Ação direta de inconstitucionalidade proposta por partido político para proteção do meio ambiente.
EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
O PARTIDO .......... e PARTIDO ............., partidos políticos com registro
definitivo no Tribunal Superior Eleitoral, devidamente representados no
Congresso Nacional, onde recebem intimações, vêm, por seus advogados firmatários
(Doc. 01), propor
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE COM PEDIDO DE CONCESSÃO DE LIMINAR
pelos motivos de fato e de direito a seguir aduzidos.
DOS FATOS
No dia 7 de agosto do corrente, o Presidente da República editou a Medida
Provisória nº 1.710, de 07 de agosto de 1998 - publicada no D. O. U. de 10 de
agosto de 1998 - (cópia anexa) que, acrescenta dispositivo à Lei nº 9.605, de 12
de fevereiro de 1998, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas
derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente.
DO DIREITO
A Medida Provisória supramencionada viola frontalmente os seguintes preceitos
constitucionais, verbis:
"Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de
uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder
público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e
futuras gerações.
§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao poder público:
I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo
ecológico das espécies e ecossistemas;
II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e
fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;
III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus
componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão
permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a
integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;
IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade
potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo
prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;
V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e
substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio
ambiente;
VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a
conscientização pública para a preservação do meio ambiente;
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que
coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou
submetam os animais a crueldade.
§ 2º Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio
ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público
competente, na forma da lei.
§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão
os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas,
independentemente da obrigação de reparar os danos causados." (destaque e grifo
nosso)
A Medida Provisória nº 1.710/98 tem como objetivo protelar a aplicação de
sanções administrativas aos infratores, sobretudo multas e suspensão de
atividades, previstas na Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, que
estabeleceu uma série de sanções penais, civis e administrativas para pessoas
físicas e jurídicas que viessem a degradar o meio ambiente.
A Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998
A Lei nº 9.605/98 (Lei dos Crimes Ambientais) que, a rigor, ainda não vigora
plenamente, já que depende de um regulamento a ser editado em 90 (noventa) dias
após a sua promulgação, foi apresentada pelo Governo, mesmo sob o protesto de
amplos setores da Sociedade Brasileira, como instrumento capaz de permitir a
punição dos responsáveis pela degradação ambiental, coibindo a prática de danos
ao meio ambiente.
Vale lembrar que, quando das negociações em torno da referida lei, o presidente
do IBAMA argumentava que o grande avanço da lei residia na introdução de penas
administrativas, civis e penais, de forma combinada, num só instrumento legal.
6. Na época, apesar de se reconhecer, em termos gerais, os méritos da legislação
aprovada, criticaram-se duramente os vetos do Poder Executivo a vários pontos da
Lei, entre os quais destacamos:
a) Art. 5º - Previa a responsabilização do agente de degradação ambiental,
independentemente de culpa (responsabilidade objetiva). O causador do dano seria
obrigado a repará-lo independente de culpa;
b) Art. 43 - Estabelecia penas de detenção e multas para quem pusesse fogo na
mata ou fizesse uso indiscriminado de queimadas;
c) Art. 47 - Impedia a exportação de produtos de origem vegetal sem a licença de
uma autoridade competente, coibindo o que se conhece como biopirataria;
d) art. 57 - Proibia a importação e comercialização de produtos tóxicos;
e) art. 72, inciso X - Permitia a intervenção em estabelecimentos, em caso de
infração administrativa grave.
Vale lembrar ainda que durante o processo de votação da referida lei, sob a
pressão dos setores mais conservadores da sociedade brasileira e com o
beneplácito do Governo, foi retirado da futura legislação o dispositivo que
permitia o aumento da multas em até cem vezes.
