FURTO - TENTATIVA - TESTEMUNHA - Ausência de TESTEMUNHA de DEFESA -
NEGATIVA DE AUTORIA - CONDENAÇÃO - Ausência de PROVA - PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA
EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA ....ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE .... - DO
ESTADO DO ....
...., já qualificado nos autos da Ação Penal n.º ...., por seus advogados
adiante assinados, atendendo o disposto no artigo 600 do Código de Processo
Penal, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, apresentar suas
RAZÕES DE APELAÇÃO
requerendo sejam as mesmas encaminhadas à Superior Instância para o fim de
reforma da sentença prolatada por este Juízo.
N. Termos,
P. Deferimento.
...., .... de .... de ....
.................
Advogado
EGRÉGIO TRIBUNAL DE ALÇADA
COLENDA CÂMARA CRIMINAL
Eméritos Julgadores
I - SÍNTESE DA CAUSA
1. O recorrente foi denunciado pela suposta prática de delito previsto no
art. 155, caput c/c art. 14, inciso II, ambos do Código Penal, conforme
denota-se do trecho extraído da referida peça acusatória, verbis:
"No dia .... de .... de ...., por volta das .... horas, o denunciado ....,
sabedor e sua conduta antijurídica e com inequívoco animus furandi, ingressou
para o interior da residência da vítima ...., situada na Rua .... nº ....,
bairro ...., sem que fosse necessário o uso de esforço incomum, ao tentar
subtrair para si um televisor ...." (.... polegadas), marca ...., avaliada
conforme nota fiscal de fls. ...., em R$ ...., e uma bicicleta, de marca não
esclarecida, foi surpreendido pelas filhas da vítima, .... e ...., no instante
que removia a respectiva mercadoria, oportunidade que o denunciado só não
consumou seu intento por circunstâncias alheias a sua vontade."
2. Tal denúncia foi recebida na data de ..../..../...., tendo sido arroladas
apenas .... testemunhas de acusação, as quais foram ouvidas apenas e tão somente
na qualidade de informantes, já que tratava-se da vítima e suas duas filhas.
Foi apresentada defesa prévia pela defensora pública, e nenhuma testemunha de
defesa foi indicada.
Em seu interrogatório, o apelante negou a autoria dos fatos, informando que
na realidade tal acusação tratava-se de mera vingança por parte da vítima, a
qual desejava vingar-se do mesmo, pelo fato deste ter noticiado o furto de seu
óculos na delegacia do menor, indicando como autor um dos filhos da vítima ....
Além disso, afirmou também o apelante, que este filho da vítima também furtou
a bicicleta do mesmo, a qual tentava recuperar na casa da vítima.
3. O Ministério Público, em suas alegações finais, pugnou pela condenação do
recorrente, alegando que os fatos restaram devidamente comprovados durante a
instrução criminal, enquanto que a defensora pública pleiteou a absolvição do
mesmo, por não existir qualquer prova contra o apelante.
4. O MM. Juiz a quo, em sentença de fls. ..../...., equivocadamente, data
vênia, entendeu por bem julgar procedente a denúncia, condenando o apelante a
.... meses de reclusão e .... dias de multa.
5. Contudo, conforme se demonstrará a seguir, não existe qualquer prova que
evidencie ser o apelante o autor desta suposta tentativa de furto.
II - DA VERDADEIRA VERSÃO DOS FATOS
6. Conforme afirmou o apelante em seu interrogatório, o filho da suposta
vítima, ...., furtou um óculos de sol do mesmo, assim como, posteriormente, a
sua bicicleta. Dessa maneira, o recorrente, buscando seus direitos, formalizou a
ocorrência junto à delegacia do menor.
