Contra-razões de apelação em crime de atentado violento ao pudor.
EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA ..... VARA CRIMINAL DA COMARCA DE .....,
ESTADO DO .....
AUTOS Nº .....
O MINISTÉRIO PÚBLICO, através de seu promotor de justiça abaixo subscrito, nos
autos em que responde o réu ....., pelo crime de atentado violento ao pudor,
atual apelante, vem mui respeitosamente ante Vossa Excelência apresentar
CONTRA-RAZÕES DE APELAÇÃO
pelos motivos que seguem anexos, requerendo, para tanto, a posterior remessa ao
Egrégio Tribunal competente.
Nesses Termos,
Pede Deferimento.
[Local], [dia] de [mês] de [ano].
[Assinatura do Advogado]
[Número de Inscrição na OAB]
EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO ....
ORIGEM: Autos sob n.º .... - ....ª Vara Criminal da Comarca de ....
Apelante: ....
Apelado: MINISTÉRIO PÚBLICO
O MINISTÉRIO PÚBLICO, através de seu promotor de justiça abaixo subscrito, nos
autos em que responde o réu ....., pelo crime de atentado violento ao pudor,
atual apelante, vem mui respeitosamente ante Vossa Excelência apresentar
CONTRA-RAZÕES DE APELAÇÃO
pelos motivos de fato e de direito a seguir aduzidos.
CONTRA-RAZÕES
Colenda Câmara Criminal
Eméritos julgadores
DOS FATOS
A defesa do acusado, não se conformando com o teor da sentença que julgou
procedente a pretensão punitiva deduzida pelo Ministério Público, interpôs o
recurso de apelação, objetivando a reforma do decisum.
A decisão impugnada pelo apelante consistiu em condená-lo à pena de 7 (sete)
anos e 6 (seis) meses, pela prática do crime de atentado violento ao pudor (art
214 c/c art. 224, "a" e 226, III, todos do Código Penal.
Em seu arrazoado de fls. 146 usque 167, a defesa concentrou sua argumentação na
tese de que a presunção de violência positivada no art. 224, "a" do Código Penal
é relativa e que, no caso concreto, além de ter havido anuência, pela vítima ao
ato libidinoso, já era esta totalmente corrompida pela sua prostituição.
Em abono aos seus argumentos, colaciona a defesa inúmeros julgados, todos no
sentido da relatividade da presunção de violência face à idade da ofendida em
crimes contra os costumes.
Ausente, assim, a violência inerente ao tipo do art. 214 do Código Penal, pugna
o apelante pelo provimento do recurso a fim de que, por conseguinte, seja ele
absolvido da imputação contra si dirigida pelo Ministério Público.
Eis, em breve síntese, o que sustenta a defesa do apelante.
Tormentosa, controvertida, inquietante e de difícil definição é a questão a ser
deslindada neste recurso.
A aparente subsunção do fato apurado nos autos à norma penal incriminadora
materializada no art. 214 c/c 224, "a" do Código Penal esbarra em uma série de
considerações de ordem jurídica, sociológica, antropológica e axiológica que, à
evidência, não comportariam análise detalhada nesta sede recursal.
O punctum dolens que definirá o resultado do presente recurso delimita-se na
escolha entre duas visões diferentes de um mesmo fenômeno jurídico e na escolha
entre a rigidez formal da lei e a possível flexibilidade de sua interpretação.
O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, cumprindo a lei,
ofereceu denúncia contra o apelante ......... porque, em ...... de ......... do
corrente ano, deu "carona" a ........., menor com doze anos de idade que se
encontrava nas proximidades do ............, e a levou ao ............, onde
solicitou-lhe que o masturbasse, o que foi feito.
A instrução criminal foi convincente no sentido de demonstrar que
1 º houve a prática do ato libidinoso descrito na denúncia;
2 º não houve violência real para a prática do ato;
3 º a menor anuiu com o ato;
4 º a menor já era moralmente corrompida pelo regular comércio de seu corpo.
