EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA 2ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE XXXXXXXX
Pedido de liminar
Distribuição por dependência ao processo nº XXXXX
O MINISTÉRIO PÚBLICO, por sua agente signatária, com fulcro no art. 129, inc.
III, da Constituição Federal, e na Lei nº 7347/85, e nos arts. 797, 798, 799 do
Código de Processo Civil, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência,
ajuizar ação cautelar inominada incidental contra
XXXXXX., empresa com sede na XXXXXXXXX, Distrito Industrial, XXXX, RS, forte nos
seguintes argumentos de fato e de direito:
I - OS FATOS:
O Ministério Público, em 20 de outubro de 1998, firmou com a empresa ora
requerida, um compromisso de ajustamento mediante o qual, acordaram que a XXXXXX
faria cessar a degradação ambiental provocada pelo depósito irregular de areias
de fundição a céu aberto, localizado na XXXXXXXX, Distrito Industrial - sem
Licença de Operação outorgada pela FEPAM, com infração do art. 8º, parágrafo 3º,
do Decreto Estadual nº 38.356/98 e arts. 54 e 56, da Lei 9.605/98.
É o seguinte o teor do compromisso de ajustamento:
"1. O segundo ajustante assume a obrigação de fazer consistente em apresentar
nesta Promotoria de Justiça um projeto para destino dos resíduos sólidos e
monitoramento ambiental, conforme com as determinações da FEPAM, assinado por
profissional habilitado, acompanhado de ART, com cronograma de execução das
obras, assumindo a obrigação de executar integralmente este projeto no prazo que
for assinalado pela FEPAM.
1.1. Fixa-se o dia 10 de novembro de 1998 para apresentação do projeto.
2. O segundo ajustante assume a obrigação de fazer consistente em adotar medidas
mitigadoras de danos ambientais a serem implementadas durante a execução do
projeto, conforme orientação de profissional habilitado;
3. O segundo ajustante assume a obrigação de apresentar nesta Promotoria de
Justiça cópia da Licença de Operação concedida pela FEPAM tão logo seja
expedida;
4. O presente ajustamento não dispensa o ajustante do atendimento de qualquer
exigência legal porventura aplicável à espécie e não constante deste termo;
5. Para efeito de indenização ao meio ambiente, o segundo ajustante
compromete-se a adotar, pelo prazo de cinco anos, a área verde de propriedade do
Estado do Rio Grande do Sul, que se constitui de rótula de acesso às fábricas
XXXXXX, situada na XXXXXX, na localidade de XXXXX, zelando pela sua preservação
ambiental, procedendo ao plantio de espécies vegetais, limpeza, dentre outras
atividades;
5.1. Para o cumprimento da presente obrigação, o ajustante compromete-se a
apresentar, até o dia 10 de novembro, um relatório ilustrado por fotografias
demonstrando a atual situação desta área verde, bem como os planos de
recuperação ambiental a serem executados;
6. Para o caso de descumprimento das obrigações pactuadas, fixa-se multa diária
no valor de 700 UFIRs, cumulada à responsabilização criminal dos representantes
legais da empresa".
A ora requerida não implantou qualquer medida com vistas à redução dos impactos
ambientais ocasionados pelo depósito de areia de fundição a céu aberto, restando
descumprida a cláusula 2ª do ajustamento. Na ocasião, sequer haviam sido
apresentadas as medidas mitigadoras no projeto de recuperação da área.
Diante disso, foi ajuizada ação de execução de título executivo extrajudicial em
16.06.99, que tramita perante a 2ª Vara Cível desta Comarca, sob nº 1000783332.
Ocorre que a empresa opôs Embargos à Execução (processo nº 01000853739), negando
a presença de contaminação das águas subterrâneas ou superficiais, e aduzindo
que a disposição de areias de fundição a céu aberto não oferece riscos ao meio
ambiente. Em virtude destes embargos, a Execução foi suspensa em 03 de setembro
de 1999 (fl. 95, processo de execução).
Nos autos dos embargos, foi solicitada a realização de perícia pela Universidade
de Caxias do Sul e de vistoria por parte da FEPAM. No entanto, o processo está
sem movimentação desde março de 2000.
Neste meio tempo, surgiu um fato novo que justifica a propositura da presente
ação cautelar, com o objetivo de que se faça cessar imediatamente a degradação
ambiental, realizando-se com urgência um estudo técnico-científico na área para
que sejam adotadas medidas mitigadoras e reparatórias dos danos ambientais já
consagrados, bem como medidas preventivas contra os riscos de danos futuros.
A situação nova foi ensejada por um Diagnóstico Ambiental - levantamento de
impactos ambientais ocasionados sobre uma área de banhado da empresa
XXXXXXXXXXXXXXXXXX, feito pela Universidade de Caxias do Sul. Este estudo foi
motivado por um inquérito civil instaurado contra a XXXXXXXXX, em virtude da
degradação de um banhado natural ali existente, bem como pelo lançamento de
efluentes não tratados neste corpo hídrico.
Neste estudo, foi constatado que o banhado está sendo contaminado também pela
empresa XXXXXXXXX, ora requerida, eis que ambas as empresas são vizinhas. Consta
da perícia o seguinte:
"Este estudo concluiu também a partir das análises realizadas no substrato do
banhado que existe uma pluma de poluição oriunda do ponto onde a empresa
XXXXXXXX faz o seu despejo e uma pluma de poluição oriunda do aterro da empresa
XXXXXXXXX. Tal poluição está associada também a diminuição da biodiversidade e
compromete a qualidade da água afluente do banhado e que provavelmente alimenta
a falha geológica a sua jusante".
