Ação civil pública cautelar ambiental para suspender construção de usina hidrelétrica.
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DA.....VARA DA JUSTIÇA FEDERAL - SUBSEÇÃO
JUDICIÁRIA DE ........
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE
....................................., no exercício de suas funções
institucionais, respectivamente pelos Procuradores da República e pelos
Promotores de Justiça infra-assinados, na forma do litisconsórcio ativo, com
supedâneo nos artigos 127, caput e 129, incisos III e V, da Constituição
Federal; nos artigos 5º, incisos I, alínea h; II, alínea d; e III, alíneas c, d
e e; 6º, incisos VII, alíneas a, b e d, XI e XIV, alíneas d e g, da Lei
Complementar n. 75/93; nos artigos 103, incisos I e VIII, da Lei Complementar
Estadual n. 734/93; e nos artigos 1º , incisos I, III e IV, e 5o., da Lei
7347/85 (Lei da Ação Civil Pública), e nos artigos 796 e seguintes, do Código de
Processo Civil, promover a presente
AÇÃO CIVIL PÚBLICA CAUTELAR COM PEDIDO DE MEDIDA LIMINAR
em face de
....., autarquia federal , com sede na Rua ....., n.º ....., Bairro .....,
Cidade ....., Estado ....., representada por ..... e ....., pessoa jurídica de
direito privado, inscrita no CNPJ sob o n.º ....., com sede na Rua ....., n.º
....., Bairro ......, Cidade ....., Estado ....., CEP ....., representada neste
ato por seu (sua) sócio(a) gerente Sr. (a). ....., brasileiro (a), (estado
civil), profissional da área de ....., portador (a) do CIRG nº ..... e do CPF
n.º ....., pelos motivos de fato e de direito a seguir aduzidos.
DOS FATOS
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pela Procuradoria da República no Estado de
..................................... - ..../....., em cumprimento às suas
atribuições constitucionais, instaurou o Inquérito Civil Público nº
..............., cujas peças instruem a presente, por meio da Portaria nº 01 de
14 de janeiro de 1998 (ANEXO 1), para em conjunto com a Procuradoria da
República no Estado de .................., apurar os fatos ali descritos,
sobretudo a conformidade com a legislação especial de regência, do procedimento
de licenciamento ambiental do empreendimento denominado
.........................., de responsabilidade da ..............- Companhia
Energética de ....................................., e construção a cargo da
empresa ..........................................., obra esta causadora de
grande impacto ambiental, especialmente sobre o território de dois Estados da
Federação - ..................................... e ................, com a
utilização de recursos hídricos de bem pertencente à União - o Rio
...................
No âmbito do MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE
....................................., através da Promotoria de Justiça de
..............., instaurou-se o Procedimento Preparatório para Inquérito Civil,
sob o n. .............., em ....... de ........ de ........, em razão de laudo
técnico enviado pelo Escritório Regional do ............... de
.................., dando conta de danos causados ao meio ambiente nos Estados
de ..................................... e ........................com a
construção da .........................., sob a responsabilidade da
.............. - Companhia Energética de .....................................,
e construção a cargo da empresa ........................
Segundo o apurado nos autos dos procedimentos investigatórios acima mencionados,
o procedimento de licenciamento ambiental do empreendimento antecitado, até
dezembro de .........., foi conduzido de maneira autônoma em cada um dos Estados
atingidos, por meio das respectivas Secretarias do Meio Ambiente, sem
participação efetiva do ..............., órgão competente para o licenciamento
de atividades ou obras com significativo impacto ambiental de âmbito regional,
como no caso sub examen.
Por ocasião da audiência pública realizada na Capital de
..................................... em ...../..../.... (ANEXO 2), o Ministério
Público Federal deixou assente a inarredável necessidade de assunção, pelo
..............., do procedimento de licenciamento da
..........................em curso perante as Secretarias de Estado do Meio
Ambiente de ..................................... e .....................,
formalizando tal manifestação por meio do ofício nº.......................
(ANEXO 9), protocolado na mesma ocasião.
Instado o ............... a se manifestar sobre as providências por ele adotadas
visando assegurar o exercício pleno de suas competências atribuídas pela Lei
6.938/81, especialmente o artigo dez, parágrafo 4o., por meio do ofício nº
........ (ANEXO 11) do órgão ministerial federal, informou o ...............,
por meio do ofício nº .......... (ANEXO 18), datado de ...../..../....., que
assumiria o licenciamento da ..........................comunicada tal decisão à
.............. em .............. p.p. Noticia mais, naquele ofício, que a
.............. apresentou requerimento formal ao ............... para obtenção
da Licença de Operação apenas no dia ..../..../.....
A Secretaria de Estado do Meio Ambiente de .....................................
provocada a se manifestar nos termos de nosso ofício nº
........................, acerca da assunção do licenciamento da obra em questão
pelo ..............., informou por meio do ofício ............, que aguardava a
apresentação das informações técnicas solicitadas ao empreendedor em 29.12.97,
necessárias para subsidiar a elaboração do Parecer Técnico conclusivo a ser
encaminhado ao ..............., juntando a documentação emitida pelo DAIA no
processo de avaliação do EIA e do RIMA da .......................... (ANEXO 14).
Tal manifestação, emitida pela SMA/SP, contém um conjunto de solicitações para
complementação e atualização das informações constantes do EIA e do RIMA,
protocolados na Secretaria em 05/02/96. Baseia-se, segundo ali consta, em
vistorias técnicas realizadas no local do empreendimento por técnicos do DAIA e
consultores contratados pela SMA; no RIPA - Relatório de Implantação dos
Programas Ambientais emitido pelo empreendedor em outubro de 1997, e nas três
Audiências Públicas realizadas no mês de dezembro de 1997 no Estado de
..................................... (ANEXO 14 - fls. 4/5).
