Ação civil pública para obstar cobrança indevida de pedágio para duplicação de rodovia.
EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA ..... VARA CÍVEL DA COMARCA DE ....., ESTADO
DO .....
(Processo nº )
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE ...., através dos Promotores de Justiça da
Cidadania desta Comarca, ao final subscritos, vem propor a presente
AÇÃO CIVIL PÚBLICA, COM PEDIDO LIMINAR
em face de
....., pessoa jurídica de direito público interno, com sede na Rua ....., n.º
....., Bairro ....., Cidade ....., Estado ..... e ....., pessoa jurídica de
direito privado, inscrita no CNPJ sob o n.º ....., com sede na Rua ....., n.º
....., Bairro ......, Cidade ....., Estado ....., CEP ....., pelos motivos de
fato e de direito a seguir aduzidos.
DOS FATOS
A ....., criada pelo consórcio de empresas privadas de engenharia que
participaram da concorrência pública internacional nº .....,realizada pelo
Governo do Estado de ....., através do Departamento de Estradas de Rodagem -
D.E.R., teve para si adjudicado o objeto da licitação, mediante concessão, do
sistema rodoviário constituído pelo lote .....
Em ...., o .... (concessionária) assinaram o termo de contrato de concessão
rodoviária (doc. anexo), através do qual a concessionária obteve o direito de,
por .... meses, explorar o sistema rodoviário aludido, obrigando-se a
conservá-lo e a duplicar a rodovia ...... Em contrapartida, a concessionária
poderia cobrar pedágio ao longo da malha rodoviária mencionada, decorridos .....
meses da assinatura do contrato e após a realização de alguns serviços
emergenciais necessários para que a rodovia .... tivesse asseguradas as
condições mínimas ao tráfego de veículos, tais como: tapagem de buracos na pista
de rolamento, melhoria das sinalizações horizontal e vertical, limpeza de
acostamentos etc. Esses serviços, a bem da verdade, estão sendo realizados pela
...., mas a rodovia, dado o longo tempo em que permaneceu sem receber adequada
conservação do Poder Público, apresenta-se muito aquém das condições razoáveis
de trafegabilidade ansiadas pelos usuários/motoristas. Urge que se faça o
recapeamento integral de todo o seu piso asfáltico.
A concessionária obrigou-se a pagar ao concedente/contratante (D.E.R.) pela
delegação do serviço público de exploração desse sistema rodoviário, o seguinte
preço:
I- Valor correspondente a ....% da receita bruta efetivamente obtida pela
CONCESSIONÁRIA no mês anterior ao do pagamento, excetuada a receita financeira,
durante todo o prazo da CONCESSÃO; e
II - O valor fixo de R$ .... a ser pago da seguinte forma:
......
Para obter recursos e cobrir os custos decorrentes da conservação da malha
rodoviária, da sua futura duplicação, do preço da concessão e do percentual da
receita bruta que deve mensalmente carrear aos cofres públicos, a concessionária
está finalizando a construção de .... postos ou praças de pedágios ao longo da
....., um no Município de ....., outro em ...e outro em .....
Esse posto de pedágio situado em .... (a presente ação tem por objetivo
questionar o valor do pedágio que será aqui cobrado; por evidente, o Juízo desta
Comarca não tem competência para conhecer de eventual questionamento sobre os
outros dois postos de pedágios , que estão localizados em outras circunscrições
territoriais) começará a funcionar, segundo palavras do presidente da .....,
engenheiro ....i, ainda este mês, provavelmente por volta do dia ....., pagando
o motorista R$ .... quando for de ... a ..... e outros R$ .... quando retornar
de lá para cá. Trata-se da chamada cobrança bidirecional de pedágio e, com esse
procedimento, a .... evitou construir outro posto de cobrança na mesma ....,
entre ...... e ...... Para demonstrar-se o descabimento desse quantum, basta
lembrar que o valor do pedágio pela utilização das rodovias .....
Fácil verificar, portanto, o sacrifício que a cobrança do pedágio no posto
aludido representará para quantos se utilizem da .... e, em especial, para as
inúmeras pessoas que moram em .... e trabalham em .... e vice-versa (o pagamento
diário de R$ .... representa um dispêndio mensal de R$ .....). Esse sacrifício
se torna mais gravoso quando se estuda a questão do ponto de vista jurídico e se
constata que o pedágio, definido como taxa de serviço - espécie do gênero
tributo - só pode ser cobrado, segundo a Constituição Federal, conforme se
demonstrará adiante, no item “DO DIREITO”, para a conservação de rodovias,
jamais para a duplicação delas, para o custeio do objeto licitado e para que o
Poder Público obtenha receita (essas destinações esdrúxulas do valor de parte do
pedágio, constantes do contrato celebrado entre o ....., que excedem os custos
de conservação da rodovia, são ilegais).
