CONTRA-RAZÕES - HEDIONDO - DISCUSSÃO A RESPEITO DA PENA
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO TITULAR DA ____ª VARA CRIMINAL
DA COMARCA DE _________
Processo-crime nº _________
Objeto: oferecimento de contra-razões
_________, devidamente qualificado, pelo Defensor Público subfirmado, vem,
respeitosamente, a presença de Vossa Excelência, no prazo legal, por força do
artigo 600 do Código de Processo Penal, ofertar, as presentes contra-razões ao
recurso de apelação de que fautor o MINISTÉRIO PÚBLICO, propugnando pela
manutenção integral da decisão injustamente reprovada pela ilustre integrante do
parquet.
ANTE AO EXPOSTO, REQUER:
I.- Recebimento das inclusas contra-razões, remetendo-se, após os autos à
Superior instância, para a devida e necessária reapreciação da temática alvo de
férreo litígio.
Nesses Termos
Pede Deferimento
_________, ____ de _________ de _____.
DEFENSOR
OAB/
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO _________
COLENDA CÂMARA JULGADORA
ÍNCLITO RELATOR
"O rigor punitivo não pode sobrepor-se a missão social da pena" * DAMÁSIO E.
DE JESUS
CONTRA-RAZÕES AO RECURSO DE APELAÇÃO FORMULADAS POR: _________
Em que pese a nitescência das razões elencadas pelo denodado Doutor Promotor
de Justiça que subscreve a peça de irresignação estampada à folhas ___ até ____
dos autos, tem-se, que a mesma não deverá vingar em seu desiderato mor, qual
seja, o de obter a reforma da sentença que injustamente hostiliza, da lavra do
operoso e dilúcido Julgador monocrático, DOUTOR _________, no que condiz com a
alteração do regime de cumprimento da pena, bem como no atinente a exacerbação
da pena-base aos delitos a que condenado o réu, porquanto o decisum de primeiro
grau de jurisdição, nestes itens, é impassível de censura, haja vista, que se
filiou a moderna orientação doutrinária e jurisprudencial, as quais exorcizam e
proscrevem o cumprimento da pena em regime integralmente fechado, face seu
caráter desumanitário, vexatório e inconstitucional; sendo, ademais,
inconcebível a exasperação do apenamento padecido pelo recorrido, como vindicado
pelo forma inclemente pela recorrente, cumprindo, assim, ser resguardada a
sentença, nestes tópicos.
Passa-se, pois, a traçar-se pequena digressão do pontos em destaque.
Quanto ao primeiro ponto, concernente a elevação da pena-base aos delitos a
que indevidamente subjugado, tem-se que não assiste razão a recorrente, haja
vista que o apenamento padecido pelo recorrido foi extremamente gravoso,
representando verdadeiro atentado contra sua liberdade, uma vez que atingido foi
seu status libertatis, além de ter sido afrontado e violado o princípio da
incoercibilidade individual.
Portanto, qualquer majoração, assoma imprópria e incabível, na medida em que
tornará deletéria e desumana a pena imposta, o que contravém aos princípios
reitores que informam a aplicação da pena, a qual por definição é
retributivo-preventiva, devendo ser balizada, atendendo-se ao comando maior do
artigo 59 do Código Penal, o qual preconiza que a mesma: "seja necessária e
suficiente para reprovação e prevenção do crime"
Nesta senda, é a mais abalizada e alvinitente jurisprudência, digna de
transcrição:
"A eficácia da pena aplicada está diretamente ligada ao princípio da
proporcionalidade, a fim de assegurar a individualização, pois quanto mais o
Juiz se aproximar das condições que envolvem o fato, da pessoa do acusado,
possibilitando aplicação da sanção mais adequada, tanto mais terá contribuído
para a eficácia da punição (RJDTACRIM: 29/152)
"Na fixação da pena o juiz deve pautar-se pelos critérios legais e
recomendados pela doutrina, para ajustá-la ao seu fim social e adequá-la ao seu
destinatário e ao caso concreto" (RT: 612/353)
Outrossim, se pesa sobre o recorrido um jugo, que lhe foi legado pela
sentença, tal grilhão não poderá ser-lhe exacerbado, sob pena de se converter em
verdadeiro martírio.
