AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - PARTIDO POLÍTICO - PROTEÇÃO AO MEIO
AMBIENTE - DEGRADAÇÃO AMBIENTAL - MP 1701 98 - CONTRARIEDADE A LEI FEDERAL - ART
225 CF - LIMINAR
EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
O PARTIDO .......... e PARTIDO ............., partidos políticos com registro
definitivo no Tribunal Superior Eleitoral, devidamente representados no
Congresso Nacional, onde recebem intimações, vêm, por seus advogados firmatários
(Doc. 01), propor
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE com pedido de concessão de medida liminar,
com fulcro nas alíneas "a" e "p" do inciso I do artigo 102, c/c inciso do VIII
do artigo 103 da Constituição da República Federativa do Brasil, contra a MEDIDA
PROVISÓRIA Nº 1710, DE 7 DE AGOSTO 1998, publicada no Diário Oficial da União de
10 agosto de 1998, que "acrescenta dispositivo à Lei nº 9.605, de 12 de
fevereiro de 1998, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas
derivadas de condutas e atividades lesivas
ao meio ambiente."
I - DA LEGISLAÇÃO VICIADA
1. No dia 7 de agosto do corrente, o Presidente da República editou a Medida
Provisória nº 1.710, de 07 de agosto de 1998 - publicada no D. O. U. de 10 de
agosto de 1998 - (cópia anexa) que, "acrescenta dispositivo à Lei nº 9.605, de
12 de fevereiro de 1998, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas
derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente." Verbis:
MEDIDA PROVISÓRIA Nº 1.710, DE 7 DE AGOSTO DE 1998
"Acrescenta dispositivo à Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, que dispõe
sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades
lesivas ao meio ambiente."
"Art. 1º - A Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, passa a vigorar acrescida
do seguinte artigo:
"Art. 79-ª - Para cumprimento do disposto nesta Lei, os órgãos ambientais
integrantes do SISNAMA, responsáveis pela execução de programas e projetos e
pelo controle e fiscalização das atividades suscetíveis de degradarem a
qualidade ambiental, ficam autorizados a celebrar, com força de título executivo
extrajudicial, termo de compromisso com pessoas físicas ou jurídicas
responsáveis pela construção, instalação, ampliação e funcionamento de
estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, considerados
efetiva ou potencialmente poluidores, bem como os capazes, sob qualquer forma,
de causar degradação ambiental.
§ 1º - O termo de compromisso a que se refere este artigo destinar-se-á
exclusivamente, a permitir que as pessoas físicas e jurídicas mencionadas no
caput possam promover as necessárias correções de suas atividades, para o
atendimento das exigências impostas pelas autoridades ambientais competentes,
sendo obrigatório que o respectivo instrumento disponha sobre:
I - o nome, a qualificação e o endereço das partes compromissadas e dos
respectivos representantes legais;
II - o prazo de vigência do compromisso, que, em função da complexidade das
obrigações nele fixadas, poderá variar entre o mínimo de noventa dias e o máximo
de cinco anos, com possibilidade de prorrogação por igual período;
III - a descrição detalhada de seu objeto e o cronograma físico de execução e de
implantação das obras e serviços exigidos;
IV - as multas que podem ser aplicadas à pessoa física ou jurídica compromissada
e os casos de rescisão, em decorrência do não-cumprimento das obrigações nele
pactuadas;
V - o foro competente para dirimir litígios entre as partes.
§ 2º - No tocante aos empreendimentos em curso no dia 30 de março de 1998,
envolvendo construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos
e atividades utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva ou
potencialmente poluidores, bem como os capazes, sob qualquer forma, de causar
degradação ambiental, a assinatura do termo de compromisso deverá ser requerida
pelas pessoas físicas e jurídicas interessadas, até o dia 31 de dezembro de
1998, mediante requerimento escrito protocolizado junto aos órgãos competentes
do SISNAMA.
§ 3º - Da data da protocolização do requerimento previsto no parágrafo anterior
e enquanto perdurar a vigência do correspondente termo de compromisso, ficarão
suspensas, em relação aos fatos que deram causa à celebração do instrumento, a
aplicação e a execução de sanções administrativas contra a pessoa física que o
houver firmado.
