........ nunca
providenciou um médico sequer para examiná-lo, socorrê-lo ou para a ele
ministrar qualquer tratamento. Repita-se: nunca.
A descrição de toda a patologia física e psíquica vem aos autos nos relatórios
de cinco médicos: da Justiça Federal, Doutoras ........ acompanhou o acusado em
todos os momentos.
Reporto-me aos relatórios, anexos. Clinicamente, de acordo com as avaliações dos
cinco médicos que o examinaram às vésperas da libertação e em cujas conclusões
deveria se basear a decisão ora atacada:
- as tonturas que o réu sentiu (síndrome vestibular periférica ou labirintopatia)
estavam em remissão, não tendo sido finalmente diagnosticada labirintite;
- a hipertensão arterial estava sob controle com a adequação da dosagem do
medicamento próprio (Capoten);
- a prostração e dificuldade de caminhar foram diagnosticadas como efeito
colateral dos remédios utilizados para as tonturas, já suprimidos.
Quanto à parte psicológica, os apresentados sintomas emocionais negativos foram
iniciados naquele mesmo dia ......., quando o acusado sofreu a derradeira
derrota judicial perante a Corte Máxima, sendo, portanto, nitidamente reativos.
De tudo isso, está cabalmente provado nos autos que:
1 - Sob o aspecto clínico, os problemas de saúde de ......... estavam sob
controle, tendo sido o réu devidamente examinado, medicado e assistido por
médicos da Polícia Federal, da Justiça Federal, da Procuradoria da República e
da Santa Casa, além da família. Não houve qualquer prescrição de necessidade de
internação hospitalar, seja para tratamento, seja para procedimentos cirúrgicos
ou condutas médicas de qualquer outra espécie, sendo indicado tratamento
simples, com medicação.
2 - Sob o aspecto emocional, constatou-se a presença de possível síndrome
depressiva, que teve seus sintomas aparentemente desencadeados a partir de uma
situação específica de estresse aliado a um sentimento de perda, que foi a
derrota sofrida no STF. Esse quadro depressivo pode ser pontual (até então, o
humor do acusado era normal, segundo os policiais), pode ser teatralmente
aumentado ou pode ser a primeira de outras crises. Tanto o psiquiatra como o
neurologista indicaram tratamento ambulatorial com medicação antidepressiva e
sem necessidade de internação hospitalar.
Bem se vê, portanto, que o acusado não é portador de doença grave. Uma das
médicas - a da Procuradoria da República - fêz constar de seu relatório
"depressão grave (relatando por mais de uma vez desejo de morrer), potencial
risco de suicídio", como hipótese de diagnóstico. O exame, englobando também a
parte física, foi realizado em cerca de trinta minutos, em conjunto com a médica
da Justiça Federal. Dificilmente uma psicopatologia grave poderia ser
identificada e diagnosticada de modo incontestável em meia hora, num exame não
específico.
E assim foi, também, com a hipotética insuficiência cardíaca da qual se
desconfiou nesse exame preliminar. Eletrocardiogramas e o raio-X de tórax
certificaram que ...... tem o coração sem nenhuma alteração e com dimensões
normais, afastando a suspeita diagnóstica inicial.
Lembra GUIDO ARTURO PALOMBA que nos meios forenses há casos de simulação, sendo
que a mitologia grega já registrava o caso de ULISSES, o herói que simulava
loucura atrelando um boi e um burro a uma charrua, com a qual abria sulcos na
terra e semeava sal. Ulisses parou de fingir quando Palamedes, não se
convencendo pelo embuste, colocou o filho do herói, Telêmaco, diante das rodas
do arado ("Psiquiatria Forense", Sugestões Literárias, 1992, p. 28).
A lei não contém palavras inúteis: é o velho adágio no meio jurídico. A doença
tem que ser grave, entendida a adjetivação como condição imprescindível e
inequívoca, assim definida do ponto de vista médico.