Rememore-se, por oportuno, as sábias palavras do Papa JOÃO XXIII (+) de
imortal memória, na carta encíclica, PACEM IN TERRIS, quando exorta:
"Hoje em dia se crê que o bem comum consiste sobretudo no respeito aos
direitos e deveres da pessoas humana. Orienta-se, pois, o empenho dos poderes
públicos sobretudo no sentido de que esses direitos sejam reconhecidos,
respeitados, harmonizados, tutelados e promovidos, tornando-se assim mais fácil
o cumprimento dos respectivos deveres. A função primordial de qualquer poder
público é defender os direitos invioláveis da pessoa e tornar mais viável o
cumprimento dos seus deveres.
Por isso mesmo, se a autoridade não reconhecer os direitos da pessoa, ou os
violar, não só perde ela a sua razão de ser como também as suas injunções perdem
a força de obrigar em consciência". (60/61)
Outrossim - em discorrendo sobre o segundo ponto fustigado pela honorável
integrante do parquet - sabido e consabido que a pretensão ministerial de
compelir o réu ao comprimento da pena imposta em regime totalmente fechado, face
a suposta hediondez do delito de estupro, encontra-se em rota de colisão com a
garantia Constitucional da individualização da pena, contemplada pelo artigo 5º,
XLVI, da Carta Magna.
Demais, assegura a Lei Fundamental, no artigo 5º, III, que "ninguém será
submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante".
A imposição de pena em regime integralmente fechado vexa o réu,
diminuindo-lhe, consideravelmente sua expectativa de vida, além de reduzi-lo a
um ente paragonável a um semovente (viverá em deletério e atroz confinamento
durante todo o período de cumprimento da pena), afora eliminar a decanta
possibilidade de ressocialização do condenado, tida e havida como o fim
teleológico da pena.
Sobre o tema discorre com muita propriedade o emérito penalista pátrio,
ALBERTO SILVA FRANCO, in, CRIMES HEDIONDOS, São Paulo, 1.994, RT, 3ª edição,
onde à folhas 144/145, traça as seguintes e elucidativas considerações, dignas
de transcrição obrigatória, face a maestria com que enfoca o tema submetido a
desate:
"Pena executada, com um único e uniforme regime prisional significa pena
desumana porque inviabiliza um tratamento penitenciário racional e progressivo;
deixa o recluso sem esperança alguma de obter a liberdade antes do termo final
do tempo de sua condenação e, portanto, não exerce nenhuma influência
psicológica positiva no sentido e seu reinserimento social; e, por fim,
desampara a própria sociedade na medida em que devolve o preso à vida societária
após submetê-lo a um processo de reinserção às avessas, ou seja, a uma
dessocialização.
A execução integral da pena, em regime fechado, de acordo com o § 1º, do art.
2º da Lei 8.072/90, contraria, de imediato, ao modelo tendente à ressocialização
e empresta à pena um caráter exclusivamente expiatório ou retributivo, a que não
se afeiçoam nem o princípio constitucional da humanidade da pena, nem as
finalidades a ele atribuídas pelo Código Penal (art. 59) e pela Lei de Execução
Penal (art. 1º). A oposição a um regime prisional de liberação progressiva do
condenado e de sua preparação para uma vida futura em liberdade significa a
renúncia ao único instrumento capaz de tornar racional e, desse modo, tolerável
- pelo menos enquanto não for formulada uma outra resposta idônea a substituí-la
- a pena privativa de liberdade e de justificar, até certo ponto, o próprio
sistema penitenciário.
No mesmo norte, é o magistério da festejada e respeitada Professora ADA
PELLEGRINI GRINOVER e outros, in, AS NULIDADES DO PROCESSO PENAL, São Paulo,
1.994, Malheiros Editores, 3ª edição, onde à folha 250, onde à folha 250,
sufraga a tese da inconstitucionalidade do regime integral fechado:
"Tem sido apontada a inconstitucionalidade do artigo , do art. 2º § 1º, da
Lei 8.072/90, - a denominada 'lei dos crimes hediondos' - por violação do art.
