Requerimento de quebra de sigilo bancário de Município, devido à improbidade administrativa.
EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE .....,
ESTADO DO .....
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE ............., via de seu agente ministerial,
e que esta subscreve, no uso de suas atribuições legais, vem à presença de Vossa
Excelência requerer a
QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO
em face de
MUNICÍPIO DE ............. - ...., pessoa jurídica de direito público interno,
nas contas correntes ns. ........ e ..... da Prefeitura Municipal de
............., da agência do Banco ...., pelos motivos de fato e de direito a
seguir aduzidos.
DOS FATOS
No mês de ..... do corrente ano, vários funcionários públicos do Município de
............., dirigiram-se até esta Promotoria de Defesa do Patrimônio Público,
para denunciar o não pagamento de seus salários por vários meses, apesar de
afirmarem que o Município referido continuava a perceber mensalmente as suas
receitas.
Para corroborar a assertiva, trouxeram documentos firmados pelo Secretário
Municipal de Finanças (anexos), dando conta de que, nos meses de janeiro, março
e abril do corrente ano, o Município de ............. arrecadou os valores de R$
....., R$ ......... e R$ ......., respectivamente, mas, mesmo assim, não honrou
com o pagamento dos salários dos servidores públicos, inclusive os da Educação,
que tem seus vencimentos atrelados aos repasses das verbas do .........,
específica para tal fim.Trouxeram ainda, cópia de "Acordo" firmado em ........
entre a Prefeitura de ............. e o Sindicato dos Trabalhadores Públicos
Municipais de ............. - ...... (doc. incluso), onde o Prefeito se
comprometeu a destinar toda a receita do Município ao pagamento dos servidores
públicos municipais, até a quitação das folhas em atraso.
Contudo, inexplicavelmente o acordo não fora cumprido.Após as referidas
denúncias, esta Promotoria de Justiça encaminhou ofício n. ....... ao Sr.
Prefeito de ........., requisitando-lhe informações sobre a quantidade de folhas
em atraso, além de outras sobre os funcionários da educação e os valores
percebidos pelo Município em repasse na conta ......
Apesar de devidamente recebido o ofício referido, o alcaide quedou-se inerte,
negando por omissão as informações requisitadas.
Tal conduta criminosa, que hoje já é alvo de Ação Penal Originária n. ...... no
TJ/..., que tem como relator o eminente Des. ....... (doc. anexo)
Bem se vê, pois, que cuidam-se de denúncias sérias e fundadas em documentos
idôneos, ressaindo a premente necessidade de se descobrir o verdadeiro paradeiro
do dinheiro público, mormente quando há resistência por parte do administrador
público em fornecer informações sobre as contas públicas.
DO DIREITO
De exórdio, sobreleva dizer que a competência para processar o presente feito é
da Diretoria do Foro, por se tratar de pedido de jurisdição voluntária, sem
contenção e consoante com o recentíssimo entendimento pretoriano, litteris:
MANDADO DE SEGURANÇA. SIGILO BANCÁRIO. COMPETÊNCIA. SUCEDÂNEO RECURSAL. OBJETO.
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO. FUNDAMENTO.
I- A prestação de informações preliminares acerca de movimentação bancária de
pessoa jurídica, determinada por autoridade judicial, não fulmina o objeto do
writ porque tal medida visa instruir procedimento investigatório de natureza
continuada;
II- O writ é iniciativa correta para aquele que pretende contrapor-se à ordem
judicial emanada de Juiz Corregedor e DIRETOR DO FORO, quando o pedido for
formulado em inquérito civil público;
IV- em sede de procedimento de natureza meramente investigatória como é o caso
de inquérito civil público, incabível invocar o princípio do contraditório e do
devido processo legal.
V- Devidamente fundamentado o pedido de quebra de sigilo, seu deferimento é
imperioso. Segurança denegada em definitivo.
DECISÃO: Segurança denegada, à unanimidade. (TJGO-1a. Câm. Cív.; MS n.
