Ação de Anulação de Doação de todos os Bens, sem Reserva
EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA VARA CÍVEL
TÚLIA MARCOS, brasileira, viúva, aposentada, residente e domiciliada nesta
cidade, na Rua da República, nº 1.889, por seu procurador abaixo firmado,
conforme instrumento de mandato incluso, com escritório profissional na Rua da
Independência, nº 1.822, nesta Capital, onde recebe intimações, vem, com o
merecido respeito, à presença de Vossa Excelência, promover a presente AÇÃO
ORDINÁRIA DE ANULAÇÃO DE DOAÇÃO DE IMÓVEL, com fundamento no art. 1.175, do
Código Civil Brasileiro, contra LÍVIA MESSALINA, brasileira, solteira,
comerciária, residente e domiciliada na Rua Tiradentes, nº 1.796, pelas razões
de fato e fundamentos de direito que passa a expor:
OS FATOS
No dia 12 de julho de 1999, através de escritura pública lavrada em notas do
tabelionato desta cidade, a autora doou, sem reservas, à ré, o imóvel de sua
propriedade, constituído do apartamento nº 203, do edifício, situado na Rua do
Descobrimento, nº 1.500, matriculado sob nº 100, no Registro de Imóveis desta
comarca.
O referido bem se constituía na integralidade do patrimônio da doadora. A
certidão anexa, expedida pelo ofício imobiliário, dá conta de que a mesma não é
detentora da propriedade de nenhum outro bem imóvel.
A autora é aposentada pela previdência social, da qual recebe, a título de
proventos da aposentadoria, a quantia de R$ xx,00, mensais que, juntamente com a
pensão deixada por seu falecido esposo, de um salário mínimo mensal, de acordo
com os comprovantes inclusos, totaliza o rendimento mensal de apenas R$ xxx,00,
que é valor insuficiente para manter sua própria manutenção, eis que despende
mensalmente, a título de aluguel, vestuário, plano de saúde, medicamentos,
higiene, alimentação, transporte e etc., quantia superior a R$ xxxxxx, conforme
comprovantes inclusos. Assim, a autora se vê forçada a enfrentar, mensalmente,
um déficit de cerca de R$ xxx, com o quê sua parca economia se exaure
aceleradamente, a ponto de já se encontrar dependendo de auxílio de parentes e
amigos, fato que lhe é imensamente humilhante.
O DIREITO
Diz o art. 1.175, do Código Civil Brasileiro: "É nula a doação de todos os
bens, sem reserva de parte, ou renda suficiente para a subsistência do doador".
E, no caso em tela, a doadora se despojou de seu único bem patrimonial, e
sequer reservou-se o usufruto do bem doado. Mas, reavendo a propriedade, a
locação lhe proporcionará um rendimento capaz de garantir, juntamente com outros
ganhos, conforme acima relacionados, a sua subsistência.
Conforme ensinamento de Washington de Barros Monteiro, in Curso de direito
civil - Direito das obrigações, 5º vol., 2ª parte, 9. ed., p. 127:
- "O legislador não permite, pois, doação universal (omnium bonorum),
compreensiva de todos os bens do doador; este há de reservar parte deles, ou, ao
menos, de suas rendas, para garantir a respectiva manutenção. Procura, assim, o
Código, pô-lo a salvo de qualquer imprevidência, fraqueza de ânimo ou excesso de
generosidade; o art. 1.175 do CC contém prudente medida de proteção aos
doadores, com o fito de evitar liberalidades excessivas, realizadas sem pleno
conhecimento do ato e previsão dos dias futuros. 'Nula será, portanto, doação
irrestrita, ainda que gravada com o encargo de prover o donatário a subsistência
do doador, enquanto viver'."
A JURISPRUDÊNCIA
O entendimento pretoriano, afinado com a disposição legal, é unânime no
sentido de considerar nula a doação feita sem reserva de parte, ou renda
suficiente para a subsistência do doador.
DOAÇÃO - Liberalidade abrangendo a totalidade dos bens. Falta de reserva da
parte da coisa doada ou renda para subsistência do doador. Nulidade que produz
efeitos ex tunc. Possibilidade de argüição por qualquer interessado, pelo MP, ou
ser reconhecida de ofício pelo Juiz. Aplicação do art. 1.175 do CC. (TJSP - Ap.
143.293-1/3 - 8ª C. - Rel. Des. Franklin Nogueira - J. 12.06.1991) (RT 676/95)
(RJ 182/83)
DOAÇÃO - Ação de nulidade por infringência do art. 1.175 do Código Civil,
isto é, doação sem reserva de bens ou receita. Improcedência do pedido em face
da existência de outros bens no patrimônio da doadora. Liberalidade sem reserva
de parte patrimonial ou renda para subsistência do doador inocorrida, desde que
há outros bens. Para declarar nula a doação por infringir o art. 1.175 do Código
Civil, é mister provar que o doador ficou sem recursos ou haveres para sua
subsistência. Apelo improvido. (TJPR - AC 32.226-1 - 2ª C. Civ. - Rel. Des. Negi
Calixto - J. 10.05.1995)
A DONATÁRIA
Lívia Messalina, a donatária do único bem que constituía o patrimônio da
doadora, é solteira, comerciária aposentada e proprietária de outros bens
imóveis cujo rendimento, juntamente com os proventos de sua aposentadoria, são
suficientes para manter uma vida sem privações, ao contrário do que ocorre com a
doadora, ora autora.
MUDANÇA DA SITUAÇÃO ECONÔMICA
Quando procedeu a doação, a autora residia no imóvel doado, por liberalidade
da donatária, e assim pretendia fazê-lo enquanto vivesse. Contudo, ante a
necessidade de residir em casa de repouso, foi forçada a arcar com despesas
antes imprevistas, que vieram a determinar fundamental mudança em sua situação
econômica. Com os proventos que percebia podia, então, arcar com todas as
despesas normais e ainda lhe sobravam resíduos que eram acumulados em poupança,
para fazer face às imprevidências futuras. Entretanto, suas despesas, que antes
eram restritas apenas aos poucos gastos de rotineira manutenção pessoal,
passaram a se tornar quase insuportáveis, ante a mudança de seu modus vivendi,
forçada a atender aquelas despesas que, por amostragem, foram relacionadas
acima.
O PEDIDO
Em razão do exposto, com amparo no art. 1.175, do Código Civil Brasileiro, e
na forma do art. 282 e seguintes do Código de Processo Civil, requer a citação
da requerida, para que conteste, caso queira, a presente ação ordinária de
anulação de doação, a qual deverá ser julgada procedente, com a determinação do
retorno do bem doado ao patrimônio da doadora, a fim de que a mesma possa dele
desfrutar ou usufruir na condição de plena proprietária, condenando-se a
requerida em custas processuais, honorários advocatícios e demais cominações
legais.
Protesta por todo o gênero de provas e requer a sua produção pelos meios
admitidos em direito, como juntada de documentos, perícias, inquirição de
testemunhas e depoimento pessoal da requerida.
Valor da causa:
Nestes termos
Pede deferimento.
Local e data
Assinatura do procurador.