§ 4º - Sob pena de ineficácia, os termos de compromisso deverão ser publicados
no órgão oficial competente, mediante extrato." (NR)
Art. 2º Esta Medida Provisória entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 7 de agosto de 1998; 177º da Independência e 110º da República.
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
Gustavo Krause"
II - DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS VIOLADAS
2. A Medida Provisória supramencionada viola frontalmente os seguintes preceitos
constitucionais, verbis:
"Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de
uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder
público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e
futuras gerações.
§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao poder público:
I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo
ecológico das espécies e ecossistemas;
II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e
fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;
III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus
componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão
permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a
integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;
IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade
potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo
prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;
V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e
substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio
ambiente;
VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a
conscientização pública para a preservação do meio ambiente;
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que
coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou
submetam os animais a crueldade.
§ 2º Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio
ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público
competente, na forma da lei.
§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão
os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas,
independentemente da obrigação de reparar os danos causados." (destaque e grifo
nosso)
III - A LEI Nº 9.605/98 E AS ALTERAÇÕES PRETENDIDAS PELA MP Nº 1.710/98 -
3. A Medida Provisória nº 1.710/98 tem como objetivo protelar a aplicação de
sanções administrativas aos infratores, sobretudo multas e suspensão de
atividades, previstas na Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, que
estabeleceu uma série de sanções penais, civis e administrativas para pessoas
físicas e jurídicas que viessem a degradar o meio ambiente.
A Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998
4. A Lei nº 9.605/98 (Lei dos Crimes Ambientais) que, a rigor, ainda não vigora
plenamente, já que depende de um regulamento a ser editado em 90 (noventa) dias
após a sua promulgação, foi apresentada pelo Governo, mesmo sob o protesto de
amplos setores da Sociedade Brasileira, como instrumento capaz de permitir a
punição dos responsáveis pela degradação ambiental, coibindo a prática de danos
ao meio ambiente.
5. Vale lembrar que, quando das negociações em torno da referida lei, o
presidente do IBAMA argumentava que o grande avanço da lei residia na introdução
de penas administrativas, civis e penais, de forma combinada, num só instrumento
legal.
6. Na época, apesar de se reconhecer, em termos gerais, os méritos da legislação
aprovada, criticaram-se duramente os vetos do Poder Executivo a vários pontos da
Lei, entre os quais
destacamos:
a) Art. 5º - Previa a responsabilização do agente de degradação ambiental,
independentemente de culpa (responsabilidade objetiva). O causador do dano seria
obrigado a repará-lo independente de culpa;
b) Art. 43 - Estabelecia penas de detenção e multas para quem pusesse fogo na
mata ou fizesse uso indiscriminado de queimadas;
c) Art. 47 - Impedia a exportação de produtos de origem vegetal sem a licença de
uma autoridade competente, coibindo o que se conhece como biopirataria;
d) art. 57 - Proibia a importação e comercialização de produtos tóxicos;
e) art. 72, inciso X - Permitia a intervenção em estabelecimentos, em caso de
infração administrativa grave.
7. Vale lembrar ainda que durante o processo de votação da referida lei, sob a
pressão dos setores mais conservadores da sociedade brasileira e com o
beneplácito do Governo, foi retirado da futura legislação o dispositivo que
permitia o aumento da multas em até cem vezes.
8. Não satisfeito com os vetos feitos à Lei nº 9.650/98, que mutilou, em muito,
a nova legislação, o Governo editou a MP nº 1.710/98 que, no mínimo, abriu a
possibilidade de adiamento, por 10 anos, da aplicação das sanções
administrativas previstas na "Lei dos Crimes Ambientais". O que chama mais a
atenção é que, na época da discussão dos vetos, o Governo alardeou que o
importante é que possuía, a partir daquele momento, instrumentos administrativos
efetivos para coibir a prática de danos ao meio ambiente.
