Réplica por parte do Ministério Público, em ação civil pública referente a aterro de resíduos prejudiciais ao meio ambiente.
EXMO. SR. DR. JUIZ DA VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE ......
AUTOS Nº .....
O MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADO....., através da Coordenadoria das Promotorias de
Defesa Comunitária - Área do Meio Ambiente e Patrimônio Cultural, vem, perante
Vossa Excelência, por suas agentes, adiante firmadas, vem mui respeitosamente,
nos autos em que contende com DMLU e pelo MUNICÍPIO DE ....., ante Vossa
Excelência apresentar
IMPUGNAÇÃO ÀS CONTESTAÇÕES
pelos motivos de fato e de direito a seguir aduzidos.
PRELIMINARMENTE
1. QUANTO À ALEGADA CONEXÃO
Não se vislumbra a conexão apontada.
Além de divergirem as partes e os pedidos, resta evidente a distinção da causa
de pedir. A ação popular objetiva anular atos lesivos ao meio ambiente e
condenar os agentes públicos por eles responsáveis à reposição do statu quo
ante. Portanto, a ação popular tem como causa de pedir um dano presumido em
decorrência da implantação do Aterro. Volta-se contra os agentes públicos
responsáveis pessoalmente pelos danos ao meio ambiente.
A presente vistoria - medida preparatória - tem natureza e objetivo diversos.
Sua causa de pedir fulcra-se na necessidade de serem apurados possíveis danos
ambientais decorrentes da má operação do Aterro. Com sua propositura pretende o
requerente apurar eventuais danos ambientais para possível e futuro ajuizamento
de ação civil pública cujo objetivo seria condenar o empreendedor à reparação do
ambiente lesado
Portanto, não se concorda com a reunião dos processos. Se a preocupação do
Município se refere à possibilidade de ter de custear duas perícias, então que
essa prova se faça na presente demanda, de rito sumário, crivada pelo
contraditório e que pode ser aproveitada na demanda popular.
2. DO INTERESSE DE AGIR
O Município pôs em cheque o interesse de agir do Ministério Público no caso em
pauta. Não lhe assiste qualquer razão nesse aspecto, pois, embora os poderes
requisitórios do "parquet" junto a entidades públicas, os órgãos ambientais não
teriam, no caso em pauta, a necessária isenção para realização de uma perícia. A
SMAM, por ser uma Secretaria Municipal. A FEPAM, porque, ao reconhecer eventual
dano ambiental, estaria assumindo sua omissão no dever de fiscalizar.
Na verdade, faz o Município um sofisma que acaba o levando a uma equivocada
conclusão. Se o Ministério Público pode o mais, que é produzir a prova em nível
administrativo, como não poderia fazê-lo em juízo ? A vedação insinuada pelo
requerido estaria a vulnerar uma das principais legitimações outorgadas ao
parquet, qual seja a ampla defesa do bem jurídico ambiental.
Ademais, as vistorias prévias têm sido usadas pelo Ministério Público de há
muito, com plena aceitação jurisprudencial. GALENO DE LACERDA, discorrendo
acerca dessas cautelares, afirma que
mesmo em relação ao Ministério Público, não cabe recusar-lhe o direito de aforar
tais providências, imperiosas às vezes em vista do caráter transeunte do dano e
da inconveniência, portanto, de registrá-lo apenas do inquérito administrativo
prévio Ação Civil Pública e Meio Ambiente, artigo publicado no Repertório Plenum
de Doutrina.
NELSON NERY JÚNIOR, em magnífica conferência proferida no 1º Seminário de
Direito Ecológico da Fronteira Oeste, realizado em Uruguaiana, destacava não
haver dúvida alguma quanto à legitimidade do Ministério Público para propor ação
cautelar preparatória de produção antecipada de prova. Exemplificava, inclusive,
com duas cautelares dessa espécie, ajuizadas pelo parquet paulista, cujo
objetivo era fazer prova pericial sobre a extensão do dano ambiental causado por
aqueles derramamentos, e também sobre a forma da reparação dos prejuízos
sofridos pelo meio ambiente Responsabilidade Civil por Dano Ecológico e a Ação
Civil Pública, Revista de Processo nº38/129.