Segundo consta da análise técnica, verbis, "os dados obtidos durante as
vistorias realizadas pelos técnicos do DAIA e consultores, nas audiências
públicas, nos contatos com representantes das comunidades, e mesmo em
informações fornecidas pelos representantes da .............., mostraram que
vários dos Programas de Controle Ambiental estão bastante atrasados. Muitas
ações programadas para períodos que antecedem o enchimento não foram concluídas
e algumas sequer foram iniciadas" (ANEXO 14- fl. 05).
Além disso, quanto aos Programas de Controle Ambiental solicitou a SMA/SP "uma
reavaliação/adequação do modelo de gestão e do plano de implementação dos
programas ambientais" (ANEXO 14- fls. 08).
Subseqüentemente, em 24 de março p.p., a pedido do Ministério Público Federal,
foi agendada uma reunião em Brasília (ANEXO 19), na sede do ..............., com
a presença dos órgãos estaduais ambientais e técnicos do órgão licenciador
federal e do MPF, visando dar continuidade ao procedimento de licenciamento da
.................... .................. dentro das normas e diretrizes legais,
atendidas as exigências técnicas do órgão licenciador, inclusive com base nos
estudos efetuados pelos respectivos Estados impactados.
Na ocasião, por todos os presentes foi reafirmada a total impossibilidade de
manter-se o cronograma apresentado anteriormente pela .............. - prevendo
o fechamento da barragem, com o conseqüente enchimento do reservatório, para o
dia 1º de maio de 1998 - tendo em vista os inafastáveis óbices de natureza
técnica e também de natureza legal e constitucional, estes últimos referentes,
respectivamente, à impossibilidade de supressão/alteração de espaços
territoriais especialmente protegidos (como é o caso da Lagoa
.....................................) sem autorização do Poder Legislativo, até
o presente não concedida.
Nada obstante as dificuldades de toda ordem, reconhecidas pelos senhores
técnicos integrantes das equipes multidisciplinares encarregadas de analisar o
EIA e o RIMA do empreendimento .................. de responsabilidade da
.............., técnicos estes integrantes dos órgãos de proteção ambiental
federal e estaduais, bem ainda por equipe técnica pericial pertencente aos
quadros do Ministério Público Federal, em ............, e demais óbices de
natureza legal e constitucional acima referidos, é intenção declarada da
Companhia Energética de ..................................... - ..............,
manter o atual cronograma de fechamento da barragem para maio de ...........
[3].
Ocorre que a impossibilidade foi reafirmada oficialmente pelo próprio
.............../......... (Ofícios ......................... e ...............,
no sentido de que "não existem condições técnicas para a emissão da Licença de
Operação até a data prevista para início da formação do reservatório. Isso
porque, grande parte dos Programas Ambientais ainda não foram devidamente
definidos e aqueles necessários ao enchimento do reservatório não foram
implantados na sua íntegra" (ANEXO 20).
Outrossim, no que concerne à posição oficial das Superintendências do
............... do Estado de ..................................... e do
........................em relação à viabilidade de execução dos projetos que
visam o salvamento de fauna silvestre em tempo hábil tendo em vista o início do
enchimento do reservatório (cota 253 m) para o dia 1o. de maio, foram feitas as
seguintes observações, através do Ofício n. ........... (ANEXO 30), verbis:
"1) O Plano de Resgate de Fauna Silvestre da ....................
.................. em análise pelo ............... não apresenta viabilidade de
implementação para a data prevista pela .............., repetindo 1° de maio de
1998;
2) O Plano de Resgate propriamente dito, apresenta sérias falhas, pois não há
estudo prévio das áreas (capacidade de suporte) previstas para soltura de fauna.
As áreas indicadas, em sua maioria, não se prestam para abrigo dos animais, pois
carecem de condições básicas para sobrevivência estando outras dentro da cota de
inundação.
3) Não há previsão de monitoramento/acompanhamento da fauna a ser realocada e
algumas das instituições listadas pela .............. a receberem espécimes
procedentes do resgate não possuem aval do ............... por não estarem
devidamente legalizadas pelo próprio ................
4) Quanto aos projetos especiais a serem realizados com as espécies ameaçadas,
ainda não há contratação formalizada e não temos conhecimento do teor dos
mesmos. Mesmo havendo imediata formalização contratual não vislumbramos execução
a contento em virtude da exiguidade de tempo para o planejamento e ações de
campo.
5) Calcula-se que o enchimento do reservatório na cota prevista (253 m) levará
cerca de 40 dias, nesse período o número de animais se evadindo da região e se
deslocando para áreas de terra firme será enorme. Desta forma é imprescindível
um planejamento minucioso para a fiscalização e segurança da população local.
Essa atividade deverá envolver uma equipe treinada e bem equipada, que demanda
tempo para ser viabilizada.
6) As medidas compensatórias, tais como a criação de Unidades de Conservação,
como a Jusante da Barragem e as várzeas do Rio Aguapeí, sequer foram mencionadas
ou definidas pela ...............
Por derradeiro, informamos que a época prevista para o enchimento do
reservatório é totalmente desfavorável à fauna silvestre porque inicia-se, nesse
período, fase de estiagem com baixa disponibilidade de alimento, que associada
ao grande número de filhotes presentes dificultará ainda mais a sobrevivência da
fauna silvestre expulsa pela inundação".
