IMISSÃO DE POSSE - CONEXÃO - DUPLA EXECUÇÃO DE TÍTULO - NULIDADE - CITAÇÃO
POR EDITAL
EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA ....ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE .... - DO ESTADO
DO ....
.... e seu marido .... (qualificações), ela portadora da CI/RG nº .... e
inscrita no CPF/MF sob o nº ...., ele portador da CI/RG nº .... e inscrito no
CPF/MF sob o nº ...., residente e domiciliados na Rua .... nº ...., na Comarca
de ...., Estado do ..., através de seus advogados abaixo assinados (procuração
em anexo), vêm, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, apresentar sua
CONTESTAÇÃO
aos termos da Ação de Imissão de Posse que lhes move o Banco .... fazendo-o
pelas razões de fato e de direito que passa a expor:
BREVE RELATO DOS FATOS
Os requerentes firmaram com o Banco .... um contrato de financiamento para
aquisição de sua casa própria, dentro dos moldes do Sistema Financeiro da
Habitação, datado de .... de .... de ....
Em função do aumento desarrazoado das prestações do contrato, e o constante
incremento do saldo devedor, fruto da aplicação de cláusulas abusivas e de
legalidade duvidosa - uma vez que em desarmonia com a Lei nº 4.380/64 que criou
o SFH - os requeridos acabaram por ficar inadimplentes. A inadimplência os levou
a ajuizar uma ação ordinária de revisão contratual (fotocópia em anexo),
protocolada em .... de .... de .... perante a ....ª Vara da Justiça Federal da
Comarca de ...., ao mesmo tempo em que ocasionou a execução do débito.
A via eleita pelo .... para promover o seu crédito foi a execução extrajudicial
baseada no Decreto-lei nº 70/66, que prevê rito sumário e administrativo, sem
controle judicial, até o leilão e adjudicação do imóvel garantidor do débito em
favor do credor. Pois bem, o primeiro leilão extrajudicial designado para o dia
.... de .... de .... - portanto já sub judice o contrato executado - foi
devidamente sustado por ordem judicial liminarmente concedida pelo MM. Juiz
Federal da ....ª Vara. A decisão foi agravada e o E. TRF da ....ª Região, em
sessão de .... de .... de ...., houve por bem reformá-la autorizando a execução
extrajudicial.
A ação de revisão contratual, por sua vez, teve regular prosseguimento até que
em sentença de .... de .... de ...., a Justiça Federal deu-se por incompetente e
ordenou a remessa dos autos à Justiça Comum, onde estão em trâmite perante o MM.
Juiz da ....ª Vara Cível.
Neste ínterim, e para surpresa dos requeridos, o requerido promoveu nova
execução, desta feita mediante ação judicial fundada na Lei nº 5.741/71, ora em
trâmite perante o MM. Juiz da ....ª Vara Cível da Comarca de .... Referida
execução foi devidamente embargada, estando o processo em fase de saneamento,
pendendo decisão quanto à competência e produção de provas.
Sinteticamente pode-se resumir assim os fatos: são três os processos lastreados
no mesmo contrato de mútuo, todos tramitando perante juízos distintos e, ainda
mais grave, são duas as execuções promovendo o mesmo crédito. Tais são os fatos
que justificam a presente contestação e, salvo melhor entendimento, tornam
inviável a pretendida imissão na posse. Senão vejamos.
DAS EXECUÇÕES
Ora, a existência, como se viu, de dois procedimentos de execução sobre a mesma
dívida, representa uma exacerbação do direito de agir e um ônus excessivo ao
devedor, que se vê na contingência de promover duas defesas, com todos os
dispêndios e inconvenientes delas resultantes, que vão do pagamento de custas ao
constrangimento da presença constante de oficiais de justiça, publicação de
editais apontando a inadimplência dos requeridos, etc. De resto, a duplicidade
de execuções implica em um bis in idem inaceitável e ilegal.
Com efeito, ambas as execuções não só visam o mesmo crédito, como estão
garantidas pelo mesmo bem, qual seja, o imóvel onde residem os requeridos.
Assim, a pendência de uma das execuções retira à outra a sua finalidade, dado
que uma vez penhorado/expropriado o bem em uma delas não há como se prosseguir,
com aproveitamento útil dos atos, na outra.