9. Como afirmamos acima, a MP 1.710/98 praticamente acabou com a eficácia dos
dispositivos da Lei nº 9.605/98, que estabeleciam uma série de sanções
administrativas, como advertência, multa, embargo de obra, suspensão parcial ou
total de atividades etc... Ao analisarmos o conteúdo da Medida Provisória em
comento, podemos afirmar:
a. mediante um esdrúxulo "termo de compromisso", elevado a categoria de título
executivo extrajudicial, os órgãos ambientais poderão permitir que pessoas
físicas ou jurídicas possam, pasmem, construir, instalar, ampliar e colocar em
funcionamento estabelecimento e atividades utilizadoras de recursos ambientais,
consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou, sob qualquer forma,
capazes de causar degradação ambiental;
b. O "acordo", que permitiria que os degradadores do meio ambiente fizessem as
correções em suas atividades poluidoras, poderá variar entre o mínimo de noventa
dias e o máximo de cinco anos, com possibilidade de prorrogação por igual
período, o que nos permite deduzir que os destruidores do meio ambiente poderão
continuar a sua nefasta "obra" por até dez anos, sem correrem o risco de lhes
ser aplicada uma pena administrativa;
c. Os infratores e seus empreendimentos que estavam degradando o meio ambiente,
iniciados até 30 de março de 1998, poderão continuar a fazê-lo desde que
requeiram a "assinatura" do termo de compromisso até 31 de dezembro de 1998.
d) A MP cria ainda a seguinte situação: o causador do dano ambiental poderá ser
condenado penalmente pela prática de crime ambiental e nada sofrer na esfera
administrativa. Poderá, da mesma forma, ser obrigado a reparar o dano e a pagar
uma indenização de caráter civil, sem entretanto, sofrer qualquer punição
administrativa.
10. Salvo melhor juízo, apesar do absurdo da situação, esta nos parece a
interpretação mais plausível. Contrário sensu, com a "assinatura" do termo de
compromisso, estariam suspensas a possibilidade de apenação e responsabilização
na esfera civil.
11. O mais grave é a que a MP, além de beneficiar os atuais infratores,
facultando a suspensão das punições administrativas, permite e até estimula que
empreendimentos ou atividades, sabidamente poluidoras ou danosas ao meio
ambiente, possam vir a ser efetivadas na sua totalidade.
IV - DA VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS ELENCADOS NO ART 225 DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL
. 12. Como reconhecido por toda doutrina pátria, a Constituição de 1988 avançou,
e muito, no tratamento da questão ambiental no Brasil, sobretudo, ao dispor no
seu art. 225 que "o meio ambiente ecologicamente equilibrado é bem de uso comum
do povo e essencial à sadia qualidade de vida". Assim, ao enunciar como
essencial à qualidade de vida, o art. 225 recepcionou o conceito de meio
ambiente estabelecido na Lei nº 6.938/81, que afirma:
"É o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física,
química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas"
(art. 3º, I).
13. Ao usar a expressão sadia qualidade de vida, fica evidente que o legislador
constituinte optou por estabelecer dois objetos de tutela ambiental: um
imediato, que é a qualidade do meio ambiente, e outro mediato, que é a saúde, o
bem-estar e a segurança da população, que se vêem sintetizados na expressão
sadia qualidade de vida. Nesse sentido, escrevem os autores, CELSO ANTONIO
PACHECO, MARCELO ABELHA e ROSA MARIA ANDRADE, verbis:
"...Assim, depois dessas considerações, chegamos à implacável conclusão de que o
conceito de meio ambiente é amplíssimo, na exata medida em que se associa à
expressão sadia qualidade de vida. Trata-se, pois, de um conceito jurídico
indeterminado, que, propositadamente colocado pelo legislador, visa criar um
espaço positivo e de incidência da norma, ou seja, ao revés, se houvesse uma
definição precisa do que seja meio ambiente, numerosas situações, que
normalmente seriam inseridas na órbita do conceito atual do meio ambiente,
poderiam deixar de sê-lo, pela eventual criação e um espaço negativo inerente a
qualquer definição.
Como bem lembrado pelo Prof. José Afonso da Silva, pelos dados do art. 225, de
lege lata, somos remetidos aos arts. 5º e 6º da Constituição Federal, pois é
nesta sede que estão protegidos o direito à vida, à liberdade, à segurança, à
igualdade, à propriedade, à saúde, à educação, ao lazer, ao trabalho, etc...