O mesmo estudo recomendou que ambas as empresas "retirem suas fontes de poluição
do local de estudo e as disponham em outros locais onde a capacidade de diluição
do ambiente possa absorvê-los sem dano aos recursos hídricos, ou seja, as
empresas mencionadas devem executar obras de engenharia visando a minimização
dos impactos ambientais neste local. Assim, recomenda-se que a empresa XXXXX
viabilize o lançamento de seus efluentes fora da área de abrangência do banhado,
e no caso específico do aterro da empresa XXXXX, a cobertura com argila não
parece ser uma medida suficiente, pois se existe um fluxo de água subterrânea
através do aterro, o transporte de poluentes é inevitável".
Com relação à empresa XXXXXX, o Ministério Público firmou um novo compromisso de
ajustamento. No entanto, com relação à ora requerida, não há outra alternativa
do que o ajuizamento da presente ação, posto que ela é reincidente em danos
ambientais, já tendo, inclusive, sido condenada a reparar os danos causados pela
degradação de um arroio, como se verifica da sentença e acórdão em anexo,
lançados nos autos do processo nº 10188025075. Naquele feito, foi constatado que
a empresa lançava efluentes líquidos industriais sem qualquer tipo de
tratamento, contendo metais pesados, em uma vertente de fontes naturais e águas
utilizadas pelos habitantes do Loteamento Cidade Nova, XXXXXXX.
Agora, o objeto da degradação ambiental é a área existente na Rua Gerson
Andreis, nº 665, de propriedade de EXPRESSO JAVALI, mas explorada como área para
depósito de areias de fundição pelaXXXXX, que é, portanto, a causadora direta do
dano ambiental.
A requerida vem, portanto, reiteradamente agindo de má-fé contra o Ministério
Público e a FEPAM, descumprindo todos os acordos realizados, posto que o seu
objetivo não é reparar o passivo ambiental, mas meramente protelar o cumprimento
das normas ambientais e administrativas.
Considerando-se que a ação de execução de título executivo extrajudicial
encontra-se suspensa, em virtude da oposição de embargos por parte da ora
requerida, não havia outra alternativa além do ajuizamento da presente ação
cautelar, com vistas a ver implementadas imediatas medidas tendentes a suspender
a emissão de poluentes rumo ao banhado, bem como de proteger o lençol freático.
II - O DIREITO:
1. O CABIMENTO DA PRESENTE AÇÃO.
Com fulcro no art. 798 do Código de Processo Civil, é lícito ao Julgador
determinar as medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado
receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra
lesão grave e de difícil reparação.
Na seqüência, o art. 799 do mesmo diploma legal, permite ao juiz, para evitar o
dano, autorizar ou vedar a prática de determinados atos. Também o art. 84,
parágrafo 5º, do Código de Defesa do Consumidor autoriza, para a tutela
específica ou para a obtenção do resultado prático equivalente, a determinação
das medidas necessárias, tais como impedimento de atividade nociva.
Estes requerimentos de providência de natureza cautelar podem ser formulados de
forma incidental (art. 800 do Código Civil) ao Juiz da causa, de forma a
antecipar alguns dos efeitos da tutela pretendida de forma principal nos autos
do processo de execução.
A razão da necessidade de antecipação de alguns dos efeitos desta tutela
pretendida nos autos da execução do compromisso de ajustamento é o efeito
suspensivo com que os embargos foram recebidos, na forma do art. 739, §2º, do
Código de Processo Civil, o que irá gerar inafastável demora no deslinde do
problema, com o agravamento da contaminação do meio ambiente pela pluma de
poluição gerada pelo aterro de resíduos da XXXXXX.
Os embargos opostos pela ora requerida, embora constituam um direito processual
seu, revelam caráter meramente protelatório, eis que a requerida descumpriu
manifestamente as obrigações do compromisso de ajustamento, deixando de adotar
medidas mitigadoras de danos ambientais. Também descumpriu as condições impostas
pela FEPAM quando de seu licenciamento ambiental, deixando de executar o projeto
de contenção das areias fenólicas. Veja-se que a Licença de Operação está
vencida desde 06 de abril de 1998, e ainda não foi renovada em virtude das
irregularidades aferidas pela FEPAM.
Conforme leciona LUIZ GUILHERME MARINONI, "em qualquer processo civil há uma
situação concreta, uma luta por um bem da vida, que incide de modo radicalmente
oposto sobre as posições das partes. A disputa pelo bem da vida perseguido pelo
autor, justamente porque demanda tempo, somente pode prejudicar o autor (que tem
razão) e beneficiar o réu (que não a tem) (...) Em um 'processo condenatório', a
demora na obtenção do bem significa a sua preservação no patrimônio do réu.
Quanto maior for a demora do processo, maior será o dano imposto ao autor e, por
conseqüência, maior o benefício conferido ao réu"1 .
Em outra passagem, o mesmo autor assevera que "o sistema processual deve ser
capaz de racionalizar a distribuição do tempo no processo e de inibir as defesas
abusivas, que são consideradas, por alguns, até mesmo direito do réu que não tem
razão. A defesa é direito nos limites em que é exercida de forma razoável ou nos
limites em que não retarda, indevidamente, a realização do direito do autor"2.
No caso dos autos, a oposição dos embargos, com a conseqüente paralisação da
execução, ensejou a suspensão da imposição das medidas contidas no título
executivo extrajudicial, que objetivava compelir a ora requerida a adotar
medidas para prevenir os danos ambientais, bem como para mitigar aqueles danos
já consolidados.