Se não há expectativa em se obter resultado útil mediante o processo, já que
satisfeito o crédito e realizada a garantia, a promoção da execução constitui-se
num abuso, em afronta aos princípios do resultado, da adequação e da menor
onerosidade.
O princípio do resultado veda a realização de atos que não tragam a satisfação
do crédito e, ainda assim, oneram em excesso o executado, que é exatamente o
caso dos autos.
Veja-se o ensino Araken de Assis em seu Manual de Processo de Execução:
"Paralelamente, o princípio do resultado, que sintetiza várias tendências
convergentes, tutela ao executado. Nenhum ato inútil, a exemplo da penhora de
bens de valor insignificante e incapazes de satisfazer o crédito (art. 659, §
2º), poderá ser consumado. Fiel à progressiva adequação do débito à
responsabilidade do executado, a execução é hoje parcial, ou seja, limita-se ao
necessário e suficiente para solver a dívida ... estatuindo que execução é
econômica, evitando maiores sacrifícios ao devedor que exigidos pelo resultado,
o art. 620 apenas enuncia que governa intimidade dos meios executórios."
(Manual de Processo de Civil, p. 98/99, Ed. RT, 3ª Edição).
Portanto, se uma das execuções é inútil, porque certamente não alcançará
resultado prático algum, é inviável e deve ser decretada nula. Mesmo porque,
como se disse, representa uma cobrança em duplicidade, o que obviamente não tem
nenhum respaldo legal.
O princípio da menor onerosidade é aquele estampado no art. 620 do CPC que reza
que:
"quando por vários meios o credor puder promover a execução o juiz mandará que
se faça pelo menos gravoso ao credor."
Ora, executar-se por dois meios distintos não só é ilegal pelo excesso óbvio que
implica como, ainda, representa a exata antítese do comando legal do art. 620 do
CPC.
Finalmente, o princípio encerrado no aforismo electa una via non datur regressus
ad alteram (escolhida uma via, não se pode recorrer a outra), aplicável com
perfeição ao caso em discussão, tem tido pleno reconhecimento jurisprudencial:
"Pode a execução, uma única execução, fundar-se em mais de um título
extrajudicial (Súmula 27/STJ). Não pode, porém, o credor promover duas
execuções, cobrando a mesma dívida ao mesmo tempo e separadamente, a saber, do
avalizado, com base no contrato, e dos avalistas, com base na nota promissória.
'Non bis in idem'"
(STJ-RF 330/303, in Theotônio Negrão, CPC anotado, 30ª edição, p. 602)
"Não pode o credor, de forma concomitante, ajuizar duas execuções distintas (uma
contra a devedora principal, aparelhada com o instrumento de contrato, e outra,
com base em promissória dada em garantia, contra os avalistas) buscando haver um
mesmo crédito. Conduta que afronta o art. 620, CPC, e o princípio que veda a
utilização simultânea de duas vias processuais que visem tutelas idênticas ou
equivalentes em seus efeitos ('electa una via non datur regressus ad alteram').
Admissível, em casos tais, a propositura de uma única execução contra avalizada
e avalistas, instrumentalizada com ambos os títulos - instrumento contratual e
promissória - (enunciado nº 27 da Súmula do STJ), o que se viabiliza mesmo
quando não figurem os referidos avalistas como garantes solidários no contrato,
ou quando o valor exigido com base neste seja superior ao reclamado com base na
cambial."
(RSTJ 79/229, in Theotônio Negrão, CPC anotado, 30ª edição, p. 602).
Pode-se dizer mesmo que se trata de um imperativo de ordem ética, de justiça e
equanimidade, a eleição de um único meio de execução. Não pode o suposto credor
intentar duas execuções a fim de, posteriormente, valer-se de que lhe trouxer os
melhores benefícios, quer seja na extensão de seu crédito.
Fixado o primeiro ponto, indiscutível sob qualquer ângulo, o de que é vedado ao
credor, in casu o Banco ...., valer-se de duas execuções para promover o seu
débito, resta estabelecer-se qual o meio que no caso deve prevalecer.
DA RENÚNCIA TÁCITA À EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL
Como se demonstrou, mesmo na pendência de uma ação em que se visa a discussão e
revisão de cláusulas contratuais, o Banco .... optou primeiramente pela promoção
da execução extrajudicial. Designado o primeiro leilão, foi o mesmo suspenso por
decisão judicial que, agravada, terminou por ser reformada. Amparado pelo
acórdão, o Banco .... prosseguiu da execução extrajudicial, onde adjudicou o
imóvel e, agora, intenta a sua imissão na posse.
