Apelação referente à reserva legal de vagas para pessoas portadoras de deficiência em concurso de cartório.
EXMO. JUIZ DE DIREITO DA .... VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE ......
O Ministério Público do Estado de .........., por meio de sua Promotoria de
Justiça de Defesa dos Direitos das Pessoas Portadoras de Deficiência e dos
Idosos, vem, nos termos do art.296 do Código de Processo Civil, interpor
APELAÇÃO
contra decisão judicial que extinguiu AÇÃO CIVIL PÚBLICA proposta por este órgão
em face do Estado de ........., do Presidente do Tribunal de Justiça do Estado
de ......., Desembargador ............, e do 2º Vice-Presidente do Tribunal de
Justiça do Estado de ............ e Diretor da Escola Judicial "Desembargador
...........", Desembargador ......
Apresentadas as razões recursais, em anexo, requer seja o mesmo recebido e
apreciado por Vossa Excelência, exercendo a faculdade prevista no art.296 do
Código de Processo Civil. Em sendo mantida a sentença recorrida, requer sejam os
autos encaminhados ao Egrégio Tribunal de Justiça para prosseguimento do feito.
Nesses Termos,
Pede Deferimento.
[Local], [dia] de [mês] de [ano].
[Assinatura]
EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE ....
PROCESSO Nº............
AÇÃO CIVIL PÚBLICA
RECURSO DE APELAÇÃO
APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE ......
APELADO: ESTADO DE ........................... E OUTROS
O Ministério Público do Estado de .........., por meio de sua Promotoria de
Justiça de Defesa dos Direitos das Pessoas Portadoras de Deficiência e dos
Idosos, vem, nos termos do art.296 do Código de Processo Civil, interpor
APELAÇÃO
pelos motivos de fato e de direito a seguir aduzidos.
RAZÕES RECURSAIS
Colenda Câmara
Eminentes Julgadores
PRELIMINARMENTE
1- Legitimidade do Ministério Público
Segundo o douto julgador "o Ministério Público tem atribuição para defesa dos
interesses sociais, coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos, como por
exemplo: em questões afetas à criança e ao adolescente, aos consumidores, dentre
outros, conforme previsão de lei, sendo que poderá manejar a ação civil pública
apenas nesses apontados casos." (fl.196).
Segundo consta da decisão a quo, trata-se a ação de tentativa de se defender
direitos individuais, homogêneos e disponíveis.
1.1 - Interesse difuso
Antes de mais nada, importante ser esclarecida a difícil distinção entre
direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, para que então possamos
analisar a legitimidade do Ministério Público.
A conceituação do que é direito difuso, coletivo e individual homogêneo é dada,
pelo legislador, no art.81, parágrafo único da Lei nº8.078/90 (Código de Defesa
do Consumidor), que só então, explicitamente, positivou o que já era aceito na
doutrina e nos próprios tribunais, acompanhando posição majoritária:
Art.81 A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá
ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.
Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:
I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste Código,
os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas
indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;
II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste
Código, os transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo,
categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma
relação jurídica base;
III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os
decorrentes de origem comum.
Nota-se, portanto, que os elementos caracterizadores de tais definições são: a
transindividualidade do direito, a divisibilidade do mesmo, a determinabilidade
dos titulares do direito e a origem deste.
No entanto, a operação de definir determinado direito como difuso, coletivo ou
individual homogêneo é um pouco mais complexa do que mera subsunção da realidade
ao texto legal supracitado.
A complexidade pode ser vislumbrada, a título de exemplificação, quando se fala
em propaganda enganosa de um produto oferecido em relação de consumo. A
princípio, tal questão é de natureza difusa, visto que um número indeterminável
de indivíduos encontra-se submetida à referida propaganda, possuindo, toda a
sociedade, enquanto constituída por consumidores, o direito a uma propaganda
verdadeira e fiel à realidade do produto oferecido. No entanto, quando pessoas
chegam a adquirir o produto, movidas pelas razões despertadas ao assistirem tal
propaganda enganosa, verifica-se, agora, a existência de um grupo de pessoas
perfeitamente determinável. Em seguida, ao pleitearem a rescisão do contrato,
com a devolução da quantia paga pelo produto, vemos que cada pleiteante terá
direito à devolução de certo montante, conforme o que foi pago por ele no
estabelecimento comercial onde celebrou o contrato.
Vê-se, portanto, que, se num primeiro momento falava-se em interesse difuso, ao
final, foi dado um exemplo de como a mesma matéria passa perfeitamente a ser
configurada como interesse individual homogêneo.
Assim é o direito à reserva de vagas às pessoas portadoras de deficiência em
concursos públicos.
É verdade que, após as inscrições, os portadores de deficiência que se sentiram
lesionados no seu direito à reserva de vagas poderão pleitear a reparação de tal
lesão, tratando-se de interesse individual. Não é no entanto, o objetivo da ação
ora proposta.
O que pretende o Ministério Público é que seja respeitado o direito das pessoas
portadoras de deficiência ao mercado de trabalho. Como forma de se assegurar uma
igualdade material, o legislador constituinte autoriza tratamento diferenciado
às pessoas portadoras de deficiência. Um dos instrumentos para a integração ao
mercado de trabalho destas pessoas é justamente a reserva de vagas, na esfera
privada, bem como na pública. Tal direito é, por excelência, difuso, visto que
seu titular é um número indeterminado de pessoas, variável no tempo, portadoras
de deficiência, que têm um direito indivisível, qual seja, de verem a realização
de um concurso público contemplador de seus direitos, em especial o direito à
reserva de vagas, e não eivado de irregularidades.
Este objetivo encontra-se claro na peça exordial, sendo citados alguns trechos a
seguir demonstrando o afirmado:
"Patente, portanto, o dever do Poder Público em promover as medidas necessárias,
sejam estas de natureza normativa, sejam administrativas, no sentido de se
assegurar a reserva de mercado às pessoas portadoras de deficiência. Note-se
que, ao se falar em reserva nas entidades da Administração Pública e do setor
privado, quis-se com isso a real inserção das pessoas portadoras de deficiência
nas duas esferas de atividades, na pública e na privada." (fls.07)
"No caso em tela, os editais foram elaborados, pelos agentes públicos, também
réus neste feito, considerando-se apenas as duas leis supracitadas (Lei Federal
nº8.935/94 e Lei Estadual nº12.010/98), não se fazendo referência à reserva de
vagas aos portadores de deficiência.
(...)
Ao ser elaborado o edital para o concurso público, no entanto, encontra-se o réu
submetido a toda legislação em vigor, ao ordenamento jurídico como um todo, e
não apenas às leis federal e estadual da atividade de registro e notarial.
