Autos de inquérito policial.
EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA ..... VARA CRIMINAL DA COMARCA DE .....,
ESTADO DO .....
Flagrante: ....
Indiciada: ......
Art. 12 da Lei 6.368/76
Os autos desse inquérito policial retratam o pior no âmbito da justiça criminal,
o mais repugnante e odioso comportamento que não pode encontrar espaço dentro de
um Estado Democrático de Direito, qual seja: o famigerado flagrante forjado.
Doravante, terei cautela e desconfiança diante de todos os pedidos de busca e
apreensão fruto, não de investigação, mas sim de denúncia anônima. Denúncia
anônima não é para que a polícia, sem uma investigação confirmatória, adentre,
protegida com o manto da justiça, na residência de pessoas e faça busca e
apreensão. Na verdade, a busca e apreensão, por se tratar de medida cautelar,
deve ser realizada dentro dos estritos limites do art. 243 do CPP, in verbis:
Art. 243. O mandado de busca deverá:
I - indicar, o mais precisamente possível, a casa em que será realizada a
diligência e o nome do respectivo proprietário ou morador; ou, no caso de busca
pessoal, o nome da pessoa que terá de sofrê-la ou os sinais que a identifiquem;
II - mencionar o motivo e os fins da diligência;
III - ser subscrito pelo escrivão e assinado pela autoridade que o fizer expedir
(sem grifos no original).
Pois bem. O que se fez? Iludiram a justiça que, em sua boa fé e visando a
amparar a ação da polícia, expediu o referido mandado para que, alguém,
satisfizesse seus interesses pessoais de vingança, ódio e rancor contra a Sra.
Lucrecia que, agora, tem a pecha de traficante nessa cidade.
Nenhum traficante, mesmo que neófito, deixaria na varanda de sua casa, do lado
de fora, 226 g. de maconha. O próprio cheiro da referida substância denunciaria
seu proprietário. E o mais curioso: a polícia foi direto na varanda apreender a
droga, ou seja, a denúncia anônima não poderia ser mais precisa, embora anônima.
Parece que partiu de quem conhecia bem a casa da indiciada.
Cidade pequena tem uma boa característica: todos se conhecem e sabem dos
defeitos e virtudes um do outro, e, no caso em tela, a Sra.......... é pessoa
conhecida da cidade e todas sabem que com entorpecentes ela nunca mexeu.
Não podemos fechar os olhos para uma realidade: a indiciada foi vítima de um
flagrante forjado. E quem vai reparar o mal que ela sofreu? O Estado? Não.
Sabemos que todos irão tirar as costas da responsabilidade, porém a análise dos
autos vai nos permitir chegar a uma conclusão. A investigação não pode parar,
pois afinal de contas a materialidade é indiscutível e cristalina. Alguém, que
ainda não sabemos quem, colocou a maconha na residência da indiciada e, no
mínimo, se não tivermos também um crime de abuso de autoridade, teremos um crime
de tráfico de entorpecentes. Razão pela qual, deve esta investigação prosseguir.
Vamos a análise dos autos.
1º. Uma denúncia anônima, sem confirmação de sua veracidade, autorizou a polícia
a requerer pela expedição de mandado de busca e apreensão na residência da
indiciada. Mandado expedido e cumprido e a droga localizada.
2º. Surge uma controvérsia: um automóvel marca ...... que se encontrava em poder
da indiciada. O automóvel foi comprado pela indiciada no dia .... de ...... de
..... do senhor ........ (cf. fls. 39) e, curiosa e intrigantemente, o mesmo
senhor ....... vendeu, posteriormente, para o ex-companheiro da indiciada,
senhor ..........., o mesmo automóvel (cf. fls. 41) na data de ......
Como pode um automóvel ser vendido duas vezes pelo mesmo proprietário sem que o
bem tenha voltado para suas mãos?
3º. Com quem está o automóvel? Com o ex-companheiro da indiciada (........).
Como ele conseguiu ficar com o automóvel? Com a ajuda da polícia. Veja que no
dia ...... ele deu uma procuração para ..... (fls. 43) que é filho de ........