Doutrinariamente, a doença grave é:
"moléstia de difícil cura, que exige longo tratamento ou que coloca em risco a
vida do doente. Entre elas pode-se destacar a AIDS; segundo estatísticas de
1989, em cada nove presidiários um está contaminado pelo vírus da moléstia. É
evidente, porém, que não tem direito à prisão domiciliar o condenado apenas por
ser portador do vírus ou mesmo por já ter contraído a moléstia. É indispensável
que, além de se ter deferido o regime aberto, não possa ser ele devidamente
assistido pelo serviço médico do Estado na casa do albergado e se encontre na
fase terminal da doença". (JULIO FABBRINI MIRABETE, "Execução penal" cit., p.
393)
No caso dos autos, embora tenha sido preliminarmente diagnosticada pelas médicas
clínicas como "grave" a depressão que acometeu o recorrido, os médicos
especialistas em psiquiatria e neurologia constataram "síndrome depressiva", sem
relato de desejo de morte, recomendando o tratamento ambulatorial, sem
internação, com medicação antidepressiva.
Ministrar medicação é ato que pode ser praticado dentro da própria cela
especial. A propósito, "cela" não é o termo mais adequado para exprimir o local
onde estava alojado o acusado: um gabinete de trabalho, composto de duas salas,
uma delas a título de quarto, com sanitários e uma pequena cozinha ao lado.
E, nessa hipótese,
"Sem prova de que a doença de que seria portador um dos pacientes (sífilis), não
permite seja tratada no próprio local onde recolhido, não há que se deferir a
ordem para que possa se cuidar fora dali." (STJ, 6ª Turma, HC 7306, Rel. Min.
ANSELMO SANTIAGO, DJU 8.9.1998 p. 116)
"Condenada a cumprir pena em regime fechado que, alegando necessidade de
tratamento de saúde, pede lhe seja concedida prisão domiciliar. Indeferimento da
pretensão, por falta de amparo legal, tanto mais que o tratamento de que carece
pode ser prestado no estabelecimento em que se encontra." (STJ, RHC 2.292-2,
Rel. Min. ASSIS TOLEDO, DJU 23.11.1992 p. 21897)
"Se, além disso, resulta demonstrado não estar o condenado acometido de doença
grave ou incurável, a concessão de prisão na própria residência caracteriza-se
como desvio de execução, a reclamar a revisão da medida." (TJMG, Rel. JOSÉ
ARTHUR, j. 13.5.99, JM 149/432)
"Sentenciados portadores de AIDS, câncer, tuberculose, mal de Hansen etc.
devidamente assistidos pela Secretaria de Estado da Saúde, quando não se
encontram em "fase terminal", não necessitam de recolhimento em residência
particular, pois tais situações não se adéquam ao art. 117, II, da Lei
7.210/84." (TACRIM-SP, Rel. GERALDO LUCENA, JUTACRIM 97/60 e RJD 1/41)
Durante os meses em que esteve custodiado, o recorrido recebeu toda a atenção e
os cuidados dos policiais federais e foi sempre muito bem tratado. Nas vezes em
que precisou, foi imediatamente levado, com o conhecimento de sua família, ao
Pronto Socorro da Santa Casa, hospital mais próximo, para atendimento médico.
Jamais, contudo, teve a visita de nenhum médico particular ou de confiança
providenciado ou enviado pela própria família. A assistência médica e o
transporte sempre foram fornecidos pelo Estado, através dos serviços prestados
pela Polícia Federal, no cumprimento diligente do que dispõem os artigos 10, 11,
inc. II, 14 e 41, inc. VII, todos da Lei de Execuções Penais.
Até o advento da decisão recorrida, a prisão preventiva do acusado ........ foi
mantida, irretocável, pela Colenda 5ª Turma do TRF da 3ª Região, pelo Superior
Tribunal de Justiça e pelo Supremo Tribunal Federal.
Não houve absolutamente nenhuma alteração quanto aos motivos ensejadores da
decretação da prisão preventiva. Os acórdãos da 5ª Turma do TRF/3ª Região, da 6ª
Turma do STJ e do Colendo STF, este a publicar, repisam à saciedade a
necessidade imperiosa de se manter o acusado recolhido ao cárcere, posto que
incidentes as hipóteses legais.
A magnitude da lesão causada aos cofres públicos, com a necessidade de garantir
a aplicação da lei penal, aliados à comprovada capacidade do acusado em
desaparecer, escapando à Justiça Brasileira, permanecem inalteradas.