O laudo feito pela Universidade de Caxias do Sul, por seu turno, apontou que
existe uma pluma de poluição proveniente do aterro de areias fenólicas da
requerida, confirmando, portanto, a ausência de qualquer sistema de isolamento
inferior entre os resíduos e o subsolo, o que gera a possibilidade de
infiltração do percolado, com contaminação do lençol freático e do solo.
Diante a relevância do bem ambiental, elevado à categoria de direito fundamental
da pessoa humana, conforme se demonstrará no item abaixo, não se pode admitir a
utilização de expedientes processuais tendentes a mitigar responsabilidades e a
protelar a obrigação de proteger e recuperar o meio ambiente. Não se devem
encorajar as defesas abusivas com o prolongamento do tempo que deve durar o
processo de execução. Nas palavras de MARINONI, "quanto mais demorado é o
processo, mas ele se presta a premiar a defesa abusiva como fonte de vantagens
econômicas, fazendo parecer mais conveniente esperar a decisão desfavorável do
que cumprir a obrigação pontualmente"3.
2. O BEM JURÍDICO PROTEGIDO: MEIO AMBIENTE COMO DIREITO FUNDAMENTAL
O legislador, no art. 3º, inc. I, da Lei nº 6938/81, que dispõe sobre a Política
Nacional do Meio Ambiente, define: " I - Meio ambiente: conjunto de condições,
leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que
permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas".
Na Declaração de Estocolmo (1972), o homem foi incluído na caracterização do
meio ambiente como "Sistema físico e biológico global em que vivem o homem e
outros organismos".
N o sistema constitucional brasileiro, o "ambiente ecologicamente equilibrado"
foi instituído como uma espécie de novo direito fundamental coletivo, o que,
segundo José Afonso da Silva (Direito Ambiental Constitucional", Malheiros
Editores, SP, 1994, "ocorreu nas constituições supervenientes à Declaração de
Estocolmo em 1972.
O ambiente constitui direito subjetivo da coletividade humana. Na feliz
expressão de Sérgio Ferraz, o ambiente é res omnium, sendo interesse de toda
comunidade a sua preservação4. Tem a natureza jurídica de direito coletivo,
interesse difuso, ou seja, importa à sociedade como um todo, sendo ela a real
titular desse direito. Em virtude desta característica coletiva, qualquer lesão
repercute sobre toda a coletividade, legitimando qualquer dos seus membros à
pretensão de punir e reprimir o transgressor.
Manuel Tomé Soares Gomes, ao discorrer sobre a responsabilidade civil por danos
ambientais no sistema jurídico português, refere que a jurisprudência portuguesa
tem vislumbrado o entrosamento do direito individual ao ambiente com os direitos
tradicionais de personalidade, esclarecendo que "o direito de personalidade,
configurado genericamente no art. 70 do nosso Código Civil, deverá ser hoje
entendido numa perspectiva dinâmica pautada também pelos valores ambientais e
pela idéia polarizadora da qualidade de vida que lhes está subjacente". Menciona
que os tribunais têm "vindo progressivamente a tomar em consideração as lesões
ambientais no quadro dos direitos subjetivos clássicos, máxime dos direitos de
personalidade e de propriedade, contribuindo desse modo para refrear alguns dos
excessos da sociedade tecnológica em que vivemos e para garantir aos cidadãos o
gozo normal desses direitos"5.
Destarte, o direito ao meio ambiente pode ser entendido sob duas perspectivas:
individual, quando o direito à saúde, ao repouso, por exemplo, constituem
vertentes do direito de personalidade e do direito a um ambiente de vida humano
sadio e ecologicamente equilibrado; e difuso, no caso das lesões exclusivamente
ambientais, quando o direito ao meio ambiente é disseminado na sociedade e os
danos atingem um grupo de indivíduos mais ou menos alargado, cujo número e
identificação precisos resvalam na indefinição.
No caso dos autos, a conduta poluidora da empresa ré ensejou tanto danos
ecológicos puros como danos individuais. A contaminação das águas do banhado e a
contaminação do solo com areia fenólica caracterizam o dano ecológico puro
sofrido pelo ecossistema, traduzido em lesão paradigmática de um verdadeiro
interesse difuso. É que, além de se tratar de um grupo de titulares não
organizado, de contornos indefinidos, também se observa tratar-se de um
interesse indireto, visto que o dano não foi diretamente produzido na pessoa ou
no patrimônio de qualquer dos indivíduos afetados no respectivo direito a um
ambiente são e ecologicamente equilibrado.
3. A LEGISLAÇÃO VIOLADA:
1. A conduta poluidora: depósito irregular de resíduos sólidos, com contaminação
do lençol freático e do banhado.
O art. 225, da Constituição Federal de 1988, prevê que:
"Art. 225 - Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem
de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder
Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e
futuras gerações.
§1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo
ecológico das espécies e ecossistemas;
(...)
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que
coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou
submetam os animais a crueldade;
(...)
§3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão
os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas,
independentemente da obrigação de reparar os danos".
A Constituição Estadual de 1989 prevê idênticas disposições nos seus arts. 250 e
251.
A Lei Federal nº 6.938/81, que cuida da Política Nacional do Meio Ambiente,
considerado em seu art. 3º, inc. III, como poluição, "a degradação da qualidade
ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente prejudiquem a
saúde, a segurança e o bem-estar da população". De acordo com esta lei, são
recursos ambientais, portanto, a merecer proteção governamental, a atmosfera, as
águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários etc.