(fls. 45) que, por sua vez, esta é irmã de ....... que é quem mora com o
ex-companheiro da indiciada (Sr. .......), segundo informações oficiosas. No
mesmo dia......... a polícia apreendeu o automóvel (fls. 35) e no dia posterior
(......), a polícia entregou o automóvel ao Sr. ........ (fls. 36). Tudo "a
Jato", de forma eficiente. E o pior: a indiciada dirigia o referido automóvel
sem habilitação, porém não foi autuada em flagrante delito. Por que?
Porque a intenção não era o exercício legítimo da função policial de atividade
judiciária, mas sim satisfazer os interesses pessoais do ex-companheiro da
indiciada que queria ficar com o automóvel que, segundo consta dos autos,
pertencia a ela (indiciada). Ou seja, a esfera criminal (delegacia de polícia)
serviu como um grande escritório de advocacia privada para defender os
interesses patrimoniais do casal, mas em favor do ex-companheiro, Sr.
.......que, inclusive, registre-se: é irmão de um dos melhores comandantes que o
..... de ....... já teve: Cel. .......... a quem credito uma das maiores gestões
à frente daquele Batalhão, homem de conduta ilibada com o qual tive excelente
relacionamento profissional, enquanto a frente do X BPM.
4º. Há uma fita entregue neste juízo e encaminhada ao MP para comprovação de
ameaças de morte não só a indiciada ......., mas como também a um jovem de nome
......... que, dizem, seria namorado da indiciada. Na fita há, inicialmente,
três vozes: uma que, em tese, seria da indiciada ........ que, inclusive, foi
quem juntou a fita a esses autos, e a outra seria, em tese, do seu
ex-companheiro, Sr. ............... Há uma terceira voz que seria de um amigo do
Sr. ..... que não foi identificada. Curiosa e independentemente de perícia
técnica que deve ser feita, a voz imputada ao Sr. ......... faz menção a retirar
da indiciada seu automóvel, sua casa e tudo o mais que possui que, se for
verdade, configura crime de ameaça corroborando a história da apreensão do
automóvel, porém uma pergunta fica no ar: será que foi com a conivência da
polícia?
Se foi, os autos desse inquérito correm o risco de não ter uma apuração isenta e
cristalina. Motivo pelo qual, diante dos últimos entendimentos jurisprudenciais,
deve tal investigação ser feita pelo Ministério Público.
Veja-se a propósito entendimento do STJ, in verbis:
MP. PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO. POLICIAIS.
A Turma denegou a ordem de habeas corpus com o entendimento de que, em se
tratando de procedimento com o fito de apurar fatos reputados delituosos e cuja
autoria é atribuída a integrante da organização policial, cuja atividade é
controlada externamente pelo Ministério Público, em tese não existirá antinomia
para que o Parquet promova a investigação. Ressalte-se que, mesmo no caso de
eventual irregularidade por invasão das atribuições da Polícia Judiciária pelo
Ministério Público, ainda assim em nada estaria afetada a ação penal porque
objeto de apuração de delito cometido por agente de autoridade policial.
Precedentes citados do STF: RHC 66.428-PR, DJ 2/9/1988, e RE 205.473-9-AL, DJ
19/3/1999. RHC 10.947-SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, julgado em 19/2/2002
(sem grifos no original).
Súmula 234 do STJ
Ementa
A participação de membro do Ministério Público na fase investigatória criminal
não acarreta o seu impedimento ou suspeição para o oferecimento da denúncia (sem
grifos no original).