Não satisfeito com os vetos feitos à Lei nº 9.650/98, que mutilou, em muito, a
nova legislação, o Governo editou a MP nº 1.710/98 que, no mínimo, abriu a
possibilidade de adiamento, por 10 anos, da aplicação das sanções
administrativas previstas na "Lei dos Crimes Ambientais". O que chama mais a
atenção é que, na época da discussão dos vetos, o Governo alardeou que o
importante é que possuía, a partir daquele momento, instrumentos administrativos
efetivos para coibir a prática de danos ao meio ambiente.
Como afirmamos acima, a MP 1.710/98 praticamente acabou com a eficácia dos
dispositivos da Lei nº 9.605/98, que estabeleciam uma série de sanções
administrativas, como advertência, multa, embargo de obra, suspensão parcial ou
total de atividades etc... Ao analisarmos o conteúdo da Medida Provisória em
comento, podemos afirmar:
a. mediante um esdrúxulo "termo de compromisso", elevado a categoria de título
executivo extrajudicial, os órgãos ambientais poderão permitir que pessoas
físicas ou jurídicas possam, pasmem, construir, instalar, ampliar e colocar em
funcionamento estabelecimento e atividades utilizadoras de recursos ambientais,
consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou, sob qualquer forma,
capazes de causar degradação ambiental;
b. O "acordo", que permitiria que os degradadores do meio ambiente fizessem as
correções em suas atividades poluidoras, poderá variar entre o mínimo de noventa
dias e o máximo de cinco anos, com possibilidade de prorrogação por igual
período, o que nos permite deduzir que os destruidores do meio ambiente poderão
continuar a sua nefasta "obra" por até dez anos, sem correrem o risco de lhes
ser aplicada uma pena administrativa;
c. Os infratores e seus empreendimentos que estavam degradando o meio ambiente,
iniciados até 30 de março de 1998, poderão continuar a fazê-lo desde que
requeiram a "assinatura" do termo de compromisso até 31 de dezembro de 1998.
d) A MP cria ainda a seguinte situação: o causador do dano ambiental poderá ser
condenado penalmente pela prática de crime ambiental e nada sofrer na esfera
administrativa. Poderá, da mesma forma, ser obrigado a reparar o dano e a pagar
uma indenização de caráter civil, sem entretanto, sofrer qualquer punição
administrativa.
Salvo melhor juízo, apesar do absurdo da situação, esta nos parece a
interpretação mais plausível. Contrário sensu, com a "assinatura" do termo de
compromisso, estariam suspensas a possibilidade de apenação e responsabilização
na esfera civil.
O mais grave é a que a MP, além de beneficiar os atuais infratores, facultando a
suspensão das punições administrativas, permite e até estimula que
empreendimentos ou atividades, sabidamente poluidoras ou danosas ao meio
ambiente, possam vir a ser efetivadas na sua totalidade.
Como reconhecido por toda doutrina pátria, a Constituição de 1988 avançou, e
muito, no tratamento da questão ambiental no Brasil, sobretudo, ao dispor no seu
art. 225 que "o meio ambiente ecologicamente equilibrado é bem de uso comum do
povo e essencial à sadia qualidade de vida". Assim, ao enunciar como essencial à
qualidade de vida, o art. 225 recepcionou o conceito de meio ambiente
estabelecido na Lei nº 6.938/81, que afirma:
"É o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física,
química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas"
(art. 3º, I).
Hodiernamente é pacífico no âmbito da Suprema Corte do País, o entendimento
inequívoco da possibilidade de se declarar a inconstitucionalidade da lei em
caso de sua dispensabilidade (inexigibilidade), inadequação (falta de utilidade
para o fim perseguido) ou de ausência de razoabilidade em sentido estrito
(desproporção entre o objetivo perseguido e o ônus imposto ao atingido).