Diante desse quadro fático-jurídico, o Ministério Público pugnou pela condenação
do réu, nas bem lançadas alegações finais subscritas pela zelosa Promotora de
Justiça .............., onde anotou que:
"É inquestionável que a menor não possui capacidade de consentir e dispor
sexualmente de seu próprio corpo. A vida nas ruas, a colocou sob a influência de
terceiros, adultos que inescrupulosamente exploram sua condição de criança
incapaz de defender-se e buscar vivência distinta. A obtenção de sua
subsistência "batendo" para homens como o acusado, não lhe confere a
indispensável capacidade de escolha e discernimento, só alcançáveis com o
amadurecimento etário, no âmbito físico e psíquico. E o fato de conhecer
deturpadamente "coisas do sexo" não lhe retira a condição de vítima, que, sem
escolha, é literalmente abusada por homens maduros que, como o acusado,
barganham sua fome e infância por favores sexuais."
Seguindo idêntica linha de raciocínio, o insigne julgador acolheu a pretensão
punitiva deduzida na exordial, desconsiderando a tese defensiva do innocentia
consilii.
A despeito de constituir-se em posicionamento fulcrado na letra da lei e na
preocupação justa de desestimular o crescente uso e abuso da prostituição
infantil por pessoas inescrupulosas, o signatário, ponderando esses fatores, e
após muita reflexão acerca do tema, entendeu que outros condicionantes presentes
no caso concreto deveriam pender a balança da Justiça para rumo diverso ao até
aqui alcançado.
De imediato, cabe destacar a vileza, covardia e total reprovabilidade da conduta
do apelante ao valer-se de uma menina de 12 anos de idade para satisfazer a sua
lascívia.
Importa, todavia, avaliar se essa atitude do recorrente, a par de sua
imoralidade, penetrou no campo da tipicidade penal.
Para tanto, impende definir se há de incidir à espécie a presunção de violência
a que alude o art. 224, alínea "a" do Código Penal, ou, em outras palavras, se
tal presunção é absoluta, não admitindo prova ou argumentação tendente a
elidi-la, ou se a presunção em tela é apenas relativa, ensejando sua
inaplicabilidade diante de fatos que a desautorizem.
Neste preciso ponto reside a principal divergência do signatário com a posição
assumida por sua colega de Parquet e pelo Magistrado autor da sentença, a quem
se pede a mais respeitosa vênia para tal dissenso.
Direito é dinâmica, movimento, vida, atualidade, evolução.
De igual forma, os conceitos, institutos, preceitos e princípios são
permanentemente atualizados pelo aplicador do Direito com o uso dos métodos de
interpretação da norma jurídica, adequando-a ao caso concreto, no momento
histórico em que ele se apresenta para julgamento.
DO DIREITO
A esse respeito, é extremamente pertinente a lição de Alfredo Buzaid, ao resumir
de forma magistral a necessidade de uma interpretação evolutiva-moderada:
"Bem diversa desse poder revolucionário, que abala a segurança da ordem jurídica
positiva, é a existência de uma interpretação evolutiva do direito, por obra da
jurisprudência, sensível às variações políticas e econômicas, que repercutem
sobre o problema vigente, adaptando-o às novas necessidades sociais. Esta
tendência não veda a criação de direito novo, como ensina Ferrara, mas antes
fica dentro das raias normais da interpretação. Ela apóia-se sobre dois
cânones:a a ratio legis é objetiva (não aquela subjetiva do criador da lei) e é
atual (não aquela histórica do tempo em que foi feita). Dado conceito de que a
lei se destaca do seu autor e tem vida autônoma no meio social, surge em
consequência que seu fundamento racional deve aplicar-se de modo absoluto e na
vida moderna. O intérprete, examinando um norma, que tem 50 anos, não está
incondicionalmente vinculado a procurar que razão induziu o legislador de então,
mas qual é o seu fundamento racional hoje e sob esta medida decidir. Assim pode
ocorrer que uma norma ditada por uma certa ordem de razões adquira em seguida
uma destinação e função diversa" (apud CHRISTIANO JOSÉ DE ANDRADE, O PROBLEMA
DOS MÉTODOS DA INTERPRETAÇÃO JURÍDICA, RT, p. 40)
Esse pensamento, além da lição nele contida, adapta-se com perfeição ao caso em
exame, onde se cuida de verificar se uma presunção jurídica estabelecida há mais
de 55 anos, com os costumes e os valores então vigentes, pode perdurar até hoje
inalterada, em que pese a rigidez da letra ainda estampada no Código Penal.