Bem por isso, foi expedida pelo Ministério Público Federal, por meio da
Procuradoria da República em ....................................., em
................ a Recomendação (ANEXO 23), com fundamento no artigo 6º, inciso
XX da Lei Complementar nº 75/93, objetivando: - a) a revisão, pela
.............., do cronograma da obra .........................., adequando-o
para datas compatíveis com o prazo necessário à perfeita execução das medidas
previstas nos programas ambientais destinados à mitigação dos impactos
ambientais causados na região, bem ainda como o prazo necessário para o
empreendedor diligenciar a indispensável autorização do Congresso Nacional e da
Assembléia Legislativa estadual, nos casos de sua competência, como os referidos
acima, descartando, desde logo, o dia 1º de maio de 1998 para o início da
formação do reservatório, com ampla divulgação de tal decisão; -b) impedir que a
.............. proceda ao fechamento da barragem da ..........................,
em qualquer de suas etapas, sem a efetiva implantação dos Programas de Controle
Ambiental contemplados no EIA-RIMA do empreendimento, e cumprimento das demais
exigências formuladas pelo órgão licenciador federal, inclusive com base nos
estudos realizados pelos órgãos ambientais estaduais.
Os documentos apresentados pela .............. em reunião realizada na sede da
Procuradoria da República em ....................................., no dia 06 de
abril (ANEXO 25), em atendimento à requisição encartada em nosso ofício nº
............ e Recomendação supra, do mesmo modo confirmam o atendimento apenas
parcial dos programas ambientais propostos pela própria concessionária, ou a
busca e mesmo a implementação de soluções de última hora, inadmissíveis de serem
acatadas pelo órgão licenciador, pena de infringência aos mais comezinhos
princípios de direito, passíveis inclusive de enquadramento no estatuto penal e
na vigente legislação de crimes ambientais.
De outra parte, colhe-se da ata da reunião antecitada (ANEXO 25), a inequívoca
intenção de proceder o empreendedor ao cumprimento do cronograma estabelecido,
custe o que custar, doa a quem doer, o que vem redundar em inadmissível pressão
sobre o órgão federal competente para o licenciamento e órgãos ambientais dos
Estados interessados, para que examinem e se pronunciem, em prazo totalmente
incompatível com a quantidade e natureza dos estudos integrantes de um Estudo de
Impacto Ambiental, elaborado por equipe multidisciplinar, ainda mais quando se
cuida de empreendimento de tão grande porte e tão formidáveis impactos sobre o
meio físico, biótico e sócio-econômico, como é o caso da
...........................
No dia 17 de abril próximo passado, membros dos MINISTÉRIOS PÚBLICOS FEDERAL e
DO ESTADO DE ....................................., juntamente com engenheiro
florestal e botânico, pertencentes ao corpo técnico deste último, constataram in
loco (ANEXO 41), em sobrevôo realizado na área de inundação, a real
inviabilidade de dar início ao fechamento das comportas na data aprazada pela
empreendedora.
Tendo em vista tal situação, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, em conjunto com o
MINISTÉRIO PÚBLICO DE ..................................... recomendaram que o
............... se abstivesse de conceder a licença de operação (LO) para o
empreendimento da ..........................enquanto não fosse dada pelo
empreendedor comprovação da viabilidade da execução de todos os Programas de
Controle Ambiental contemplados no EIA-RIMA, bem ainda de outras medidas
mitigatórias e compensatórias dos impactos sobre o meio físico, biótico e
sócio-econômico já tidas como necessárias pelas análises técnicas preliminares a
seu cargo e dos órgãos ambientais dos Estados interessados, sem prejuízo de
outras que no futuro ainda se mostrassem pertinentes (ANEXO 45).
Subsidiando a atuação ministerial, destaca-se o parecer técnico [4] elaborado
pelos técnicos da 4a. Câmara de Coordenação e Revisão da Procuradoria Geral da
República, em Brasília, segundo o qual, após análise individual de cada um dos
programas ambientais previstos no EIA-RIMA, foi considerado imprescindível o
adiamento da data do fechamento das comportas pela .............., "até que os
dados necessários sejam apresentados ao ............... e este proceda a uma
análise criteriosa dos mesmos". Referido órgão ambiental licenciador, aliás, "é
que deverá realizar o acompanhamento e fiscalização da implantação dos programas
ambientais, procedendo uma análise rigorosa e aprofundada, necessária à emissão
da licença" (ANEXO 50 - fl. 34).
Não bastasse, o parecer técnico SMA/SP/CPRN/DAIA n. 137/98 (ANEXO 48),
referindo-se à revisão do EIA realizada pela equipe técnica do DAIA e
consultores contratados, e objetivando subsidiar a concessão, pelo
..............., da Licença de Operação - LO do conjunto usina/reservatório,
apontou inúmeros condicionantes à concessão da licença, quanto ao desmatamento
da bacia de inundação [5], à limpeza do reservatório [6], ao reflorestamento
[7], à pesquisa e manejo de flora e fauna [8], à implantação de unidades de
conservação [9], à conservação da ictiofauna [10], bem como a programas do meio
antrópico [11]. Pelo que se depreende de referido estudo, inviável a concessão
da LO e início do enchimento do reservatório na data marcada.
Por fim, insta mencionar o contido na representação da ............. (Associação
em Defesa do Rio .................., Afluentes e Mata Ciliar), dirigida ao
Ministério Público Estadual em 14/04/98, na qual se salienta que, verbis, "a 15
dias do início da formação do reservatório [12], vários programas não foram
concluídos, outros estão sendo implantados em desacordo com o prazo estipulado
pelo EIA/RIMA e ainda outros que sequer foram iniciados, entre os quais,
destacamos os programas de Recuperação das Áreas Degradadas: após término das
obras civis (já estão concluídas); Desmatamento da Bacia de Inundação: 1 ano
antes do enchimento; Reflorestamento: antes do enchimento do reservatório;
Resgate Arqueológico [13]: anterior ao enchimento (não há tempo hábil para
proceder-se a todo o resgate); Limpeza do Reservatório: 6 meses antes do
enchimento (ainda não iniciado); Mitigação dos impactos da elevação do nível
freático: antes do enchimento com duração de 48 meses (também não iniciado);
Reinserção produtiva do setor de extração de areia e cascalho: 18 meses antes do
enchimento; e Reposição e ampliação dos equipamentos de lazer: até o enchimento
do reservatório" (ANEXO 52 - fl. 07).