O constituinte de 1988, ansioso por eliminar da ordem jurídica as marcas da
ditadura, instituiu, em substituição ao Decreto-Lei, a Medida Provisória, como
forma de dotar o Poder Executivo de mecanismos normativos capazes de atender a
situações emergenciais que não pudessem aguardar os procedimentos legislativos
ordinários, sem os riscos de provocar prejuízos à ordem econômica, política ou
social do País. Entretanto, a fim de evitar abusos do Executivo e mais que isso,
delimitando o campo de atuação da Medida Provisória e a sua natureza jurídica, o
legislador constituinte condicionou sua edição à irrestrita obediência aos
pressupostos da relevância e da urgência, além de estabelecer, - reafirmando o
princípio da independência e harmonia entre o poderes, - que as mesmas devem, de
imediato, serem submetidas ao Congresso Nacional. Sobre a natureza jurídica das
Medidas e seu espaço de atuação, temos a esclarecedora lição do Mestre Celso
Antônio Bandeira de Mello, que escreve:
"... 2. Convém desde logo acentuar que as medidas provisórias são profundamente
diferentes das leis - e não apenas pelo órgão que as emana. Nem mesmo se pode
dizer que a Constituição foi tecnicamente precisa ao dizer que têm "força de
lei". A compositura que a própria Lei Magna lhes conferiu desmente a assertiva
ou exige que seja recebida cum grano salis.
A primeira diferença entre umas e outras reside em que as medidas provisórias
correspondem a uma forma excepcional de regular certos assuntos, ao passo que as
leis são a via normal de discipliná-los.
A segunda diferença está em que as medidas provisórias são, por definição,
efêmeras, de vida curtíssima, enquanto as leis, além de perdurarem normalmente
por tempo indeterminado, quando temporárias têm seu prazo por elas mesmo fixado,
ao contrário das medidas provisórias cuja duração máxima já está preestabelecida
na Constituição.
A terceira diferença consiste em que as medidas provisórias são precárias, isto
é, podem ser infirmadas pelo Congresso a qualquer momento dentro do prazo em que
deve apreciá-las, em contraste com a lei cuja persistência só depende do próprio
órgão que as emanou. (Congresso).
A quarta diferença resulta de que a medida provisória não confirmada, isto é,
não transformada em lei, perde sua eficácia desde o início; esta, diversamente,
ao ser revogada, apenas cessa seus efeitos ex nunc.
Por tudo isto se vê que a força jurídica de ambas não é a mesma.
Finalmente, a quinta e importantíssima diferença procede de que a medida
provisória, para ser expedida, depende da ocorrência de certos pressupostos;
especificamente os de "relevância e urgência", enquanto, no caso da lei, a
relevância da matéria não é condição para que seja produzida; antes, passa a ser
de direito relevante tudo o que a lei houver estabelecido. Demais disso,
inexiste o requisito de urgência.
Em virtude do exposto, seria erro gravíssimo analisá-las como se fossem leis
"expedidas pelo Executivo" e, em consequência, atribuir-lhes regime jurídico ou
possibilidades normalizadoras equivalentes às das leis.
Com efeito, as características assinaladas revelam que as medidas provisórias
não são uma alternativa, aberta ao Executivo, para obter regulação de matérias
que desdenhe submeter ao Legislativo pelo procedimento norma, ou seja,
valendo-se do poder de iniciativa das leis que lhe confere o art. 61.
Por serem, como visto, excepcionais, efêmeras, precárias, suscetíveis de perder
eficácia desde o início e cabíveis apenas ante questões relevantes que demandem
urgente suprimento, é óbvio que só podem se expedidas quando a) situação muito
grave demande providências imediatas, que tenham de ser tomadas incontinenti
pena de perecimento do interesse público que devem suprir e b) a natureza da
medida seja compatível com a fragilidade inerente ao seu caráter efêmero e
precário..." ( Mello, Celso Antônio Bandeira de, Perfil Constitucional das
Medidas Provisórias, Revista de Direito Público, Nº 95 - Julho-Setembro de 1990
- Ano 23, p. 28/29 )
Não obstante a Medida Provisória 1710/98 ater seu conteúdo, em princípio, à
esfera administrativa, ela terá interferência na aplicação de alguns dos tipos
penais constantes da Lei 9.605/98.