Ocorre que, num segundo momento, o réu ajuizou execução de título extrajudicial,
visando o mesmo crédito e o mesmo bem. Ora, ao fazê-lo, face à impossibilidade
de duplicidade de execuções, o Banco .... tacitamente renunciou ao procedimento
extrajudicial preliminarmente estabelecido. Não há outra leitura possível, pois
do contrário não se poderá atribuir sentido lógico ao ajuizamento da execução
judicial. Dentro da ordem jurídica, e em especial, da ordem processual, não
subsistem atos inúteis e irrelevantes, a todos devendo-se emprestar sentido e
finalidade. No caso, a execução judicial, posterior à execução extrajudicial, só
pode significar a renúncia ao ato unilateral e administrativo, e a opção em
favor da segurança jurídica advinda da expropriação conduzida e fiscalizada pelo
Judiciário.
Trata-se de uma interpretação de bom senso, não só pelo seu aspecto puramente
lógico - o ato posterior incompatível com o anterior implica na
desistência/revogação deste - como pelo seu aspecto moral e jurídico, qual seja,
o de prestigiar a atuação jurisdicional em situações que impliquem na restrição
de direitos, no caso o direito de propriedade. Do mesmo modo, o reconhecimento
desta tese harmoniza-se como o já citado artigo 620 do CPC, que consagra o
princípio da menor onerosidade do executado.
Mas há ainda um segundo ponto que justifica e ampara a tese dos requeridos. Como
já se relatou, após a concessão da liminar e a sua revogação pelo TRF da ....ª
Região, a Justiça Federal declarou-se incompetente para o julgamento da causa,
com a remessa dos autos à Justiça Estadual. Ora, se é incompetente, todos os
atos de teor decisório contidos no processo são nulos e sujeitos a reapreciação
pelo novo Juízo da causa, incluídos aqui tanto a decisão concessiva da liminar
como a que a revogou.
Assim, não havendo decisão judicial válida quanto à viabilidade do procedimento
executório extrajudicial, os requeridos voltam a insistir na reapreciação da
inconstitucionalidade do Decreto-Lei nº 70/66 e, ainda, na ausência de intimação
regular dos devedores para, eventualmente, purgarem a mora.
O DECRETO-LEI Nº 70/66
Antes de se invocar a inconstitucionalidade do DL nº 70/66, os requeridos chamam
a atenção de Vossa Excelência para o fato de em nenhum momento terem sido
intimados pessoalmente da execução e possibilidade de purgar a mora, como
exigido no art. 31, § 1º do referido Decreto. Tal fato, por si só, é suficiente
para se anular todo o procedimento.
E nem se diga que o Oficial do Cartório de Registro de Títulos e Documentos
certificou a entrega da notificação. Repare-se que não há contra-fé dos
requeridos, apenas a certidão, e não há porque não foi entregue. Quer na
execução judicial, quer na presente imissão de posse, a citação foi regular e
sem maiores percalços. Por que razão então, pergunta-se, apenas o Oficial do
Cartório não teve sucesso em suas diligências? Aliás, sequer existe descrição
das diligências efetuadas e baldadas, que justificariam a intimação por edital.
Portanto, visivelmente irregular o procedimento extrajudicial de execução face à
ausência da intimação pessoal dos requeridos.
Mas há mais: a inconstitucionalidade do Decreto-Lei nº 70/66. Senão vejamos.
Com efeito, inconstitucionalidade reside antes no procedimento propriamente dito
(a privação da propriedade sem o devido processo legal), do que na
impossibilidade do Poder Judiciário apreciar eventuais atos lesivos decorrentes
daquele procedimento.
Certamente não se negará aos contestantes o direito de pleitear em juízo as
perdas e danos sofridos em razão da execução extrajudicial, ainda que a demora
desta prestação imponha sacrifícios e represente um gravame incompatíveis com os
princípios que orientam quer a constituição quer a legislação pertinente ao SFH.
O Decreto-Lei nº 70/66 não tem, "ainda", este alcance.
Contudo, referida norma é explicitamente inconstitucional quando se considera a
Constituição Federal em seu art. 5º, inc. LIV:
"LIV - Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo
legal."
