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Petição - Constitucional - Ação civil pública interposta pelo Ministério Público Federal, para fins de continuidade da pesquisa sobre células-tronco


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Ação civil pública interposta pelo Ministério Público Federal, para fins de continuidade da pesquisa sobre células-tronco.

 

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DA ..... VARA DA JUSTIÇA FEDERAL DA SUBSEÇÃO DE ..... - SEÇÃO JUDICIÁRIA DO .....

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelo Procurador da República que esta subscreve, diante do que disposto nos artigos 127 e 129 da Constituição Federal, vem à honrosa presença de Vossa Excelência propor

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

em face de

UNIÃO FEDERAL, pessoa jurídica de direito público interno e externo, podendo ser citada e intimada no endereço de seus nobres representantes judiciais, os membros da ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO - AGU, no Estado de ....... e CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, pessoa jurídica de direito público interno, podendo ser citado e intimado no endereço de seu representante legal, localizado na ....., pelos motivos de fato e de direito a seguir aduzidos.

DOS FATOS

O objeto da presente ação é permitir a terapia e a pesquisa médica e científica relativa a células tronco embrionárias que sejam obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro.

Atualmente, quando um casal tem dificuldades de ter filho, pode recorrer ao apoio especializado de clínicas de fertilização. Nessas, é o comum o procedimento de estimular o homem a produzir espermas e estimular a mulher a produzir óvulos. Depois, artificialmente, as clínicas provocam a união entre ambos, provocando a formação de milhares de embriões. Alguns desses embriões, posteriormente, são injetados no útero da mulher a fim de provocar a sua gestação forçada. É a ciência atuando a favor do sonho humano de ser pai e mãe, quando a natureza não é benevolente nesse sentido.

Acontece que nem todos os embriões formados por essa técnica laboratorial de fertilização são utilizados na técnica laboratorial de fecundação. A maioria deles fica congelada para outras tentativas caso a primeira delas não dê certo; mas, restando frutífero o intento, implantando-se alguns dos embriões no ventre e fazendo-se a mulher ficar efetivamente grávida, O RESTANTE DOS EMBRIÕES INICIALMENTE CONGELADOS, HOJE EM DIA, ACABA SENDO DESCARTADO, COMO LIXO BIOLÓGICO IMPRESTÁVEL.

Decerto que esse material biológico, que não tem a menor perspectiva de se acolhido pelo ventre materno (porque a mulher já engravidou pela fecundação artificial), sendo excedente, terá com a presente ação destino muito mais nobre do que esse de hoje em dia, servindo efetivamente à perpetuação saudável da espécie humana.

É preciso ter uma dimensão um pouco mais clara do que exatamente estamos falando. Quando nós limpamos a cutícula das unhas, no respectivo instrumento de metal saem mais células humanas do que as existentes nesse embrião criado cientificamente, com técnicas de laboratório. Além disso, hoje em dia, as clínicas de fertilização "descartam" os embriões excedentes, sem finalidade reprodutiva. Descartar é o termo técnico e eufêmico para explicar que esses embriões são jogados no lixo, literalmente. Só que esse material biológico, sem qualquer perspectiva de adquirir vida, poderia ser usado pela ciência em prol (justamente) da vida, eventualmente curando milhares de pessoas acometidas por doenças tidas como incuráveis.

A problemática central da presente ação gira em torno do conceito de vida. Quando ela começa? Quando ela termina? A resposta a essas perguntas não é simples e têm desafiado o ser humano em vários campos da sua experiência, como a religião, a filosofia, as artes e as ciências, tanto as humanas como as físicas e as biológicas.

Inevitavelmente, a experiência ontológica do ser humano ecoa reflexos na sua vivência deontológica, vale dizer, traz inspiração para questionamentos morais e vira fonte para as normas estatais de convivência social, esse sim o campo próprio do direito, da dita "ciência jurídica", se é que realmente podemos falar em ciência para o estudo do direito.