E o ordenamento jurídico brasileiro, desde a Constituição Federal até a própria
legislação ordinária, se inclina no sentido de o Estado, o Poder Público, a
sociedade se responsabilizarem pela inserção das pessoas portadoras de
deficiência no mercado de trabalho, nos termos legais já expostos (fls.10).
(...)
"Face o exposto, recebida e autuada a presente inicial e as peças e documento
que a instruem, pede-se:
A)seja concedida a decisão liminar requerida no item anterior, nos termos do
art.12 da Lei nº7347/85, para que se suspenda a execução de atos que importem no
prosseguimento do concurso público, em especial a realização das provas, que não
contemplem a reserva de vagas aos portadores de deficiência; (...)
(...)
B) seja, ao final, julgada PROCEDENTE a ação para decretar a nulidade do edital,
e condenar os réus à obrigação de fazer, nos temos do art.3º da Lei nº7347/85,
ficando os mesmos obrigados a abrirem novas inscrições, sob novo edital, em que
sejam reservadas vagas aos portadores de deficiência, com as especificações
exigidas na Lei Estadual nº11.867/95; (...)" (fls.13) - grifo nosso.
Note-se que não foi pedido para que se reservasse vagas para os portadores de
deficiência inscritos no concurso público. O pedido consiste em, face a
ilegalidade do edital, seja a mesma reconhecida e sejam os réus condenados a
elaborarem novo edital, livre de irregularidades, nos termos da Constituição
Federal e legislação vigente, reservando-se vagas aos portadores de deficiência
e, consequentemente abrindo-se novas inscrições para que TODOS OS INTERESSADOS
POSSAM EXERCER O DIREITO DE PLEITEAREM A SUA INSCRIÇÃO EM UM CONCURSO REGULAR.
Afirmaria, ainda, que primeiramente há um edital que estabelece as regras do
certame público, contemplando ou não a reserva de vagas, sendo regular ou não,
legal ou não. Ao se elaborar um edital em desconformidade ao ordenamento
jurídico, ofende-se um direito preexistente, o direito à reserva de vagas.
Direito assegurado pela Constituição Federal de 1988 e legislação
infraconstitucional, devidamente regulamentada, cujos titulares são TODAS as
pessoas portadoras de deficiência. Aqui, não se fala em aptidão, capacidade ou
grau de instrução. Aqui apenas se vislumbra a existência de um direito
desrespeitado pelo Estado. O direito à reserva de vagas é corolário do direito à
acessibilidade ao mercado de trabalho como forma de assegurar a integração
social da pessoa portadora de deficiência. Ora, trata-se de direito difuso,
indivisível e indisponível por excelência.
Neste momento verifica-se a irregularidade do mesmo ao não assegurar a reserva
de vagas aos portadores de deficiência. Com o edital publicado não se sabe a
qual vaga terá direito o portador de deficiência; todos os interessados,
portadores de deficiência ou não, vislumbram, no momento, o certame público. NÃO
HÁ QUE SE FALAR EM DETERMINADA VAGA, DE DETERMINADA CIDADE, PARA DETERMINADO
CARTÓRIO SER DIREITO DE DETERMINADA PESSOA. O próprio princípio da
impessoalidade impõe que seja assim.
Apenas no momento seguinte, com a abertura das inscrições e a efetivação das
mesmas é que se vislumbra a ofensa em seu aspecto concreto e individual.
É naquele momento em que o Ministério Público age questionando a regularidade do
edital, que não previu, nem regulamentou a participação da pessoa portadora de
deficiência, para que concorresse às vagas abertas e, em momento posterior,
fossem destinadas as correspondentes à reserva aos primeiros colocados. Agora
sim de forma determinada, individual e sujeita à disponibilidade de seu titular.
O Edital foi omisso.
Todos os portadores de deficiência foram lesados em seu direito à reserva DE
vagas e não à reserva DA vaga. Não se sabe, nem seria possível descobrir quantos
e quais portadores de deficiência fariam inscrição, se regular o edital, bem
como não se pode afirmar que determinada vaga pertence a determinado indivíduo.
O interesse jurídico, aqui, é de todos os portadores de deficiência,
indistintamente, e não fica sujeito a individualização.
Sobre interesse jurídico ensina Péricles Prade:
" Em síntese unificadora, interesse jurídico significa a relevância de ordem
material ou também instrumental, subjetivada ou não subjetivada, conferida pelo
direito positivo a determinadas situações respeitantes ao indivíduo isolado, ao
grupo ou à coletividade maior" ("CONCEITO DE INTERESSES DIFUSOS"- 2. Ed. SP:
Revista dos Tribunais, 1987 p.18).
O direito à reserva de vagas decorre diretamente da integração da pessoa
portadora de deficiência ao mercado de trabalho, que por sua vez encontra-se
positivado no art.2º, parágrafo único, inciso III, 3º e 4º parágrafos da Lei
Federal nº7853/89, art.36 do Decreto nº3298/99 (que regulamenta a citada lei),
Lei Federal nº8213/91 e Lei Estadual nº11.867/95.
Em todos estes dispositivos busca-se tornar acessível o mercado de trabalho a
todos os portadores de deficiência, como forma de se dar efetividade ao
princípio da igualdade em seu aspecto material. Tal tratamento encontra guarida
na Constituição Federal de 1988 que, ao lado do princípio da igualdade, previsto
em seu art.5º, caput, determina tal medida nos seguintes dispositivos: 23,
inciso II; 24, inciso XIV; 37, inciso VIII. Dispositivos estes cujos
beneficiários são todos os portadores de deficiência, indistintamente.
Equivoca-se, portanto, o ilustre julgador ao restringir a demanda aos portadores
de deficiência que preenchem os requisitos para a ocupação do cargo.
A ação civil pública proposta busca demonstrar a irregularidade do edital,
quando então ofende-se o direito constitucionalmente assegurado da reserva de
vagas, e não reparar lesão aos portadores de deficiência QUE SE INSCREVERAM no
concurso.
Não se trata portanto de direito individual.
Assim, indevido restringir o interesse por um concurso público regular aos
portadores de deficiência que, em tese, poderiam ser nomeados e passariam a
exercer as atividades de notário.
Pois bem, claro ficou que não se trata de defender interesses individuais
homogêneos, visto não haver como se determinar os feridos em seu direito de ser
realizado um concurso público respeitador do direito constitucional de reserva
de vagas a portadores de deficiência. Também porque, pelo próprio princípio da
impessoalidade, não há que se falar em reparação do dano, de forma determinada
para cada portador de deficiência, conforme a extensão da lesão, como ocorreria
na troca de mercadoria produzida, em série, de forma defeituosa, por exemplo.