A própria Exposição de Motivos do Código Penal de 1940, justificando a redução
para 14 anos da idade estabelecida no Código de 1890 (que presumia a violência,
nos crimes de natureza sexual, quando se tratava de vítima menor de 16 anos),
explicitou:
" Com a redução do limite de idade, o projeto atende à evidência de um fato
social contemporâneo, qual seja a precocidade no conhecimento dos fatos sexuais.
O fundamento da ficção legal de violência, no caso dos adolescentes, é a
innocentia consilii do sujeito passivo, ou seja, sua completa insciência em
relação aos fatos sexuais, de modo que não se pode dar valor algum ao seu
consentimento.Ora, na época atual, seria abstrair hipocritamente a realidade o
negar-se que uma pessoa de 14 (quatorze) anos completos já tem uma noção
teórica, bastante exata, dos segredos da vida sexual e do risco que corre se se
presta à lascívia de outrem".
Talvez por captar essa evolução - se é que assim podemos chamar o fenômeno - da
capacidade de discernimento do adolescente ao longo dos últimos 50 anos, previu
o legislador, no Estatuto da Criança e do Adolescente, que
"Art. 2 º Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze
anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de
idade".
Para o legislador de 1990, portanto, a pessoa com 12 anos completos pode, em
sendo adolescente, cometer ato infracional equiparado a crime pela legislação
penal.
Ora, se com aquela idade, entendeu o legislador que a pessoa é capaz de
discernir, embora com ainda limitada capacidade volitiva e de auto-determinação,
entre o que é certo e o que é errado, podendo sofrer medidas sócio-educativas
previstas no ECA, por que não se poderia igualmente concluir que a pessoa com a
idade de 12 anos, já bem experimentada nos assuntos do sexo, possui um mínimo de
discernimento para poder decidir - ainda que com limitada capacidade volitiva e
de auto-determinação, voltamos a enfatizar - se concorda ou não com a prática de
um ato libidinoso?
Essa argumentação, aliás, serviu de fundamento na sentença absolutória prolatada
pelo Juiz Criminal e Professor da USP, LUIZ FLÁVIO GOMES, ao julgar caso
semelhante ao que ora se examina, conforme notícia publicada no Correio
Braziliense de 28/5/96.
No caso presente, a vítima, comprovadamente, já se dedicava, há tempos, à triste
realidade da prostituição, oferecendo-se para praticar felação ou masturbação em
quem lhe oferecesse míseros trocados. Fazia-o de modo ostensivo, à vista de
todos os que trafegassem defronte ao seu "ponto" situado no início do Eixão
Rodoviário Norte.
Era já uma adolescente, embora com a sua constituição física e psíquica ainda em
formação. Não desejamos acompanhar a farta jurisprudência que afasta a presunção
de violência em casos que tais, quando se pode qualificar a vítima como
"desonesta" ou "prostituta". Tais adjetivos são deveras injustos para uma jovem
que não pôde dispor de meios materiais e humanos para seu saudável crescimento,
em normais condições psíquicas, sociais e econômicas. No entanto, a realidade
não pode ser escondida: a pequena V.L. já se corrompera moralmente quando
"decidiu" viver nas ruas há três anos; já realizara inúmeros outros programas de
natureza sexual com outros homens; já se habituara ao tipo de ato libidinoso
imputado ao réu - masturbação.
Se é verdade que a sua formação mental ainda não lhe permitia uma segura
compreensão do alcance de seus atos, inegável é inferir que sua iniciação nos
assuntos da libido humana não era mais de uma jovem de apenas 12 ou mesmo 14
anos de idade.
Outro aspecto a considerar - secundário mas também de relevância inquestionável
- diz respeito à pena cominada em lei ao autor da conduta imputada ao apelante.