Ora, devido processo legal, tal como formulado pela Constituição, tem claramente
o significado de apreciação jurisdicional, com a instauração de uma lide e as
respectivas garantias do contraditório, de direito de defesa (amplamente
considerado) e um juiz imparcial. Qualquer que seja o procedimento legal - mas
não jurisdicional, no sentido exposto acima - não representa a aplicação do
devido processo legal. Repita-se: legalidade - no caso, a existência de um
decreto-lei que respalda a atuação da instituição financeira - não se confunde e
não pode dar lugar ao devido processo legal com todas as suas garantias. E ai,
de maneira bastante clara e suficiente, reside a inconstitucionalidade do
Decreto-Lei nº 70/66.
Não por outra razão, o 1º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo já editou súmula
declarando inconstitucionais determinados dispositivos do Decreto-Lei nº 70/66,
verbis:
"Sum. 39. São inconstitucionais os art. 30, parte final, e 31 a 38 do
Decreto-Lei nº 70, de 21.11.66."
Em anexo segue recente decisão publicada pela Revista de Processo nº 22 de
out/dez 97 (Ed. RT), em que o MM. Juiz da 13ª Vara Federal de São Paulo, Dr.
Wilson Zauhy Filho, esmiuça com toda precisão a matéria discutida nestes autos.
O argumento mais absurdo, por ser calcado em um dado falso, é que o que compara
a necessidade da penhora para a propositura dos embargos e o procedimento do da
execução extrajudicial.
A inconstitucionalidade do Decreto-Lei, exatamente pelas razões expostas acima,
vem sendo reconhecida pela expressiva maioria de nossos Tribunais, uma quase
unanimidade.
Veja-se os seguintes acórdãos:
"1. A EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL CONSTITUI UMA FORMA DE AUTOTUTELA DA PRETENSÃO
EXECUTIVA DO CREDO EXEQÜENTE, REPUDIADA PELO ESTADO DE DIREITO. INFRINGE O
PRINCÍPIO DA INAFASTABILIDADE DA APRECIAÇÃO JUDICIÁRIA (CEF/88, ART. 5º, INC.
XXXV). FERE O MONOPÓLIO DE JURISDIÇÃO E O PRINCÍPIO DO JUÍZO NATURAL (INC.
XXXVII E LIII, DO ART. 5º CF/88) PRIVA O CIDADÃO/EXECUTADO DE SEUS BENS, SEM O
DEVIDO PROCESSO LEGAL (ART. 5º, INC. LIV). VIOLA O CONTRADITÓRIO E A AMPLA
DEFESA (ART. 5º, INC. LV, CF/88). NÃO ASSEGURA AO LITIGANTE DEVEDOR OS MEIOS E
SÓ RECURSOS NECESSÁRIOS À DEFESA DE SEUS BENS (ART. 5º, INC. LV, CF/88).
2. A EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL PREVISTA NO DECRETO-LEI Nº 70/66 E NA LEI Nº
5.741/71 NÃO FOI RECEBIDA PELA CARTA MAGNA BRASILEIRA DE 1988.
3. MS CONCEDIDO."
(MS 115121/93/DF, TR1, S2, DJ 08/08/94, P. 41738, RELATOR JUIZ NELSON GOMES DA
SILVA)
"PROCESSO Nº 95.0054552-7 - MEDIDA CAUTELAR - REQUERENTE: IRICE BENEDITA NUNES
DE GODOI - REQUERIDA: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL.
TRATA-SE DE MEDIDA CAUTELAR QUE TEM POR OBJETO A SUSPENSÃO DE LEILÃO EM EXECUÇÃO
EXTRAJUDICIAL EMBASADA NAS DISPOSIÇÕES DO DECRETO LEI Nº 70/66. OS FUNDAMENTOS
JURÍDICOS DO PEDIDO SÃO RELEVANTES, VEZ QUE O REFERIDO DECRETO LEI Nº 70/66,
APÓS O ADVENTO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988, É DE DUVIDOSA
CONSTITUCIONALIDADE PRESENTE, TAMBÉM, O PERIGO DA DEMORA, PORQUE A EVENTUAL
ARREMATAÇÃO DO BEM NO LEILÃO DESIGNADO CONFIGURARÁ DANO IRREPARÁVEL OU DE
DIFÍCIL REPARAÇÃO PARA O REQUERENTE POR ISTO, CONCEDO A LIMINAR PARA DETERMINAR
A SUSTAÇÃO DA EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL ATÉ A PROLAÇÃO DA SENTENÇA. PROMOVA A
REQUERENTE, EM 05 DIAS, A CITAÇÃO DO AGENTE FIDUCIÁRIO NA QUALIDADE DE
LITISCONSORTE PASSIVO NECESSÁRIO. OFICIEM-SE, INTIMEM-SE E CITEM-SE."
