Alegações finais, em que o réu aduz ser o autor mero detentor de imóvel, devendo, portanto, ser julgada improcedente a ação de usucapião.
EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA ..... VARA CÍVEL DA COMARCA DE ....., ESTADO
DO .....
AUTOS Nº .....
....., brasileiro (a), (estado civil), profissional da área de ....., portador
(a) do CIRG n.º ..... e do CPF n.º ....., residente e domiciliado (a) na Rua
....., n.º ....., Bairro ....., Cidade ....., Estado ....., por intermédio de
seu (sua) advogado(a) e bastante procurador(a) (procuração em anexo - doc. 01),
com escritório profissional sito à Rua ....., nº ....., Bairro ....., Cidade
....., Estado ....., onde recebe notificações e intimações, vem mui
respeitosamente, nos autos de USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA, que lhe move .....,
brasileiro (a), (estado civil), profissional da área de ....., portador (a) do
CIRG n.º ..... e do CPF n.º ....., residente e domiciliado (a) na Rua ....., n.º
....., Bairro ....., Cidade ....., Estado ....., à presença de Vossa Excelência
apresentar
ALEGAÇÕES FINAIS
pelos motivos de fato e de direito a seguir aduzidos.
DOS FATOS
Bastaria o exame do depoimento do autor, o Sr. ...., para que se deslindasse a
questão em definitivo. Naqueles suportes fáticos, toda a construção jurídica
torna-se sólida e límpida, não deixando margens à dúvidas.
Com efeito, assim depõe o autor: ".... quando então .... contou que tinha um
barracão, na Rua ...., e que o depoente podia entrar lá e trabalhar .... uns
dois anos depois de ter passado a ocupar o barracão, depois de ter conversado
novamente com ...., passou também a ocupar uma casa de madeira .... que antes de
entrar na casa, como disse, falou com .... e este autorizou a entrada ..."
E prossegue, ainda, no seu depoimento, que se de um lado é contraditório, por
outro lado deságua num cristalino entendimento de que tinha plena consciência de
que não era dono do imóvel e que o mesmo tinha dono e um responsável por sua
guarda e conservação.
Assim é que prossegue em seu esclarecedor depoimento: "... não sabia de quem era
a propriedade e só agora é que ficou sabendo que o dono mora na América do Norte
...". Mas esclarece que "... vem pagando o imposto IPTU em nome de ...., nada
mais nada menos que o proprietário do imóvel, .... sendo que recebeu o primeiro
aviso, pagou, e daí falou com ...., o qual disse-lhe para que continuasse
pagando ....".
Esclarece mais o depoente que é vizinho do Sr. ...., distante umas três quadras,
"... e que para ele de vez em quando executou alguns trabalhos de marcenaria,
sem cobrar; os últimos trabalhos de marcenaria que fez foi há questão de uns
três anos; não cobrava porque achava que .... também não fazia, e que por isso
ficava ...".
Porém, o momento crucial do depoimento do autor foi aquele quando perguntando
pelo requerente se sabia se o Sr. .... era responsável pelo imóvel, respondeu
que não.
Porém, logo mais desnuda-se, declarando: "... mas depois que entrou, o mesmo
disse: "eu mando aqui" ..."; "... que o Sr. .... deu-lhe ordens para entrar no
imóvel, mandou entrar; conversava com .... durante o tempo em que estava no
imóvel, mas só quando .... precisava de algum serviço ..."
Por final, nesta necessária análise do depoimento do autor, registre-se pergunta
fundamental que lhe foi feita, ao que respondeu o autor: "... o depoente entrou
no terreno ciente de que tinha dono, e tinha consciência de que o terreno era
seu, do depoente, enquanto estivesse ocupando-o ...".
Não resta a menor dúvida, Meritíssimo Juiz, de que o autor recebia, como sempre
recebeu, ordens do procurador do proprietário do imóvel para permanecer na
propriedade do Sr. ...., em troca de alguns serviços de marcenaria e o pagamento
dos impostos correspondentes. Nem mesmo benfeitorias fez no imóvel, usando-o num
típico contrato de comodato.
Está claro que o autor sempre soube quem era o proprietário do imóvel (pagava
imposto em nome dele), e quem era o seu procurador e responsável, com quem tinha
um relacionamento constante, fazendo para ele serviços de marcenaria,
gratuitamente.
Tentou o autor, em seu depoimento, encobrir a verdade, mas esbarrou na
sagacidade e precisão das perguntas de Vossa Excelência, que desmistificaram por
completo a aventureira intenção do requerente.
Todas as demais testemunhas, tanto do autor como do Réu, vieram corroborar o que
sobressaiu claro no desastrado depoimento do autor: que o imóvel é de
propriedade do Sr. ...., que nunca descurou em exercer seu mandato, cumprindo-o
em toda a sua plenitude.
E, como ponto culminante, quanto à matéria de fato, registre-se a insidiosidade
do autor ao declarar que "não sabia de quem era a propriedade", quando em seu
pedido inicial esclarece que o proprietário é o SR. ..., residente em local
ignorado. Bastaria perguntar ao Sr. ...., com quem mantinha relações negociais
quanto ao uso do imóvel, para saber o endereço do proprietário.
