Alegações finais pelo acusado, aduzindo a inexistência de apropriação indébita, além de crime contra a ordem tributária.
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DA ..... VARA CRIMINAL DA JUSTIÇA FEDERAL
DA SUBSEÇÃO DE .... - SEÇÃO JUDICIÁRIA DO .....
AUTOS Nº .....
....., brasileiro (a), (estado civil), profissional da área de ....., portador
(a) do CIRG n.º ..... e do CPF n.º ....., residente e domiciliado (a) na Rua
....., n.º ....., Bairro ....., Cidade ....., Estado ....., por intermédio de
seu (sua) advogado(a) e bastante procurador(a) (procuração em anexo - doc. 01),
com escritório profissional sito à Rua ....., nº ....., Bairro ....., Cidade
....., Estado ....., onde recebe notificações e intimações, vem mui
respeitosamente à presença de Vossa Excelência apresentar
ALEGAÇÕES FINAIS
pelos motivos de fato e de direito a seguir aduzidos.
PRELIMINARMENTE
1. INÉPCIA DA INICIAL
a) SOBRE O DOLO
Para que ocorra o dolo em qualquer de suas modalidades é necessário a vontade do
agente de causar dano.
Assim, também é na Lei 8.137/90 e na 8.212/91, não podendo ser o acusado
condenado por mera culpa.
Ou seja, nestas Leis é indispensável a prova da intenção de lesar o INSS.
Porém, não existiu nenhuma vontade do Acusado em lesar o INSS e nem mesmo nos
autos é demonstrada tal vontade.
Sobre o dolo, ou sua ausência, em crimes contra a ordem tributária, assim têm
decidido os nossos Tribunais:
"Crime Fiscal. Artigo 1º, inciso II da Lei 8.137/90. Não comprovação da
materialidade. Denúncia e sentença que se basearam apenas e exclusivamente em
notificações fiscais expedidas contra o apelante. Ausência do dolo específico,
indispensável em sede de crimes contra a ordem tributária. Recurso provido para
absolver o apelante com base no art. 386, VI, do C.P.P." (Ac. do T.j.S.C. -
Apel. criminal 32.777 de Biguaçui-SC. Rel. Des. Genésio Nolli em 02/05/95 - Bol.
Inf. Bonijuris - pg. 3.190).
Conclui-se, portanto, que se o crime no qual pretendem incutir o acusado,
necessita de dolo específico para sua finalização e dos autos não se retira nada
que o comprove, A INICIAL É INEPTA POR FALTA DE CARACTERIZAÇÃO DO ELEMENTO
SUBJETIVO DO TIPO.
b) A INCONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS
As Leis 8.137/90 e 8.212/91, nas quais querem inserir o Acusado, desrespeitam
frontalmente a Constituição da República.
A Carta Magna diz em seu art. 5º, inciso XLVII, que é proibida a prisão por
dívida, excetuadas as hipóteses do inadimplemento da pensão alimentícia e a do
depositário infiel.
Por exclusão, o acusado não se insere nem na forma de alimentante, muito menos
na forma de depositário.
Em recente artigo, intitulado "Infração Tributária Não é Crime", publicado na
revista Boletim Informativo da Saraiva, de agosto de 1996 (fl. 05), o
Doutrinador e Professor Eduardo Marcial Ferreira Jardim, entendendo ser a Lei
8.137/90 inconstitucional, assim discorre:
"Igual raciocínio aplica-se às hipóteses em que o contribuinte deixa de pagar o
tributo supostamente descontado de terceiro, a exemplo do imposto sobre a renda
na fonte ou a contribuição previdenciária. Ao contrário dos dizeres literais da
legislação de fonte, o que ocorre é o seguinte: ao pagar "x" de salário, o
empregado deve pagar "y" de contribuição previdenciária e "z" de imposto de
renda na sistemática de fonte. O chamado desconto ou retenção simplesmente
inexiste. Mais: se existisse, ainda assim, o contribuinte não estaria exercendo
a função de depositário, até porque tal conceito vem cristalizado no Código
Civil - arts. 1.265/1.267, bem como no CPC por intermédio dos artigos 149, 150,
275, inciso II, 824, 825 e 919. Não bastasse isso, cumpre lembrar que a Teoria
Geral do Direito não autoriza ao legislador subverter conceitos para estipular
novas competências não deferidas pelo sistema normativo.