O Brasil vive um paradoxo jurídico-repressivo. Ao mesmo tempo que se editam leis
draconianas, fulcradas no movimento da Law and Order, uma ou outra lei vem na
direção oposta, tratando a delinqüência como um problema não apenas jurídico,
mas eminentemente social. Busca-se um ponto de equilíbrio, sempre sob a certeza
de que o Direito não pode ser a panacéia para todos os milenares males sociais,
mas sim a ultima ratio a justificar a intervenção do Estado nos litígios
humanos.
Com propriedade, observa ALBERTO ZACHARIAS TORON, em recente monografia
intitulada "CRIMES HEDIONDOS, O MITO DA REPRESSÃO PENAL", RT, 1996, p. 16:
"É curioso, por outro lado, perceber como no final do século, quando se
acreditava no incremento do movimento despenalizador mediante a utilização de
técnicas alternativas de controle social cresce o anseio por penas mais elevadas
e, de um modo geral, por uma atuação mais draconiana do sistema punitivo como um
todo, ..."
Nessa direção caminhou a Lei 8.072/90, de origem casuística - como tem ocorrido
com as mais recentes leis penais e processuais penais - recrudescendo de maneira
desordenada e pouco científica algumas condutas rotuladas como hediondas.
Ao fazê-lo, o legislador demonstrou total desconfiança em relação ao juiz
criminal, retirando-lhe a possibilidade de aplicar, justa e adequadamente, a lei
ao caso concreto, já que, partindo de modelos abstratos de conduta, igualou
comportamentos que, na riqueza da realidade, se mostram fortemente diferentes.
Essa opção gerou, como observado por alguns autores em vários artigos e
palestras que se seguiram à lei, situações esdrúxulas e pouco aceitáveis, como,
v.g., a do cidadão que beija lascivamente a namorada de treze anos, conduta
reputada como atentado violento ao pudor, crime hediondo, portanto. Se, porém,
este mesmo cidadão, ao invés de beijar a namorada, a mata por algum motivo que
não se defina como torpe ou fútil, a sua conduta não é considerada crime
hediondo, apresentando-se, assim, um inexplicável paradoxo.
Daí resulta a necessidade de confiar na juris prudentia do juiz, na sua
capacidade de encontrar a solução justa para o caso concreto, porquanto, como
ressalta CALAMANDREI,
"As leis são fórmulas vazias, que o juiz preenche não só com sua lógica, mas
também com seu sentimento. Antes de aplicar uma lei, o juiz, como homem, é
levado a julgá-la".
É de se permitir ao juiz, portanto, uma função não apenas declaradora do direito
(la bouche de la loi, no dizer de Montesquieu), mas sobretudo uma função
reveladora do direito, atento a que
"... a lei não é uma grandeza apoiada sobre si própria e absolutamente autônoma,
algo que haja de ser passivamente aceito como mandamento divino, mas, antes,
estratificação e expressão de pensamentos jurídicos aos quais cumpre recorrer a
cada passo, sempre que pretendamos compreender a lei corretamente ou ainda
eventualmente restringi-la, completá-la e corrigi-la" (ENGISCH, INTRODUÇÃO AO
PENSAMENTO JURÍDICO, Lisboa, 1968, p. 247).
Trazendo tais considerações para o caso concreto, não nos parece razoável e
tolerável aceitar que uma conduta como a apurada nos autos corresponda, em igual
gravidade e com igual cominação de pena, à de um autêntico delinqüente, que,
mediante violência real ou grave ameaça, constrange uma mulher à prática de
conjunções carnais ou outro ato libidinoso, lesionando-a física e moralmente, de
forma perene.
É até mesmo intuitivo inferir que o legislador fugiu de qualquer parâmetro de
razoabilidade ao prever, como de igual gravidade e reprovabilidade, no tocante
às penas em abstrato, as duas condutas em foco: a que restou apurada neste
processo e a do imaginário criminoso. Tanto um quanto outro são punidos, in
thesis, com pena mínima de seis anos de reclusão. Mais inacreditável, ainda, é
verificar que a conduta evidentemente menos grave foi tratada ilogicamente com
maior gravidade no tocante à execução da pena, que deverá ser integralmente
cumprida no regime fechado, na hipótese do beijo lascivo, podendo o homicida, à
sua vez, merecer a progressão de seu regime de pena.