A veracidade dos fatos narrados pelo recorrente podem ser constatados pelo
depoimento do próprio filho da vítima, quando do seu depoimento na fase de
inquérito, verbis:
"Que o adolescente comparece nesta Delegacia, na presença de seu pai, que a
tudo presenciou; Que o adolescente informa que com relação aos fatos, onde ....
teria tentado furtar uma TV da casa do pai do adolescente; Que o adolescente
neste dia estava em casa, porém estava dormindo, e foi sua irmã quem ouviu o
barulho e foi ver do que se tratava, onde viu ...., fugindo em sua ....; Que com
relação aos demais fatos noticiados por ...., o adolescente informa que já teve
algumas brigas com o mesmo, e que uma destas brigas foi por um óculos, que ....
acusou o adolescente de ter pego; Que o adolescente ainda não foi chamado na DPM,
mas sabe que .... teria dado queixa nesta Especializada sobre os fatos; (...)."
(Trecho copiado do termo de declaração às fls. .... dos autos)
Verifica-se, então, que já existia um clima de animosidade entre o apelante e
a vítima, já que aquele, conforme o próprio filho desta afirmou, vivia em
constante atrito com o mesmo.
7. Tais fatos já bastariam, por si só, para evidenciar que a vítima e suas
filhas acusaram o apelante de tentar furtar sua televisão, apenas para
vingarem-se do mesmo. Contudo, faz-se necessário o destaque de alguns fatos
ocorridos no transcorrer do processo que corroboram com tal versão.
Conforme se denota do boletim de ocorrência, e também da ratificação
realizada pela vítima, ainda na fase de inquérito, o objeto da suposta tentativa
de furto seria uma televisão de ....", marca ...., cuja materialidade e
propriedade foram demonstradas através da nota fiscal juntada às fls. ....
Ocorre que, a filha da vítima, ...., em suas declarações prestadas na fase
policial, assim como em Juízo, afirmou que o apelante também tentara furtar sua
bicicleta. Porém, no boletim de ocorrência formulado pelo seu pai, assim como na
ratificação, em nenhum momento foi mencionada tal bicicleta, o que comprova que
a mesma não pertencia à vítima, não existindo, também, qualquer comprovante de
propriedade.
Vale salientar, que ainda em fase policial, a outra filha da vítima, ....,
não mencionou em nenhum momento a existência de tal bicicleta, enquanto que nas
suas declarações prestadas em juízo, a mesma a mencionou, provavelmente numa
tentativa de não evidenciar-se uma contradição entre a sua declaração e de sua
irmã.
8. Diante dos fatos relatados acima, e do conteúdo dos autos, constata-se que
em nenhum momento restou provado, por qualquer meio admitido em lei, que o
apelante praticou a suposta tentativa de furto, já que todas as testemunhas de
acusação foram ouvidas na qualidade de informantes, pois possuíam interesse
direto na causa.
Frente à total falta de provas, impera-se a imediata reforma da sentença de
primeiro grau, absolvendo-se o apelante, conforme o entendimento da maioria da
doutrina e jurisprudência, senão vejamos.
III - DA NECESSIDADE DE ABSOLVIÇÃO DIANTE DA AUSÊNCIA DE PROVAS
9. Os indícios ou a alta probabilidade não se prestam jamais para um decreto
condenatório. Isso se deve à conquista do princípio da presunção da inocência,
presente em todas as legislações modernas e humanas. A jurisprudência tem sido
firme nesse aspecto, valendo a colação de determinados precedentes. Com efeito,
temos os seguintes julgados:
"PROVA - Insuficiência - Meros indícios que não bastam para a condenação
criminal - Autoria que deve ser concludente e extreme de dúvida - Absolvição
decretada.
Ementa oficial: Em matéria de condenação criminal, não bastam meros indícios.
A prova da autoria deve ser concludente e extreme de dúvida, pois só a certeza
autoriza a condenação no juízo criminal. Não havendo provas suficientes, a
absolvição do réu deve prevalecer."