O Min. Cezar Peluso, do Supremo Tribunal Federal, costuma enfatizar que o direito cria as suas próprias realidades. De fato, ele tem razão: basta pensar na citação ficta, por edital, na qual se presume que o réu tomou conhecimento do teor da ação lendo as emocionantes páginas do diário oficial. É uma presunção de realidade criada pelo direito, assumida para conferir operacionalidade ao funcionamento do aparato judiciário. Isso também ocorre na presunção de violência para a cópula vaginal com pessoa menor de 14 (quatorze) anos de idade, configurando o ato crime de estupro nos termos dos artigos 213 c/c com o artigo 224, letra "a", ambos do código penal, mesmo que violência de fato não tenha havido. Enfim, quando o direito trabalha com presunções ou dá suas próprias definições a uma entidade ou evento factual, acaba criando as suas próprias realidades.

É assim com o conceito de vida. A mais bela explicação do começo da vida, com a qual este signatário tomou contato, está na lição da Drª. MAYANA ZATS, cientista Coordenadora do Centro de Estudos do Genoma Humano da USP (universidade de São Paulo), verbis: "A ciência tem uma visão, que eu acho bastante interessante, segundo a qual não existe começo ou fim: a vida seria um ciclo. Ou seja, um embrião se forma, se desenvolve e um dia vai produzir células germinativas que vão originar um novo ser. Levando em conta esta filosofia, para um embrião congelado, que não tem qualidade para formar uma vida, o ciclo acabou. Mas se, a partir deste embrião, forem extraídas células-tronco que podem curar, por exemplo, uma criança acometida por uma doença letal, estaremos mantendo o ciclo da vida"(1).

Como dito, contudo, o direito cria as suas próprias realidades. O conceito jurídico de vida humana é o de existência de atividade cerebral, ou seja, atividade encefálica. É o que se depreende da leitura, a contrario sensu, do disposto no artigo 3° da Lei Federal 9.434/1997, verbis:

"Art. 3° A retirada post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano destinados a transplante ou tratamento deverá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica, constatada e registrada por dois médicos não participantes das equipes de remoção e transplante, mediante a utilização de critérios clínicos e tecnológicos definidos por resolução do Conselho Federal de Medicina."

A leitura desse artigo de Lei mostra que o conceito jurídico de vida humana está ligado à existência de atividade encefálica. Se uma pessoa sofre de "morte cerebral", por qualquer acidente, sendo os seus demais órgãos mantidos em funcionamento apenas por aparelhos médicos, mesmo assim a Lei permite a doação dos seus órgãos, desde que devidamente diagnosticada a "morte cerebral" , e desde que haja autorização do cônjuge ou parente maior de idade, seguindo a linha de preferência do artigo 4° da Lei 9.434/97 verbis:

"Art. 4° A retirada de tecidos, órgãos e partes do corpo de pessoas falecidas para transplantes ou outra finalidade terapêutica dependerá da autorização do cônjuge ou parente, maior de idade, obedecida a linha sucessória, real ou colateral, até o segundo grau inclusive, firmada em documento subscrito por duas testemunhas presentes à verificação da morte."

Quando o legislador permite que sejam desligados os aparelhos de pessoa com morte cerebral, retirando-se e doando-se os seus órgãos, ,houve uma clara opção política a favor do que conhecemos como EUTANÁSIA,. É exatamente isso: a eutanásia é permitida pelo direito brasileiro. Se uma pessoa está com diagnóstico de morte encefálica e os seus demais órgãos funcionando apenas às custas de aparelhos, eles poderão ser doados e transplantados, como se vê do artigo 3° da Lei 9.434/97.

Deixando de lado, então, quaisquer questões morais, religiosas ou filosóficas, sejam progressistas ou reacionárias, não importa, devemos focar nossas atenções no que diz a Lei e, principalmente, no que diz a Constituição Federal, que é hierarquicamente superior a qualquer outro diploma legislativo. Se a vida humana, juridicamente, termina com a morte encefálica, então a vida humana, juridicamente, começa com o início de atividade encefálica.