O mesmo diploma legal define como poluidor quem, direta ou indiretamente,
exercer atividades causadoras de degradação ambiental e, mais adiante, (art. 14,
§1º), responsabiliza o poluidor independentemente da existência de culpa, a
indenizar todos os danos causados ao meio ambiente.
A Lei Estadual nº 9.486, de 26 de dezembro de 1991, no art. 1º, §1º, prevê que
"as áreas destinadas a depósitos de lixo devem ser impermeabilizadas, de modo a
impedir a infiltração dos resíduos líquidos das lixeiras nos lençóis
freáticos/subterrâneos". No seu §2º, o mesmo artigo prevê que "as áreas
destinadas a depósito de lixo devem ser submetidas ao processo de licenciamento
do órgão ambiental competente".
A Lei Estadual nº 9.921, de 27 de julho de 1993, estabelece que:
"Art. 3º - Os sistemas de gerenciamento dos resíduos sólidos terão como
instrumentos básicos planos e projetos específicos de coleta, transporte,
tratamento e processamento e destinação final a serem licenciados pelo órgão
ambiental do Estado, tendo como metas a redução da quantidade de resíduos
gerados e o perfeito controle de possíveis efeitos ambientais.
Parágrafo 1º - Fica vedada a descarga ou depósito de forma indiscriminada de
resíduos sólidos no solo e em corpos d'água.
Art. 5º - Quando a destinação final for disposição no solo, deverão ser tomadas
medidas adequadas para proteção das águas superficiais e subterrâneas,
obedecendo aos critérios e normas estabelecidas pelo órgão ambiental do Estado.
Art. 8º - A coleta, o transporte, o tratamento, o processamento e a destinação
final dos resíduos sólidos de estabelecimentos industriais, comerciais e de
prestação de serviços, inclusive de saúde, são de responsabilidade da fonte
geradora, independentemente da contratação de terceiros, de direito público ou
privado, para execução de uma ou mais dessas atividades.
No mesmo sentido é o Decreto Estadual nº 38.356, de 01 de abril de 1998, que
regulamenta a Lei 9.921/93.
Examinando-se a Lei nº 9.921/93 e o Decreto nº 38.356, de 01 de abril de 1998,
constata-se que a empresa ré descumpriu as suas normas, eis que:
(a) promoveu o depósito de forma indiscriminada de areias fenólicas no solo, sem
adotar qualquer tipo de impermeabilização inferior, de forma a proteger o lençol
freático, contaminando, portanto, as águas do banhado (violação do art. 4º,§1º,
do Decreto e do art. 3º, §1º, da Lei nº 9.921/93);
(b) ao promover o depósito de resíduos sólidos industriais, a ré não tomou
medidas adequadas para a proteção das águas superficiais, sub-superficiais,
subterrâneas e do solo, desobedecendo aos critérios e normas estabelecidas pela
FEPAM em sua Licença de Operação (violação do art. 6º do Decreto e art. 5º, da
Lei nº 9.921/93).
No âmbito Municipal, o Código de Posturas do Município de Caxias do Sul prevê:
Art.142 - É vedado o lançamento de qualquer substância, mistura de substância,
em estado sólido, líquido e gasoso, no meio ambiente (águas, ar e solo) que
possam torná-lo:
a) impróprio, nocivo, ofensivo, incoveniente ou incômodo à saúde e ao bem-estar
do homem, bem como às atividades normais da comunidade;
b) prejudicial ao uso e gozo da propriedade e danoso às edificações.
Art. 153 - Para impedir a poluição das águas, é proibido:
I - as indústrias, comércio, prestadores de serviços e oficinas, depositarem ou
encaminharem a cursos de água, os resíduos ou detritos provenientes de suas
atividades, sem obediência a regulamentos municipais;"
Importa destacar que a ação poluidora da ré é agravada pelo fato de ter gerado
danos contra uma área de preservação permanente, qual seja um banhado, que
constitui, ainda, área de Classe Especial, onde é proibido o lançamento das
"águas residuárias, domésticas e industriais, lixo e outros resíduos sólidos,
substâncias potencialmente tóxicas, defensivos agrícolas, fertilizantes químicos
e outros poluentes, mesmo tratados", conforme prevê o art. 18 da Resolução nº
20/86 do CONAMA. Conforme esta mesma Resolução, considera de Classe Especial as
águas doces destinadas à preservação do equilíbrio natural das comunidades
aquáticas (art. 1º).
O banhado, conforme lecionam os professores da Universidade de Caxias do Sul,
signatários do laudo, possui "estrutura física característica geradora de
diversas funções essenciais ao equilíbrio das populações biológicas no planeta
e, por conseqüência, valores vultuosos para a sociedade humana" (p. 05).
Enquanto área de terras úmidas, o banhado possui valores sociais e as seguintes
funções:
"(i) hidrológicas: (a) armazenamento superficial de água de curto prazo, redução
dos picos de inundação a jusante, redução dos danos causados pelas águas das
enchentes, presença de uma planície de inundação ao longo das margens do rio;
(b) armazenamento superficial de água de longo prazo, manutenção de habitar para
peixes durante os períodos secos; relevo da planície de inundação; (c)
manutenção do lençol de água alto, manutenção da comunidade hidrofítica;
manutenção da biodiversidade; presença de hidrófitas.