Tal aspecto não passou desapercebido aos argutos olhos do Min. SEPÚLVEDA
PERTENCE, por ocasião do indeferimento da liminar pleiteada no HC 80.717-8,
impetrado em favor do recorrido, o mesmo que, ao ser definitivamente julgado, em
13.6.2001, teria disparado o quadro depressivo:
"Há, entretanto, no caso concreto, um dado peculiar e relevante: é que o segundo
decreto de prisão preventiva - no Proc. 1198, que envolve delito contra o
sistema financeiro nacional, definido na chamada Lei dos Crimes de Colarinho
Branco (L. 7492/86) - invoca, além da garantia da ordem pública, o art. 30
daquele diploma, a teor do qual ...
"Art. 30. Sem prejuízo do disposto no art. 312 do Código de Processo Penal,
aprovado pelo Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941, a prisão preventiva
do acusado da prática de crime previsto nesta Lei poderá ser decretada em razão
da magnitude da lesão causada."
"A base empírica da afirmação da magnitude da lesão às finanças públicas, gerada
pelo episódio, não é questionada na impetração. Certo, o impetrante opõe sérias
objeções, quando não à legitimidade, à interpretação que erige a "magnitude da
lesão" imputada à conduta do réu em motivo bastante para justificar a prisão
preventiva. E colaciona julgados respeitáveis que ou lhe tem recusado aplicação
ou lhe tem restringido o alcance, à moda de interpretação conforme a
Constituição. Aqui também - é fácil inferir das considerações já expendidas -,
que, de minha parte, reputo de densa plausibilidade jurídica a argüição de
ilegitimidade constitucional do preceito legal ou, ao menos, da interpretação
que reputa o vulto econômico-financeiro da lesão, objetivamente verificada ou
apenas suspeitada, razão suficiente para legitimar a antecipação do
encarceramento do possível culpado, a pretexto de prisão preventiva". (STF, HC
nº 80.717/SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. em 09.02.01, DJU 15.02.01).
Não nos enganemos. No caso em exame, estando o acusado preso preventivamente,
cautelarmente, a concessão da benesse da prisão domiciliar equivale à libertação
do réu e à revogação tácita da prisão preventiva, em descumprimento de tudo o
quanto já foi - exaustivamente - decidido pelos Tribunais nos graus superiores
de jurisdição.
A concessão de liberdade vigiada, nos moldes em que decretada pelo MM. Juízo de
origem, não se coaduna com o espírito que norteia a necessidade da prisão
preventiva. Criou-se nova modalidade de liberdade provisória a ser exercida nos
limites do imóvel residencial do acusado, sob vigilância policial.
A propósito, manter pessoa sob custódia cautelar do Estado significa mantê-la
sob vigilância de agentes carcerários dentro de estabelecimento penal, dos quais
são exemplos a penitenciária, o hospital de custódia e a cadeia pública. Jamais
o próprio lar e nunca a residência do sujeito ativo do delito, a teor do artigo
82 e seguintes da LEP.
A r. decisão, portanto, deu ao artigo 117 da LEP um alcance que efetivamente não
tem e, ainda, negou vigência aos artigos 311 e 312 do Código de Processo Penal,
revogando tacitamente a prisão preventiva do recorrido ao criar uma espécie
anômala de "liberdade provisória domiciliar".
IMPOSSIBILIDADE E INCONVENIÊNCIA DE SE CONVERTER PRISÃO PREVENTIVA "ESPECIAL" EM
DOMICILIAR
Aduz a decisão recorrida que o artigo 1º da Lei nº 5.256/67 possibilita que o
preso provisório seja recolhido a seu domicílio, se não houver estabelecimento
adequado às suas condições pessoais. No caso em tela, o recorrido estava alojado
em um gabinete de trabalho que serviria, normalmente, a um Delegado de Polícia
Federal, composto por duas salas, uma adaptada para dormitório, com sanitários e
uma pequena cozinha contíguos.