Se a vida começa a partir do início da atividade cerebral, nos termos definidos pela lei, então é preciso saber exatamente quando se inicia essa atividade. A ciência já tem resposta. Segundo o médico Aníbal Faúndes(2), "Todos temos direitos de tomar posições sobre nossa conduta, com limitações que a sociedade tem de colocar. O direito de cada um termina quando começa a infringir o direito do outro. E, na questão do aborto, estão o direito da mulher sobre o seu corpo e os direitos do embrião. Esse é um conflito que a sociedade tem que regular. Mas não tenho dúvida de que o zigoto, uma célula, não tem o mesmo direito da mulher. Em que momento eles começam a ter direitos semelhantes? Ninguém sabe. ,O que se propõe é uma similaridade entre a morte cerebral marcando o fim da vida. Podemos imaginar então que o início da vida é marcado pela atividade cerebral. E, definitivamente, não há relação entre neurônios até 12 semanas de gravidez". (3) ,

Um respeitadíssimo profissional da medicina traz para nós, leigos no assunto, que definitivamente não há relação entre neurônios até 12 (doze) semanas de gravidez, asseverando textualmente: "podemos imaginar então que o início da vida é marcado pela atividade cerebral."

O ilustre Professor é "expert" em Medicina mas a formação legal, com os conhecimentos jurídicos apurados, ficam por conta dos dignos membros do Poder Judiciário. Nesse sentido, Vossa Excelência sabe, conhecendo o artigo 3° da Lei 9.434/1997, que juridicamente nós não imaginamos nada, apenas sabemos que o início da vida é marcado pela atividade cerebral porque o direito cria as suas próprias realidades. Se a morte de uma pessoa é legalmente definida como a morte cerebral, assim diagnosticada pela Medicina, então a nossa legislação definiu os limites da vida e da morte através da existência de atividade encefálica.

O intérprete pode criticar a lei sob a sua perspectiva humanística ou filosófica, mas não se pode deixar de cumpri-la, para os que têm essa perspectiva, a pretexto de sua incorreção moral.

Se antes de 12 (doze) semanas de gravidez definitivamente não há relação entre os neurônios do feto, podemos então concluir que a vida desse conjunto de células só vai existir depois de 12 (doze) meses de gravidez. A vida, vale insistir, na acepção que lhe deu o legislador porque o conceito de vida pode acabar variando de pessoa para pessoa conforme a linha religiosa ou filosófica adotada.

Essas considerações introdutórias não servem para defender a EUTANÁSIA, mesmo porque esse não é o objeto desta ação. Quis-se apenas salientar que o conceito jurídico de vida está ligado à existência de atividade cerebral, nos termos da lei, e esta atividade não existe num feto antes de 12 (doze) semanas de gestação dentro do ventre materno.

Com muito maior razão, quando falamos em células embrionárias que não foram e não vão ao ventre materno, sem perspectiva de serem encaminhadas para um natural processo de gestação, do ponto de vista estritamente jurídico não há vida. Nesse caso, nem de feto estamos tratando já que esse status só poderia ser adquirido a partir da introdução do embrião no corpo de uma pessoa do sexo feminino.

É preciso deixar bem claro, outrossim, que esse conjunto microscópico de células humanas laboratoriais, sem perspectiva de florescer no ventre materno, não se constitui, juridicamente, em nascituro.

O artigo 4° do antigo Código Civil, datado do longínquo ano de 1916, dispunha que "A personalidade civil do homem começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro."

Referido artigo foi praticamente repetido pelo atual Código Civil, datado de 2002, trocando-se apenas "homem" por "pessoa", termo politicamente mais correto e consentâneo com a igualdade de direitos entre o homem e a mulher, constitucionalmente estabelecida. Diz o seu artigo 2°:

"Art. 2°. A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro."

