Ação Civil pública impetrada para a obstrução de
construção de shopping center e manutenção de patrimônio histórico tombado.
EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA ..... VARA DA FAZENDA PÚBLICA DE .....
....., brasileiro (a), (estado civil), profissional da área de ....., portador
(a) do CIRG n.º ..... e do CPF n.º ....., residente e domiciliado (a) na Rua
....., n.º ....., Bairro ....., Cidade ....., Estado ..... e ....., brasileiro
(a), (estado civil), profissional da área de ....., portador (a) do CIRG n.º
..... e do CPF n.º ....., residente e domiciliado (a) na Rua ....., n.º .....,
Bairro ....., Cidade ....., Estado ....., por intermédio de seu (sua)
advogado(a) e bastante procurador(a) (procuração em anexo - doc. 01), com
escritório profissional sito à Rua ....., nº ....., Bairro ....., Cidade .....,
Estado ....., onde recebe notificações e intimações, vem mui respeitosamente à
presença de Vossa Excelência propor
AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE LIMINAR
em face de
P2......, pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ sob o n.º .....,
com sede na Rua ....., n.º ....., Bairro ......, Cidade ....., Estado ....., CEP
....., representada neste ato por seu (sua) sócio(a) gerente Sr. (a). .....,
brasileiro (a), (estado civil), profissional da área de ....., portador (a) do
CIRG nº ..... e do CPF n.º ..... e MUnicípio ......, representado por .....,
pelos motivos de fato e de direito a seguir aduzidos.
DOS FATOS
A presente demanda versa sobre obras de construção de um "shopping center", um
edifício de serviços, um edifício de "flats" e uma mudança parcial no uso das
instalações do ..............., também denominado Hospital ........., localizado
nesta Capital na alameda ..........., ...., ........
Referidas obras, apesar das gritantes, evidentes e gravíssimas ilegalidades de
que estão revestidas (consoante será adiante demonstrado), foram absurdamente
aprovadas pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico,
Artístico e Turístico do Estado - ............., cuja consulta foi necessária em
face do tombamento que recai sobre a área, e pela Prefeitura do Município de
..............., que estranhamente atestou a legalidade do empreendimento frente
à legislação de uso e ocupação do solo do Município de .........
Diante disso, as autoras, levando em conta o evidente prejuízo à ambiência
urbana e à qualidade de vida que as obras podem ocasionar, elaboraram abaixo
assinado que contém mais de ......... adesões (doc. ...). Também foi encaminhada
representação à Promotoria de Habitação e Urbanismo do Ministério Público do
Estado de ........... (doc. ...).
As ilegalidades que recaem sobre o empreendimento, tanto no que tange ao que se
pretende demolir, que está protegido pelo tombamento, quanto pelo que se
pretende construir, o que exige a observância das normas de uso e ocupação do
solo, são facilmente perceptíveis e serão demonstradas uma a uma. Antes, porém,
de tais considerações, faz-se necessário traçar brevemente o histórico do
tombamento do Hospital ........... e de seu "destombamento" efetuado pelo
........... Desta descrição já ficarão evidentes algumas das inacreditáveis
ilegalidades e arbitrariedades praticadas pelos réus.
De acordo com a Resolução de tombamento resultante de tal processo (doc. ...),
os edifícios que compõem o Hospital ...... sofreram três graus de proteção, a
saber:
O grau de proteção 1, de preservação integral, admitindo apenas pequenas
reformas, incidiu sobre a ......... O grau de proteção 2, de preservação das
fachadas, coberturas e gabaritos, incidiu sobre diversos outros prédios do
conjunto arquitetônico, e o Grau de Proteção 3, que preserva apenas e tão
somente a volumetria dos edifícios sob os quais incide.
Após o tramite desse processo e já modificada a composição do ............,
fatos inusitados passaram a ocorrer, podendo-se dizer que teve início um
verdadeiro processo de "destombamento" do bem em questão, sem razões de ordem
técnica que justificassem tal "destombamento" e mesmo sem observância de todo o
procedimento legal previsto.