"Nota-se, portanto, a absoluta simetria entre o direito ao meio ambiente e o
direito à vida bem lembrado por José Afonso da Silva. O direito à vida é
portanto o objeto do direito ambiental sendo certo que sua correta interpretação
não se restringe pura e simplesmente ao direito à vida, enquanto vida humana,
mas sim direito à sadia qualidade de vida em todas as suas formas"
Portanto, parece incrível, mas o legislador foi além, ao dizer que a tutela
ambiental não é só tutela da vida, mas uma vida digna e sadia em todas as suas
formas. Dessa maneira, não há como fugir-se da insofismável conclusão de que a
tutela do meio ambiente, nos moldes explicitados, faz parte não só de uma
garantia constitucional e, portanto, com regime de cláusula pétrea, como também
diz respeito aos próprios fundamentos e princípios da República, estabelecidos
nos arts. 1º e 3º da Constituição Federal...." {grifos nossos}( Fiorillo, Celso
Antonio Pacheco, Direito processual ambiental brasileiro/Celso Antonio Pacheco
Fiorillo, Marcelo Abelha Rodrigues, Rosa Maria Andrade Nery - Belo Horizonte:
Del Rey, 1996, p. 31/32)
14. Insculpidos na Constituição Federal, no referido art. 225, destacam-se os
seguintes princípios da política global do meio ambiente:
a) princípio da obrigatoriedade da intervenção estatal (caput § 1º);
b) princípio da prevenção e da precaução (caput e, v. g., § 1º, inciso IV, com a
exigência do EIA/RIMA);
c) princípio da informação e da notificação ambiental (caput e § 1º, VI);
d) princípio da educação ambiental (caput e § 1º, VI);
e) princípio da participação (caput);
f) princípio do poluidor pagador (§ 3º);
g) princípios da responsabilidade da pessoa física e jurídica (§ 3º);
h) princípio da soberania dos Estados para estabelecer sua política ambiental e
de desenvolvimento com cooperação internacional (§ 1º do art. 225, combinado com
as normas constitucionais sobre distribuição de competência legislativa);
i) princípio da eliminação de modos de produção e consumo e da política
demográfica adequada;
j) princípio do desenvolvimento sustentado: direito das intergerações (caput).
15. Pois bem, é nesse contexto de direito fundamental da pessoa humana, e tendo
em vista os princípios acima, que se coloca a análise de MP 1.710/98. Nesse
sentido, podemos afirmar que, com a edição da MP e conseqüente alteração da Lei
9.605/98, o Poder Executivo renunciou ao poder-dever que lhe outorgou o
constituinte - e reafirmou o legislador ordinário - para a proteção do meio
ambiente e, conseqüentemente, das gerações presentes e futuras do nosso país,
violando os dispositivos constitucionais acima destacados e, de uma maneira
geral, todo capítulo do meio ambiente previsto na Lei Maior, posto que o mesmo
estabelece um série de dispositivos que devem ser aplicados conjuntamente, sob
pena de não surtirem efeito. Por exemplo, a realização do EIA/RIMA não elide a
obrigação de fiscalização do empreendimento pelo Poder Público.V - DA
INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI EM RAZÃO DE OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA
PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE JURÍDICAS
16. Hodiernamente é pacífico no âmbito da Suprema Corte do País, o entendimento
inequívoco da possibilidade de se declarar a inconstitucionalidade da lei em
caso de sua dispensabilidade (inexigibilidade), inadequação (falta de utilidade
para o fim perseguido) ou de ausência de razoabilidade em sentido estrito
(desproporção entre o objetivo perseguido e o ônus imposto ao atingido).
17. Em artigo publicado em abril de 1948 (Igualdade perante a Lei e due process
of law - revista Forense, vol. 116, 1948, p. 357), o eminente jurista San Tiago
Dantas, sustentando já então a atualidade do tema, assim se manifestava:
"O problema da lei arbitrária, que reúne formalmente todos os elementos da lei,
mas fere a consciência jurídica pelo tratamento absurdo ou caprichoso que impõe
a certos casos, determinados em gênero ou espécie, tem constituído, em todos os
sistemas de direito constitucional, um problema de grande dificuldade teórica e
de relevante interesse prático".
18. O princípio da proporcionalidade tem fundamental importância na aferição da
constitucionalidade de leis interventivas na esfera de liberdade humana e nos
direitos fundamentais, porque o legislador, mesmo pretensamente perseguindo fins
estabelecidos na Constituição e agindo por autorização desta, poderá editar leis
consideradas inconstitucionais, bastando para tanto que intervenha no âmbito dos
direitos com a adoção de cargas coativas maiores ou menores do que as exigíveis
à sua efetividade.