DO MÉRITO
DOS FATOS
Inicialmente, cumpre admitir, no caso em questão, em que pese a controvérsia que
reina em torno da possibilidade de contestação em cautelares de antecipação de
prova, a pertinência e até a necessidade do contraditório. Não houvesse tal
necessidade, poder-se-ia cogitar de a perícia ser realizada nos autos do
procedimento inquisitorial . Todavia, o Ministério Público tem interesse em
submeter essa prova ao mais amplo contraditório, de molde a que atinja a
eficácia desejada.
Salienta-se que, caso o juízo oportunize a defesa, após o decurso do prazo
respectivo, não sendo necessária a produção de prova em audiência, deverá
decidir dentro em cinco (05) dias o pedido cautelar Não havendo necessidade de
produzir provas em audiência (CPC 334 IV), o juiz deverá decidir o pedido
cautelar dentro de cinco dias ( Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery, in
Código de Processo Civil Comentado, p.916, nota 1 ao art. 803..
Portanto, o processo está em fase de decisão quanto ao deferimento da prova cuja
antecipação se requer.
Impende lembrar, nesse importante momento, que o indeferimento da prova
requerida só tem guarida, em casos que tais, quando houver manifesta
impropriedade ou notório incabimento da medida pretendida pelo autor, nas
palavras do processualista gaúcho OVÍDIO BAPTISTA DA SILVA, ou quando a medida
se mostre macroscopicamente inadmissível Curso de Processo Civil, vol. 3, p.284,
2ª ed., Ed. Revista dos Tribunais., o que, por óbvio, não ocorre no caso sub
judice, em que está em jogo interesse indisponível da sociedade à preservação do
meio ambiente.
Deve ser sopesado, ainda, com vistas à decisão deferitória da prova, o princípio
in dubio pro ambiente Sobre esse princípio, ÉDIS MILARÉ discorre em artigo
publicado na RT 756/56, intitulado Princípios Fundamentais do Direito do
Ambiente. . Por ser o meio ambiente direito subjetivo da coletividade humana,
indisponível por excelência, o magistrado, ao analisar causas que o envolvam há
de se nortear pelo princípio acima.
Cumpre ressaltar, sobretudo, que a presente demanda é meramente acautelatória,
não contendo em seu bojo qualquer pedido condenatório ou cominatório.
Basta que se demonstrem o fumus boni juris e periculum in mora (quanto a esse
requisito, há farto entendimento que o dispensa em sede de vistoria
antecipatória de provas) para o deferimento da medida.
DO DIREITO
1. DO PERICULUM IN MORA:
Conquanto esse aspecto já tenha sido abordado à saciedade na inicial, a fim de
se espancar qualquer dúvida que eventualmente venha a pairar no juízo, volta-se
a ele.
De fato, o projeto implantado pelo Município relativo ao Aterro da Extrema foi
cercado de diversas cautelas. Tanto o foi que o Ministério Público acabou por
acatá-lo, firmando Compromisso de Ajustamento e respectivo Aditivo, sempre no
afã de compatibilizar os interesses ambientais (conservacionistas e relativos ao
problema urbano de deposição de resíduos sólidos) com as necessidades do Poder
Público Municipal de fazer frente a essa questão.
Ocorre que a imprevisibilidade não permitiu ao órgão ministerial e nem ao
próprio órgão ambiental estadual, ao que tudo indica, vislumbrar algumas das
ocorrências demonstradas e noticiadas na exordial, ocorrências essas que estão a
impactar negativamente o meio ambiente e que carecem da devida apuração técnica
para cabal demonstração.