O objeto desta ação refere-se à possibilidade jurídica da pesquisa e terapia com células tronco embrionárias, não tendo nada a ver com nascituro, cujo conceito jurídico está ligado ao feto concebido no ventre materno. Não é disso o que se trata. O embrião que a comunidade científica quer utilizar, para fins de pesquisa e terapia, é o embrião congelado, usado em clínicas de fertilização para fins de reprodução in vitro e, portanto, criado por técnicas de laboratório, sendo apenas um micromaterial biológico, que hoje é jogado ao lixo como se fosse nada e poderia ter uma destinação infinitamente mais nobre, servindo à humanidade na busca pela cura de doenças hoje tidas como incuráveis, dentre as quais se destacam a paraplegia, doenças degenerativas em geral e AVC - acidente vascular cerebral.

Segundo Nery Júnior e Rosa Nery, nascituro "é a pessoa por nascer, , já concebida no ventre materno (Teixeira de Freitas, Esboço, art. 53) , (4)" Silvio Rodrigues endossa: "Nascituro é o ser já concebido, mas que ainda se encontra no ventre materno.(5)" Assim, a idéia civilista de nascituro está indissoluvelmente ligada à concepção no ventre materno.

Com todas as vênias ao fanatismo religioso, não se pode sustentar, juridicamente, que um conjunto de micro-células criadas em laboratório, menores que a ponta de um alfinete, hoje em dia jogadas no lixo pelas clínicas de fertilização - quando não têm mais finalidade reprodutiva, tenham o status jurídico de ser humano em gestação. Ora, se o embrião estivesse no ventre materno, aí sim poderia haver uma discussão sobre a existência de vida humana. Estando fora do ventre materno, trata-se apenas de um punhado de células congeladas em laboratório.

O eminente Professor FÁBIO ULHOA COELHO, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, explica isso com a sua habitual clareza: "O fato jurídico que define a natureza do embrião in vitro é sua implantação, ou não, in útero. Se ocorrer esse fato, tenderá a ter o destino biológico do ser humano (nascer, crescer, reproduzir e morrer). Será sujeito de direito desde a fertilização, caso venha a nascer com vida. Não implantado in útero, terá outro destino e sua natureza jurídica será a de objeto de direito (coisa)(6)."

Como se vê, a discussão jurídica pode começar a partir do momento em que o embrião é introduzido no ventre materno, ganhando perspectiva de florescer e nascer com vida; antes disso, definitivamente trata-se apenas de um punhado de células criadas em laboratório a partir da junção artificial entre o espermatozóide masculino com o óvulo feminino, sendo um material biológico usado para a reprodução mas que, quando é excedente, tem por destino a lata do lixo. A presente ação, sendo deferida, vai dar destino infinitamente mais nobre para esse punhado de células microscópicas, deixando-as intervir em prol da vida de milhões de pessoas doentes e esperançosas da cura.

DO DIREITO

1. A PROIBIÇÃO ESTATAL E O DIREITO DE LIBERDADE

Já o vimos com farta doutrina, faz parte da idéia jurídica de nascituro a sua perspectiva de vida no seio do ventre materno. Aí sim poderíamos começar uma discussão sobre a existência de vida a ser protegida; antes disso, contudo, enquanto há apenas um conjunto de micro-células criadas em laboratório e nele congeladas, menores que a ponta de um alfinete e cujo destino, não usadas, é serem "descartadas", estamos tratando apenas de um material biológico que poderia ter grande valia para salvar a vida humana do flagelo de inúmeras moléstias, hoje tidas como incuráveis.

É inapropriada, portanto, a invocação do artigo 2° do código civil na abordagem do tema. Abonando esse entendimento, na jornada de estudos promovida pelo Superior Tribunal de Justiça, sobre o novo código civil, chegou-se à conclusão (n° 2) de que "Sem prejuízo dos direitos da personalidade nele assegurados, o art. 2° do Código Civil não é sede adequada para questões emergentes da reprogenética humana, que deve ser objeto de um estatuto próprio."