Até porque o direito a pleitear inscrição existe para TODOS os cidadãos, apenas
em momento posterior se verificará o preenchimento das condições preliminares e,
ainda, apenas APÓS a correção das provas é que se avaliará a aptidão intelectual
e técnica do candidato à vaga e se fará a comparação com os demais candidatos.
Patente, portanto, a impossibilidade de se individualizar e dividir a questão
objeto da lide, quando o objetivo é avaliar a legalidade DE EDITAL.
Neste sentido, ilustrando como a lide tem como objeto a ilegalidade de um
edital, e não a mera reparação de lesão aos portadores de deficiência inscritos
no concurso, o ensinamento de Hugo Nigro Mazzilli, ao tratar de interesses
individuais homogêneos, contrapondo-os aos difusos e coletivos:
"Como exemplo de interesses individuais homogêneos, suponhamos os compradores de
veículos produzidos com o mesmo defeito de série. Sem dúvida, há uma relação
jurídica comum subjacente entre os consumidores, mas o que os liga no prejuízo
sofrido não é a relação jurídica em si (como ocorre quando se trate de
interesses coletivos, como numa ação que vise a combater uma cláusula abusiva em
contrato de adesão), mas sim é antes o fato de que compraram carros do mesmo
lote produzido com o defeito em série (interesses individuais homogêneos), sendo
que cada integrante do grupo tem direito à reparação devida.
Em outra palavras, é óbvio que não apenas os interesses coletivos, em sentido
estrito, têm origem numa relação jurídica comum. Também nos interesses difusos e
individuais homogêneos, há uma relação jurídica subjacente que une o respectivo
grupo; contudo, enquanto nos interesses coletivos, propriamente ditos, a lesão
ao grupo provém diretamente da própria relação jurídica, questionada no objeto
da ação coletiva, já nos interesses difusos e individuais homogêneos, a relação
jurídica é questionada apenas como causa de pedir, com vista à reparação de um
dano fático indivisível (como nos interesses difusos) ou, às vezes, até mesmo
divisível (como nos interesses individuais homogêneos)."
O direito à reserva de vagas das pessoas portadoras de deficiência é
indivisível, uma vez que consiste em um direito pertencente a todos os
portadores de deficiência e, como exaustivamente demonstrado acima, apenas com o
deferimento das inscrições E com o resultado do concurso e a divulgação dos
aprovados no mesmo que passa a ser individualizável e divisível.
Clara, portanto, a natureza difusa do direito objeto da lide.
Esclarecedor o ensinamento de Hugo Nigro Mazzilli:
"Há interesses difusos: a) tão abrangentes que chegam a coincidir com o
interesse público, como o meio ambiente; b)menos abrangentes que o interesse
público, por dizerem respeito a um grupo disperso, mas que não chegam a
confundir-se com o interesse geral da coletividade; c) em conflito com o
interesse da coletividade como um todo; d) em conflito com o interesse do
Estado, enquanto pessoa jurídica; e) atinentes a grupos que mantêm conflitos
entre si (interesses transindividuais reciprocamente conflitantes)" ("A DEFESA
DOS INTERESSES DIFUSOS EM JUÍZO"; p.47; 13. Ed.; SP; Saraiva; 2001).
O objeto da presente ação enquadra-se na segunda hipótese, ou seja, trata-se de
um interesse cujo titular é um grupo disperso, menos abrangente que o interesse
coincidente com o interesse público, entendido este como interesse social, da
sociedade como um todo.
1.2 - Interesse coletivo
Quando muito seria possível admitir-se a natureza coletiva de tal direito;
pertencente à coletividade das pessoas portadoras de deficiência, uma vez que
indivisível, conforme fundamento exposto acima, e com titulares determináveis,
quais sejam, os portadores de deficiência. Impossível, no entanto, confundi-los
na presente ação, com os interesses individuais homogêneos, estes sim divisíveis
e com uma origem comum.
Assim, na presente ação civil pública, a ilegalidade existe em função da
ausência da reserva de vagas, e deve ser apreciada independentemente de quem se
inscreveu no concurso, pelo grave fato de desconsiderar um direito
constitucionalmente assegurado a todos os portadores de deficiência. Mais uma
vez, o objetivo não é reparar a lesão aos portadores de deficiência que se
inscreveram no concurso.
"O direito à integração, como um conjunto de normas do Poder Legislativo é de
interesse coletivo e difuso, já que pertinem ao interesse de todo um grupo de
pessoas."
É o que ensina o Dr. Em Direito Constitucional, Luiz Alberto David Araújo, em "A
PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DAS PESSOAS PORTADORAS DE DEFICIÊNCIA" (2. Ed. Brasília,
Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência-CORDE,
1996, p.107). E, em nota confirma:
"corroborando esta posição, a Lei nº7853, de 24 de outubro de 1989, em seus
artigos 3º e seguintes, cuidou de elencar, expressamente, o interesse das
pessoas portadoras de deficiência ao lado de outros interesses difusos e
coletivos, conferindo sua defesa ao Ministério Público".
Claro restou, portanto, a natureza difusa, ou até coletiva no entender de
alguns, do interesse defendido pelo Ministério Público na presente ação civil
pública, encontrando respaldo na Constituição Federal, em seu art.129, inciso
III.
1.3 - Interesse individual homogêneo
Em que pese toda argumentação anterior no sentido da não configuração do direito
à reserva de vagas como individual homogêneo, ainda que se considere exata esta
classificação, há que ser reconhecida a legitimidade do Ministério Público na
defesa dos mesmos, visto o evidente interesse social existente na integração do
portador de deficiência no mercado de trabalho, neste caso através da reserva de
vagas.
Não se deve confundir direitos individuais homogêneos com individuais plúrimos,
gozando aqueles de relevância social, recebendo tratamento de metaindividuais
pelo legislador, ensejando o DEVER de atuação do Ministério Público na defesa
dos mesmos.
Ainda que se admita o caráter econômico da pretensão, justificada está a atuação
do Ministério Público por se tratar da garantia da integração das pessoas
portadoras de deficiência no mercado de trabalho. Integração esta que, por
previsão constitucional e infraconstitucional, se dá pela reserva de vagas.
O argumento da disponibilidade do direito, alegada na sentença como óbice à
legitimidade do Ministério Público, não obstante entender esta Promotoria não
ser a característica do direito defendido na ação proposta, conforme demonstrado
exaustivamente acima, não pode prosperar. Visto que têm origem comum, sendo
então homogêneos, merecem a tutela coletiva prevista na legislação em vigor.