(São Paulo, 17 de novembro de 1995 - Marisa Ferreira dos Santos - Juíza Federal)
Tendo em vista o que se expõe, a hipótese do caso concreto revela
arbitrariamente por parte da entidade financeira, que age escorada em
Decreto-lei inteiramente inconstitucional.
Trata o referido decreto em seus artigos 31 e 32, da possibilidade de Execução
Extrajudicial, por parte do Credor, com o que veda os Princípios do
Contraditório e Ampla Defesa, garantidos pela Carta Magna, pois retira a
possibilidade de argumentação por parte dos devedores sobre a dívida
inadimplida, furtando-se-lhe a possibilidade de exercer a sua defesa, o que
culminará na perda de seu bem, quando só então poderá discutir em juízo a
questão, em prosseguimento de ação ordinária (artigo 37, § 2º), mas aí já terá o
adquirente imitido-se na posse do seu bem.
Com a propriedade que lhe cabe, Enrico Túlio Liebman orienta jurisprudência
firmada no TRF da 1ª Região, a qual transcrevemos:
"SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO - EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL - DECRETO-LEI Nº 70/66
- INCONSTITUCIONALIDADE.
O decreto-lei nº 70/66, de 1966, cuida de uma execução privada, e, portanto,
como observa Liebamn, é um retrocesso que rompe o fio da história, volvendo à
fase mais primitiva do direito romano, ou seja, aquela em que, após apossar-se
da própria pessoa do devedor, o credor obtinha a additio. O título obtido,
mediante arrematação baseada no artigo 37, § 2º, do Decreto-lei nº 70, de 1966,
ainda que devidamente inscrito ou transcrito no Registro de Imóveis, é
imprestável para propiciar a imissão na posse, em razão da referida norma legal
não Ter sido recepcionada pela Constituição de 1988."
(TRF - 1ª R. - Ac. da 3ª T., publ. Em 26.02.96 - Ap. Civ. 95.01.32996.8 - MT -
Rel. Juiz Tourinho Neto - Caixa Econômica Federal X Henrique Siqueira Milanez).
Resta demonstrada a inconstitucionalidade do decreto em discussão, não devendo
prosperar a sua aplicação, pois contrária a Constituição.
Afora a inconstitucionalidade pelas razões apontadas, ao contrário do que
pretende o requerido, referido decreto também implica na violação do princípio
da inafastabilidade de apreciação do Poder Judiciário, senão vejamos:
Quando se menciona a inconstitucionalidade da execução extrajudicial, que esta
viola o princípio da inafastabilidade da apreciação do Judiciário, além de
desconsiderar o princípio da ampla defesa e do contraditório, é necessário que
venha aos autos conceitos básicos de tais princípios, além de esclarecer quanto
a algumas garantias constitucionais:
"Princípio da inafastabilidade da apreciação judiciária ou da jurisdição única:
Nos modernos sistemas processuais, inclusive o brasileiro, o direito de recorrer
ao judiciário para a correção das lesões aos direitos individuais tornou-se
garantia constitucional. Dispõe o art. 5º, XXXV, da Constituição Federal:
'A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a
direito'. A determinação constitucional dirige-se diretamente ao legislador
ordinário e, consequentemente, a todos os atos, normativos ou não, que possam
impedir o exercício do direito de ação. Nesse dispositivo acha-se garantida a
faculdade de pedir ao judiciário a reparação da lesão de direito, praticada por
particulares ou pelos próprios agentes do poder público, de tal forma que nem
mesmo as leis processuais poderão estabelecer hipóteses que impeçam o exercício
desse direito de ação."
(GRECO FILHO, Vicente, Direito Processual Civil Brasileiro, 12ª ed., pág. 41,
Saraiva, São Paulo, 1996).
"Princípio do Contraditório e ampla defesa
...