Não se nega ao Município o direito de desfrutar do meio ambiente, buscando o
equacionamento de um dos mais dramáticos problemas urbanos: a disposição dos
resíduos. O que não existe é o direito de contaminar em sentido estrito, muito
menos com caráter geral Nesse sentido, v. Demetrio Loperena Rota, in LOS
PRINCIPIO DEL DERECHO AMBIENTAL, p. 95, Editorial Civitas, S. A . , Madrid, 1998
. .
Ao impugnar a existência do pré-requisito do periculum in mora, o Município
sustenta o constante monitoramento na operação do Aterro, tanto no que se refere
à qualidade do chorume, quanto das águas subterrâneas e superficiais, bem como
invoca as características da legitimidade e de presunção de legalidade dos atos
administrativos.
Essas características cedem frente à grandeza do interesse na preser
vação ambiental. O fato de a atividade estar licenciada, segundo a melhor
doutrina especializada Igual posição vem defendida por Paulo Affonso Leme
Machado, in Direito Ambiental Brasileiro, p. 203, 3ª edição, Ed. Revista dos
Tribunais; por Armando H. Dias Cabral, em artigo intitulado Proteção Ambiental,
RDP 47-48/84, 1978 e Antonio Herman Benjamin, em Função Ambiental, artigo
integrante da obra coletiva Dano Ambiental: prevenção, reparação e repressão, p.
82, Ed. Revista dos Tribunais. , não gera presunção a favor do poluidor. Como
bem aponta FÁBIO LUCARELLI,
de forma alguma poder-se-ia admitir o pensamento de que o Estado tem o poder de
admitir agressão à saúde pública. Leve-se em consideração, sobretudo, o fato de
que, não raras vezes, o Estado especifica normas e padrões a serem respeitados
agindo em causa própria, eis que também exerce atividades danosas ao ambiente
Responsabilidade Civil por Dano Ecológico, in Revista dos Tribunais, 700, p.
12..
De mais a mais, o Relatório de Impacto Ambiental custeado pelo empreendedor, de
responsabilidade da empresa EPT (fls. 483/555 do Inquérito Civil), no item 7,
relativo ao MONITORAMENTO, recomendava pleno acompanhamento dos impactos sobre a
movimentação das águas subterrâneas. Textualmente, este acompanhamento deve ser
feito através dos poços já mencionados, bem como coletas nas vertentes do mesmo
e na zona alagadiça. O controle também deve ser estendido aos poços caseiros
(fl. 554 do IC). Esse monitoramento das águas relativas aos poços caseiros só
foi feito pelo DMLU em uma única oportunidade, quando, a pedido da Associação de
Moradores da Extrema cerca de 25 poços foram submetidos a análises. Após isso, o
monitoramento não mais foi feito com periodicidade . Na fl. 555 do IC, o RIA
indica o monitoramento necessário das águas superficiais. Essas amostras, que
ficaram a cargo do DMAE, deveriam ser encaminhadas à FEPAM. Ao que se sabe, não
o foram no tempo e modo devidos.
Outro fato, incontestável, que faz saltar aos olhos a urgência da prova
requerida, é a não-renovação da licença de operação concedida ao Aterro em 26 de
maio de 1997, com prazo de validade de um ano (fls. 1048/49 do IC). O
empreendimento, pasme-se, está operando sem licença do órgão ambiental há mais
de um ano (INFORMAÇÃO DA PRÓPRIA FEPAM NO OFÍCIO DE FL. 1183 DO IC), o que
demonstra, no mínimo, um certo constrangimento da FEPAM na renovação do
licenciamento da atividade.