Além disso, conforme mencionada representação, "o programa de Relocação da
População Afetada, tanto rural quanto urbana, não está equacionado, já que
muitas famílias encontram-se ainda em locais que serão afetados com o
represamento, principalmente em ilhas e áreas ribeirinhas, bem como não foi
equacionado o problema dos pescadores profissionais que encontram-se
desesperados com a nova situação" (ANEXO 52 - fl. 07).
Aliás, Excelência, o lado humano da questão é essencialmente relevante e ponto
crucial determinante da inviabilidade do fechamento das comportas na data
pretendida.
É diretriz geral do Programa de Remanejamento da População Atingida a
"desvinculação das ações de remanejamento da população daquelas da área de
engenharia", sendo que "esta diretriz está voltada a uma alteração do modelo
consagrado pelo setor elétrico para o trato do problema, em especial a tradição
de postergar o deslocamento das famílias para as vésperas do enchimento do
reservatório", conforme prevê o próprio EIA (Programas de Controle Ambiental,
vol. III, p. 317).
Não obstante tal diretriz, embora tenham sido realizados inúmeros assentamentos,
como o da Nova ...., a verdade é que a .............., às vésperas do enchimento
do reservatório, ainda tem muito por fazer, para atingir os objetivos propostos
no EIA [14].
É cediço que um empreendimento desse porte, se de um lado necessário para a
geração de energia, doutro atinge profundamente a população local, levando-a à
pobreza, ao desemprego, e à miséria. Por isso, Excelência, é que deve ser
dispendido um cuidado especial com aqueles que perderão o sustento e o modus
vivendi, como os ilhéus e os ribeirinhos, e serão jogados em novo habitat,
totalmente estranho a seus costumes tradicionais. Acresça-se a esses grupos
atingidos a comunidade indígena dos ..........., duramente impactada por uma
remoção desconforme com ditames constitucionais e infraconstitucionais.
Ocorre que a .............., possivelmente pressionada por razões de ordem
política, ante as eleições que ora se avizinham, tenta remanejar a população
ribeirinha às pressas, levando-a a abandonar seu lar, e impondo-lhe soluções
provisórias [15], paliativas e/ou injustas [16], que forçosamente acabam sendo
aceitas pelos atingidos, sob a ameaça de serem colhidos pelas águas do
enchimento sem nenhuma garantia posterior, fato que agrava e potencializa os
nefastos efeitos do deslocamento forçado.
A Câmara Municipal de Teodoro Sampaio, vale mencionar, considerando que a
formação do lago trará sérias dificuldades aos ilhéus, ribeirinhos e pescadores
do município, que o serviço de cadastramento efetuado pela .............., junto
a essas pessoas deixou muito a desejar, considerando que há casos de pessoas que
moram em ilhas há mais de vinte anos, e não têm os seus nomes relacionados
dentre os cadastrados, e considerando que tais fatos, se atingirem maiores
proporções, fatalmente gerarão graves problemas sociais, requereu à
.............., em ..... de ......., que fosse feita uma revisão do cadastro dos
atingidos, requerimento este que até o presente restou não respondido pelo
empreendedor (ANEXO 56).
Mais uma razão, Excelência, de ordem humanitária, que inviabiliza o início do
enchimento para a data pretendida.
Diante desse quadro, o MINISTÉRIO PÚBLICO (FEDERAL/ESTADUAL) realizou uma
reunião com a .............. [17] em 11/05/98, na qual foi apresentado um esboço
de compromisso de ajustamento de conduta (ANEXO 57), na tentativa de composição
pacífica da questão. Todavia, a requerida mostrou-se intransigente à realização
de qualquer acordo, isto porque seria conditio sine qua non o adiamento do
início do fechamento das comportas, para a realização completa dos programas
ambientais previstos no EIA, condição considerada inegociável segundo aquela.
Destarte, tendo sido inviável a realização de compromisso de ajustamento,
justifica-se plenamente o ajuizamento da presente ação, a fim de se exigir o
cumprimento da legislação ambiental.
Desde 1980 vem sendo construída, no leito do Rio .................., na divisa
entre os Estados de ..................................... e
......................., na altura dos municípios de ............. e .........,
do lado ........... e ..................., respectivamente, a barragem de
................... Tal obra vem sendo financiada pela .............., estatal
energética do Estado de ....................................., e construída pela
empresa ............................................
A .................... constitui um empreendimento altamente impactante,
concebido no bojo das obras faraônicas implantadas no País, quando não eram
considerados os condicionantes ambientais mínimos e quando foram implantados
empreendimentos altamente comprometedores do ponto de vista ambiental.
Prevista para estar concluída em julho de 1988, vem sofrendo diversas
paralisações e retomadas em sua construção, tendo tido seu orçamento, em
decorrência dos longos períodos inflacionários e de desvios generalizados,
sofrido várias alterações, e o seu preço final um dos maiores dentre as
hidrelétricas já construídas.
Apesar de já ter sido gasto mais do que o dobro do orçamento previsto no início
das obras, quando pronta, a .................... .................. apresentará
um baixíssimo potencial energético em relação à área alagada, ou seja, uma
relação custo-benefício muito desfavorável, como bem se nota no quadro
comparativo a seguir reproduzido:
USINA - ÁREA INUNDADA - POTÊNCIA GERADA
...... 33.000 ha 1.411.200 KW
...... 123.000 ha 3.230.000 KW
...... 200.000 ha 10.500.000 KW
..... 225.000 ha 1.815.000 KW
Inevitável deixar de comparar a .................... de .................. com a
de Itaipu, que é a maior do Brasil. Ao que consta, seu reservatório será
aproximadamente 12,5 % maior, ou seja, colocará sob as águas 12,5% a mais de
terras, sendo que seu potencial energético representará apenas 17% do gerado por
Itaipu.