A Lei Federal nº7853/89 dispõe sobre "o apoio às pessoas portadoras de
deficiência, sua integração social, sobre a Coordenadoria Nacional para
Integração da Pessoa Portadora de Deficiência - Corde, institui a tutela
jurisdicional de interesses coletivos ou difusos dessas pessoas, disciplina a
atuação do Ministério Público, (...)"- grifo nosso. Referida lei foi criada em
obediência ao dever constitucional dos entes federativos de dar proteção e
garantia aos portadores de deficiência, evidenciando-se o interesse social da
matéria e a própria situação de hipossuficiência em que se encontram os
portadores de deficiência.
A Lei nº7853/89, ainda, em seu art.7º, determina a observância da Lei nº7347/85,
disciplinadora da ação civil pública e que foi modificada pelo Código de Defesa
do Consumidor que, finalmente, gera reflexos na primeira, devendo ser inserido
nesta a hipótese dos direito individuais homogêneos. O que leva, mais uma vez, à
legitimidade do Ministério Público para o presente feito.
Assim leciona o Prof. José Marcelo Menezes Vigliar:
"O primeiro aspecto de importância diz respeito aos legitimados ativos (art.3º
da Lei nº7.853/89), inclusive e principalmente o Ministério Público, que podem
deduzir em juízo a defesa dos interesses difusos, coletivos e individuais
homogêneos (principalmente os previstos no art.2º, parágrafo único e incisos) da
pessoa portadora de deficiência". E em nota explica: "O art.3º, caput, da Lei
nº7853/89, não fala dos interesses individuais homogêneos da pessoa portadora de
deficiência. Contudo, a legislação posterior, mormente o "Código de Defesa do
Consumidor", determinou, com a remuneração dos dispositivos da Lei nº7347/85,
que os interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos fossem tratados da
mesma forma que estão disciplinados no Título III do mesmo diploma. Portanto, o
art.3º da Lei nº7853/89 deve ser interpretado conjuntamente com os arts. 81 e 82
da Lei nº8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) e 21 da Lei nº7347/85 (Lei da
Ação Civil Pública)" ("AÇÃO CIVIL PÚBLICA", 2ed., SP, editora Atlas, 1998,
p.119).
Ademais, a necessidade de se assegurar a eficácia do processo e da prestação
jurisdicional, facilitando-se o acesso ao Judiciário pela legitimação
extraordinária, diminuindo-se o número de demandas e, principalmente,
evitando-se sentenças contraditórias, justifica igualmente a legitimidade do
Ministério Público, cuja missão institucional é também a defesa dos interesses
sociais, aqui presente pela natureza do direito, bem como pela qualidade da
parte.
Na legislação encontramos exemplos da legitimidade do Ministério Público na
defesa dos investidores do mercado mobiliário, do consumidor e das crianças e
adolescentes. É vasta já a jurisprudência neste sentido, conforme colacionado a
seguir.
2 - Inépcia da petição inicial
Não obstante a ação ter sido extinta pela ilegitimidade do Ministério Público, o
ilustre julgador, na fundamentação da sentença, aventou uma questão, em caráter
subsidiário, que igualmente deve ser examinada neste recurso, visto tratar-se de
questão de ordem pública .
Afirma-se na sentença que, como não há disputa sobre todas as vagas existentes
no Estado, concorrendo cada candidato à serventia específica, inexeqüível seria
a reserva de vagas às pessoas portadoras de deficiência. A inépcia decorreria da
inexistência de conclusão lógica e exeqüível do pleito pela narração feita ao
que foi pedido (art.295, parágrafo único, inciso II do Código de Processo
Civil).
Segundo Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery:
"A petição inicial é um silogismo composto da premissa maior, premissa menor e
da conclusão. Narrando o autor uma situação e concluindo de forma ilógica
relativamente à narração, tem-se a inépcia da petição inicial, pois a conclusão
deve decorrer logicamente da premissa menor subsumida à maior. Não se pode
narrar, por exemplo, um fato que nulificaria o contrato e pedir-se o cumprimento
do contrato." (CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL COMENTADO; Editora Revista dos Tribunais
Ltda.; 5ªedição; 2001; SP; p.768).
Pois bem, na ação proposta temos a seguinte conclusão: nulidade do edital do
concurso público para serviço notarial e de registro, com conseqüente dever de
se elaborar um novo, com novas inscrições, nos termos da legislação em vigor.
Como premissa maior temos:
a) o princípio da igualdade erigido como norteador do Estado e de todos os atos
praticados por seus entes, órgãos e agentes;
b) competência da União, Estados e Distrito Federal legislarem sobre a proteção
e integração social das pessoas portadoras de deficiência;
c) a Lei Federal nº7853/89 que visa garantir às pessoas portadoras de
deficiência as ações governamentais necessárias ao seu cumprimento e das demais
disposições constitucionais e legais que lhes concernem, devendo o Poder Público
e seus órgãos dispensar tratamento prioritário e adequado para viabilizar a
promoção de ações eficazes que propiciem a inserção, nos setores públicos e
privado das pessoas portadoras de deficiência e a adoção de legislação
específica que discipline a reserva de mercado de trabalho a essas pessoas, nas
entidades da Administração Publica e do setor privado;
d) o dever da administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios em, mediante lei
específica, reservar percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas
portadoras de deficiência com a definição dos critérios para sua admissão;
e) o dever da administração pública do Estado de ...........................
reservar 10% dos cargos ou empregos públicos, EM TODOS OS NÍVEIS, para as
pessoas portadoras de deficiência, devendo, por força da própria Lei Estadual
nº11.867/95, o edital especificar, em separado, a habilitação necessária ao
exercício da atividade e o número de vagas destinadas aos portadores de
deficiência;
f) o dever da empresa com cem ou mais empregados preencher de dois a cinco por
cento de seus cargos com beneficiários da Previdência Social reabilitados ou com
pessoa portadora de deficiência habilitada;
g) o ingresso na atividade notarial e de registro depender de concurso público
de provas e títulos a balizar a delegação do serviço público.
Em resumo, o direito à reserva de vagas em contraposição ao dever do Estado de
garantir tal direito.
E, como premissa menor, a ausência da reserva de vagas no edital, facilmente
verificada nos próprios autos.
Patente, portanto, a presença de todos os elementos necessários para a devida
defesa da ação e julgamento da mesma, importando o comentário quanto à
possibilidade de se efetuar reserva de vagas no concurso sub judice verdadeiro
exame de mérito, a ser argüido em defesa e discutido em sede de impugnação
àquela. Mesmo que assim não fosse, antes da extinção do feito dever-se-ia
oportunizar ao autor a emenda da peça inicial, visto que ainda não houve a
citação dos réus. É o que impõe o art.284 do Código de Processo Civil, o
princípio da economia processual e da instrumentalidade do processo.