Também põe em cheque a correta operação do Aterro o fato de o empreendedor não
ter comunicado prontamente à FEPAM quando da ocorrência do vazamento de chorume,
o que só chegou ao conhecimento do órgão ambiental através da Associação dos
Moradores da Extrema, com seis meses de atraso (afirmação do próprio corpo
técnico da FEPAM no relatório de fls. 1257/1258 do IC), do que faz prova também
o documento ora anexado (doc. 2) consistente em ofício encaminhado pela
Associação Comunitária da Extrema à FEPAM e protocolizado no dia 14.12.99.
Portanto, Exa., todo esse contexto está a indicar a necessidade da urgente
realização da perícia requerida, a fim de ser perfeitamente identificado
eventual dano ambiental em decorrência das atividades do Aterro.
Entretanto, a título de argumentação, como bem identifica o processualista
gaúcho CARLOS ALBERTO ÁLVARO DE OLIVEIRA Comentários ao Código de Processo
Civil, vol. VIII, tomo II, p. 186, 2ª edição, Ed. Forense, 1991., nas vistorias
ad perpetuam rei memoriam, há muitos casos em que não se cogita de segurança de
prova, prescindindo-se do requisito do periculum in mora, e a vistoria será
pedida com o objetivo único de o requerente conhecer dados para o aforamento de
eventual demanda futura.
A jurisprudência está repleta de casos dessa espécie, como salienta o
processualista acima citado, a quem pedimos vênia para pinçar alguns de seus
exemplos:
Vistoria ad perpetuam é meio hábil para verificação de ocorrência de qualquer
fato, inclusive o de terem sido invadidas terras do requerente pelo requerido RT
391/219 .;
não é só a urgência que pode justificar o pedido de prova ad perpetuam; outros
casos podem ocorrer, em que haverá necessidade e mesmo conveniência de que a
prova seja feita preventivamente ou mesmo como preparatória da ação. Será a
hipótese de vir a vistoria ad perpetuam em reforço ou no sentido de dissipar a
idéia de que o direito foi violado, munindo o interessado de elementos para
propor a ação ou evitando a promoção de uma demanda ingrata ou temerária RT
446/191.; e, por último,
é viável o pedido de produção antecipada de prova formulada por magistrados,
consistente em perícia para confrontar os índices de depreciação da moeda com os
de elevação de vencimentos, com vistas a, se for o caso, propor ação para
assegurar o cumprimento do princípio constitucional da irredutibilidade de
vencimentos Citado por Carlos A . Álvaro de Oliveira na obra citada, p. 187, sem
referência ao número do acórdão, apenas mencionando o nome do Relator, Des. Pio
Fiori de Azevedo, com data de 24.11.81..
2. DO FUMUS BONI JURIS:
A plausibilidade do direito substancial invocado pelo demandante, que pretende a
produção da prova, resta patente, ante todo o contexto fático minuciosamente
articulado na exordial.
Veja-se que, em sede de cautelar, não é preciso revelar-se cabal e
indubitavelmente o direito do requerente, de modo especial em se tratando de
produção antecipada de prova, pois se assim fosse poderia ele prescindir da
cautelar, ingressando de imediato com a ação principal.
Não é demais, também, lembrar que ação cautelar não visa à declaração de
direito. Como se depreende do magistério de HUMBERTO THEODORO JÚNIOR:
Somente é de cogitar-se da ausência do fumus boni iuris quando, pela aparência
exterior da pretensão substancial, se divise a fatal carência de ação ou a
inevitável rejeição do pedido, pelo mérito.
Do ponto de vista prático, pode-se dizer que só inocorre o fumus boni juris
quando a pretensão do requerente, tal como mostrada ao juiz, configuraria caso
de petição inicial inepta, ou seja, de petição de ação principal liminarmente
indeferível (art. 295).
Fora daí, há sempre algum vestígio de bom direito que, em princípio, se faz
merecedor das garantias da tutela cautelar" Curso de Direito Processual Civil,
vol. II, p. 1117, 4ª edição, Ed. Forense. .