Além de apresentar um baixo rendimento energético proporcionalmente à área
alagada, o empreendimento causa impactos que vão desde o aumento de nível do
lençol freático, erosão, assoreamento; comprometimento da qualidade da água;
destruição de ecossistemas terrestres e aquáticos; supressão de reserva
florestal; comprometimento de espécies raras, ameaçadas de extinção ou pouco
conhecidas; destruição de patrimônio histórico e arqueológico; desestruturação
da economia local; interferência na estrutura fundiária e nas finanças públicas.
Com o objetivo de minimizar os imensos impactos associados ao empreendimento,
foram propostos 31 (trinta e um) "Programas de Controle Ambiental" pela
............... Tais programas, com as indispensáveis complementações após
análise criteriosa do EIA-RIMA pelo ............... e órgãos ambientais
estaduais de ..................................... e .................., deverão
ser cumpridos integralmente pela .............., de maneira adequada, e tal
adequação cumpre ser devidamente constatada pelos Estados interessados e pelo
..............., como pré-requisitos à concessão da licença de operação
pleiteada, sob pena de afronta à Constituição Federal e à legislação ambiental
brasileira.
Insta aqui salientar que não se quer, nesta ação civil pública, inviabilizar um
empreendimento que custou aos cofres públicos cerca de oito bilhões de dólares,
mas tão-somente obrigar ao cumprimento da legislação constitucional e
infraconstitucional, buscando ao menos a mitigação dos danos que advirão ao meio
ambiente, caso não sejam concluídos os programas de controle reportados.
DO DIREITO
Ressalte-se, MM.Juiz, que não há tempo hábil para tarefa de tal monta até a data
pretendida pela ............... E é de uma clareza de doer os olhos que não é o
órgão licenciador que se deve adequar ao cronograma de obras do empreendedor,
como se pretende no caso presente. Com efeito, a obra em tela tem quase vinte
anos. Seu cronograma já foi alterado outras vezes por motivos menos nobres do
que o aqui em jogo: a preservação do meio ambiente, na sua dimensão física,
biótica e sócio-econômica. O Estudo de Impacto Ambiental só foi apresentado na
SMA/SP, em 1996, muito embora desde 1981 seja ele exigível, com base na Lei da
Política Nacional do Meio Ambiente ( 6938/81) e Resoluções CONAMA nºs 01 e 06.
As audiências públicas no intuito de informar as populações atingidas, técnicos
e ambientalistas e demais interessados sobre o projeto e seus impactos
ambientais ocorreram apenas no mês de dezembro de 1997. Nelas é que se confirmou
a suspeita de que os Programas de Controle Ambiental propostos pela
.............., ou não tinham sido efetivamente implantados ou o tinham sido de
maneira inadequada, como se fossem uma verdadeira "carta de intenções",
intenções estas até então não transformadas na propalada realidade.
No caso de obras como a em tela, é expressamente definida em lei a competência
para o licenciamento da atividade, conforme o disposto no parágrafo 4º do artigo
acima transcrito:
"Parágrafo 4º - Compete ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos
Naturais Renováveis - ............... o licenciamento previsto no caput deste
artigo, no caso de atividades e obras com significativo impacto ambiental, de
âmbito Nacional ou Regional." - grifamos.
Note-se que tal texto, de clareza absoluta, foi introduzido na Lei que criou a
Política Nacional do Meio Ambiente já na vigência do atual regime jurídico
constitucional, por meio da Lei 7.804/89.O artigo 17, parágrafo 1º, do Decreto
99274, de 6 de junho de 1990, que regulamenta a Lei 6902/81, e a Lei 6938/81
[51], outorgou competência ao CONAMA para fixar os critérios básicos, segundo os
quais serão exigidos ESTUDOS DE IMPACTO AMBIENTAL, para fins de licenciamento,
contendo, entre outros, os seguintes itens:
a) diagnóstico ambiental da área;
b)descrição da ação proposta e sua alternativas; e
c)identificação, análise e previsão dos impactos significativos, positivos e
negativos.
A Resolução CONAMA 001, de 23/01/86 em seu artigo 2º, relaciona, de forma
exemplificativa, as atividades modificadoras do meio ambiente cujo licenciamento
dependerá de elaboração de estudo de impacto ambiental e respectivo relatório,
contemplando nos incs. VI, VII e XI, respectivamente, a construção.
Como o rio que será impactado pela construção da usina percorre mais de um
Estado e, tanto o Estado de .................., quanto o de
..................................... serão afetados pelo empreendimento,
entende-se que a obra causa impactos regionais. Desta forma, para a concessão da
sua Licença de Operação - LO, é necessária a participação do órgão ambiental
federal, de acordo com o artigo 10º, parágrafo 4º da Lei 6.938/81 antecitado.
Em relação às diversas fases do licenciamento ambiental, de acordo com o Decreto
nº 99.274 de 06/06/90, no seu artigo 19, tem-se:
"...
Art. 19 - O poder público, no exercício de sua competência de controle, expedirá
as seguintes licenças:
...
III - Licença de Operação (LO), autorizando, após as verificações necessárias, o
início da atividade licenciada e o funcionamento de seus equipamentos de
controle de poluição de acordo com o previsto nas Licenças Prévias e de
Instalação.
.."