Como se vê o devedor de tributos, qualquer que seja a hipótese, é devedor de
dívida própria, o que torna inadmissível a pretendida criminalização da infração
tributária. O grau de absurdidade ganha foros de maior repúdio na medida em que
a aludida legislação desrespeita frontalmente a Constituição da República... "
O contribuinte, em qualquer destes casos, não recebe de ninguém o dinheiro a ser
recolhido aos cofres da Fazenda Pública.
O devedor de tributos, qualquer que seja a hipótese, é devedor de dívida própria
(ilícito civil).
Inadmissível, portanto, a pretendida criminalização do Acusado na infração
tributária pelas Leis 8.137/90 e 8.212/91, pois elas igualam o contribuinte ao
depositário ou apropriador de dinheiro da Fazenda Pública, o que não acontece no
caso concreto.
E, mesmo assim, para que alguém seja considerado depositário infiel de dinheiro
da Fazenda Pública, existe o rito da Lei 8.866/94, que exige a prévia
caracterização da situação de depositário infiel (art. 2º) com o ajuizamento da
ação civil (art. 3ºe 4º).
c) A POSTERIORIDADE DA LEI 8.212/91
A denúncia arrola as seguintes datas para as supostas faltas de pagamento dos
tributos: ....
Não há que se admitir o uso dessa Lei, em todas as supostas infrações, pois é
posterior a estas.
A Lei 8.212 é de 24 de julho de 1991, e quase todas as supostas infrações são
anteriores a esta Lei (com exceção .... e ....).
O Art. 5º, inciso XI da Constituição Federal estabelece, que as Leis não
retroagem, salvo somente para beneficiar o réu.
Aqui o Acusado está sendo inserido em crimes anteriores à Lei 8.212/91.
Mesmo se tivesse provado a materialidade de alguma infração nem todas elas
estariam inseridas na Lei 8.212, não podendo serem apreciadas para prejudicar o
acusado.
Por todo o exposto em preliminares, requer, desde já, que seja decretada inepta
a denúncia com a extinção do feito sem julgamento do mérito.
DO MÉRITO
O Nobre Representante do Ministério Público, de acordo com a denúncia e as suas
Alegações às fls. .... dos autos, pretende imputar aos Réus as sanções do Art.
2º , II da Lei 8.137/90 e art. 95, "d" da Lei 8.212/91.
Atribui-lhes ainda nesta peça tipificação por omissão própria, com o dolo
("animus rem sibi habendi"), como elemento subjetivo do tipo do crime em
questão.
Diz, consubstanciada a materialidade no Auto de Infração Fiscal, lavrado pela
autoridade previdenciária e pelas notificações de lançamento em Livro da
empresa.
Afirma condenáveis os Acusados por serem eles sócios de empresa com contrato
social por cota de sociedade limitada, assim cientes do ilícito e exclui a
punibilidade do Acusado ...., tomando por verdadeira a configuração deste como
sócio figurante de contrato e não administrativo.
A materialidade do suposto crime não está de forma nenhuma comprovada nos autos.
Para que o suposto crime se concretizasse, seria necessário que tivesse ocorrido
a apropriação de dinheiro pertencente a Fazenda Pública.
Verificando-se o documento, acostado aos autos, o Relatório Fiscal do Ministério
do Trabalho e da Previdência Social, no qual se baseou o Ministério Público para
a denúncia, este estabelece que:
"Os elementos e comprovantes que serviram de base para a constatação do fato
aqui relatado são as folhas de pagamento, rescisões contratuais e recibos de
pagamentos de salários."
Documentos estes que eram elaborados pelo Escritório .... de Contabilidade.
Escritório este que faz a contabilidade de mais de 200 empresas, e no fim de
cada mês envia as folhas de pagamentos e demais recibos salariais para as
empresas.
E nestes já vêm líquido a parte que deve ser paga ao empregado.
Ou seja, o valor bruto menos a contribuição da previdência.
Posteriormente, uma vez por mês, é que o escritório faz um apanhado de todas as
contribuições constantes das folhas de pagamentos e recibos, enviando a guia
para recolhimento, tanto da contribuição previdenciária do trabalhador como a
patronal.
E o Acusado sempre fez o pagamento dos empregados, com muita dificuldade pelo
valor líquido.
Desta forma, não há qualquer retenção de dinheiro dos funcionários, para
recolhimento a previdência.
Ocorreu a existência da dívida por falta de recolhimento, não uma apropriação
indébita.
E para que ocorresse a apropriação indébita seria necessário seguir-se o rito da
Lei 8.866/94, na qual é aberto prazo de 90 dias para recolhimento do tributo.
Não se recolhendo o tributo no prazo estabelecido, assim estaria caracterizado a
figura do depositário infiel.