(TJMT - 2ª C.Crim. - Ap. Crim. Nº 1436/92 - Rel. Des. Paulo Inácio Dias Lessa
- RT 708/339)
"PROVA - Insuficiência para a condenação - Dúvida quanto à materialidade e
autoria do delito - Condenação que não pode se estear apenas na alta
probabilidade desta ou daquela ou na íntima convicção do julgador, pena de se
transformar o princípio do livre convencimento em arbítrio - Aplicação do
princípio in dubio pro reo e do art. 386, VI, do CPP - Absolvição decretada.
Ementa oficial: No processo criminal, máxime para condenar, tudo deve ser
claro como a luz, certo como a evidência, positivo como qualquer expressão
algébrica. Condenação exige certeza absoluta, fundada em dados objetivos
indiscutíveis, de caráter geral, que evidenciem o delito e a autoria, não
bastando a alta probabilidade desta ou daquele. E não pode, portanto, ser a alta
probabilidade desta ou daquele. E não pode, portanto, ser a certeza subjetiva,
formada na consciência do julgador, sob a pena de se transformar o princípio do
livre convencimento em arbítrio."
(TJSP - 3ª C.Crim. - Ap. 47.335-3 - Rel. Des. Silva Leme - RT 619/267)
Com notável discernimento Camargo Aranha discorre sobre a certeza como
elemento imprescindível para condenação:
"A sentença condenatória criminal somente pode vir fundada a uma certeza
incontestável. Até mesmo a alta probabilidade servirá como fundamento
absolutório, pois teríamos tão só um Juízo de incerteza que nada mais representa
que não a dúvida quanto a realidade."
(Autor cit. Da Prova no Processo Penal, 2ª ed., Saraiva, 1987 - citado no
acórdão proferido nos autos da Ap. Crim. nº 1436/92, do TJMT, in RT 708/339)
Portanto, os indícios existentes no inquérito mostravam-se suficientes apenas
para o desencadeamento da ação penal, não para um decreto condenatório.
Impõe-se assim a absolvição do acusado, por insuficiência de provas em
relação à autoria, aplicando-se a regra do in dubio pro reo.
IV - ÔNUS DA PROVA
10. Nunca é demais repetir e frisar - nenhuma prova consistente existe contra
o ora acusado, que absolutamente não participou de qualquer crime.
Não há prova capaz de auferir um grau mínimo de participação do acusado, em
qualquer conduta delituosa. Conforme dispõe o art. 156 do Código de Processo
Penal, incube o autor (no caso o representante do Ministério Público) o ônus de
provar suas alegações. Assim, caberia à Promotoria de Justiça demonstrar a
procedência e veracidade dos fatos articulados na inicial. Nesse sentido deveria
ter buscado reais provas contra o acusado, já que suas testemunhas foram ouvidas
na qualidade de informantes.
Discorrendo passagem memorável sobre o ônus da prova, Carnelutti ensina:
"Cabe provar a quem tem interesse de afirmar; portanto; a quem apresenta uma
pretensão cumpre provar-lhe os fatos constitutivos e a quem fornece a exceção
cumpre provar os fatos extintivos ou as condições impeditivas ou modificativas."
Também manifesta-se sobre a questão Julio Fabbrini Mirabete:
"No processo penal condenatório, oferecida a denúncia ou queixa cabe ao
acusador a prova do fato típico (incluindo dolo e culpa) e da autoria, bem como
das circunstâncias que causam o aumento da pena (qualificadoras, agravantes
etc.)."
Finalizando, vale deixar aqui registrada a imortal lição de Rui Barbosa:
"Nas sociedades oprimidas e acovardadas, em que não tolera defesa, o crime é
presunção 'juris et de juris', ao passo que nas sociedades regidas segundo a
Lei, a presunção universal."
V - DO PEDIDO
11. Frente ao exposto, requer seja reformada a sentença de primeiro grau, e
consequentemente, seja absolvido o ora apelante.
N. Termos,
P. Deferimento.
...., .... de .... de ....
.................
Advogado