A conclusão obtida por esse grupo de estudos foi o de que as novas questões jurídicas, emergentes do BIODIREITO, não podem ser resolvidas pelo teor do artigo 2° do Código Civil. Deu-se ainda a sugestão de que sejam objeto de uma regulação própria, ficando aí o convite ao legislador(7).

Ocorre que, hoje em dia, não há regulação própria. Em contrapartida, existe um preceito constitucional (artigo 5°, inciso II), erigido à altura de direito fundamental, que tutela o direito de liberdade dos cidadãos e diz que , "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei." , Ora, se a lei não proíbe expressamente a utilização de células tronco embrionárias para a terapia e pesquisas, essa atividade não pode ser obstada, sendo livre pela sociedade. Seria discutível, do ponto de vista da compatibilidade constitucional, uma proibição legislativa expressa nesse sentido: indiscutível é a impossibilidade de proibir a atividade se não houver proibição legal expressa.

O Estado Brasileiro não pode vetar a realização de pesquisas com células tronco embrionárias, que poderão salvar milhões de vidas, apenas com base em qualquer padrão moral de conduta, muito menos com base na suposta falta de regulamentação do assunto. Ora, se o assunto não está regulamentado e se a prática da pesquisa e da terapia com essas células não está expressamente proibida pela lei, não cabe a menor discussão quanto à possibilidade dela ser feita e é um grande absurdo que não venha sendo.

2. A PESQUISA E A TERAPIA COM CÉLULAS TRONCO EMBRIONÁRIAS,

Os países desenvolvidos do mundo têm empreendido pesquisas com células embrionárias e elas são promissoras no sentido de regenerar o tecido humano, já que funcionariam como curingas, vale dizer, desempenhariam no tecido as mesmas funções da célula doente. Isso pode ocorrer inclusive para o nobre tecido cerebral, quando eventualmente danificado - é o que indicam pesquisas feitas no mundo inteiro, como se verá adiante em tópico destacado.

Vejamos o que o mundo vem discutindo a respeito do tema:

(...)

Todos têm direito à sadia qualidade de vida, como se constata pela leitura do artigo 225, caput, da Constituição Federal.

A saúde é direito de todos e dever do Estado, nos termos do artigo 196, caput, da Constituição Federal.

A vida é direito inviolável do indivíduo, conforme artigo 5°, caput, da constituição Federal.

A tutela da vida e da saúde humanas, orientada pelo valor constitucional de "sadia qualidade de vida", constitui precisamente a órbita de tutela da presente ação.

Imagine uma criança que ficou paralítica num acidente automobilístico (não é difícil imaginar, já que os casos são incontáveis, não só no Brasil mas mundo afora). Imagine agora olhar nos olhos dessa criança e dizer que ela até poderia voltar a andar, que talvez a sua dor tivesse cura, mas que isso infelizmente não será possível já que essa não é a vontade da Constituição e nem a vontade de Deus. Ou seja, imagine Vossa Excelência olhando nos olhos dessa criança e dizendo que a Constituição do nosso país e Deus querem que ela permaneça paralítica até o fim dos seus dias, já que as células invisíveis que poderiam ajudá-la, criadas em laboratório, não poderão ser usadas na sua cura, apesar de irem para a lata do lixo.

Com todas as vênias de quem pensa o contrário, olhar no fundo dos olhos de uma criança e dizer isso com a cara deslavada é, isto sim, uma conduta de inacreditável imoralidade, chegando-se às raias do extremo sadismo.

Embora o debate devesse ser estritamente jurídico - e o embrião laboratorial in vitro não é nascituro, tendo a natureza jurídica de coisa, parece-nos inevitável que o debate venha a assumir, quiçá no próprio Poder Judiciário, aspectos de índole moral e religiosa.

Se Deus fez o homem e o dotou de razão, é inconcebível que seja privado do uso de sua razão para o seu próprio benefício.