DO MÉRITO
DOS FATOS
Trata-se de ação civil pública proposta pelo Ministério Público do Estado de
........ contra o Estado de ..........., o Presidente do Tribunal de Justiça do
Estado de ........., Desembargador ......., e o 2º Vice-Presidente do Tribunal
de Justiça do Estado de .............. e Diretor da Escola Judicial
"Desembargador ..........", Desembargador ..............., objetivando,
liminarmente, a suspensão de qualquer ato que importasse no prosseguimento do
concurso público para o serviço notarial e de registros do Estado de ..........,
que não contemplasse o direito à reserva de vagas às pessoas portadoras de
deficiência, em especial a realização das provas. Ao final da ação, foi
requerido que se julgasse procedente a mesma, decretando-se a nulidade do
respectivo edital e condenando os réus à obrigação de fazer, ficando os mesmos
responsáveis pela abertura de novas inscrições para o concurso público, sob novo
edital, em que fossem reservadas vagas aos portadores de deficiência, com as
especificações exigidas na Lei Estadual nº11.867/95, sob pena de multa diária no
valor de R$10.000,00 (dez mil reais).
A sentença, de fls.192/199 dos autos, extinguiu a ação, sem análise do mérito,
nos termos do art.267, inciso VI do Código de Processo Civil, ao fundamento de
ser o Ministério Público do Estado de ........................... carecedor da
ação, por ilegitimidade ativa para a mesma.
Ante tal decisão, interpõe, o autor, o presente recurso de apelação pelas razões
que a seguir passa a expor.
DO DIREITO
Supremo Tribunal Federal: RE 163231-SP, relator Min. Maurício Correa, DJ
05/03/97:
"RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA
PROMOVER AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM DEFESA DOS INTERESSES DIFUSOS, COLETIVOS E
HOMOGÊNEOS. MENSALIDADES ESCOLARES: CAPACIDADE POSTULATÓRIA DO 'PARQUET' PARA
DISCUTI-LAS EM JUÍZO.
1. A Constituição Federal confere relevo ao Ministério Público como instituição
permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa
da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis (CF, art. 127).
2. Por isso mesmo detém o Ministério Público capacidade postulatória, não só
para a abertura do inquérito civil, da ação penal pública e da ação civil
pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente, mas
também de outros interesses difusos e coletivos (CF, art. 129, I e III).
3. Interesses difusos são aqueles que abrangem número indeterminado de pessoas
unidas pelas mesmas circunstâncias de fato e coletivos, aqueles pertencentes a
grupos, categorias ou classes de pessoas determináveis, ligadas entre si ou com
a parte contrária por uma relação jurídica base.
3.1. A indeterminidade é a característica fundamental dos interesses difusos e a
determinidade a daqueles interesses que envolvem os coletivos.
4. Direitos ou interesses homogêneos são os que têm a mesma origem comum (art.
81, III, da Lei nº 8078, de 11 de setembro de 1990), constituindo em subespécie
de direitos coletivos.
4.1. Quer se afirme interesses coletivos ou particularmente interesses
homogêneos, 'stricto sensu', ambos estão cingidos a uma mesma base jurídica,
sendo coletivos, explicitamente dizendo, porque são relativos a grupos,
categorias ou classes de pessoas, que conquanto digam respeito às pessoas
isoladamente, não se classificam como direitos individuais para o fim de ser
vedada a sua defesa em ação civil pública, porque sua concepção finalística
destina-se à proteção desses grupos, categorias ou classe de pessoas.
5. As chamadas mensalidades escolares, quando abusivas ou ilegais, podem ser
impugnadas por via de ação civil pública, a requerimento do Órgão do Ministério
Público, pois ainda que sejam interesses homogêneos de origem comum, são
subespécies de interesses coletivos tutelados pelo Estado por esse meio
processual como dispõe o art. 129, inciso III, da Constituição Federal.
5.1. Cuidando-se de tema ligado à educação, amparada constitucionalmente como
dever do Estado e obrigação de todos (CF, art. 205), está o Ministério Público
investido da capacidade postulatória, patente a legitimidade 'ad causam', quando
o bem que se busca resguardar se insere na órbita dos interesses coletivos, em
seguimento de extrema delicadeza e de conteúdo social tal que, acima de tudo,
recomenda-se o abrigo estatal.
Recurso extraordinário conhecido e provido para, afastada a alegada
ilegitimidade do Ministério Público, com vistas à defesa dos interesses de uma
coletividade, determinar a remessa dos autos ao Tribunal de origem, para
prosseguir no julgamento da ação" (O acórdão referido ainda está pendente de
publicação, mas o voto do Relator Ministro Maurício Corrêa foi disponibilizado
através do Boletim Informativo nº 62 do STF, de 3 a 7 de março de 1997).
Superior Tribunal de Justiça: REsp168859-RJ, relator Min. Ruy Rosado de Aguiar,
j. 06/05/99, cuja ementa é a seguinte:
"Ação civil Pública. Ação coletiva. Ministério Público. Legitimidade. Interesses
individuais homogêneos. Cláusulas abusivas.
O Ministério Público tem legitimidade para promover ação coletiva em defesa de
interesses individuais homogêneos quando existente interesse social compatível
com a finalidade da instituição.
Nulidades de cláusulas constantes de contratos de adesão sobre correção
monetária de prestações para a aquisição de imóveis que seriam contrárias à
legislação em vigor. Art. 81, parágrafo único, III e art. 82, I, da Lei 8.078/90
(Código de Defesa do Consumidor). Precedentes. Recurso conhecido e provido."
Merecendo ser destacado o voto do Ministro Ruy Rosado de Aguiar:
"as duas Turmas da eg. Seção de Direito Privado têm se inclinado por aceitar a
legitimidade do Ministério Público para promover ação coletiva de defesa de
direitos individuais homogêneos, quando configurado interesse público relevante
(...) essa orientação, no que se refere às relações de consumo, faz adequada
aplicação do disposto na Lei 8.078/90, cujo art. 82 expressamente atribui
legitimidade ao Ministério Público para promover as ações coletivas enumeradas
no art. 81, entre elas a exercida em defesa de interesses individuais
homogêneos. É certo que, versando sobre a competência do Ministério Público, o
art. 127 da CR refere-se a interesses individuais indisponíveis e que a LOMP, em
seu art. 25 nela inclui apenas as ações coletivas sobre direitos indisponíveis.
Porém a regra do art. 127 da CR 'interesses individuais indisponíveis' tem seu
complemento no art. 129 ('exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde
que compatíveis com a sua finalidade'), e a LOMPU, de edição posterior, inclui
entre os instrumento de atuação do Ministério Público, 'propor ação civil
coletiva para defesa de interesses individuais homogêneos' (art. 6º, XII). Isso
está a evidenciar que as disposições normativas que se referem a direitos
indisponíveis não são excludentes de outras hipóteses de intervenção do 'parquet'.