3. ASPECTOS TÉCNICOS LEVANTADOS PELO DMLU
Quanto à deposição de resíduos hospitalares e industriais, o DMLU nega que venha
ocorrendo, destacando que os resíduos industriais Classe I já não vinham sendo
aceitos nos aterros do DMLU desde 1991, sendo que os resíduos hospitalares têm
sido encaminhados ao Aterro da Zona Norte.
O Ministério Público tem dúvidas quanto à veracidade dessas informações, pois
moradores do entorno declararam ter visto caminhões identificados como sendo de
RESÍDUOS INDUSTRIAIS adentrando no local do Aterro. Moradores também chegaram a
ver resíduos hospitalares depositados no Aterro, só que, lamentavelmente, não
puderam fotografar, porquanto lhes é vedado o acesso na área portando
equipamentos fotográficos (tais informações podem ser esclarecidas com a oitiva
de moradores do entorno, em eventual justificação).
O abastecimento de água do DMAE para as famílias do entorno foi ampliado
significativamente ao final do ano de 1999. Mas ainda não é completo, até porque
houve um significativo aumento populacional na área, o que também contraria os
termos das licenças prévia (fl. 230 do IC) e de instalação (fl. 743 do IC). Em
ambas, há referência expressa à necessidade de a Prefeitura Municipal implantar
medidas de bloqueio dos adensamentos populacionais e comerciais em um raio de
mínimo de 1000m, contados dos limites do Aterro. O documento ora anexado
(11/14), produzido pela aludida Associação, relaciona as residências ainda não
abastecidas pelo DMAE e que se encontram na área de influência do Aterro.
O DMLU é confesso quanto ao excesso de resíduos que vem depositando na área.
Tanto assim que sequer chegou a impugnar esse item em sua defesa. Basta ver,
nesse sentido, o ofício de fls. 1172/73 do IC, no qual o DMLU informa o
Ministério Público estar colocando cerca de 550 t/dia de resíduos no local,
quando o máximo previsto no Aditivo ao Ajustamento é de 400t/dia (fl. 986 do
IC).
O fato de o Aterro também estar operando sem licença válida do órgão ambiental
igualmente não é contestado pelo DMLU, nem poderia.
No item II. da contestação, o DMLU afirma que problemas como o afloramento
superficial de lixiviado (pela parte superior do aterro) são comunicados à FEPAM
e imediatamente sanados. Essa assertiva traduz uma inverdade. O DMLU não
comunicou prontamente à FEPAM o extravasamento do chorume. Essa situação está
positivada no Relatório Técnico do órgão ambiental de fls. 1257/58, já citado.
Dita omissão soa tão grave que foram remetidas cópias de peças dos autos à
Coordenadoria Criminal para a devida apuração de eventual crime ambiental.
A possível (veja-se bem, ainda não se está afirmando por falta de uma prova
cabal nesse sentido) contaminação das águas subterrâneas é um dos fatos mais
importantes que se necessita apurar, à luz do princípio da prevenção do dano
ambiental. Antes do Aterro operar, as águas de alguns poços existentes em seu
entorno já eram dadas como impróprias ao consumo humano devido à presença de
coliformes fecais em excesso. Entretanto, o próprio EIA contratado pelo DMLU
indicava níveis de turbidez da água dentro de padrões aceitos pela Resolução
CONAMA n.º 20/86. Também não apontava qualquer limite inaceitável de metais
pesados e não pesados (fl. 517 do IC). A potabilidade era contestada devido à
significativa incidência de coliformes fecais associados, provavelmente, à
pecuária desenvolvida na região.
O corte de mata nativa, de acordo com o EIA/RIMA era totalmente desrecomendado,
porquanto a destruição de um tipo especial de mata localizada no entorno do
aterro, causaria danos irreversíveis à biota local, pela perda de um importante
núcleo de diversidade vegetal, que serviria para uma futura regeneração da área
(fl. 556 do IC). Mesmo assim, o empreendedor passou por cima dessa recomendação
e da licença-prévia - que determinava a observância de todas as recomendações do
EIA/RIMA - e optou por cortar a mata. Segundo os moradores do entorno, houve
três cortes de mata: um inicial e dois tendentes a aumentar o tamanho da cava.