Imoral é dizer para um filho, cujo pai teve derrame, que sei pai até poderia ser curado, mas aquelas células laboratoriais invisíveis e congeladas vão para o lixo, não podendo ser usadas na cura.

Imoral é dizer que a vontade de Deus é que as pessoas permaneçam doentes e flageladas, sofrendo mesmo quando existem meios à sua disposição para evitar o sofrimento.

Será que Deus quer que as crianças da humanidade permaneçam paralíticas?

Seria imoral tentar acabar com o sofrimento de milhões de vidas humanas?

Com todas as vênias a quem pensa de modo diverso, imoral e anti-cristão é lutar pela perpetuação do sofrimento alheio.

Célula invisível, criada em laboratório e congelada a uma baixíssima temperatura, sem nenhum neurônio, não pensa, não sente e não sofre. Quem poderia dispor delas e ter algum sentimento por elas são os seus genitores (o fornecedor do esperma e a fornecedora do óvulo), vale dizer, os doadores do material biológico que criou, artificialmente, a célula em questão. Por isso que, como se verá ao final, no pedido, a única exigência que deve ser feita à realização de pesquisas com células tronco embrionárias é o consentimento dos fornecedores do material biológico que lhes deu a origem artificial. Não em respeito às células em si, que são um material biológico com tanta relevância quanto um fio de grama (ou menor, porque um fio de grama é um material muito mais complexo), mas sim em respeito aos próprios fornecedores desse material biológico, que por puritanismo próprio não querem que ele seja usado. É uma posição pessoal egoísta mas o Estado deve respeito a isso, não devendo manipular o patrimônio genético das pessoas sem que elas expressamente consintam.

Excelência, tenha certeza que um boi merece muito mais respeito e consideração da humanidade do que essas células embrionárias. Um boi, quando é abatido para servir à nossa fome com a sua própria carne, pode eventualmente sofrer. Pode deixar saudades em alguma vaquinha ou sabe-se lá o que mais. Uma célula invisível de laboratório, menor que a cabeça de um alfinete, não tem qualquer sentimento: quem pode ter alguma consideração por ela são os doadores do material biológico que permitiu a sua criação artificial (espermas + óvulos), daí a exigência do consentimento desses doadores e nada mais.

Se o Poder Judiciário considerar que essas células microscópicas têm direito à vida só porque vem do ser humano então tudo o que vem do ser humano deveria igualmente ter direito à vida, devendo-se substituir as atuais estações de tratamento de esgoto por museus de preservação e contemplação do material orgânico humano.

As pessoas deveriam orar pelo cumprimento do artigo 227 da Constituição Federal. Ali, quando se diz que as crianças devem ser tratadas com absoluta prioridade, assegurando-se o seu direito à vida e à saúde, dentre muitos outros - tantas vezes esquecidos, deve-se pensar nas possibilidades de cura para inúmeras crianças vivas, sem puritanismos quanto a uma cambada de células que não irão para o ventre materno e portanto nunca irão adquirir vida propriamente dita..

Somando-se a essas considerações a força normativa do princípio constitucional da legalidade, inserto no artigo 5°, inciso II, segundo o qual o Estado não pode determinar a proibição de atividade humana sem que a lei expressamente o faça, temos que é absolutamente permitida, no ordenamento jurídico brasileiro, a pesquisa e a terapia com células tronco embrionárias produzidas laboratorialmente in vitro, sendo que a única exigência a ser feita consiste na autorização dos respectivos genitores (doadores do esperma e dos óvulos), como respeito a eles (pela utilização do seu patrimônio genético) e não como respeito às células em si mesmas, que se não forem utilizadas para esse nobre fim acabam indo para o lixo.

3. A DEFESA DE DIREITOS DIFUSOS,

O direito a que o Estado respeite o princípio da legalidade é de todos, indistintamente.