Logo, o enunciado do art. 25 não deve ser apreciado como proibitivo de outras
atividades previstas na lei, compatíveis com a finalidade do Ministério Público,
que é a de manter o cumprimento da ordem jurídica. A atuação do Ministério
Público na propositura de ações coletivas deve ser explicada à luz do enunciado
pela teoria institucional ou objetivista, que justifica a participação do ente
estatal quando 'as barreiras sociais para se judicializarem questões individuais
são tão graves, que se legitima extraordinariamente entidades públicas a
perseguir coletivamente, por exemplo, indenizações individuais, em uma
representação artificial e aprioristicamente adequada, cuja finalidade é a
eficácia da ordem jurídica no sentido de impedir uma prática lesiva por parte do
réu, que se aproveita de condições sociais desfavoráveis das vítimas. Nesse
último caso, a questão não é tanto reparar o dano, mas reprimir a atividade
deletéria do réu. Um exemplo clássico é o processo 'State v. Levi Straus Co.',
cujo objeto era a violação de leis sobre concorrência que causou prejuízos a
milhares de consumidores da ordem de US$ 2,00 apenas, sendo que a indenização
real, deduzidos os custos do processo, foi de somente trinta centavos de dólar
para cada indivíduo. É nítido, nesse exemplo, o caráter repressivo e não
indenizatório da atuação do Estado' (Márcio Flávio Mafra Leal, Teoria das Ações
Coletivas e a Concretização de Novos Direitos Fundamentais, dissertação de
mestrado, UNB/1977). O interesse social dessa intervenção deflui da necessidade
de ser cumprida a lei que regula atividade de importância crucial para a
coletividade (mensalidade escolar, prestação da casa própria, etc), que deve
estar protegida de práticas comerciais ilícitas e de contratos com cláusulas
abusivas, o que deve ser preferentemente evitado. Se a prevenção não foi
possível, que possa a infração ser de pronto reprimida através de providência
judicial eficaz como o é a ação coletiva, especialmente quando a operação é
massificada, com pluralidade de prejudicados, nem sempre em condições de
enfrentarem uma demanda judicial. Os autos dão notícia de que ações idênticas
foram exitosamente promovidas contra empresas que atuam no mesmo ramo e adotam o
mesmo comportamento negocial. Eliminada a ação coletiva do Ministério Público,
certamente tais condutas não só estariam sendo livremente praticadas, como ainda
ampliadas, aprofundando a ilegalidade abusiva e aumentando o prejuízo dos
cidadãos que com elas negociam".
Tribunal de Alçada de ......: acórdão nº16391, rel. Juiz Moreira Diniz,
j.14/10/97:
"Ação civil pública - Legitimatio ad causam - Ministério Público - Interesses
Difusos - Lei 8.078/90 - Tem legitimidade ativa o representante do Ministério
Público, para defesa de grupo menor de consumidores, onde os interesses
individuais homogêneos são tratados coletivamente.
O objeto da ação civil pública amplia-se para abranger, hoje, a proteção de
qualquer interesse difuso ou coletivo, como também os interesses individuais,
quando coletivamente tratados, ante a interação entre o Código de Defesa do
Consumidor e a Lei de Ação Civil Pública."
Tribunal Regional Federal - 1ª Região - AC95.01.10792-2 - GO - Rel. Juiz Mário
César Ribeiro - DJU25.06.1999 - p.523:
"Ação Civil Pública - Legitimação do Ministério Público para defesa de direitos
individuais homogêneos disponíveis - interesse de investidores financeiros em
ouro - interesse social não caracterizado - indeferimento da petição inicial por
ilegitimidade ativa ad causam - 1. Pelas disposições do art.129 e respectivos
incisos e parágrafos da CF/88 é induvidoso que dentre as funções institucionais
do Ministério Público se insere a promoção, ou iniciativa, do inquérito e da
ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio
ambiente e de outros interesses difusos e coletivos, segundo o inc.III. Já,
antes, o art.127, caput, incumbe à elevadíssima instituição a defesa, dentre o
mais que proclama, dos interesses sociais e individuais indisponíveis. 2. A lei
nº8.625, de 12.02.1993 (Lei Orgânica do Ministério Público ), dispôs, no seu
art.25, inc.IV, alínea b, praticamente a mesma coisa, apenas acrescentando, ao
lado dos interesses coletivos e dos interesses individuais indisponíveis
(combinação dos arts.127, caput e 129, III, da Constituição Federal), a defesa
dos interesses "individuais homogêneos", como alvo de atuação do Ministério
Público pela Ação Civil Pública. 3. O art.82, inc.I, do Código de Defesa do
Consumidor, atribuiu ao Ministério Público legitimidade para promover a defesa
dos interesses e direitos dos consumidores em juízo, através de ação coletiva,
sejam eles interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos, assim como
definidos no parágrafo único do art.81. Destarte, a dita ação e atribuição do
Ministério Público, na defesa dos interesses sociais, coletivos e individuais
indisponíveis e homogêneos, resulta da combinação das disposições
constitucionais acima citadas com a disposição das leis infraconstitucionais
também referidas. 4. O que legitima a atuação do Ministério Público na defesa de
direitos individuais homogêneos socialmente relevantes (ainda que disponíveis) é
a norma do art.127, da CF que dispõe que é função institucional do Ministério
Público a defesa dos interesses sociais, A relevância social dos direitos é que
confere legitimatio ao Ministério Público na defesa de direitos individuais
homogêneos disponíveis, mas socialmente relevantes, 5. Apelação do Ministério
Público provida para anular a sentença. 6.Remessa oficial provida."
Superior Tribunal de Justiça - Resp 170.202; DJ de 24.08.1998; Rel. Min. Milton
Luiz Pereira - Resp171.539 - DJU 15.03.1999; Rel. Min. Humberto Gomes de Barros:
"Petição inicial - inépcia - art.282, IV e 286, do CPC - Suficiente a exposição
dos fatos, claro o fito do autor, evidenciado que a parte ré, bem compreendendo
a demanda, sem prejuízo e com amplitude, exercitou a defesa, estabelecendo-se o
contraditório, a petição inicial não deve ser reconhecida como inepta. A petição
formalmente defeituosa, pode ser emendada ou completada por determinação
judicial ou, espontaneamente, nesta hipótese, antes da citação. O indeferimento
sumário destrói a esperança da parte e obstaculiza o acesso à via judicial,
constituindo desprestígio para o Judiciário."