19. Adotando-se este norte, o controle de medidas legislativas com impacto na
esfera de liberdade, como aquelas que intervêm abruptamente na economia ou que
se propõem a regulamentar limitações a direitos, pode-se dar com maior
profundidade. DA MESMA FORMA, A COMPATIBILIDADE DE NORMAS AO PRINCÍPIO DA
IGUALDADE, EXIGÊNCIA BÁSICA PARA A CONSECUÇÃO DA JUSTIÇA MATERIAL, levará em
conta uma igualdade proporcional, exigindo-se do legislador uma maior ponderação
de resultados.
20. Com efeito, observamos que o Princípio da Proporcionalidade tem como
principal campo de atuação o dos direitos e garantias fundamentais, e, por isso,
qualquer manifestação do poder público deve render-lhes obediência, FATO ESTE
NEM DE LONGE OBSERVADO PELO INSTRUMENTO NORMATIVO ORA INQUINADO.
21. Atentos a essa realidade, muitos países já consagram juridicamente o
princípio da proporcionalidade. A Constituição de Portugal, por exemplo,
reconhece-o expressamente, ao dispor no seu art. 18, 2º, que:
"A lei só pode restringir direitos, liberdades e garantias nos casos
expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao
necessário para salvaguardar outros direitos e/ou interesses constitucionalmente
protegidos"
- grifos nossos -
22. Como anota CANOTILHO (Direito Constitucional - Almedina), "o princípio
considerado significativo, no âmbito das leis interventivas na esfera de
liberdades dos cidadãos, que qualquer limitação a direitos feita pela lei deve
ser apropriada, exigível e na justa medida, atributos que permitem identificar o
conteúdo jurídico do cânone da proporcionalidade em sentido amplo": EXIGÊNCIA DE
ADEQUAÇÃO DA MEDIDA RESTRITIVA AO FIM DITADO PELA PRÓPRIA LEI; NECESSIDADE DA
RESTRIÇÃO PARA GARANTIR A EFETIVIDADE DO DIREITO E A PROPORCIONALIDADE EM
SENTIDO ESTRITO, PELA QUAL SE PONDERA A RELAÇÃO ENTRE A CARGA DA RESTRIÇÃO E O
RESULTADO .
23. O meio empregado pelo legislador deve ser adequado e necessário para
alcançar o objetivo procurado. O meio é adequado quando com seu auxílio se pode
alcançar o resultado desejado; é necessário quando o legislador não poderia ter
escolhido outro meio, igualmente eficaz, mas que não limitasse ou limitasse da
maneira menos sensível o direito fundamental.
24. Pois bem, ao editar a MP nº 1.710/98 o Governo contrariou todas as suas
"atitudes" anteriores, bem como, toda a pressão realizada pela sociedade
brasileira e até organismos internacionais. Ou seja, após 07 anos de tramitação,
inúmeras e acirradas discussões com todos os setores da sociedade brasileira,
inclusive os empresários, não parece crível que, antes mesmo da sua
regulamentação, o Governo retroceda e revogue, não só a lei 9605/98, mas toda e
qualquer norma punitiva, de caráter administrativo, - já que a Lei 9.605/98,
revogou todas as normas anteriores relativas a sanções administrativas -
deixando um vácuo inaceitável nos instrumentos necessários para a proteção do
meio ambiente. Tal conduta, ao nosso ver, fere o Princípio da Proporcionalidade.
VI- DA INEXISTÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS CONSTITUCIONAIS PARA EDIÇÃO DA MEDIDA
PROVISÓRIA.