Dessa forma, ainda de acordo com a narração do Prof. ........... (narração
fartamente comprovada), em data de .../.../..., o Conselho Estadual de Defesa
dos Direitos Humanos (doc. ... do parecer do Dr. .....) enviou ofício onde, por
mais absurdo que possa parecer, lê-se:
"Recebemos informações referentes à possibilidade de revisão da decisão que
decidiu pelo tombamento do complexo hospitalar denominado Hospital ........."
DO DIREITO
O instituto do tombamento vem sendo considerado pela doutrina pátria majoritária
como um ato administrativo vinculado, ou seja, uma vez presentes as razões de
ordem técnica para que o tombamento ocorra, tal ato passa a ser um direito
subjetivo da coletividade à preservação de sua memória histórica e cultural,
direito subjetivo esse que impede o órgão responsável de omitir-se em proteger o
patrimônio, não havendo qualquer dúvida acerca da possibilidade de controle
jurisdicional acerca do cumprimento desse direito público subjetivo.
Nesse sentido, é contundente o magistério do Prof. Hely Lopes Meirelles(1):
"Quando o Poder executivo não toma as medidas necessárias para o tombamento de
um bem que reconhecidamente deva ser protegido, em face de seu valor histórico
ou paisagístico, a jurisprudência tem entendido que, mediante provocação do
Ministério Público (ação civil pública) ou de cidadão (ação popular), o
Judiciário pode determinar ao Executivo faça a proteção. De igual forma, a
omissão administrativa em concluir o processo de tombamento afeta o direito de
propriedade e lesa o patrimônio individual, justificando, assim, a sua anulação
pelo Judiciário."
O eminente civilista Orlando Gomes preleciona no mesmo sentido(2):
"O Judiciário tem competência para decidir se a coisa tombada tem ou não valor
histórico e artístico; na hipótese afirmativa, subsiste o tombamento, com as
restrições que dele decorrem"
Portanto, valores ambientais, urbanísticos, culturais, arquitetônicos e
históricos justificaram o ato de tombamento efetuado pelo ........., sendo que a
presença de tais valores foi amplamente debatida e corroborada por diversos
profissionais. Poucas vezes se encontram imóveis com tantas razões para o
tombamento quanto o Hospital ......., e poucas vezes um processo de tombamento é
tão profundamente analisado e fundamentado como ocorre no caso em tela.
Como corolário da ilegalidade apontada no tópico anterior, temos que o ato
administrativo que "destombou" o imóvel em questão feriu requisitos básicos e
elementares que devem nortear, num regime democrático, a edição de todo e
qualquer ato administrativo.
Nesse sentido, os requisitos do "motivo" e da "motivação" do ato foram
descumpridos.
O Prof. Celso Antonio Bandeira de Mello define o que se deve entender por
"motivo", no sentido jurídico do termo (e não qualquer motivo), que é requisito
essencial do ato administrativo(14):
"Se a regra de direito enuncia que um dado ato pode (ou deve) ser produzido
quando presente determinado motivo (isto é, uma dada situação de fato), resulta
óbvio ser condição da lisura da providência adotada que efetivamente tenha
ocorrido ou seja existente aquela situação pressuposta na norma a ser aplicada.
Se o fato presumido pela lei não existe, sequer irrompe a competência para
expedir o ato, pois as competências não são conferidas para serem exercidas a
esmo. Os poderes administrativos são irrogados para que, em face de determinadas
situações, o agente atue com vistas ao escopo legal. Donde o motivo é a
demarcação dos pressupostos fáticos cuja ocorrência faz deflagrar em concreto a
competência que o agente dispõe em abstrato."
Mais adiante, conclui o ilustre professor:
"Jamais seria de admitir que a autoridade pudesse expedir um ato sem motivo
algum - pois isso seria a consagração da irracionalidade - ou que pudesse
escolher qualquer motivo, fosse qual fosse, pois redundaria no mesmo absurdo da
irracionalidade"
Ora, no caso dos autos, como visto, não houve qualquer alteração nas razões que
levaram o .................. a tombar o imóvel. Com efeito, não perdeu o
Hospital seu valor cultural, histórico, arquitetônico, ambiental e urbanístico,
ou seja, não houve qualquer motivo, qualquer situação fática tão relevante
quanto o tombamento que justificasse a autorização para a obra pretendida.