5º, XLVI, CF, que garante a individualização da pena: significando esta
especializar e particularizar a reação social ao comportamento vedado, a fixação
de regime fechado integral representa generalização constitucionalmente
proibida"
Em consolidando as teses doutrinárias concernentes a inconstitucionalidade do
regime integral fechado, colige-se jurisprudência oriunda do Egrégio Tribunal de
Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, inserta no volume nº 177, página 59, da
REVISTA DE JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL,
nos embargos infringentes número 695035113, adicto ao 1º Grupo Criminal, julgado
em 27 de outubro de 1.995, sendo Relator o Desembargador GUILHERME O. DE SOUZA
CASTRO, cuja ementa assoma de decalque obrigatório:
"REGIME INTEGRALMENTE FECHADO NO CUMPRIR DA PENA EM CONDENAÇÃO POR DELITO
DITO HEDIONDO. A CF/88 VEDA A IMPOSIÇÃO DE PENA CRUEL, E O COMANDO QUE UMA PENA
SEJA CUMPRIDA INTEIRAMENTE EM REGIME FECHADO CARACTERIZA CRUELDADE, ALÉM DE
ESBARRAR NA GARANTIA CONSTITUCIONAL DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA, BEM ASSIM
AFRONTAR AS DIRETRIZES MAIORES DA EXECUÇÃO DA PENA. EMBARGOS ACOLHIDOS".
Donde, frente as judiciosas ponderações retro de clave doutrinária e
pretoriana, afigura-se imperioso e inexorável, a manutenção da parte dispositiva
da sentença, que assegurou ao réu o regime inicial fechado, sob pena de em
prosperando o recurso interposto pela dona da lide, legar-se ao recorrido jugo
desumano, cruel e degradante, qual seja o do cumprimento da pena em regime
hermeticamente fechado, em flagrante violação aos mais rudimentares princípios
inscritos no cânon da Carta Magna, proclamados e estabelecidos, de vedro, pela
Declaração Universal dos Direitos do Homem, em seu artigo 5º, o qual comporta a
seguinte dicção: "Ninguém será submetido a tortura, nem a tratamentos ou penas
cruéis, desumanas ou degradantes"
HENRY I. SOBEL, em comento ao artigo 5º, supra transcrito, na obra DIREITOS
HUMANOS: CONQUISTAS E DESAFIOS, Brasília, 1998, Conselho Federal da OAB, à
páginas 64 e 65, traça as seguintes e judiciosas observações:
"O encarceramento é necessário para afastar o criminoso temporariamente do
convívio social e impedir que ele cause danos a outras pessoas. Entretanto, esse
afastamento de nada adiantará se não for acompanhado de um processo de
reabilitação. O encarceramento deve ser visto como uma forma de hospitalização,
um período durante o qual o indivíduo deve ser curado dos seus males, para que
ele possa posteriormente "receber alta" e sair apto a reintegrar-se na
sociedade..."
"Não se pode partir da premissa de que todo prisioneiro é forçosamente
irrecuperável. Em qualquer pena, a função regeneradora deve ter primazia sobre a
função repressiva. Todo ser humano tem capacidade de superar o mal. Negar isso é
rejeitar o conceito judaico de teshuvá, arrependimento. Cabe à sociedade
proporcionar àquele que errou as condições para que retorne o caminho do bem."
Destarte, a sentença injustamente reprovada pela apelante, deverá ser
preservada, - ressalvada a possibilidade latente de reforma ante o recurso
defensivo interposto (vide folhas _____) - missão, esta, confiada e reservada
aos Cultos e Doutos Desembargadores que compõem essa Augusta Câmara Secular de
Justiça.
ISTO POSTO, pugna e vindica o recorrido, seja negado trânsito ao recurso
interposto pelo Senhor da ação penal pública incondicionada, mantendo-se
intangível a sentença de primeiro grau de jurisdição, no que concerne com o
regime inicial de cumprimento da pena, bem como no que concerne ao apenamento
base, dos delitos a que jungido, com o que estar-se-á, realizando, assegurando e
perfazendo-se, na gênese do verbo, o primado da mais lídima e genuína JUSTIÇA!
Cidade (data)
DEFENSOR
OAB/