Já a Resolução CONAMA 006/87 reza:
"Art. 4º - Na hipótese dos empreendimentos de aproveitamento hidroelétrico,
respeitada as particularidades de cada caso .... a licença de operação (LO)
deverá ser obtida antes do fechamento da barragem".
Por sua vez, a recente Resolução n. 237, de 19/12/97, que dispôs genericamente
sobre o procedimento de licenciamento ambiental53a, estabelece:
"Art.8o. O Poder Público, no exercício de sua competência de controle, expedirá
as seguintes licenças: ... III- Licença de Operação (LO) - autoriza a operação
da atividade ou empreendimento, após a verificação do efetivo cumprimento do que
consta das licenças anteriores, com as medidas de controle ambiental e
condicionantes determinados para a operação".
Diga-se de passagem que o correto licenciamento pela autoridade competente é tão
relevante53b que a construção, instalação ou funcionamento de obra
potencialmente poluidora sem licença ou autorização da autoridade dos órgãos
ambientais competentes, ou contrariando as normas legais e regulamentares foi
erigida à categoria de crime pela recente Lei 9605, de fevereiro de 1998,
segundo a qual:
"Art. 60. Construir, reformar, ampliar, instalar ou fazer funcionar, em qualquer
parte do território nacional, estabelecimentos, obras ou serviços potencialmente
poluidores, sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes, ou
contrariando as normas legais e regulamentares pertinentes:
Pena - detenção de um a seis meses, ou multa, ou ambas as penas
cumulativamente".
Aliás, vale mencionar, referido diploma preceitua inclusive a responsabilidade
penal das pessoas jurídicas, dispondo:
"Art. 3o. As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e
penalmente conforme o disposto nesta Lei, aos casos em que a infração seja
cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão
colegiado, no interesse ou benefício de sua entidade.
Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das
pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato".
Além disso, reportado diploma contemplou os "crimes contra a administração
ambiental", dispondo:
"Art. 66. Fazer o funcionário público afirmação falsa ou enganosa, omitir a
verdade, sonegar informações oui dados técnico-científicos em procedimentos de
autorização ou de licenciamento ambiental:
Pena - reclusão, de um a três anos, e multa".
"Art. 67. Conceder o funcionário público licença, autorização ou permissão em
desacordo com as normas ambientais, para as atividades, obras ou serviços cuja
realização depende de ato autorizativo do Poder Publico:
Pena - detenção, de um a três anos, e multa".
Como o empreendimento iniciou-se ainda na década de 70, sofrendo diversas
paralisações em seu cronograma de implantação, ocorreu, neste período uma
evolução da legislação ambiental, implicando a necessidade de adequação do
projeto a esta nova realidade. Desta forma, muitas das ações necessárias nas
fases de licenciamento prévio e de implantação não foram efetivadas, entre elas
a elaboração do Projeto Básico Ambiental, motivo pelo qual, devem ser
implementadas, antes da concessão da LO, uma vez que constituem pré-requisitos
para a entrada em operação do empreendimento.
A avaliação do Estudo de Impacto Ambiental nos Estados de
..................................... e ........................apresentado pela
.............., foi conduzida pelas respectivas Secretarias do Meio Ambiente. A
SMA/SP emitiu parecer técnico, ainda não aprovado no CONSEMA, apontando inúmeros
condicionantes para a concessão da licença, e mostrando claramente a
inviabilidade do fechamento das comportas na data pretendida. Doutra parte, a
SEMADES/....... até o presente momento não emitiu o respectivo parecer técnico,
para subsidiar o licenciamento pelo órgão federal. De seu turno, o
..............., que tão-somente em .........../.... assumiu o licenciamento da
obra, não teve oportunidade de proceder aos estudos competentes, por meio de
equipe multidisciplinar própria, nem de analisar apropriadamente os estudos
realizados pelos órgãos ambientais estaduais.
A propósito, diante dessa situação, vale repetir, o Ministério Público Federal e
o Ministério Público Estadual dirigiram uma recomendação ao ..............., a
fim de que este se abstivesse "de conceder a licença de operação (LO) para o
empreendimento da ..........................enquanto não seja dada pelo
empreendedor comprovação da viabilidade da execução de todos os Programas de
Controle Ambiental contemplados no EIA-RIMA, bem ainda de outras medidas
mitigatórias e compensatórias dos impactos sobre o meio físico, biótico e
sócio-econômico já tidas como necessárias pelas análises técnicas preliminares a
seu cargo e dos órgãos ambientais dos Estados interessados, sem prejuízo de
outras que no futuro ainda se mostrassem pertinentes" (ANEXO 45).
Bem de ver, MM. Juiz, que com o objetivo de minimizar os enormes impactos
associados ao empreendimento, foram propostos 31 (trinta e um) "Programas de
Controle Ambiental" pela própria ............... Entretanto, para permitir a
análise da sua viabilidade de implantação e identificar o estágio em que se
encontram, atualmente, bem como as etapas a serem ainda realizadas, o MPF já por
ocasião da Audiência Pública realizada em .....................................,
solicitou à .............. a apresentação dos cronogramas físico-financeiros
relativos a cada programa; os resultados obtidos nos casos dos programas já
iniciados; apresentação dos documentos comprobatórios da realização de todos os
convênios propostos com o objetivo de assegurar a realização dos programas;
apresentação dos instrumentos jurídicos que assegurem a continuidade dos
programas propostos, após a transferência da operação do empreendimento para o
setor privado, etc.
Nada obstante os documentos e esclarecimentos solicitados pelo Ministério
Público Federal , quer junto aos órgãos ambientais, estadual e federal, quer
junto ao empreendedor, não foi comprovado pela .............., até o presente
momento, o cumprimento dos Programas de Controle Ambiental a que se propôs, e
que são parte integrante do EIA e respectivo RIMA, cuja aprovação
necessariamente precede a concessão da licença de operação indispensável para o
fechamento da barragem e enchimento do reservatório. Pede-se vênia, nesse passo,
para se reportar à penúltima informação técnica emitida pela SMA/SP (ANEXO 14),
onde, especificamente em relação aos Programas de Controle Ambiental, solicita
"uma reavaliação/adequação do modelo de gestão e do plano de implementação dos
programas ambientais".