25. O constituinte de 1988, ansioso por eliminar da ordem jurídica as marcas
da ditadura, instituiu, em substituição ao Decreto-Lei, a Medida Provisória,
como forma de dotar o Poder Executivo de mecanismos normativos capazes de
atender a situações emergenciais que não pudessem aguardar os procedimentos
legislativos ordinários, sem os riscos de provocar prejuízos à ordem econômica,
política ou social do País. Entretanto, a fim de evitar abusos do Executivo e
mais que isso, delimitando o campo de atuação da Medida Provisória e a sua
natureza jurídica, o legislador constituinte condicionou sua edição à irrestrita
obediência aos pressupostos da relevância e da urgência, além de estabelecer, -
reafirmando o princípio da independência e harmonia entre o poderes, - que as
mesmas devem, de imediato, serem submetidas ao Congresso Nacional. Sobre a
natureza jurídica das Medidas e seu espaço de atuação, temos a esclarecedora
lição do Mestre Celso Antônio Bandeira de Mello, que escreve:
"... 2. Convém desde logo acentuar que as medidas provisórias são profundamente
diferentes das leis - e não apenas pelo órgão que as emana. Nem mesmo se pode
dizer que a Constituição foi tecnicamente precisa ao dizer que têm "força de
lei". A compositura que a própria Lei Magna lhes conferiu desmente a assertiva
ou exige que seja recebida cum grano salis.
A primeira diferença entre umas e outras reside em que as medidas provisórias
correspondem a uma forma excepcional de regular certos assuntos, ao passo que as
leis são a via normal de discipliná-los.
A segunda diferença está em que as medidas provisórias são, por definição,
efêmeras, de vida curtíssima, enquanto as leis, além de perdurarem normalmente
por tempo indeterminado, quando temporárias têm seu prazo por elas mesmo fixado,
ao contrário das medidas provisórias cuja duração máxima já está preestabelecida
na Constituição: 30 dias.
A terceira diferença consiste em que as medidas provisórias são precárias, isto
é, podem ser infirmadas pelo Congresso a qualquer momento dentro do prazo em que
deve apreciá-las, em contraste com a lei cuja persistência só depende do próprio
órgão que as emanou. (Congresso).
A quarta diferença resulta de que a medida provisória não confirmada, isto é,
não transformada em lei, perde sua eficácia desde o início; esta, diversamente,
ao ser revogada, apenas cessa seus efeitos ex nunc.
Por tudo isto se vê que a força jurídica de ambas não é a mesma.
Finalmente, a quinta e importantíssima diferença procede de que a medida
provisória, para ser expedida, depende da ocorrência de certos pressupostos;
especificamente os de "relevância e urgência", enquanto, no caso da lei, a
relevância da matéria não é condição para que seja produzida; antes, passa a ser
de direito relevante tudo o que a lei houver estabelecido. Demais disso,
inexiste o requisito de urgência.
Em virtude do exposto, seria erro gravíssimo analisá-las como se fossem leis
"expedidas pelo Executivo" e, em consequência, atribuir-lhes regime jurídico ou
possibilidades normalizadoras equivalentes às das leis.
Com efeito, as características assinaladas revelam que as medidas provisórias
não são uma alternativa, aberta ao Executivo, para obter regulação de matérias
que desdenhe submeter ao Legislativo pelo procedimento norma, ou seja,
valendo-se do poder de iniciativa das leis que lhe confere o art. 61.
Por serem, como visto, excepcionais, efêmeras, precárias, suscetíveis de perder
eficácia desde o início e cabíveis apenas ante questões relevantes que demandem
urgente suprimento, é óbvio que só podem se expedidas quando a) situação muito
grave demande providências imediatas, que tenham de ser tomadas incontinenti
pena de perecimento do interesse público que devem suprir e b) a natureza da
medida seja compatível com a fragilidade inerente ao seu caráter efêmero e
precário..." ( Mello, Celso Antônio Bandeira de, Perfil Constitucional das
Medidas Provisórias, Revista de Direito Público, Nº 95 - Julho-Setembro de 1990
- Ano 23, p. 28/29 )
26. Ora, em que pese a importância da questão ambiental que, diga-se, no caso da
Lei 9.605/98, foi debatida no Congresso Nacional durante 07 (sete) longos anos,
não é admissível que o Governo, "na calada da noite", edite uma MP para tratar
de uma tema que poderia e deveria ser objeto de debate com a sociedade
brasileira, posto que não se carateriza a urgência requerida pela Constituição
Federal.
27. A Lei dos Crimes Ambientais aprovada em fevereiro último cria um sistema de
punições que se interrelacionam. Ou seja, as sanções penais, civis e
administrativas previstas na legislação, foram, por assim dizer, criadas para
serem aplicadas de forma unitária. Por outro lado, o caráter penal da legislação
é evidente. Em sendo assim, entendemos que, em hipótese alguma, a mesma poderia
ser alterada por Medida Provisória.