À toda evidência, falta razoabilidade (reasonableness) e racionalidade (rationality)
à lei, que, por conseguinte, há de ajustar aos valores superiores da Carta Magna
para ser aceita como legítima, pois a leitura do inc. LIV do art. 5º c/c o seu §
2º permite sustentar, seguramente, a consagração do aspecto material do devido
processo penal, qual seja, o substantive due process (expressão que denota a
idéia de razoabilidade ou proporcionalidade da lei).
Tal formulação não se pode dizer nova ou subversiva da legalidade do sistema. Já
no Século XIX era defendida, com coragem, por dois grandes pensadores do
Direito: BECCARIA e MONTESQUIEU.
De fato, o primeiro antecipava, em sua obra clássica, DOS DELITOS E DAS PENAS,
que
" Si una pena igual está establecida para dos delitos que ofendem desigualmente
a la sociedade, los hombres no encontrarán un más fuerte obstáculo para cometer
el mayour delito, si encuentran unido a él un beneficio mayor. Quien vea
establecida la pena de muerte, por ejemplo, para quien mata a un faisán y para
quien asesina a um hombre o falsifica un escrito importante, no habrá ninguna
diferencia entre estos tres delitos, destruyéndose de esta manera los
sentimientos morales..." E1(apud NICOLAS GONAZES-CUELLAR SERRANO,
Proporcionalida y Derechos Fundamentales en el Proceso Penal, Colex, 1990, 30).
Por sua vez, MONTESQUIEU, no seu ESPÍRITO DAS LEIS, partia da mesma idéia, ao
sustentar que "en nuestro país es un grave daño imponer la misma pena al que
roba en los caminos reales y al que roba con asesinato. Se ve claramente que
para la seguridad pública convendría establecer alguna diferencia en las penas"
(apud NICOLAS ..., op.loc. cit.)
O autor espanhol citado, em sua monumental obra, discorre acerca da
aplicabilidade do princípio de proporcionalidade no âmbito da individualização
da pena. Com a devida vênia, transcrevemos trechos de seu escólio:
"En la fase de individualización legal el principio de proporcionalidad penal se
muestra con perfiles claros y puede resultar operativo sin grandes dificultades,
aunque sea sólo como criterio de técnica legislativa, porque es susceptible de
ser utilizado poniendo en relación acciones tipificadas y penas previstas,
quedando al margem, al menos inicialmente, los problemas derivados de su
relación con el principio de culpabilidad. Sin embargo, en el segundo período de
determinación de la pena, de individualización judicial, estas complicaciones se
presentan con toda su gravedad. Como mantiene RODRÍGUZ DEVESA, "la ley hace un
esfuerzo por proporcionar la pena abstracta a las circunstancias del delincuente,
pero es el juez quien, en definitiva, ha de fijar la pena concreta que ha de
cumplir quien ha cometido el delito".
Em seguida, o autor faz alusão à decisão do Tribunal Constitucional da Espanha,
que, diante do aparente conflito entre o princípio da legalidade e o da
razoabilidade, definiu que
"... el examen de los hechos para su subsunción en el tipo penal y la
determinación de la pena a imponer, en consecuencia, de acuerdo con los mandatos
del Código Penal, es tarea que incumbe a los Tribunales ordinarios, según con lo
mandado en el art. 117 C.E., sin que este Tribunal (TC), al examinar si se ha
respetado el princpio de legalidad contenido en el art. 25 C.E. pueda sustituir
al Juez o Tribunal ordinario en esa subsunción y determinación, una vez
verificada la existencia de previsión legal de la sanción aplicada, y la no
manifiesta irrazonabilidad de la resolución sancionadora" (op.cit., p. 32)".
Toda essa digressão doutrinária se fez necessária para justificar o
posicionamento deste representante do Ministério Público a favor do provimento
da apelação interposta pela defesa do réu ....