Somente um deles foi licenciado pelo DRNR e justamente esse foi objeto de
Inquérito Civil arquivado nesta Coordenadoria em decorrência da celebração de
Compromisso de Ajustamento com o empreendedor .
A possibilidade de o Aterro estar contaminando o solo de propriedades vizinhas é
inegável. Se o chorume ingressa no Arroio Manecão, passando por diversos solos,
como esses estariam imunes à eventual contaminação ?
Por derradeiro, insiste-se no possível desvirtuamento do cunho recuperador para
o qual foi concebido o projeto do Aterro. Fotografias de satélite extraídas na
região antes das atividades extrativistas ali desenvolvidas demonstram que a
topografia do terreno, em termos de elevação, já superou a original, o que pode
estar criando uma perigosa barragem. Esse fato, apontado pelo geólogo SANDOR
GREHS, em depoimento prestado no Ministério Público (fls. 1207/1209 do IC)
poderá facilmente ser demonstrado pericialmente.
4. QUANTO À INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA
Não se nega, na esteira do afirmado na contestação da municipalidade, ser a
inversão pleiteada excepcional no Direito Brasileiro. Mas o caso requer
tratamento diferenciado dada a grandeza dos interesses em jogo.
Ora, se o art. 18 da Lei da Ação Civil Pública veda o adiantamento de honorários
periciais, não pode o Ministério Público legalmente prever em seu orçamento
rubrica específica para custear tais despesas.
É consabido que os profissionais não trabalham sem adiantamento, cabendo, pois,
ao empreendedor custear a perícia necessária ao deslinde da controvérsia.
Ademais, com base no princípio da prevenção, reconhecido constitucionalmente no
art. 225, não dispondo o Ministério Público ou associação legitimada de recursos
bastantes para custear perícia que se revele imprescindível à tomada das demais
providências judiciais, é mister que se imponha ao apontado responsável pela
degradação ambiental os custos da perícia. O precedente do Caso Bahamas é
emblemático nesse sentido.
FÁBIO DUTRA LUCARELLI, discorrendo acerca da dificuldade probatória que permeia
a tutela jurisdicional do meio ambiente, observa:
É fato notório que muitas vezes a decisão das lides ambientais é extremamente
dependente dos resultados de difíceis e custosas averigüações técnicas. Se
compreende então como a possibilidade de sucesso do indivíduo que age se reduz
consideravelmente em conseqüência do ônus probatório.
Tendo isso em vista, os defensores do ambientalismo trataram de defender a
teoria da responsabilidade objetiva que, como veremos a seguir, impunha uma
inversão do ônus da prova Responsabilidade Civil por Dano Ecológico, RT 700/10.
Essa necessidade de inversão está associada basicamente a dois princípios
constitucionais que influenciam a proteção ambiental: o da prevenção e o do
poluidor-pagador.
Tem razão RAMÓN MARTIN MATEO Derecho Ambiental, p. 87. quando afirma que os
objetivos do Direito Ambiental são fundamentalmente preventivos. Seu enfoque
volta-se para o momento anterior à consumação do dano - o do mero risco. Daí por
que se impõe a necessidade de dotar o Ministério Público e os demais legitimados
ativos de todos os mecanismos imprescindíveis à efetiva defesa do patrimônio
ambiental.