É notório o desvio de finalidade da cobrança do pedágio de ....
Em resumo, o autor busca que Vossa Excelência estabeleça, LIMINARMENTE, até que
se demonstre, de forma segura, qual o custo real dos serviços de conservação da
rodovia, que o preço do pedágio não ultrapasse .... % do valor pretendido pela
concessionária.
DO DIREITO
Para o jurista Yves Gandra da Silva Martins, o pedágio tem natureza jurídica de
taxa, como se vê em sua obra “Sistema Tributário na Constituição de 1.988” (pág.
145, ed. Saraiva, 1.991).
Na oportunidade, cabe lembrar o que é taxa. Segundo o Código Tributário
Nacional, artigo 77, “As taxas cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito
Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, têm como
fato gerador o exercício do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou
potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte
ou posto à sua disposição”(grifamos).
O jurista Roque Antônio Carraza, quando analisa a taxa, espécie de tributo, em
sua obra “Curso de Direito Constitucional Tributário” (Malheiros, 4ª ed. pág.
282), diz o seguinte: “sempre dentro do assunto ora em estudo, o pedágio, a
nosso ver, tipifica verdadeira taxa de serviço, por força do que prescreve o
art. 150, V, da CF: “Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao
contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos
Municípios: (...) estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio
de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio
pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público”.
Pinto Ferreira, em seus “Comentários à Constituição Brasileira (Saraiva, ed.
1.992, pág. 321), afirma que o pedágio “é uma taxa, por conseqüência um tributo;
é uma taxa que onera todo aquele que utiliza determinada via de transporte”.
José Cretella Júnior, em seus “Comentários à Constituição Brasileira de 1.988”
(Forense Universitária, 2º ed., vol. VII, arts. 145 a 169, pág. 3.554),
considera o pedágio como tributo. Quando comenta as limitações de ir e vir de
pessoas entre Estados-Membros e Municípios, considera essa restrição à liberdade
de trânsito como tributo.
O escólio desse respeitado jurista não poderia ser outro, dada a clareza
vernacular dos artigos da Constituição Federal e da Constituição Estadual a
seguir transcritos.
Na seção II, do capítulo I, do Título VI, da Constituição da República, lê-se:
Das limitações ao poder de tributar. O art. 150, caput, diz:
“Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União,
aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
V - estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos
interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela
utilização de vias conservadas pelo Poder Público” (grifamos);
Da leitura desse inciso, chega-se, facilmente, a duas conclusões:
a) que a Constituição Federal trata o pedágio como tributo (não se pode
restringir o tráfego de pessoas por meio de tributos, a não ser através de
pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público);
b) que a cobrança de pedágio só é possível para a utilização de via conservada
pelo Poder Público, não para a construção ou a duplicação de estrada e, muito
menos, para o custeio de concessões de serviços públicos e para o Estado obter
receita. Via conservada não significa via ainda não construída, lembrando-se
que, no presente caso, por se cuidar de imposição à economia dos contribuintes,
se deve interpretar o texto constitucional de maneira restritiva.
Em resumo, o pedágio, como bem acentuou o ilustre professor Carraza, é
verdadeira taxa de serviço.
Sobre o tema, transcreve-se voto do preclaro Desembargador Araken de Assis, do
E. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, na apelação cível nº
593003510 - 1ª Câmara Cível - Porto Alegre:
“... Em termos estritamente constitucionais, o pedágio (ou rodágio) inclui-se
entre os tributos, como se lê no art. 150, V, da Carta Magna, que, reproduzindo,
com pequenas alterações, o art. 20, II, da de 1.967, de 1.946, colocou-o entre
as taxas, em seu art. 27. A insistência nessa classificação afasta, ao meu ver,
o “mero erro de técnica” como quer considerá-lo Hely Lopes Meirelles, em parecer
sob o título “Com Cobrança de Pedágio” publicado em ‘Justitia’, 70/36-41. Mesmo
porque, no plano doutrinário e à luz do texto maior, é perfeitamente defensável
enquadrá-lo como taxa, eis que atende os requisitos do art. 145, II, da CF; tem
como fato gerador a prestação dos serviços específicos de conservação e
melhoramento das vias trafegáveis e é divisível, porque postos à disposição do
usuário que quiser beneficiar-se desse maior conforto e segurança ...”.