Resp208553 - RS - Rel. Min. Garcia Vieira - DJU 02.08.1999 - p.162
"Processual - Petição Inicial - requisitos - Emenda - Indeferimento - Pedido
genérico - Só depois de dar oportunidade ao autor para emendar ou completar a
inicial e ele não cumprir a diligência, o juiz poderá indeferir a inicial.
Recurso improvido".
Tribunal de Justiça do Estado de ........................... - AC
000.181.738-6/00 - $ª C. Civ. - Rel. Des. Almeida Melo - J. 15.06.2000:
"Processo Civil - Petição Inicial - Falência - Indeferimento - Emenda - Autor -
Intimação - É impróprio o indeferimento da inicial do pedido de falência, com
fundamento no art.295, parágrafo único, II, do Código de Processo Civil, sem que
antes seja franqueada ao autor a oportunidade para emendá-la ou completá-la, no
prazo de dez dias, a teor do art.284."
MS 162.734/8.00 - 2ºG. C. Civ. - Rel. Des. Campos Oliveira - J.01.03.2000:
"Mandado de segurança - Legitimidade passiva - autoridade coatora - É legitimada
para figurar no pólo passivo do mandado de segurança a autoridade autorizada a
praticar o ato hostilizado ou que possa revê-lo - Petição inicial - Presença dos
requisitos do art.282 do CPC - A petição inicial quando apresenta, claramente,
os fatos e o pedido, de forma a propiciar à parte seu direito de defesa, e ao
juiz a aplicação da lei, preenche as exigências do art.282 do CPC - (...) - ."
Tribunal de Alçada de ........................... - Ap 0274878-9 - 3ª C. Civ. -
Relª. Juíza Jurema Brasil Marins - J. 17.03.1999:
"Petição inicial - art.284, do CPC - Embora, apresentando-se a inicial em
desacordo com a disposição do art.282 do CPC, o seu indeferimento, sob o
fundamento de que os pedidos postulados se afiguravam incompatíveis entre si,
conforme art.295, parágrafo único, IV, somente poderia ter ocorrido depois de
intimado o autor dos defeitos da sua petição, sendo certo que, deixando o
julgador de oportunizar a parte o esclarecimento dos pontos obscuros, imprecisos
ou contraditórios, evidenciada está a impossibilidade de se proferir decisão
indeferitória, que apenas seria viável depois de ultrapassado o prazo a ser
concedido para o respectivo fim. Inteligência do art.284 do CPC. Não é inepta a
inicial que, inobstante confusa e pouco esclarecedora ao justificar os pedidos
sucessivos formulados, possibilite, diante dos fatos narrados, aferir-se a
verdadeira pretensão da parte, especialmente se esta não se inserir nos óbices
estatuídos nas legislações de regência, procedimento este que se coaduna com os
princípios da instrumentalidade e da economia processuais, informadores do
ordenamento jurídico pátrio."
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - AI 131.104-4 - Rel. Des. Marcondes
Machado - J. 09.11.1999:
"Petição Inicial - Inépcia - A inaptidão de petição inicial pode ser sanada pelo
juiz que, atento ao principio da economia processual, em momento procedimental
adequado determina a sua emenda, não dificultando o direito de defesa do réu,
que fica assegurado de forma ampla - Vício que, dessa forma, não pode ser
considerado insanável, não autorizando a extinção do processo - Agravo de
instrumento não provido."
Tribunal Regional Federal - 1ª Região - AC 196.472 - Rel. Des. Fed. Ney Fonseca
- DJU 16.11.2000 - p.110 :
"Extinção do feito sem julgamento do mérito - Petição inicial - I - A petição
inicial que possibilita a correta compreensão de seu alcance, permite o integral
exercício da ampla defesa pelo réu e preenche todos os requisitos dos arts.282 e
283, do CPC, afasta a pertinência da determinação de sua emenda nos termos do
art.284 ou de seu indeferimento nos termos do art. 295, ambos do CPC. II -
Quaisquer suplementações do suporte probatório podem ser, inclusive,
determinadas pelo juízo junto às partes, em especial à autarquia previdenciaria,
até mesmo como medida de equacionamento da desigualdade econômica entre os
litigantes, positivando, assim, o preceito contido no art.130, do CPC. III -
Recurso provido para desconstituir a sentença terminativa e determinar o retorno
dos autos à Vara de origem a fim de que o MM. Juiz a quo dê regular
prosseguimento ao feito."
AC 94.02.17221-1 - RJ - Rel. Des. Fed. Francisco Pizzolante - DJU 16.03.2000 -
p.127:
"Extinção do processo sem julgamento do mérito - petição inicial inepta -
Extinção do processo sem julgamento do mérito por considerar a petição inicial
inepta. Observada a inépcia da exordial é pacífica a abertura de prazo ao autor
para que a emende ou a complete, conforme art.284, do CPC - Apelação provida.
Sentença reformada."
Atento ao princípio da eventualidade, imperioso examinar a questão trazida pelo
ilustre julgador.
Seria mesmo impossível assegurar a reserva de vagas às pessoas portadoras de
deficiência no certame público? Ou talvez a falha esteja justamente no fato de o
edital ter sido elaborado de forma a impossibilitar tal reserva e, portanto,
irregular, ensejando a decretação de sua nulidade e a condenação dos Réus no
dever de elaborar um novo, com novas inscrições e novas provas? Afinal,
incontroversa a inexistência da previsão de reserva de vagas nos editais,
constantes dos autos, consistindo tal omissão em uma irregularidade que invalida
o concurso público.
Primeiro há que ficar clara a inconstitucionalidade das leis federal e estadual
que regulamentam o art.236 da Constituição Federal, quando ao traçarem as regras
do concurso público para o serviço notarial e de registros, desconsideraram a
existência de outras leis, e da própria Constituição Federal, a assegurarem a
inserção no mercado de trabalho das pessoas portadoras de deficiência, no caso,
mediante reserva de vagas.
O edital, por sua vez, foi elaborado persistindo-se no equívoco, contrariando
frontalmente a legislação, conforme restou demonstrado na petição inicial,
quando o Decreto nº3.298/99, por exemplo, que regulamenta a Lei Federal
nº7.853/89, dispõe em seu art.39:
"Art.39. Os editais de concursos públicos deverão conter:
I - o número de vagas existentes, bem como o total correspondente à reserva
destinada à pessoa portadora de deficiência;
(...)."
Embora, no âmbito do Procedimento Administrativo, a justificativa para
inexistência da reserva de vagas não tenha sido o fato do concurso admitir
exclusivamente a inscrição para uma única e determinada vaga, conforme se
depreende das fls.46,48 e 56, foi abordada esta justificativa na fundamentação
da sentença.