Criticando a postura restritiva da jurisprudência brasileira acerca do conceito
de dano ambiental e, por conseqüência, do bem jurídico meio ambiente, PAULO DE
BESSA ANTUNES, jusambientalista de renome, leciona:
Em geral, eles (leia-se, os tribunais) têm adotado uma postura que exige o dano
real e não apenas o dano potencial. Parece-me que não tem sido aplicado e
observado o princípio da cautela em matéria ambiental que, como se sabe, é um
dos princípio básicos do Direito Ambiental. Ao exigirem que o autor faça prova
do dano real, os Tribunais, de fato, impõem todo o ônus da prova judicial para
os autores, enfraquecendo, a responsabilidade objetiva do poluidor. Ademais, é
importante que se observe que o Direito Ambiental exerce a sua função protetora,
também, em relação às gerações futuras, resultado do conceito de eqüidade
intergeracional que é um de seus principais aspectos" Direito Ambiental, p. 148,
2ª edição, Ed. Lumen Juris.
Quanto ao princípio do poluidor-pagador, envolve ele a internalização dos custos
externos do empreendimento causador da poluição. Esses custos devem abranger
inclusive os decorrentes de eventuais litígios associados às conseqüências
nefastas da atividade. Em trabalho no qual analisa, com a profundidade que lhe é
peculiar, o princípio em comento e seus desdobramentos, o já citado ANTONIO
HERMAN BENJAMIN sentencia:
Assim, por exemplo, o reconhecimento - e os Tribunais podem fazê-lo per se - do
princípio in dubio pro ambiente, assim como do princípio da inversão do ônus da
prova da extensão do dano e do nexo causal. Impõe-se, ademais, a previsão de
propositura de ações subseqüentes à principal, mesmo que esta já tenha sido
definitivamente julgada, para cobrança do remanescente do dano ambiental" "O
Princípio do Poluidor-Pagador, in Dano Ambiental: prevenção, reparação e
repressão, p. 236, Ed. Revista dos Tribunais, 1993. .
Por fim, impende destacar que a possibilidade de inverter o ônus da prova, a
critério do juízo, já existe em nosso ordenamento jurídico no tocante à defesa
do consumidor (art. 6º, inc. VIII, do CDC).
A razão de ser dessa previsão reside na dificuldade probatória que seria imposta
aos consumidores que se revelam manifestamente hipossuficientes frente aos
fornecedores. Da mesma forma, o Ministério Público, por não estar dotado de
corpo pericial próprio, além de não lhe ser viável, por lei, a antecipação de
honorários, afigura-se em posição de desvantagem frente ao empreendedor.
No magistério de FRANCISCO JOSÉ MARQUES SAMPAIO,
O princípio que norteia a inversão do ônus da prova no Código do Consumidor é,
em tese, aplicável à responsabilidade civil por danos ambientais, pois as razões
que justificam a inversão do ônus da prova são comuns em ambos os casos
Responsabilidade Civil e Reparação de Danos ao Meio Ambiente, p. 232..
Se se admite a inversão do ônus da prova, com muito mais razão, e pelos mesmos
argumentos acima articulados, há de admitir-se a inversão dos custos da prova.
Calha como luva à espécie, doutrina publicada no Boletim dos Procuradores da
República, sob o título "O Meio Ambiente e o Dever do Réu em Adiantar Despesa
Pericial na Ação Civil Pública, in verbis:
Portanto, diante da argumentação expendida, é de se concluir que ao réu cabe o
ônus do adiantamento de despesas periciais e que essa solução encontra amparo no
ordenamento constitucional, infraconstitucional e na melhor doutrina. Compete,
pois, aos órgãos do Ministério Público, notadamente os com atuação no 1º grau,
por mãos à obra Alex Amorim de Miranda, in Boletim dos Procuradores da
República, Ano 1, n. 2, p. 4, junho/98. .
DOS PEDIDOS
Isso posto, o Ministério Público requer seja imediatamente designada a perícia
pleiteada, nos termos da exordial, impondo-se aos requeridos os respectivos
custos.
Outrossim, requer a juntada dos documentos em anexo.
Nesses Termos,
Pede Deferimento.
[Local], [dia] de [mês] de [ano].
[Assinatura]