(ii)biogeoquímicos: (a) transformação e ciclo dos elementos; manutenção de
reservas de nutrientes dentro da terra úmida; produção de madeira; crescimento
das árvores; (b) retenção e remoção de substâncias dissolvidas; reduzido
transporte de nutrientes a jusante; manutenção da qualidade das águas;
exportação de nutrientes inferiores à importação: (c) acúmulo de turfa, retenção
de nutrientes, metais e outras substâncias; manutenção da qualidade da água,
aumento de espessura da camada de turfa; (d) acúmulo de sedimentos inorgânicos,
retenção de sedimentos e alguns nutrientes; manutenção da qualidade da água,
aumento da espessura da camada de sedimentos.
(iii) habitat e manutenção das cadeias tróficas - (a) manutenção das comunidades
vegetais características; alimento, ninho e cobertura para animais; sustento
para animais de pele e aves; vegetação madura de terra úmida; (b) manutenção do
fluxo de energia característico; sustento para as populações de vertebrados;
manutenção da biodiversidade; alta diversidade de vertebrados" (pp. 07/08).
4. RESPONSABILIDADE OBJETIVA:
Francisco José Marques Sampaio refere que "para enfrentar os casos em que a
ocorrência do dano ambiental é, em certo grau, decorrência inevitável da
atividade industrial, foi desenvolvido o chamado príncipe polluer-payer (PPP),
segundo o qual o dano ecológico deve ser ressarcido por quem dele se houver
beneficiado, seja o próprio causador do dano ou o adquirente do produto para
cuja fabricação foi provocado o dano. Este último, ao adquirir o produto, paga o
valor acrescido do custo ambiental"6.
Este princípio, adotado em diversos países após a Conferência de Estocolmo,
realizada em 1972, resultou exatamente do esforço desenvolvido para minorar os
efeitos negativos de impactos ambientais inevitáveis, decorrentes das atividades
normais da sociedade de produção e consumo em que vivemos. O sentido do
princípio do poluidor-pagador é o de quem de alguma forma se utiliza dos
recursos naturais ou contribui para a degradação ambiental deve pagar
importância proporcional a sua contribuição. Tal pagamento é calculado com base
no custo de recomposição do bem lesado pelo pagador.
No Brasil, este princípio foi consagrado pela Constituição Federal de 1988, cujo
art. 225, §§ 2º e 3º, obriga o explorador dos recursos naturais a recuperar o
meio ambiente, bem como o sujeita à obrigação de reparar eventuais danos que
venham a causar.
A legislação infraconstitucional dá ao princípio uma abrangência ainda maior,
prevendo imposição ao usuário econômico dos recursos ambientais, de uma
contribuição para tal exploração (art. 4º, inc. VII, da Lei nº 6.938/81).
Destarte, a doutrina e a jurisprudência evoluíram para a aplicação da
Responsabilidade Objetiva, "inspirada na fatalidade da sujeição econômica e
segundo a qual, assim como a pessoa moral pública que causa, por sua atividade,
um incômodo anormal, deve indenizar os cidadãos por ela prejudicados, a fim de
que os encargos do serviço público sejam repartidos entre todos os
contribuintes, assim também a empresa privada deve reparação a seus vizinhos
atingidos pelo dano decorrente de seu funcionamento, para que os encargos
resultantes se repartam entre eles e os que desse funcionamento retirem
proveito".
A responsabilidade objetiva, ou pelo risco, consiste na obrigação de reparar
determinados danos causados a outrem, independentemente de se perquirir a
existência de atuação dolosa ou culposa do responsável, mas que tenham ocorrido
durante atividades realizadas no interesse ou sob o controle da pessoa
responsável. Conforme destaca o Professor Fernando Noronha, "pode ocorrer quer
porque tais danos sejam resultantes dessa atuação, ainda que não culposa, quer
porque simplesmente aconteçam em conexão com a atividade do responsável, mas
neste caso somente quando possam ser considerados riscos próprios dessa
atividade. Na primeira hipótese teremos responsabilidade objetiva normal, na
segunda responsabilidade agravada"7.
Conforme a Teoria do Risco da Atividade, uma pessoa deve incorrer na obrigação
de indenizar, mesmo sem ter agido com culpa, sempre que sejam produzidos danos
no decurso de atividades realizadas no seu interesse e seu controle. Atividade,
recorde-se, é o conjunto de atos praticados com vista de um determinado fim.
Enfatiza-se, portanto, a idéia do risco da atividade, de sorte que aquele que,
por sua atuação, cria o risco de produção de eventuais danos a terceiros, deve
reparar aqueles que assim forem causados.
Esta teoria pode ser desdobrada em teoria do risco-lucro, segundo a qual quem
exerce uma atividade de natureza lucrativa deve suportar os danos daí advindos,
e teoria do risco-perigo, segundo a qual quem se beneficia de uma atividade
potencialmente perigosa, deve suportar as suas conseqüências negativas.
Na verdade, estes desdobramentos são complementares e aplicam-se indistintamente
aos danos ambientais. O cerne da questão é a responsabilização de todo aquele
que, no exercício profissional de uma atividade econômica, organizada para a
produção ou a circulação de bens e serviços, causa danos ecológicos inerentes ao
processo produtivo ou distributivo, como seria o caso da poluição decorrente da
disposição irregular do lixo.
Tendo em vista que a responsabilidade por danos ambientais é objetiva agravada,
reconhece-se ao responsável verdadeira obrigação de garantia, também fundada no
risco, mas que prescinde do nexo de causalidade e exige apenas conexão entre a
atividade do responsável e o dano acontecido.
Ricardo Kochinski Marcondes e Darlan Rodrigues Bittencourt advertem que "para a
verificação do nexo causal, a norma estabelece que a lesão deve ser afetada pela
atividade do poluidor-predador. Pode-se dizer que o explorador de atividade
econômica coloca-se em posição de garantidor da preservação ambiental, e os
danos que digam respeito à sua atividade estarão sempre, necessariamente,
vinculados a ela. Não se investiga ação, conduta do poluidor-predador; o risco à
ela substitui-se8."