Na Lei Federal nº8935/94, existem as normas gerais referentes aos serviços
notariais e de registro, não estando expressa a necessidade das inscrições serem
tão restritas a ponto do candidato se inscrever para determinado cartório, de
determinado Município. Ao contrário, seu art.14 diz que, dentre outros
requisitos, o candidato habilita-se mediante concurso público de provas e
títulos e, em seu art.19, determina-se que os candidatos serão declarados
HABILITADOS na RIGOROSA ORDEM DE CLASSIFICAÇÃO no concurso. Portanto, a
princípio, de acordo com a classificação, ir-se-ia delegando aos habilitados as
respectivas vagas, sendo perfeitamente possível a reserva aos portadores de
deficiência.
Além disso, nas Seções II e III, do Capítulo II da Lei Federal nº8935/94, em que
estão definidas as atribuições e competências dos notários e dos oficiais,
verificamos que para estes (aos oficiais) são definidas funções comuns a todos,
sendo as especificidades apenas as decorrentes da própria legislação dos
registros públicos, não se justificando inscrições distintas para cada Ofício de
Registros (pessoa naturais, títulos e documentos e pessoas jurídicas, imóveis),
como ocorreu no edital em questão. Sendo perfeitamente possível inscrições para
notários e oficiais, apenas.
A Lei Estadual nº12.919/98, por sua vez, confirma, de forma mais minudente, o já
posto na Lei Federal, quando, em seu art.16 diz que haverá uma prova de
conhecimentos gerais sobre direito notarial e de registro, bem como uma
específica sobre as funções notarial e de registro. As subdivisões previstas na
lei, portanto, são apenas duas (notário e de oficial de registros), sendo então,
perfeitamente possível se assegurar a reserva de vagas às pessoas portadoras de
deficiência.
Nem poderia ser diferente, visto que implicaria num cerceamento ao direito à
reserva de vagas e em um desrespeito ao dever constitucional de se proporcionar,
de forma prioritária e adequada, a integração da pessoa portadora de
deficiência.
Da forma como foi elaborado o edital, não há como fugir à ilegalidade do mesmo,
visto que vem inviabilizar o direito das pessoas portadoras de deficiência à
reserva de vagas, não encontrando respaldo na Constituição Federal, nem tampouco
na própria Lei Federal relativa ao serviço cartorário que, conforme demonstrado
acima, faz distinção tão somente, para o fim das provas do concurso, quanto às
atividades de notário e de oficial de registros. A própria lei estadual reafirma
tal entendimento quando subdivide o conhecimento técnico específico também em
notarial e de registro, assegurando-se a possibilidade de reserva de vagas, bem
como o respeito ao princípio da razoabilidade e também da impessoalidade.
Tantas formas existem a permitir a reserva de vagas às pessoas portadoras de
deficiência, que se torna injustificável a opção dos elaboradores do edital por
aquela que dificulta a integração das pessoas portadoras de deficiência no
mercado de trabalho, direito constitucionalmente assegurado. Assim, seria
possível respeitar-se tal direito de diversas maneiras: a) por um concurso
efetivamente Estadual, sem a escolha prévia do Município, nem tampouco da
especialidade, ocorrendo esta pelos HABILITADOS na RIGOROSA ORDEM DE
CLASSIFICAÇÃO, conforme prevê a Lei Federal e adotada em tantos outros concursos
similares; b) admitindo-se a inscrição para determinada especialidade; c)
admitindo-se a inscrição para determinada região do Estado; d) admitindo-se a
inscrição para determinada região e especialidade; e) admitindo-se a inscrição
para determinado Município
A discricionariedade da Administração Pública permite-lhe a escolha pela melhor
forma de realizar o ato ou procedimento, desde que legal e, sobremaneira
constitucional, não tendo o administrador agido desta forma ao optar por uma
inscrição restrita ao ponto de não comportar a reserva de vagas.
Ora, a forma como elaborado o edital, cuja justificativa padece de ilegalidade e
inconstitucionalidade, não pode justificar a ausência de reserva de vagas às
pessoas portadoras de deficiência. O que deve ocorrer é justamente o contrário,
o direito à reserva de vagas justificando as normas constantes do edital.
Fato é que o direito à inserção no mercado de trabalho das pessoas portadoras de
deficiência existe e tem melhor possibilidade de ser efetivado através de
concurso público, quando a pessoa portadora de deficiência precisa demonstrar
aptidão para o desempenho da função sendo aprovada no concurso, o que afasta o
caráter paternalista da reserva de vagas, garantindo-se, na mesma medida, uma
competição isonômica pelo mercado.
Tal direito foi ignorado nas Leis federal e estadual do serviço notarial e de
registros, tornando-as inconstitucionais pela omissão.
Por todas estas razões, o edital permanece irregular, na medida em que não
prevê, em abstrato, a reserva de vagas, nem tampouco foi elaborado de forma a
dar efetividade ao direito, ao contrário, a Administração Pública optou pela
forma mais excludente de concurso público.
A possibilidade da reserva e a inconstitucionalidade dos diplomas legais e do
edital tornam-se evidentes quando em concursos similares de outros Estados
admite-se uma inscrição menos restritiva. Assim, podemos citar como exemplo os
concursos públicos para ingresso ou remoção nas atividades notariais e de
registro do Estado do Rio de Janeiro e de Santa Catarina, em que se destina cada
vaga a um candidato após o resultado final, pela ordem de classificação. E o
próprio concurso do Distrito Federal, em que, além da escolha das vagas se dar
ao final, pela ordem de classificação, previu-se, expressamente, a reserva de
vagas às pessoas portadoras de deficiência.
Em tempo, ainda que tardiamente, de se rever a omissão do legislador e o
equívoco dos réus, elaborando-se novo edital de forma a assegurar oportunidade
às pessoas portadoras de deficiência de, finalmente, verem seu direito
respeitado e contarem com a possibilidade de competirem de forma verdadeiramente
isonômica pelo mercado de trabalho, que ainda é tão excludente e discriminador.
Cerca de 10% da população, conforme estatísticas da OMS, são portadores de
deficiência, excluídos do sistema ainda vigente, merecendo o tratamento a eles
conferido pelo legislador constituinte, em 1988, e somente agora objeto de maior
atenção do Estado e seus agentes de forma geral.
DOS PEDIDOS
Por todo o exposto, requer o Ministério Público do Estado de
........................... seja conhecido o presente recurso e julgado
procedente para cassar a sentença que extinguiu o processo, sem sequer ser
examinado o mérito de relevante ação, por ilegitimidade ativa do Ministério
Público.
Nesses Termos,
Pede Deferimento.
[Local], [dia] de [mês] de [ano].
[Assinatura]