VIII - DA VIOLAÇÃO DO ART. 5º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
28.Não obstante a Medida Provisória 1710/98 ater seu conteúdo, em princípio,
à esfera administrativa, ela terá interferência na aplicação de alguns dos tipos
penais constantes da Lei 9.605/98.
29. O art. 60 da Lei 9.605/98, por exemplo, prevê como crime as condutas de
construir, reformar, ampliar, instalar ou fazer funcionar estabelecimentos,
obras ou serviços potencialmente poluidores sem licença ou autorização dos
órgãos ambientais, ou contrariando as normas legais e regulamentares
pertinentes. Ora, se o empreendedor poderá funcionar, com base na MP 1710/98, em
desacordo com as exigências hoje presentes em lei, mediante a assinatura de
termo de compromisso com o órgão ambiental, poderá fazê-lo sem licença ou
autorização, não incorrendo, portanto, no crime previsto pelo art. 60. Não
incorrerá, também, em crime o empreendedor que afrontar padrões e normas
ambientais, desde que tenha firmado o termo de compromisso.
30. O mesmo raciocínio pode ser estendido a outros tipos constantes da Lei
9.605/98 que contêm referências a atos administrativos, como permissão,
autorização, licença, etc.
31. A interferência direta ou indireta com tipos penais afronta o inciso XXXIX
do art. 5º da Constituição Federal in verbis:
"XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia
cominação legal."
IX - DA MEDIDA LIMINAR
32. O tema sub examine comporta prestação jurisdicional antecipada, que desde
já se requer, eis que estão presentes todos os pressupostos para a concessão da
medida. A relevância constitucional, que evidencia a plausibilidade desta ação
direta, está na inconstitucionalidade revelada sob dois aspectos: formal e
material.
33. Como exposto, a adoção de Medidas Provisórias, pelo Presidente de República,
está subordinada ao atendimento de dois requisitos essenciais: relevância e
urgência ( da matéria), segundo a dicção inequívoca do art. 62, da Constituição
Federal. Tais requisitos, diga-se, devem estar presentes simultaneamente, não se
admitindo apenas um deles, como evidencia o conetivo "e".
.34. Com efeito, sob esse aspecto formal, restou demonstrado que os requisitos
acima não estavam presentes quando da edição da medida provisória, pois trata-se
de matéria que há muito está colocada na ordem do dia da nação e sobre a qual o
Congresso Nacional vem legislando com eficiência e responsabilidade.
.35. Por outro lado, sob o aspecto material, a Medida Provisória invade
competência legislativa do Congresso Nacional, traduzindo-se num inaceitável
vilipêndio do Poder Executivo à independência do Poder Legislativo. Assim, não
se pode admitir, ainda que por um minuto, que possamos ter em nosso ordenamento
jurídico normas que, afrontando a Supremacia Constitucional, violam princípios
fundamentais e estruturantes, tão caros ao Estado de Direito e a Democracia
Moderna.
.36. Não bastasse tudo isso, caso não se suspenda de imediato a medida
provisória, esta poderá gerar uma série de relações jurídicas novas, como por
exemplo, permitir que, utilizando-se do "novo" § 3º do art. 79-A, criado pela MP
1.710/98, sejam suspensos milhares de processos administrativos tendentes a
impor severas e justas sanções aos conhecidos e reincidente degradadores do meio
ambiente.
37. Por tais razões, pede e espera a urgente concessão de medida cautelar,
suspendendo-se a eficácia da medida provisória, objeto desta ação, até decisão
final de mérito.
V - DO PEDIDO
38. Ante o exposto, requer-se:
a) o conhecimento e processamento da presente Ação Direta de
Inconstitucionalidade para, ao final, ser julgada procedente e declarar-se a
inconstitucionalidade da Medida Provisória nº 1.710, de 07 de agosto de 1998;
b) a citação do Advogado-Geral da União, para os fins previstos no § 3º do art.
103 da Constituição;
c) A intimação do Procurador Geral da República nos termos previstos no art. 171
do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, para, querendo, manifestar-se
no prazo legal.
Dá-se à causa o valor de R$ ........
Termos em que
P. Deferimento,
..........., ...... de ........ de .........