Recebia a visita diária de seus familiares, que lhe levavam comestíveis e
refeições, usufruía de televisão, rádio e videocassete, ficando isolado e sem
contato com os demais presos, tudo na forma da lei. Prisão especial não é e nem
deve ser idealizada como um hotel, como bem analisado pelo STJ:
"Advogado - Prisão especial - Cumprimento de prisão provisória em sala especial
do Quartel do Batalhão da polícia Militar, isolado de outros detentos e onde
recebe seus familiares - Alegação de que se encontra preso em sala em condições
precárias e com menos de 36 m² - Pedido de prisão domiciliar - Privilégio
inadmissível - Direito do causídico a sala especial do Estado-Maior que não se
confunde com apartamento de hotel." (STJ, RHC 2.755-5, Rel. Min. JESUS COSTA
LIMA, DJU 2.8.93)
Há muito que a jurisprudência mais abalizada se cristalizou, forte no Supremo
Tribunal Federal, quanto à impossibilidade da concessão de prisão domiciliar só
porque o julgador entende que as acomodações da chamada prisão especial não
estão "à altura" do condenado:
"PRISÃO PREVENTIVA - ESTABELECIMENTO ESPECIAL - INEXISTÊNCIA - TRANSFORMAÇÃO EM
PRISÃO DOMICILIAR. A regra informa que o Estado deve contar com meios
suficientes a atender os ditames legais alusivos à espécie de prisão, pois a
outorga do direito pressupõe a existência de campo propício à fruição. A
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, no entanto, exclui a possibilidade
de colocar-se o acusado em regime ainda mais favorável do que tenha direito,
quando inexistente o previsto em lei. O entendimento individual cede lugar ao da
maioria, mormente quando a atuação ocorre não perante o Pleno, mas sim Turma do
Tribunal, evitando-se divergências intestinas ou discussões de cunho meramente
acadêmico. Inexistente no Estado local próprio ao recolhimento daqueles que tem
jus a chamada prisão especial - reservada aos detentores do curso superior -
descabe cogitar da colocação imediata no regime de prisão domiciliar." (STF, 2ª
Turma, HC 69.172-RJ, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, DJU 14.8.92 p. 12226)
"O artigo 117 da Lei 7.210/84 (Lei de Execução Penal) só admite a prisão
domiciliar nos casos que enumera e quando o regime for aberto, e nenhuma dessas
condições ocorre na hipótese sob julgamento. Por outro lado, para beneficiar-se
do disposto no artigo 1º da Lei 5.256/67, que dispõe sobre a prisão especial,
não basta a inexistência, na localidade, de estabelecimento adequado ao
recolhimento dos que tenham direito a prisão dessa natureza, mas é necessária a
autorização do Juiz, considerada a gravidade das circunstâncias do crime.
"Habeas corpus" indeferido." (STF, 1ª Turma, HC 74.669-SP, Rel. Min. MOREIRA
ALVES, DJU 15.8.97 p. 37036)
"HABEAS CORPUS. PACIENTE CONDENADO A TRÊS ANOS DE RECLUSÃO, PELO CRIME DO ART.
213 DO CÓDIGO PENAL. PRETENDIDO CUMPRIMENTO DA PENA EM LIBERDADE, POR
INEXISTÊNCIA DE CASA DO ALBERGADO OU ESTABELECIMENTO DA SENTENÇA, OU ENQUANTO
RECORRE DA DECISÃO. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no
sentido de que a inexistência de estabelecimento adequado ao regime aberto não
autoriza a aplicação da prisão domiciliar. Prevalência do interesse público na
efetivação da sanção penal, em detrimento do interesse individual do condenado.
Habeas corpus indeferido." (STF, 1ª Turma, HC 71.723-SP, Rel. Min. ILMAR GALVÃO,
DJU 16.6.95 p. 18215)
DOS PEDIDOS
Por todo o exposto, considerando que a r. decisão recorrida contrariou os
artigos 311 e 312, ambos do Código de Processo Penal, além de dar ao artigo 117
da Lei de Execuções Penais um alcance que efetivamente não existe e criou uma
nova modalidade, anômala, de liberdade provisória domiciliar, revogando
tacitamente a prisão preventiva decretada, requer o Ministério Público Federal
seja conhecido e provido o presente Recurso em Sentido Estrito, para o fim de
ser reformada a r. decisão de fls. ...... proferida nos autos da ação penal nº
........, determinando-se o retorno do recorrido ....... à Custódia do
Departamento de Polícia Federal em ......
Nesses Termos,
Pede Deferimento.
[Local], [dia] de [mês] de [ano].
[Assinatura]