Da presente argumentação jurídica, chega-se à conclusão lógica de que o pedágio
se destina tão-somente a custear os serviços de conservação de rodovias e não,
supletivamente, para propiciar a geração de receita para o Estado, para fazer
frente às despesas de construção ou de duplicação de estradas nem para
viabilizar, financeiramente, os custos da privatização da malha rodoviária
pública.
Interpretação diversa faria tábula rasa do texto da Constituição Federal.
Quanto à legitimidade do MP, esta decorre justamente no artigo 129, inciso III,
da Lei Maior (São funções institucionais do Ministério Público: promover o
inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e
social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos).
Depois, com a edição do Código do Consumidor (Lei Federal nº 8.078, de 11 de
setembro de 1.990), o legislador desceu à conceituação:
“Artigo 81: ...
Parágrafo único:
A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:
I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste Código,
os transindividuais, de natureza indivisível de que sejam titulares pessoas
indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato”
Os traços comuns a ambas as categorias apontadas são a “transindividualidade” e
a “indivisibilidade” dos interesses de que tratam.
A propósito de sobredita “indivisibilidade”, é J.C. Barbosa Moreira que, com a
propriedade e a clareza que lhe são peculiares, preleciona referirem-se os
interesses coletivos ou difusos “a um bem (latíssimo senso) indivisível, no
sentido de insuscetível de divisão (mesmo “ideal”), em quotas atribuíveis
individualmente a cada um dos interessados. Estes se põem numa espécie de
comunhão tipificada pelo fato de que a satisfação de um só implica por força a
satisfação de todos, assim como a lesão a um só constitui, ipso facto, lesão da
inteira coletividade” (“in” “A legitimação para a defesa dos interesses difusos
no direito brasileiro”, Revista Ajuris - 32:82).
Oportuna a lição de Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery:
“DIREITOS DIFUSOS. APLICAÇÃO DO CONCEITO LEGAL. Por expressa determinação legal
(CDC 90 e LACP 21) as definições legais de direitos difusos e coletivos (CDC 81,
§ único I e II) são aplicáveis a todas as situações em que é reclamado o exame
desses conceitos e não apenas às lides de consumo. Todas as outras definições de
direitos difusos e coletivos que contrariem o texto ora analisado devem ser
entendidas como proposições de lege ferenda, inaplicáveis às situações concretas
levadas ao judiciário” (Código de Processo Civil Comentado - 2ª edição, Revista
dos Tribunais, PÁG. 1.705).
A jurisprudência, fazendo coro com a doutrina, não deixa margem de dúvida quanto
à legitimidade do Ministério Público para a propositura da ação:
“AÇÃO CIVIL PÚBLICA - CANCELAMENTO DE TAXA ILEGAL - LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO
PÚBLICO - O Ministério Público está legitimado para o exercício da ação civil
pública no objetivo de proibir a cobrança de taxa ilegal” (Superior Tribunal de
Justiça, Recurso Especial nº 109.013/MG)”.
Quanto à competência para a propositura da ação, oart. 2º, da Lei nº 7.347/85,
aduz que é competente o foro do local onde ocorrer o dano, não o local do ato ou
fato, como seria a regra geral (art. 100, V, a, do Código de Processo Civil).
A Lei nº 7.347/85 estabelece em seu artigo 3º: “a ação civil poderá ter por
objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não
fazer”. E, no seu artigo 12: “poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem
justificação prévia, em decisão sujeita a agravo”.
E1.DOS PEDIDOS
Ante o exposto, requer:
a) a concessão de LIMINAR, sem a oitiva das partes demandadas,
determinando-se-lhes que se abstenham de cobrar além de R$ .....como pedágio
pela passagem de veículos de passeio (para os demais será observado o teto de
metade do valor do pedágio que se pretendia cobrar) no posto de cobrança da
...., podendo esse valor ser exigido apenas em um sentido de direção ou, em
ambos, a escolha delas, desde que, nesta situação, o valor da taxa seja de R$
.... para quem vai de .... a ... e de R$ .... no sentido inverso, tudo sem
prejuízo dos serviços de conservação da rodovia que estão sendo realizados;
b) a CITAÇÃO dos acionados para que venham responder à presente ação, querendo e
lhes convindo, pena de revelia;
c) a procedência da ação, condenando-se os réus na obrigação de não fazer,
consistente na abstenção de cobrarem o pedágio além do valor indicado no item
“a”, até que as obras de duplicação de .....estejam concluídas;
d) a fixação de multa de R$ ..... para cada dia de descumprimento da ordem
judicial, liminar ou definitivamente concedida;
e) provar o alegado por todos os meios permitidos em direito.
Dá-se à causa o valor de R$ .....
Nesses Termos,
Pede Deferimento.
[Local], [dia] de [mês] de [ano].