Diante do exposto, requer o Ministério Público:
a) Remessa da fita, em anexo, à perícia técnica do Instituto Criminalística
.......... do ........... e não de .......... para transcrição da mesma e exame
de comprovação de voz devendo a indiciada, Sra. .........., ser chamada para
dizer a quem pertencem às vozes contidas na mesma, porém deverá fazê-lo no
gabinete desta Promotoria de Justiça e não na unidade policial, e, se quiser,
acompanhada de advogado ou do Defensor Público em exercício neste juízo, razão
pela qual requeiro que a mesma seja intimada, no endereço situado na rua 10,
CASA 20, a comparecer no dia ....... de ........l próximo vindouro, às ........
h.
b) Oitiva do Senhor ........... devendo o mesmo ser intimado na rua.......,
casa......, bairro ........, nesta comarca, para comparecer nesta Promotoria de
Justiça no dia ..... de ....... próximo vindouro, às ..... h. para prestar
declarações nos autos desse inquérito policial.
c) Oitiva do Senhor ......... residente à rua .... nº ....... para comparecer
nesta Promotoria de Justiça no dia...... de ..... próximo vindouro às ....... h.
para prestar declarações nos autos desse inquérito policial.
d) Oitiva, nesse gabinete, do ........., lotado no ........, e residente em um
imóvel no andar de cima ao da indiciada (rua 10), porém deverá ser requisitada
sua apresentação ao Comandante do ........ para aqui comparecer no dia .... de
.....l do corrente ano às ....... h. para prestar declarações nos autos desse
inquérito policial.
e) Ofício ao ICCE solicitando imediata remessa do laudo definitivo da substância
entorpecente a este juízo e juntada aos autos.
f) Ofício ao Delegado titular da ..... DP a fim de que informe qual a razão pela
qual deixou de lavrar o flagrante em relação à ausência de habilitação da
indiciada quando da apreensão do automóvel de fls. 35 e 36 que, inclusive,
deverão ser enviadas (as fls. 35 e 36) à aquela autoridade policial.
g) Ofício ao comandante do DPO local comunicando-lhe que todo e qualquer pedido
de busca e apreensão deverá ser lastreado em investigação preliminar que
corrobore a famigerada denúncia anônima, sob pena de inviabilizarmos o direito
constitucional da inviolabilidade do domicílio (Art. 5º, XI). Denúncia anônima
não pode autorizar, por si só, uma investida no domicílio alheio sem que haja
comprovação do que se informou. Do contrário, de nada valeria a garantia
constitucional da inviolabilidade do domicílio, pois haveria sempre uma denúncia
anônima para lastrear o abuso que foi o que foi feito nesses autos.
f) ARQUIVAMENTO SUBJETIVO dos autos desse inquérito com relação a indiciada
........, porém a continuidade das investigações com relação ao fato, em tese,
denominado tráfico de entorpecentes, pois não há a menor dúvida quanto a
materialidade do mesmo, bem como, aos crimes de falsificação e estelionato que
por ventura tenham sido praticados na compra e venda do referido automóvel, tudo
em conformidade com o art. 28 do CPP.
desse modo deve a indiciada ter seu nome retirado dos livros e registros desse
juízo, do IFP e da delegacia de polícia que deverá ser informada do arquivamento
subjetivo dos autos, porém o prosseguimento das investigações quanto aos fatos
mencionados.
Requeiro ainda ciência à indiciada e aos seus patronos desse arquivamento, se
deferido, para adoção das medidas e providências que entenderem cabíveis.
Por último, requerer que esses autos não saiam desse juízo para a delegacia de
policia, até que fique tudo apurado como deve ser com total transparência,
devendo tramitar entre Ministério Público e o juízo, ressaltando, desde já, que
nenhuma medida de restrição aos direitos e garantias individuais será adotada
sem autorização judicial, e, muito menos, cerceados os direitos dos advogados de
terem acesso a esses autos como lhes autoriza o Estatuto da Ordem dos Advogados
do Brasil.
Investigação criminal direta pelo Ministério Público não significa cerceamento
aos direitos e garantias individuais da pessoa investigada, muito menos
limitação ao exercício dos direitos da advocacia, mas simplesmente a necessidade
de se apurar de forma cristalina e isenta de qualquer sentimento que não o de
justiça os fatos objeto de apuração.
Nesses Termos,
Pede Deferimento.
[Local], [dia] de [mês] de [ano].
[Assinatura]