A jurisprudência pátria acolhe o entendimento de que a responsabilidade objetiva
por danos ambientais prescinde da prova do nexo de causalidade entre a conduta
efetiva e o dano, satisfazendo-se com a prova do nexo de causalidade entre os
riscos desta atividade e o dano:
"Indenização - Responsabilidade civil - Dano ecológico - Morte de peixes e
degradação do meio ambiente, ocasionados por derrame de resíduo tóxico em rio -
Culpa da empresa ré - Dispensa, por cuidar-se de responsabilidade objetiva -
Suficiência do encadeamento etiológico entre a ação e o resultado - Verba devida
- Recurso não provido (TJSP - 4ª C. - Ap. - Rel. Ney Almada - j. 23.01.92 -
RJTJSP 136/194).
Por estes motivos é que Ricardo Marcondes e Darlan Bittencourt sustentam: " O
nexo causal verifica-se objetivamente e de forma atenuada, basta a existência da
lesão e do risco preexistente de criá-la. O risco deve ser considerado condição
da existência do dano, ainda que não possa demonstrar que foi sua causa direta.
Assim, na prática, invertido está o ônus da prova"9.
A responsabilidade civil por dano ambiental exige, para sua caracterização: 1) o
fato antijurídico; 2) caracterização do dano ambiental; 3) nexo de causalidade;
4) nexo de imputação; 5) dano sofrido deve ter cabimento no âmbito de proteção
da norma violada.
(a) Fato antijurídico:
O evento causador do dano ambiental pode ser fato humano, consistente em conduta
comissiva ou omissiva, culposa ou não, ou fato natural. Deve ser antijurídico,
ou seja, ofensivo a direitos alheios de modo contrário ao direito. No caso dos
autos a ré promoveu o depósito de areias fenólicas sem providenciar o isolamento
inferior do aterro, de sorte que o "chorume" gerado pelos resíduos está
contaminando o lençol freático e o banhado, mediante a formação de uma pluma de
poluição.
Inclusive, é de destacar que a conduta da ré constitui crime, tipificado no art.
54 da Lei nº 9.605/98, cujo teor é o seguinte: "Art. 54 - Causar poluição de
qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à
saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição
significativa da flora".
(b) Dano Ambiental:
Para Helita Barreira Custódio, "o dano ao meio ambiente compreende todas as
lesões ou ameaças de lesões prejudiciais à propriedade (privada ou pública) e ao
patrimônio ambiental, com todos os recursos naturais ou culturais integrantes,
degradados, descaracterizados ou destruídos individualmente ou em conjunto"10.
No caso dos autos, o dano ambiental está provado pela constatação de uma pluma
de poluição oriunda do aterro da requerida, que, com certeza, gera desequilíbrio
ecológico, afetando as condições de vida das espécies que habitam o banhado. O
estudo da Universidade de Caxias do Sul constatou a existência de altas
concentrações de fósforo, zinco, manganês, enxofre, sódio e ferro. Refere
expressamente que "todos estes elementos estão em concentrações muito elevadas,
mas especialmente fósforo e zinco estão em concentrações muito mais elevadas do
que seria adequado ao desenvolvimento da vegetação (Tab. 5). (fl. 18).
Em outra passagem, o estudo refere que "aparentemente, o aterro da empresa XXXXX
a Oeste do banhado (Fig. 4) é responsável pelos altos níveis de cobre, cromo,
ferro e níquel encontrados nos pontos próximos àquela borda (Tab. 4 e Figuras
11,12, 13 e 18 em Anexo)" (p. 20).
Estas concentrações de poluentes estão ocasionando a diminuição do número de
espécies vegetais existentes no local, conforme também indica o estudo da
Universidade de Caxias do Sul (p. 24). Finalmente, conclui esta perícia que "tal
poluição está associada também à diminuição da biodiversidade e compromete a
qualidade da água afluente do banhado e que provavelmente alimenta a falha
geológica a sua jusante"(p. 26).
(c) Nexo de causalidade:
O nexo de causalidade será o nexo objetivo que há de existir entre a ação e o
dano, necessário para fundamentar a responsabilidade do autor da ação pelos seus
efeitos lesivos.
Não abdicando da existência de um nexo de causalidade entre a atividade e o
dano, a responsabilidade civil objetiva por danos ambientais funda este elo em
juízos de probabilidade séria, consubstanciada na experiência social
(normalidade e adequação) e apoiados no conhecimento científico, abandonando a
procura de uma causalidade certa e absoluta. Este enfoque da Teoria da
Causalidade Adequada, assente na idéia de adequação social e baseado igualmente
em juízos de probabilidade, a aferir em prognose póstuma, apresenta
flexibilidade, permitindo a adaptação constante à evolução dos conhecimentos
científicos e tecnológicos que indiscutivelmente condicionam a existência e a
consideração pelos danos ambientais e correspondente evolução do conceito de
adequação social.
(d) Nexo de Imputação:
Enquanto a responsabilidade subjetiva tem como fundamento de sua imputação a
alguém uma atuação culposa da pessoa, na objetiva o nexo de imputação será o
risco criado pela pessoa responsável, ou que pelo menos acontece dentro da sua
esfera de ação. Basta que os danos tenham ocorrido no decurso de atividades
realizadas no interesse ou sob o controle da pessoa responsável.