Além da questão da tipicidade da conduta, decorrente da já analisada
relatividade da presunção de violência da conduta em apreço, onde se constatou
ausente a previsão legal inserida no art. 224, alínea "a" do Código Penal, há
que se considerar, como fundamento secundário e autônomo para o acolhimento da
impugnação, a total e evidente irrazoabilidade da pena cominada para a situação
fática em exame.
Condenar uma pessoa a cumprir, em regime integralmente fechado, pena de 6 (seis)
anos - no caso concreto elevou-se a 7 anos e 6 meses face à agravante do art.
226, III do CPB - porque pagou a uma menina de 12 anos, já prostituída, para
masturbá-lo, é punir, com desproporcional rigor, uma conduta que não justifica
sanção penal tão elevada.
A irrazoabilidade da sanção revela-se ainda mais nítida quando se analisa
realidade carcerária brasileira, verdadeira escola do crime e vero foco de
violência e insalubridade.
Como bem observado por CEZAR ROBERTO BITTENCOURT (FALÊNCIA DA PENA DE PRISÃO,
RT, 1993, p. 146,)
"Considera-se que a prisão em vez de freiar a delinqüência parece estimulá-la,
convertendo-se em um instrumento que oportuniza toda espécie de desumanidades.
Não traz nenhum benefício ao apenado, ao contrário, possibilita toda a sorte de
vícios e degradações".
Com efeito, ninguém pode atualmente contestar o fato de que a pessoa enviada
para cumprir pena privativa de liberdade em uma penitenciária brasileira está
fadada à morte ou, no mínimo, à completa degradação moral, notadamente se a
condenação, como in casu, deriva da prática de crime contra a liberdade sexual,
quando o condenado é sistematicamente utilizado pelos internos do sistema
carcerário como "boneco" de satisfação da reprimida libido dos detentos. O
inevitável resultado desta carcerização é o total aviltamento da pessoa humana e
a bem provável aquisição de doenças incuráveis, a mais grave das quais a AIDS,
acompanhada quase sempre da sentença de morte.
Se a situação é incômoda e preocupante com relação a pessoas que demonstram alta
periculosidade social, que demonstram total incapacidade de manter o convívio
harmônico em meio à sociedade, justificando, assim, a necessidade de sua
segregação em prisão, revela-se totalmente inaceitável quando se trata de pessoa
sem periculosidade tal a comportar a adoção da medida extrema.
Deveras, apurou-se no caso vertente que o acusado é pessoa que exerce atividade
profissional relevante para a sociedade; casado, pai de dois filhos que vivem
sob suas expensas; sem qualquer antecedente criminógeno ou notícia de fato que
pudesse caracterizá-lo como delinquente em potencial.
Tudo está a indicar que o ato por ele perpetrado decorreu de mera e episódica
fraqueza da alma, e não de sua definitiva corrupção moral.
Impingir-lhe, pois, a privação de liberdade por tão longo período seria atitude
desumana e cruel (não somente para a pessoa do acusado, mas para todos os seus
familiares que dele dependem para sobreviver), em nome de uma legalidade que não
pode obrigar o Judiciário a agir de maneira mecânica, destituído de critérios
axiológicos e críticos diante da realidade fática que lhe é posta sob
julgamento.
O Juiz, como o Ministério Público, acreditamos nós, deve nortear sua atuação
funcional, máxime no campo criminal, cônscio de que " O direito positivo
(legislado), sendo fruto da atividade política, é criado não poucas vezes sob a
influência de certos segmentos organizados da sociedade; nem sempre para a
defesa do interesse geral. O juiz, por isso, tem que ter consciência de que é um
instrumento do poder e saber que papel está cumprindo: se está atrelado à
clássica ideologia da neutralidade (asséptica), será um funcional instrumento do
Poder Político; se deseja, não obstante, superar tal ideologia, deve ter
consciência ética de sua tarefa, constitucionalizando-se e transformando-se
assim em instrumento da Justiça, socialmente equilibrada e eqüitativa" (LUIZ
FLÁVIO GOMES, O JUIZ E A TUTELA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS, in Direito de Apelar
em Liberdade, RT, 1994, p. 103).