"Penal. Falta de recolhimento de contribuições previdenciárias descontadas de
empregado. Natureza do delito previsto no artigo 95, "d", da Lei 8.212.
Não é a simples existência da dívida que se caracteriza a infração, dada a
garantia prevista no art. 5º, LXVI, da Constituição Federal. Delito omissivo
próprio que não prescinde da demonstração da fraude consistente em descontar a
contribuição dos empregados e não recolher os respectivos valores ao órgão da
Previdência Social. Superveniência da Lei 8.866/94, que cria a figura do
depositário da Fazenda Pública da pessoa obrigada a recolher impostos, taxas e
contribuições. Nova disciplina que exige a prévia caracterização de depositário
infiel (art. 2º) e o ajuizamento da ação civil (art. 3º e 4º). Descrição
insuficiente dos fatos na denúncia. Ordem deferida." (Ac. un. da 3ª T do TRF da
5ª R. HC - 406-PE - D.J.U. 05-08-94, p. 41.676 - in. Bol. iob VERBETE 3/10052).
Muitas vezes, Excelência, a empresa teve que emprestar dinheiro de agiotas,
juros exorbitantes, para fazer o "vale" dos empregados.
Chegando ao ponto de somar os valor de 02 ou 03 meses para pedir que o empregado
assinasse a folha de pagamento enviada pelo escritório, de mês anterior.
Ficando remontado, por vários meses, sem pagamento, tanto a folha salarial, como
a guia de recolhimento previdenciário, por total falta de dinheiro.
Como é que o Acusado, ou seus sócios, poderiam apropriar-se de dinheiro do INSS
dessa forma?
Se não estavam nem conseguindo pagar o salário líquido dos empregados. Somente
fazia vales.
Em nenhum momento houve a intenção de descontar a contribuição previdenciária do
salário dos empregados e ficar com o dinheiro, locupletando-se a custa do INSS.
O que ocorreu, Nobre Julgador, foi a impossibilidade total de pagar o salário
dos trabalhadores.
Tanto é que em .... o MM Juiz da ....ª Vara da Fazenda, Falências e concordatas
da Comarca de .... decretou a falência da empresa, por total falta de liquidez
tanto de funcionários como de fornecedores.
Fato devidamente comprovado nos autos, pelo depoimento da testemunha de defesa,
Síndica da falência (Dra. ....), que diz ainda que o Acusado não se apropriou de
dinheiro do INSS, mas sim deixou de pagar os funcionários, estando alguns deles
com créditos trabalhistas a receber da falência.
Ou seja, não pagou nem os salários das folhas de pagamentos apresentadas pelo
Escritório de Contabilidade.
Se o Acusado não conseguiu pagar os salários de seus empregados logicamente não
houve qualquer tipo de desconto previdenciário para ocorrer a apropriação.
Verificando-se, ainda, o depoimento da testemunha de defesa .... (O Contador do
Acusado), que acompanhou toda a vida da empresa do Acusado, onde este diz
textualmente que não houve uma apropriação de dinheiro do INSS, mas sim uma
impossibilidade de fazer até mesmo o pagamento dos empregados.
Desta forma, Excelência, não houve o dolo genérico, a vontade livre e consciente
do Acusado de apropriar-se indevidamente da contribuição previdenciária
descontada de recibos e folhas de pagamentos de seus empregados, como quer fazer
crer a Promotoria.
É totalmente improcedente a acusação que é imputada ao Acusado, pela não
materialização do delito.
Ainda, é improcedente a acusação por estar as Leis 8.137 e 8.212, em confronto
com a Carta Magna de 1988, que proíbe a prisão por dívida.
Se existisse, o que não é o caso, seria um ilícito civil, pelo não recolhimento
da contribuição previdenciária, devendo ser cobrado em ação civil própria,
habilitando-se o INSS na falência da empresa do Acusado.
Que, acrescente-se, tem crédito privilegiado sobre os demais credores.
DOS PEDIDOS
Pelo o exposto, pede que sejam acatadas as preliminares argüidas, com a
conseqüente extinção do feito sem julgamento do mérito.
Mas, se assim não entender Vossa Excelência, no mérito, pede a absolvição do
Acusado da imputação que imerecidamente lhe foi feita, pois é inocente, não
tendo cometido o delito que lhe é imputado.
E a absolvição do Réu se impõe, como medida de JUSTIÇA!!
Nesses Termos,
Pede Deferimento.
[Local], [dia] de [mês] de [ano].
[Assinatura do Advogado]
[Número de Inscrição na OAB]