O direito a uma sadia qualidade de vida abrange não só as presentes, mas também as futuras gerações. Que ainda vai nascer e pode ser acometido por uma moléstia grave poderá ser beneficiado pelo comando judicial emergente desta ação.

O direito à cura, como espectro do direito à saúde, transcende cada indivíduo isoladamente considerado, abrangendo toda a sociedade. A pesquisa com células tronco embrionárias ira beneficiar a sociedade de forma indivisível, propiciando talvez a cura não só para os atuais mas também para os futuros doentes. E não é só o doente; a família têm direito a que seus familiares sejam curados.

Vossa Excelência pode ser vítima de um derrame. O irmão de qualquer Juiz do Tribunal Regional Federal da Terceira Região pode ser vítima de um acidente automobilístico com resultado de paralisia de membros. A mulher do Ministro do Superior Tribunal de Justiça pode ser vítima de mal de Parkinson. O filho de Ministro do Supremo Tribunal Federal pode ficar acometido de mal de Alzheimer. Nunca se sabe as perspectivas de cura que podem advir da pesquisa: câncer, diabetes, esclerose ... A única coisa que sabemos, com certeza, é que é um grande absurdo proibir, sem qualquer lei expressa nesse sentido, a realização dessas pesquisas, dados os incontáveis benefícios que podem trazer à sociedade humana.

4 DA LIMINAR

Existem dois requisitos para a concessão de medida liminar, que devem coexistir: fumus boni juris e periculum in mora. Há fumaça de bom direito por tudo o que já se salientou nesta peça. Sobre o perigo da demora, passaremos a tecer considerações específicas a partir de agora.

Nós estamos falando da vida e da saúde de milhões de pessoas, não apenas no Brasil mas no mundo inteiro. Nada mais urgente que isso, portanto. Muito mais urgente que qualquer questão patrimonial, que responde por mais de 90% (noventa por cento) de todos os processos que lotam os escaninhos do Poder Judiciário. Muitas pessoas irão morrer, à míngua, caso não seja concedida a medida liminar pleiteada; em contrapartida, muitas pessoas poderão ser salvas e curadas pela possibilidade de pesquisa e terapia com células tronco embrionárias, advindas da medida ora pleiteada. É esse o impasse que se põe a Vossa Excelência: dar uma decisão que vai salvar vidas ou então negar o pedido sob o fundamento do fundamentalismo religioso, como se a vontade divina fosse a de perpetuar a desgraça na face da terra.

No mais, sejamos realistas: a sociedade não tem condições de ficar esperando longos (realmente longos) anos até o Poder Judiciário desfeche a questão definitivamente, com decisão transitada em julgado. Permitir isso implica permitir que, durante todo esse tempo, seja o sistema normativo escancaradamente descumprido. Daí a necessidade de decisão que proporcione antecipação dos efeitos da tutela, liminarmente.

Caso não fosse aplicado o instituto em comento, uma decisão final, transitada em julgado, seria ineficaz para todo o (longo) tempo pretérito a ela. É dizer: não haveria remédio para sanar a violação do direito difuso tutelado por todo o tempo anterior à decisão judicial definitiva. A Constituição Federal continuaria sendo descumprida por longos e longos anos, nada mais podendo ser feito.

É justamente para evitar situações como essa que existe o artigo 461, § 3º, do código de processo civil, verbis: "Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. § 3º Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévia, citado o réu. A medida liminar poderá ser revogada ou modificada, a qualquer tempo, em decisão fundamentada."

Ressalte-se que, nos termos do mesmo dispositivo, a medida liminar poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, criando uma brecha de flexibilidade para a decisão judicial, permitindo ao juiz alterar o seu conteúdo caso mude de opinião, já que a precariedade é da própria natureza das medidas liminares.

Cumpre esclarecer que, antes mesmo do supracitado artigo 461, § 3°, do código de processo civil, cuja redação foi dada pela Lei 8.952/94, já existia autorização legislativa para a concessão de pleito liminar em ação civil pública, como se observa a partir do artigo 12 da Lei 7.347/1985, verbis: "Art. 12. Poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo.".