Justamente por causa dessa ausência de motivos, houve ausência de motivação na
decisão que autorizou a obra, ou seja, não houve exteriorização de motivo algum,
por mais estapafúrdio que fosse. Citamos novamente o magistério do Prof. Celso
Antonio Bandeira de Mello(15):
"A autoridade necessita referir não apenas a base legal em que se quer estribada
mas também nos fatos ou circunstâncias sobre os quais se apóia e, quando houver
discrição, a relação de pertinência lógica entre seu supedâneo fático e a medida
tomada, de maneira a se poder compreender sua idoneidade para lograr a
finalidade legal. A motivação é, pois a justificativa do ato".
Com visto, portanto, no caso dos autos, em nenhum momento as autoridades
públicas preocupam-se em dar uma satisfação para os interessados, em nenhum
momento se preocupam em explicitar as razões pelas quais autorizaram a
realização de obra que destrói patrimônio tombado de inegável interesse público
por seu caráter histórico, ambiental, urbanístico, arquitetônico e cultural.
Acerca do desvio de finalidade, ou também denominado desvio de poder, temos o
magistério de Hely Lopes Meirelles(16):
"O desvio de finalidade ou de poder verifica-se quando a autoridade, embora
atuando nos limites de sua competência, pratica o ato por motivos ou com fins
diversos dos objetivados pela lei ou exigidos pelo interesse público. O desvio
de finalidade ou de poder é, assim, a violação ideológica da lei, ou, por outras
palavras, a violação moral da lei, colimando o administrador público fins não
queridos pelo legislador, ou utilizando motivos e meios imorais para a prática
de um ato administrativo aparentemente legal. "
Mais adiante, com mais contundência ainda, conclui o saudoso Professor:
"O ato praticado com desvio de finalidade - como todo ato ilícito ou imoral - ou
é consumado às escondidas ou se apresenta disfarçado sob o capuz da legalidade e
do interesse público. Diante disso, há que ser surpreendido e identificado por
indícios e circunstâncias que revelem a distorção do fim legal, substituído
habilidosamente por um fim ilegal ou imoral não desejado pelo legislador. (...).
Dentre os elementos indiciários de desvio de finalidade está a falta de motivo,
ou a discordância dos motivos com o ato praticado".
Ora, é exatamente isso o que ocorre no caso dos autos. Todavia, o Prof. Hely
Lopes Meirelles fala em "indícios" de desvio de finalidade. No caso vertente,
existem diversos e inquestionáveis indícios, sendo eles: a falta de motivo para
o "destombamento" do imóvel em questão, a falta de motivação, a aprovação de
"revisão" do tombamento sem qualquer estudo técnico que embasasse tal decisão, o
imoral conluio entre técnicos de um órgão público e de uma entidade privada na
elaboração de um "plano de massas" conjunto, em evidente afastamento do
interesse público, a aprovação da obra pela Municipalidade supostamente sem a
aprovação do empreendimento pelo ........., etc.
Diz o art. 225, da Constituição Federal:
"Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de
uso comum do povo e essencial a sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder
Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e
futuras gerações
§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
IV - exigir, na forma da lei, para instalação de atividade potencialmente
causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto
ambiental, a que se dará publicidade."
A Prefeitura do Município de ......... ao aprovar a obra, além de ter cometido a
ilegalidade de não exigir o Estudo Prévio de Impacto Ambiental e/ou o Relatório
de Impacto de Vizinhança, comete outra fragorosa ilegalidade ao aprovar a obra
em franca, nítida e inquestionável afronta à legislação municipal de zoneamento,
afronta essa que tenta-se disfarçar através de decreto nitidamente casuístico.
DOS PEDIDOS
Diante de todo exposto requer-se:
a) Seja julgada procedente a presente ação, deferindo-se a liminar para
obstrução da construção do prédio e a manutenção do tombamento do hospital,
provando-se através de docs ..... e outros;
b) Notifique-se o Ministério Público, por ser assunto de interesse público;
c) A citação dos interessados, na forma da lei.
d) A condenação dos requeridos no pagamento de custas processuais, honorários
advocatícios e demais cominações legais.
Dá-se a causa o valor de R$ .....
Nesses Termos,
Pede Deferimento.
[Local], [dia] de [mês] de [ano].
[Assinatura do Advogado]
[Número de Inscrição na OAB]