Outros dados foram solicitados pela SMA/SP para complementação e atualização das
informações constantes do EIA da .........................., ressaltando-se: - o
tempo transcorrido desde a elaboração do EIA (há cerca de 4 a 5 anos), o que
implica a necessidade incontornável de atualização dos estudos; - a decisão da
.............., posterior à apresentação do EIA, de proceder o enchimento do
reservatório em duas etapas, sendo a primeira até a cota 253 m, prevista para o
mês de maio próximo, e a segunda, para as cotas 257/259 m, programada para 1999,
o que implica a necessidade de elaboração e identificação completa dos impactos
e ações relativos às diferentes fases de enchimento, a fim de permitir o
acompanhamento das obras e medidas mitigadoras e de controle previstas.; -
atraso no desenvolvimento dos programas de controle ambiental; -aprimoramento ou
desenvolvimento de um novo modelo de gestão para a bacia dos afluentes
contribuintes do lago de ..................; -estudos e pesquisas detalhados
após a conclusão do EIA e cujos resultados não foram apresentados para avaliação
dos órgãos ambientais até o presente momento.
O Constituinte, ressalte-se, recepcionou a Política Nacional do Meio Ambiente,
tendo inclusive elevado à órbita constitucional a obrigatoriedade do estudo de
impacto para o licenciamento de obras potencial ou efetivamente danosas ao
ambiente, como se depreende do artigo 225, § 1º , inciso IV, a seguir
transcrito, pelo qual incumbe ao Poder Público :
"IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade
potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo
prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade".
O Estudo de Impacto Ambiental nada mais é do que "um estudo das possíveis
modificações nas diversas características socioeconômicas e biofísicas do meio
ambiente, que podem resultar de um projeto proposto", ou ainda, "um conjunto de
atividades científicas e técnicas que incluem o diagnóstico ambiental, a
identificação, previsão e medição dos impactos, sua interpretação e valoração e
a definição de medidas mitigadoras e de programas de monitoramento destes." [53]
Na lição de Antônio Herman V. Benjamin, o estudo de impacto ambiental é
indissociável do procedimento administrativo do licenciamento, tendo transcrito
lapidar resumo da questão em parágrafo de seu execelente artigo "Os Princípios
do estudo de impacto ambiental como limites da discricionariedade
administrativa" ( in RT 317, 1992, pág. 29). Segundo o douto autor, "há uma
interdependência absoluta, no sistema brasileiro, entre licenciamento e EIA,
sendo que a aprovação deste é pressuposto indeclinável para o licenciamento no
mérito da decisão administrativa, e constituindo-se na bússola a guiar o rumo
norte da confiabilidade da solução".
Outrossim, adverte Édis Milaré, com suporte em Antônio Herman V. Benjamin, que o
EIA não pode se transformar em mero ato formal apto a encobrir um licenciamento
irregular. Seu objetivo maior é influir no mérito da decisão administrativa de
concessão da licença. Se esta já foi expedida ou mesmo se a decisão já está
tomada, o EIA não tem qualquer valor, já que não passa de um "EIA faz de conta"
ou ao "gosto do freguês", suscetível de ser invalidado pelo "Poder Judiciário"
[54].
Pois bem Excelência, evidente então o fumus boni iuris à luz da legislação retro
citada, e diante do fatos expostos e dos documentos juntados, conclui-se
facilmente ser inviável o fechamento do reservatório para a data prevista, o que
esbarraria frontalmente nos princípios e normas aplicáveis à espécie, com
incomensuráveis prejuízos para o meio ambiente.
De seu turno, o periculum in mora exsurge claramente da gravidade dos fatos
antes expostos. O fechamento da barragem da ....................
.................. é considerado compromisso do governo estadual, mormente em
face das eleições que se avizinham, sendo certo que a .............., sob o
pálido argumento de perda da concessão do Poder Público Federal em caso de não
cumprimento do atual cronograma da obra, ou do prejuízo em termos de geração de
energia elétrica para o sistema integrado Sul/Sudeste/Centro-Oeste, pretende,
repita-se, de qualquer maneira, compelir os órgãos estaduais e o órgão
licenciador federal a proceder vistorias, conceder autorizações e concluir suas
análises técnicas, bem ainda obter a licença de operação sem que haja tempo
suficiente para tal empreitada, até a data prevista para o fechamento da
barragem. Esta a opinião dos órgãos técnicos estaduais, federal, e do Ministério
Público Federal e Estadual, que vêm acompanhando o procedimento do
licenciamento.
O dano que poderá advir de tal açodamento, MM. Juiz, é irreparável, eis que,
apenas o cumprimento do iter administrativo, que garanta o devido processo de
licenciamento ambiental, é capaz de assegurar a efetividade do direito de todos
ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e
essencial à sadia qualidade de vida, nos termos do artigo 225 da Constituição
Federal. Relembre-se que, ao longo desses quase vinte anos em que se arrasta o
empreendimento da .........................., pouco foi feito para evitar os
danos ambientais e socioeconômicos que certamente advirão.
Requer-se, porquanto, com a devida urgência o Ministério Público, a concessão de
liminar, conforme os pedidos abaixo formulados nos ítens "a" e "b", para o fim
de ser determinada a suspensão do fechamento da barragem de ..................
no rio ............, previsto para o final de maio de ........, mantendo-se a
situação atual, eis que tal atividade colocará em risco a higidez do meio
ambiente, da população atingida, e o patrimônio cultural brasileiro, assim
entendido como os conjuntos de sítios de valor histórico, paisagístico,
artístico, paleontológico, ecológico e científico.