Com efeito, a concessão da medida liminar revela-se necessária se o Poder Judiciário realmente estiver preocupado com a efetividade prática de suas decisões, o que se impõe como uma exigência para a proteção de toda a sociedade, ameaçada nos seus direitos pela consagração da impunidade, além de uma questão de sobrevivência para esse próprio Poder de Estado, já que as suas instituições só irão ser respeitadas se ele for realmente capaz de implementar as decisões tomadas, imprimindo efetividade às medidas necessárias para a aplicação do direito material violado.

Como explica o insigne LUIZ GUILHERME MARINONI, verbis:

"Como é sabido, a doutrina processual contemporânea tomou consciência de que o processo não pode ser pensado à distância do direito material. Nessa linha a doutrina fala em efetividade do processo e em tutela jurisdicional dos direitos, sempre preocupada com um processo que seja capaz de dar ao autor o resultado que o próprio direito material lhe outorga."

Hoje, com as normas surgidas pelas sucessivas reformas e a evolução da doutrina processual, não mais se admite que o autor, numa primeira vista coberto de razão, tenha de suportar pacientemente a espera pela concessão de um provimento judicial definitivo, enquanto que o réu, agressor do direito material violado e responsável pela própria existência do processo, passe longos anos sem ser molestado e, durante o próprio processo, continue a violar o direito material.

Quando o artigo 5°, inciso XXXV, da Constituição Federal, dispõe que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito, também quis dizer que a legislação não pode criar obstáculos, nem mesmo processuais, para que o Poder Judiciário possa tomar medidas eficazes contra qualquer lesão ou ameaça a direito, já que esses obstáculos processuais implicariam, por via transversa, na impossibilidade pelo Poder Judiciário de apreciação e estancamento efetivos de lesão a direitos. Uma das formas da lei subtrair do Poder Judiciário a apreciação de lesão a direitos é criar obstáculos processuais despropositados, impedindo a ação efetiva deste Poder no cumprimento de sua missão constitucional.

Ocorre que, no caso, a legislação é amplamente favorável à concessão da medida pretendida. Além do poder geral de cautela do magistrado, temos o artigo 12 da lei da ação civil pública e o artigo 461, § 3°, do código de processo civil .

Além desses dispositivos legais, surge outro, agora com estatura constitucional, recém criado pela emenda constitucional n° 45, que veiculou a comumente chamada "Reforma do Poder Judiciário", cujo intuito foi o de torná-lo mais ágil para a população. O dispositivo referido está alocado no rol dos direitos fundamentais, assim redigido:

"Artigo 5°. Inciso LXXVIII: a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação."

DOS PEDIDOS

Posto isso, requer-se:

a) A concessão de medida liminar para determinar ao Conselho Federal de Medicina, bem como à União Federal, esta por qualquer de seus órgãos, que não criem nenhum obstáculo à terapia e à pesquisa médica e científica relativa a células tronco embrionárias que sejam obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro, exigindo-se apenas, para tanto, o consentimento dos respectivos genitores.

b) Ao final, seja confirmada a medida liminar pleiteada, condenando-se os réus na obrigação de não fazer, consistente em não criar nenhum obstáculo à terapia e à pesquisa médica e científica relativa a células tronco embrionárias que sejam obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro, podendo-se exigir apenas, para tanto, o consentimento dos respectivos genitores.

c) Sejam os réus citados para, querendo, oferecer contestação no prazo legal, sem prejuízo de considerarem procedentes os termos do pedido e reconhecerem isso em juízo; Seja oportunizada ao autor a produção de todos os meios de prova em direito admitidos, sem exclusão de nenhum deles, qualquer que seja.

Dá-se à causa o valor de R$ .....

Nesses Termos,
Pede Deferimento.

[Local], [dia] de [mês] de [ano].

[Assinatura]


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