5) Completando e explicitando a garantia anterior, o inc. LV assegura aos
litigantes em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, o
contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.
Consideram-se meios inerentes à ampla defesa: a) ter conhecimento claro da
imputação; b) poder apresentar alegações contra a acusação; c) poder acompanhar
a prova produzida e fazer contraprova; d) ter defesa técnica por advogado, cuja
função, aliás, agora, é essencial à Administração da Justiça (CF, art. 133); e
e) poder recorrer da decisão desfavorável. Por sua vez, o contraditório é
técnica processual e procedimental que impõe a bilateralidade do processo. Todos
os atos do processo devem ser realizados de modo que a parte contrária possa
deles participar, ou pelo menos, impugná-los em contramanifestação."
(GRECO FILHO, Vicente, Direito Processual Civil Brasileiro, 12ª ed., pág. 47,
Saraiva, São Paulo, 1996).
Portanto, também inconstitucional o Decreto-Lei nº 70/66 por violar o princípio
da inafastabilidade de apreciação pelo Poder Judiciário.
Em anexo, seguem três decisões comentadas que reconhecem a inconstitucionalidade
do Decreto-Lei nº 70/66 e, do mesmo, justificam a improcedência da presente
imissão de posse, por estar lastreada em procedimento irregular e
inconstitucional.
DA CONEXÃO
Finalmente há que se reconhecer que entre os três processos que fundados no
contrato de financiamento, quais sejam, o processo de execução, a ação ordinária
(onde também se discute o procedimento extrajudicial) e a presente imissão de
posse.
Ora, o que se pede é o reconhecimento da conexão, que implica na reunião dos
processos e julgamentos simultâneo, a fim de evitar decisões contraditórias.
Trata-se, na verdade, de uma questão de bom senso. Imagine-se, por exemplo, que
o MM. Juiz da ....ª Vara Cível reconheça constitucionalidade do Decreto-Lei nº
70/66 e Vossa Excelência, ao contrário, julgue-o inconstitucional. Como
harmonizar tais decisões? O mesmo ocorrerá com as demais questões argüidas em
ambas as ações.
Finalmente, o presente pedido de conexão encontra respaldo em jurisprudência e
doutrina rigorosamente iguais ao caso concreto. É a lição de Nelson Nery Júnior:
"Para existir conexão, basta que a causa de pedir em apenas uma de suas
manifestações seja igual nas duas mais ações. Existindo duas ações fundadas no
mesmo contrato, onde se alega inadimplemento na primeira e nulidade de cláusula
na Segunda, há conexão. A causa de pedir remota (contrato) é igual em ambas as
ações, embora a causa de pedir próxima (lesão e inadimplemento), seja
diferente."
(Código de Processo Civil comentado, Ed. RT, 4ª edição, p. 577, nota nº 5 ao
art. 103).
DO CONTRATO DE FINANCIAMENTO
No que tange ao contrato de financiamento propriamente dito, os requeridos, por
amor a brevidade e economia processual, remetem-se ao contido na ação ordinária
já referida, cuja fotocópia integral segue em anexo. Apenas mencione-se que o
Plano imposto pelo Banco aos mutuários não tem respaldo legal, uma vez que
dentro do SFH só admite-se o Plano de Equivalência Salarial, bem como as
cláusulas de reajuste de saldo devedor, que prevêem a utilização da TR e da
Tabela Price, que representaram um aumento indevido e exagerado das prestações,
acarretando a inadimplência dos requeridos.
Ora, se o contrato é a base para a promoção da execução contém cláusulas ilegais
e abusivas, a imissão de posse fruto deste contrato não pode prosperar.
DO PEDIDO
Face ao exposto requer-se à Vossa Excelência que, acolhendo as teses esboçadas
pelos requeridos, duplicidade de execução, nulidade de execução extrajudicial,
conexão e excesso de execução, seja julgada improcedente a presente ação de
imissão de posse.
Por todo exposto, igualmente, deve ser mantida a decisão de não concessão da
liminar, uma vez que as razões trazidas aos autos pelos requeridos demonstram a
total impertinência da ação. Portanto em seu favor militam o periculum in mora e
o fumus boni iuri.
Requer-se, desde já, a produção de todos os meios de prova admitidas em direito.
N. Termos,
P. Deferimento.
...., .... de .... de ....
.................
Advogado