Por derradeiro, em homenagem à perfeita compreensão da postura adotada pelo
signatário deste arrazoado, cumpre rebater a possível afirmação de que o
Ministério Público deve, sempre, agir com unidade de posicionamento jurídico,
sendo-lhe nefasta e inaceitável a divergência de pontos-de-vista externados por
agentes do Parquet quando oficiam em processos.
Seria, de fato, salutar que todos os componentes de uma Instituição a quem a lei
comete várias atribuições, entre as quais a de promover a acusação penal,
tivessem semelhantes pontos-de-vista acerca de questões relativas à atividade
fim de sua atuação funcional. Esta, porém, é uma utopia irrealizável, ao menos
em sua pureza absoluta.
No campo de incidência do Direito Penal essa dificuldade é ainda mais
incontornável, dada a notória diversidade de interpretações que uma mesma norma
penal pode ensejar ao operador jurídico. Não fora assim, bastariam computadores
que, alimentados com os dados do processo e com os textos legais, efetuariam o
clássico e ultrapassado silogismo formal da sentença, oferecendo a prestação
jurisdicional.
É natural, portanto, que eventualmente assumam os integrantes de uma carreira
posições doutrinárias distintas, que decorram da convicção pessoal e da
mundividência de cada um dos que são chamados a atuarem no processo. In casu,
nenhum desprestígio, afronta ou crítica é feita ao posicionamento adotado pelos
membros do Ministério Público e da Magistratura que, em uníssono, interpretaram
a lei penal de forma a ensejar a condenação do apelante. Tratou-se de mera opção
por uma das possíveis interpretações da lei, merecendo, portanto, todo o nosso
respeito. Opção, aliás, que deriva, em grande parte, da falta de previsão no
Código Penal, de um tipo específico para a conduta sob análise, impondo ao
julgador a incontornável escolha entre absolver ou condenar o réu pelo hediondo
crime contra os costumes.
Da mesma forma, há que se respeitar a posição ora assumida, não tanto pelos seus
próprios fundamentos - que podem ser equivocados - mas porque tem origem na
preocupação constante de todos os que contribuem para a prestação da jurisdição
em realizar o Direito, concebido como sistema harmônico de normas, em que não há
lugar para antinomias e contradições.
Concebemos um Ministério Público próximo ao que fora idealizado por ROBERTO
LYRA, para quem o Parquet deveria estar sempre imbuído do elevado propósito de
"conciliar a paz e a justiça sociais - único caminho do Direito para atender às
exigências e às esperanças humanas" (VISÃO SOCIAL DO DIREITO, Ed. Rio, 1976,
p.55), assumindo posições que possam, eventualmente, ser mal interpretadas no
seio da Classe e vistas, aos olhos do frio observador, como incoerentes em
relação a um suposto dever de acusar a qualquer custo.
Em verdade, a preocupação do promotor justitiae é a mesma do juiz, pois ambos -
cada um à sua maneira e com suas diferentes atribuições formais dentro de uma
relação processual - envidam esforços para a composição justa dos litígios que
se lhe apresentam a julgamento. Nessa esteira de pensamento, deve atuar não como
sistemático órgão de acusação, despido de qualquer preocupação quanto ao justo,
mas sim imbuído de critério de objetividade, tal qual previsto no art. 53 do
moderno Código de Processo Penal Português, onde se lê:
"Compete ao Ministério Público, no processo penal, colaborar com o tribunal na
descoberta da verdade e na realização do direito, obedecendo em todas as
intervenções processuais a critérios de estrita objectividade".
DOS PEDIDOS
Com apoio nessas considerações, e salientando que o apelante de algum modo já
foi severamente punido, não apenas com a violação de sua honorabilidade
familiar, social e profissional - face à divulgação do fato pela imprensa local
- como também pela privação de sua liberdade por dois meses, apresenta o
Ministério Público suas "contra-razões", que, em verdade, não se chocam com as
razões recursivas mas com elas se afinam, no sentido de REQUERER a absolvição do
apelante por esse E. Tribunal de Justiça do ........
Nesses Termos,
Pede Deferimento.
[Local], [dia] de [mês] de [ano].
[Assinatura]