(e) Cabimento no âmbito de proteção da norma violada.
É necessário, para que um dano seja reparável, que ele tenha cabimento no escopo
da norma violada, ou seja o dano deve atingir bem jurídico protegido pelo
ordenamento jurídico. Conforme já abordado no presente estudo, o meio ambiente é
objeto de tutela jurídica constitucional.
5. SOLIDARIEDADE DOS POLUIDORES:
No tocante ao sujeito responsável pela reparação, a Lei nº 6.938/81 define como
poluidor como a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado,
responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação
ambiental. Assim, aquele que é o responsável por poluição está obrigado a
reparar os danos causados ao meio ambiente.
Quando vários poluidores concorrem para o resultado, não importa qual deles
efetivamente agiu lesivamente, todos respondem solidariamente.
A Lei Estadual nº 9.486/91, no seu art. 8º, e o Decreto Estadual nº 38.356/98,
no seu art. 8º, §1º, positivam a responsabilidade solidária dos poluidores.
A Lei nº 6938/81 (art. 3º, IV, art. 14, §1º, e art. 18) determina que a ação
civil de reparação pode ser proposta contra o causador direto do dano, contra o
indireto ou contra ambos. Há entre eles responsabilidade solidária, porquanto,
em decorrência de lei, ambos são responsáveis pela mesma obrigação, ou seja, por
toda dívida. Incidem, no caso, os arts. 896 e 1518 do Código Civil, sendo este
último claro ao dispor: "os bens do responsável pela ofensa ou violação do
direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se tiver mais
de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação".
Tratando-se de solidariedade passiva, a dívida comum pode ser exigida, por
inteiro, de apenas um dos co-devedores, segundo dispõe o art. 904 do Código
Civil.
Assim, quer em caso de co-autoria, quer em caso de autorias paralelas
cumulativas, os agentes responderão solidariamente perante o terceiro lesado,
sem prejuízo do direito de regresso que possam exercer reciprocamente.
Feitas estas considerações, impõe-se a conclusão de que não importa que o
banhado também tenha sido contaminado pela empresa XXXX, posto que, se a XXXXXX
está concorrendo para a poluição, agravando-a, torna-se co-responsável. A
solidariedade entre os poluidores permite o ajuizamento da presente ação
cautelar contra a requerida, esclarecendo-se que a XXXXX firmou compromisso de
ajustamento, mediante o qual concordou em assumir a obrigação de não fazer,
consistente em não lançar efluentes não tratados no banhado.
III - DA LIMINAR:
Os fatos e o direito exaustivamente enunciados acima demonstram a ocorrência do
fumus boni juris e do periculum in mora, a justificar, nos termos dos arts. 4º e
11, da Lei nº 7347/85 e 799 do Código de Processo Civil, a concessão de medida
liminar, com o que garantirá a imediata realização de um diagnóstico ambiental
da área do aterro de resíduos sólidos da requerida, identificando-se as medidas
que efetivamente podem ser implementadas para evitar a contaminação do banhado e
do lençol freático. Não se pode aguardar o desfecho dos embargos, para, somente
então, prosseguir com a execução, quando os danos já terão se agravado e se
tornado irreversíveis.
Não se olvide que o dano ambiental, cujo conceito parte da qualificação jurídica
de meio ambiente e de poluição, da Lei 6938/81, caracteriza-se por sua extrema
complexidade, seu caráter difuso e autonomia em relação aos danos impostos aos
diversos elementos que integram o meio ambiente (ar, água, solo, vegetação).
Agride-se a natureza propriamente dita, na sua dimensão supra-individual e
inapropriável. Além disso, o dano ambiental reveste-se de incerteza, pois os
efeitos da contaminação são complexos e variam de intensidade e imediatez. Como
alerta LUCÍA GOMIS CATALÁ, "deve-se levar em conta que o dano ambiental afeta os
ecossistemas, provocando, ao longo do tempo, efeitos acumulativos ou de
sinergia"11. O lançamento de substâncias contaminantes no meio ambiente pode
assemelhar-se à queda de uma pedra na água, que provoca uma série de ondas que
se expandem.
Em virtude disto é que se impõem a adoção de medidas preventivas, para a
finalidade de evitar o dano. Em matéria ambiental, a prevenção, sem dúvida
alguma, é mais importante do que a reparação, que raramente é completa e tem
condições de realmente restabelecer a área degradada ao seu status quo ante.
Em casos análogos, confira-se o entendimento jurisprudencial:
"Meio Ambiente - Se demonstrados os pressupostos de concessão de liminar -
periculum in mora e fumus boni iuris - há que se concedê-la, initio litis, em
Ação Civil Pública, para que se evitem danos ao meio ambiente, de impossível ou
difícil reparação" (2ª Câmara Cível do TJSC, AI nº 4.212, Rel. Des. Volnei
Carlin, in Repertório de Jurisprudência e Doutrina sobre Liminares, Ed. RT,
1995, p. 323).
Do corpo do aresto, extrai-se a seguinte passagem, na qual o relator examina a
existência dos pressupostos necessários à concessão da medida in limine litis:
"No que concerne ao primeiro requisito ele se encontra presente, pois, a nível
de política nacional do meio ambiente vige a Lei nº 6.938/81, embora a ação
assecuratória venha disciplinada pela Lei nº 7347/85, que dispõe sobre as ações
de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, prevendo o aforamento
de medida cautelar (art. 4º) que, através de concessão de liminar, evita o dano
iminente.