Este registro é tão somente para evidenciar que, lamentavelmente, a prestação do
autor não é honesta, revestida de absoluta má-fé.
Talvez influenciado por terceiros, sabedor que o proprietário morava no .... e
que o procurador (seu vizinho) estava adoentado, pensou que ao intentar esta
ação, promovendo a citação por edital, conseguiria atingir o seu escuso
desiderato.
Infelizmente para o autor, quis a generosidade de amigos e vizinhos que o Sr.
.... ficasse sabendo da presente ação, quando prontamente diligenciou para
proteger o seu patrimônio de seu amigo querido de longos anos, posto que está
habilitado legalmente para o exercício destes direitos.
DO DIREITO
Pretendeu o autor lastrar-se no art. 1238 do Código Civil Brasileiro para
atingir seus objetivos.
Mas, para atingir este intento, deveria ficar provado, com a máxima clareza, de
que, além de possuir o imóvel, possuía-o como seu.
A questão do autor, porém, não reside no art. 1238. Reside, isto sim, no art.
1198 do Código Civil, no qual não é possuidor aquele que se encontra em
dependência para com outro, conserva a posse em nome deste e cumpre ordens ou
instruções suas.
O fato de receber ordens para entrar no imóvel, tolerando a permanência nele, o
pagamento dos impostos em nome do proprietário e a realização de serviços de
marcenaria para o procurador do proprietário como uma típica remuneração pelo
seu uso e conservação, não induz posse, e revela a real situação do autor
perante o imóvel.
A posse é, sem sombra de dúvida, do Sr. ....
O autor é mero detentor. Conserva a posse em nome daquele.
Se não há posse, não há como usucapir. Não caberia, nem mesmo ao autor,
amparar-se nos interditos proibitórios, caso fosse citado em ação relativa a
coisa possuída, quando deveria, in casu, nomear a autoria o proprietário ou o
possuidor. (art. 62 do C.P.C).
A mera tolerância em permitir que o autor use o imóvel, não caracteriza a posse,
principalmente, no caso em questão, que se revestiu, e isto é relevante, de
características humanitárias, e em troca de alguns serviços como pagamento pelo
uso e promoção de sua conservação. Gesto este que deixava claro ao autor que o
imóvel não era seu.
Mera detenção, nada mais, que não qualifica o autor a reivindicar a posse "ad
usucapionem".
A posse e o ânimo de dono, suportes básicos para usucapir, estão ausentes nesta
questão.
Washington de Barros Monteiro, na pág. 32, Curso de Direito Civil, Direito das
Coisas, 3º Volume, Editora Saraiva, ensina:
"Para Ihering posse é a exterioridade do domínio. Não a tem, portanto, o simples
detentor, que se limita a manter a posse em nome de terceiros, ou em cumprimento
de suas instruções. Aliás, para Ihering, a detenção acha-se em último lugar na
escala das relações jurídicas entre a pessoa e a coisa. No primeiro plano, estão
a propriedade e seus desdobramentos, em segundo lugar, a posse de boa-fé, em
terceiros, a posse, e por fim, a detenção".
A lição transcrita cabe como uma boa luva na questão presente.
No mesmo diapasão, Darcy Bressone, enfoca:
"Por isso mesmo, fala-se que a pessoa dependente, que se encontra no exercício
da detenção, é instrumento de posse. Ela serve ao possuidor contribuindo para o
exercício dela. Daí a expressão "fâmulo da posse", que é usual." (Direitos
Reais, pág. 266, Editora Saraiva).
Procurou-se neste memorial fazer o enquadramento da matéria fática com o
direito.
Esta preocupação prende-se a peculiaridade da Ação de Usucapião, que, por
envolver matéria possessória, o exame de cada caso é que leva ao deslinde da
questão.
Há que se provar a posse, sem dependência, nem subordinação. A posse não tem tão
somente a sua característica espacial.
Outros elementos, também fortes, devem existir para torná-la concreta.
A distância da posse à detenção é longa. A posse é um estado solitário. A
detenção exige companhia. Esta imagem figurada, é para materializar as relações
que o autor mantinha com o procurador do autor, com quem estabeleceu uma
constante e absoluta dependência. E isto é detenção, e não posse.
Neste Memorial adotou-se a técnica de examinar com detalhes o depoimento do
autor. Dali é que se esperou extrair o verdadeiro "animus domini", para então
buscar as complementações necessárias.
O exame dos depoimentos das testemunhas só vêm corroborar o que ficou claro
naquilo que diz o autor. A sua total dependência, a sua precariedade, e a sua
transitoriedade, na condição de mero detentor, e nunca possuidor do imóvel.
E, o usucapião só é possível se houver posse, porque, sem posse, não há
usucapião.
DOS PEDIDOS
Examinados os aspectos fáticos e sua abordagem perante o Direito a que
corresponde, espera o contestante, confiante nos elevados conhecimentos e na
acuidade que sempre norteou as decisões de Vossa Excelência, seja a presente
ação julgada improcedente, condenando-se o autor, nas custas e honorários
advocatícios.
Nesses Termos,
Pede Deferimento.
[Local], [dia] de [mês] de [ano].
[Assinatura do Advogado]
[Número de Inscrição na OAB]