O art. 60 da Lei 9.605/98, por exemplo, prevê como crime as condutas de
construir, reformar, ampliar, instalar ou fazer funcionar estabelecimentos,
obras ou serviços potencialmente poluidores sem licença ou autorização dos
órgãos ambientais, ou contrariando as normas legais e regulamentares
pertinentes. Ora, se o empreendedor poderá funcionar, com base na MP 1710/98, em
desacordo com as exigências hoje presentes em lei, mediante a assinatura de
termo de compromisso com o órgão ambiental, poderá fazê-lo sem licença ou
autorização, não incorrendo, portanto, no crime previsto pelo art. 60. Não
incorrerá, também, em crime o empreendedor que afrontar padrões e normas
ambientais, desde que tenha firmado o termo de compromisso.
O mesmo raciocínio pode ser estendido a outros tipos constantes da Lei 9.605/98
que contêm referências a atos administrativos, como permissão, autorização,
licença, etc.
A interferência direta ou indireta com tipos penais afronta o inciso XXXIX do
art. 5º da Constituição Federal in verbis:
"XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia
cominação legal."
O tema sub examine comporta prestação jurisdicional antecipada, que desde já se
requer, eis que estão presentes todos os pressupostos para a concessão da
medida. A relevância constitucional, que evidencia a plausibilidade desta ação
direta, está na inconstitucionalidade revelada sob dois aspectos: formal e
material.
Como exposto, a adoção de Medidas Provisórias, pelo Presidente de República,
está subordinada ao atendimento de dois requisitos essenciais: relevância e
urgência ( da matéria), segundo a dicção inequívoca do art. 62, da Constituição
Federal. Tais requisitos, diga-se, devem estar presentes simultaneamente, não se
admitindo apenas um deles, como evidencia o conetivo "e".
Com efeito, sob esse aspecto formal, restou demonstrado que os requisitos acima
não estavam presentes quando da edição da medida provisória, pois trata-se de
matéria que há muito está colocada na ordem do dia da nação e sobre a qual o
Congresso Nacional vem legislando com eficiência e responsabilidade.
Por outro lado, sob o aspecto material, a Medida Provisória invade competência
legislativa do Congresso Nacional, traduzindo-se num inaceitável vilipêndio do
Poder Executivo à independência do Poder Legislativo. Assim, não se pode
admitir, ainda que por um minuto, que possamos ter em nosso ordenamento jurídico
normas que, afrontando a Supremacia Constitucional, violam princípios
fundamentais e estruturantes, tão caros ao Estado de Direito e a Democracia
Moderna.
Não bastasse tudo isso, caso não se suspenda de imediato a medida provisória,
esta poderá gerar uma série de relações jurídicas novas, como por exemplo,
permitir que, utilizando-se do "novo" § 3º do art. 79-A, criado pela MP
1.710/98, sejam suspensos milhares de processos administrativos tendentes a
impor severas e justas sanções aos conhecidos e reincidente degradadores do meio
ambiente.
Por tais razões, pede e espera a urgente concessão de medida cautelar,
suspendendo-se a eficácia da medida provisória, objeto desta ação, até decisão
final de mérito.
DOS PEDIDOS
Ante o exposto, requer-se:
a) o conhecimento e processamento da presente Ação Direta de
Inconstitucionalidade para, ao final, ser julgada procedente e declarar-se a
inconstitucionalidade da Medida Provisória nº 1.710, de 07 de agosto de 1998;
b) a citação do Advogado-Geral da União, para os fins previstos no § 3º do art.
103 da Constituição;
c) A intimação do Procurador Geral da República nos termos previstos no art. 171
do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, para, querendo, manifestar-se
no prazo legal.
Dá-se à causa o valor de R$ .....
Nesses Termos,
Pede Deferimento.
[Local], [dia] de [mês] de [ano].
[Assinatura do Advogado]
[Número de Inscrição na OAB]