Ora, o juízo emitido para a concessão da liminar indica a probabilidade de dano,
em face dos termos expressos da lei, o que atende o segundo pressuposto. Na
verdade, o periculum in mora transparece, como assinalado no despacho criticado
(fl. 11, ab initio), na prova inserta nos autos e consistente de documentos
produzidos por técnicos, de abaixo-assinado promovido pelos prejudicados (fls.
59 usque 67), levantamento fotográfico e denúncias de impresa (fls. 69/79),
inferindo-se da urgência e necessidade da medida, seja para evitar o dano
irreparável ao patrimônio público e ao de terceiros".
IV - A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA:
O cabimento da inversão do ônus da prova, tema objeto deste estudo, decorre da
transferência do risco para o potencial poluidor, no caso a requerida. Em
virtude do acolhimento da teoria do risco integral, defendida por Antônio Herman
Benjamin12, José Afonso da Silva13, Fábio Dutra Lucarelli14, Nelson Nery
Júnior15 e Édis Milaré16, dentre outros, transfere-se para o empreendedor todo o
encargo de provar que sua atividade não enseja riscos para o meio ambiente, bem
como a responsabilidade de indenizar os danos causados, bastando-se que haja um
nexo de causalidade provável entre a atividade exercida e a degradação.
A transferência de riscos impõe, portanto, duas conseqüências fundamentais. De
um lado, a imposição do ônus da prevenção dos danos, decorrência, ainda, da
aplicação do princípio da precaução17. De outro, a responsabilização civil
objetiva quando já consolidado o dano, objetivando-se a reparação integral da
degradação.
Se o ônus da prova da existência e intensidade do dano - cujo custo costuma ser
imenso ante às especificidades científicas, gerando desequilíbrio econômico -
fosse repassado ao autor da ação, via de regra não haveria como lograr o
objetivo de reparação.
Sobre o perigo de ser imposto o ônus da prova ao prejudicado, já alertava
SALVATORE PATTI: "uma visão realista do problema não pode, todavia, prescindir
da dificuldade que o indivíduo encontra no momento de fazer a prova do dano e,
às vezes, de individualizar o responsável. Em outros termos, não se deve
subvalorizar a conseqüência da disparidade de poder econômico entre quem provoca
o dano - normalmente uma empresa - e quem o sofre. É fato notório que muitas
vezes a decisão das lides ambientais é extremamente dependente dos resultados de
difíceis e custosas averiguações técnicas. Se compreende então como a
possibilidade de sucesso do indivíduo que age se reduz consideravelmente em
conseqüência do ônus probatório".18
Assim, diante do princípio da precaução e da internalização dos riscos,
inerentes à responsabilização objetiva, deverá a requerida provar a inexistência
ou irrelevância dos danos, bem como arcar com os custos para identificar o grau
da degradação ambiental e as medidas mitigadoras dos impactos que serão
necessárias. Ao Ministério Público bastará provar a potencialidade lesiva da
atividade, podendo-se presumir a ocorrência de danos futuros.
Ao lado destes argumentos, há que se destacar a possibilidade de inversão do
ônus da prova contemplada no art. 6º, inc. VIII, do Código de Defesa do
Consumidor. A propósito, FRANCISCO JOSÉ MARQUES SAMPAIO19, em monografia a
respeito da responsabilidade civil em matéria ambiental, observa que "o
princípio que norteia a inversão do ônus da prova no Código do Consumidor é, em
tese, aplicável à responsabilidade civil por danos ambientais, pois as razões
que justificam a inversão do ônus da prova são comuns em ambos os casos".
V - O PEDIDO:
Ante o exposto, requer o Ministério Público se digne Vossa Excelência conceder
liminarmente a medida cautelar, inaudita altera pars, na forma do art. 804 do
Código de Processo Civil, para a finalidade de determinar:
(a) no prazo de trinta dias, sob pena da incidência de multa diária no valor de
1000 UFIRs, a realização de um diagnóstico ambiental, nomeando-se perito
judicial, a ser custeado pela XXXXX, em virtude da inversão do ônus da prova,
com a finalidade de (1.) verificar a gravidade e a extensão dos danos ambientais
causados pelos efluentes (chorume) gerados pelo aterro de resíduos sólidos da
requerida que estão formando uma "pluma de poluição" com contaminação do lençol
freático e do banhado; (2) apontar medidas para evitar a contaminação do lençol
freático e do banhado e reparar os danos já consolidados; (3) apontar soluções
para a impermeabilização inferior do aterro de resíduos, de sorte a impedir que
o "chorume" se infiltre no solo, contaminando as águas subterrâneas.
(b) realizado este diagnóstico, seja a requerida compelida a executar as medidas
preventivas e reparatórias dos danos ambientais identificadas em igual prazo de
trinta dias, sob pena de incidência de multa diária no valor de 1000 UFIRs.
O Ministério Público requer, ainda:
(a) seja determinada a citação da requerida para contestar a presente ação, sob
pena de revelia;
(b) seja intimado o Município de Caxias do Sul, na pessoa de seu Prefeito
Municipal, para que adote providências administrativas contra a requerida, eis
que o banhado integra área verde municipal;
(c) seja intimada a FEPAM para que adote providências administrativas contra a
requerida e acompanhe a realização do diagnóstico ambiental;
(d) seja oportunizada a produção de todas as provas em direito admitidas.
(e) Ao final, seja julgada procedente a presente ação, definitivando-se a medida
cautelar, condenando-se a requerida no ônus da sucumbência.
São os termos em que pede deferimento.
Atribui-se à causa o valor de R$ 467,50.
XXXXXXXXX, 30 de junho de 2000.
Promotora de Justiça