Outrossim, requer-se a intimação dos réus, a fim de que se manifestem no prazo
de 72 horas, nos termos do artigo 2o. da Lei 8437/92.
Contudo, caso não haja tempo hábil para proceder-se como preconizado no
dispositivo acima referido, salienta-se que, ante a iminente ameaça de
perecimento do direito, desnecessária se faz a observância do disposto no artigo
2o. da Lei 8437/1992. Como anotam Nelson Nery Jr. e Rosa Maria A. Nery, quando
houver ameaça de perecimento de direito, avaliando o juiz que não dá para
esperar as 72 horas para a manifestação do requerido, pode conceder a liminar
inaudita altera parte [55]. No mesmo sentido: Hugo Nigro Mazzili, entendendo que
se exige prévia audiência do represente judicial, "desde que isto não leve ao
perecimento do direito" [56].
Neste último caso, revelando-se inviável tal providência, postula-se a concessão
de liminar inaudita altera parte, a fim de se evitar o perecimento do direito.
DOS PEDIDOS
Diante do exposto, pede-se que, tornando-se definitiva a liminar concedida, seja
determinado por Vossa Excelência:
a) que a .............. se abstenha de ordenar ou proceder ao fechamento das
comportas da barragem de .................. ou de qualquer outro modo dar início
ao enchimento do respectivo reservatório em qualquer cota superior à das cheias
naturais do Rio .................., em caráter definitivo ou provisório
(simulações de enchimento do lago do reservatório), até que sejam concluídas
todas as ações previstas nos Programas de Controle Ambiental propostos pelo
empreendedor e aprovados pelo órgão licenciador, em conformidade com a
legislação ambiental vigente, sem prejuízo das demais medidas consideradas
necessárias durante o procedimento de avaliação do EIA-RIMA, pelo próprio
............... e ÓRGÃOS AMBIENTAIS dos Estados impactados, além das que se
revelarem necessárias no curso da ação principal, tudo destinado à mitigação dos
impactos ambientais e sócio-econômicos da referida operação de enchimento;
b) que o ............... se abstenha de conceder a licença de operação (LO) para
o empreendimento da ..........................enquanto não seja dada pelo
empreendedor comprovação em Juízo da viabilidade da execução de todos os
Programas de Controle Ambiental contemplados no EIA-RIMA, bem ainda de outras
medidas mitigatórias e compensatórias dos impactos sobre o meio físico, biótico
e sócio-econômico já tidas como necessárias pelas análises técnicas preliminares
a seu cargo e dos órgãos ambientais dos Estados interessados, sem prejuízo de
outras que se mostrem pertinentes no curso da ação principal, de acordo com a
legislação regente.
AD CAUTELAM, Excelência, caso tenha sido -ou venha a ser-expedida a Licença de
Operação-LO pelo ..............., antes da apreciação do pedido de liminar por
Vossa Excelência, ou antes da intimação dos réus de liminar eventualmente
concedida, pugna-se, desde já, subsidiariamente, pela suspensão da licença
concedida, pelas razões acima expostas, reiterando-se o já pedido com relação à
outra requerida.
Requer-se ainda, com supedâneo no artigo 12, parágrafo 2o., da Lei 7347/85, para
o caso de descumprimento da ordem judicial, a cominação de multa liminar em
valor a ser estipulado por Vossa Excelência, mas não inferior a R$
................ por dia, a partir do início do enchimento e enquanto perdurar o
descumprimento da ordem judicial, quantia mínima necessária para que se tenha um
eficiente meio de pressão sobre os réus, com o fito de que sejam pressionados a
se abster da prática nociva.
Com efeito, caso contrário, se fixada quantia ínfima, haverá o risco de
descumprimento da ordem judicial, assumindo os réus seu pagamento e eventuais
conseqüências de ordem criminal, o que levaria a prejuízos incalculáveis e
irreversíveis ao meio ambiente.
Por fim, requer-se:
a) a citação dos réus supra nominados para, querendo, contestarem a presente
ação;
b) a intimação da União para que manifeste seu interesse na demanda;
c) a condenação dos réus nos ônus da sucumbência;
Protesta-se pela produção de provas por todos os meios admitidos em Direito,
mormente mediante prova testemunhal, pericial, juntada posterior de documentos,
depoimento pessoal, etc.
Informa-se, desde já, que será ajuizada, oportunamente, como ação principal Ação
Civil Pública, pretendendo a condenação em obrigação de fazer, por parte da
.............., consistente na atualização/readequação do EIA/RIMA da
.................... .................. e na implantação de todos os Programas
de Controle Ambiental por ela propostos, sem prejuízo de outras medidas que se
mostrem necessárias durante o procedimento de licenciamento ambiental e no curso
da própria ação; bem ainda, confirmando-se a medida cautelar, a condenação em
obrigação de não fazer, por parte da .............., consistente na abstenção de
fechamento das comportas da barragem da .................... ..................
até que seja analisado e aprovado o EIA/RIMA em questão e expedida, pelo
..............., a licença de operação (LO) competente, e até que sejam
concluídas todas as ações necessárias à mitigação dos impactos ambientais e
sócio-econômicos da referida operação de enchimento, que pelos órgãos ambientais
estaduais e órgão licenciador federal forem determinadas e outras eventualmente
detectadas no curso da ação principal, tudo sem prejuízo de eventual pedido de
reparação/indenização por danos causados ao meio ambiente [57].
Dá-se à causa o valor de R$ .....
Nesses Termos,
Pede Deferimento.
[Local], [dia] de [mês] de [ano].
[Assinatura]