6774.6.101 de 26/06/96, Rel. Des. Antônio Nery da Silva) (grifos não originais)
Quanto ao procedimento para substanciar feitos desta natureza, melhor nos ensina
o julgado abaixo:
REQUERIMENTO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO E FISCAL.
Não cabem critérios privados, quando se aprecia a atividade do Ministério
Público, mormente quando de sua atuação junto ao juízo criminal. Ao Ministério
Público, por força de regramentos constitucionais e legais, é reconhecida sua
atribuição investigatória ampla, que só sofre restrições quando se depara com
interesse protegido pelo sigilo, o que lhe impõe socorrer-se do Judiciário.
Seu requerimento, nesse ponto, quando busca a quebra de sigilo de pessoas
físicas e jurídicas, é de ser encarado como providência própria de sua função
investigatória, na fase pré-processual, não se podendo compará-la a de alguém
para quem se exige o ajuizamento de ação cautelar.
Não se tratando de ação cautelar, não há que se cogitar de regras processuais
civis disciplinadoras da petição inicial, muito menos aplicáveis à petição de
ação cautelar.
Basta, para tanto, que se evidencie que o Ministério Público está a agir com
apoio em procedimento investigatório, independentemente, inclusive, de sua
natureza, porque tais procedimentos podem desdobrar-se em outros.
Incabível, assim, tolher-se a amplitude da investigação, impondo-se sua
vinculação à natureza do procedimento investigatório, que, inclusive, poderá
estar erroneamente classificado.
Sendo indeferida a postulação, sob o funda-mento de que era inepta a inicial,
com a expressa invocação do art. 295, Inc. I do CPC, não houve apreciação do
mérito do pedido, o que cumpre seja feito, sob pena de supressão de um grau de
jurisdição.
Decisão cassada, para que outra seja proferida, enfrentando-se o mérito da
pretensão. (Apelação. n. 694106972, 3a. Câm. TJRGS, Porto Alegre, Rel. Luís
Carlos Ávila de Carvalho Leite, 10.11.94) (grifos nossos)
Nesse mesmo sentido, confira-se o entendimento do STJ:O princípio do
contraditório não prevalece no curso das investigações preparatórias encetadas
pelo Ministério Público. ( STJ - RE n. 136.239, Agr. Reg. em Inq. n. 897, DJU de
24.03.95)
Do sobredito excerto extrai-se facilmente que o pedido de quebra de sigilo não
deve se render às arcaicas regras do processo de natureza contenciosa, e,
especialmente, não deve ter como pré-requisito esse ou aquele tipo de
procedimento administrativo investigatório instalado no Ministério Público,
bastando que exista uma investigação em curso.
Outrossim, não deve o Judiciário perquirir a fundo sobre a presença de indícios
ou provas cabais que justifiquem o pleito de quebra, pois ......É impossível
exercitar, ab initio, um juízo de valor da utilidade do meio de prova
pretendido, tendo em vista que ele pode ser válido ou não diante do contexto de
todas as provas que efetivamente vierem a ser colhidas. (STJ - Agravo Regimental
n. 9600000038-7/DF, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJU 16.09.96)
Contudo, o principal fundamento jurídico do pedido refere-se exatamente ao fato
de que o "SIGILO" que se pretende quebrar pertence à PESSOA JURÍDICA DE DIREITO
PÚBLICO, in casu, a Prefeitura Municipal de ..............
Ora, intenta-se aqui nada menos que o rastreamento do DINHEIRO PÚBLICO
presumivelmente "desaparecido ou aplicado indevidamente" e, em se tratando de
bem público, não há que se falar em sigilo ou segredo, afinal de contas, na
Administração Pública vige o princípio constitucional da PUBLICIDADE, que
abarca, inclusive, as suas contas bancárias.
Tanto é assim que está o Poder Público Municipal obrigado a prestar contas da
gestão da verba arrecadada, seja de qual forma for, aos Órgãos legalmente
incumbidos de fiscalização, como o Tribunal de Contas, à Câmara Municipal, bem
como ao MINISTÉRIO PÚBLICO, que tem atribuição constitucional plena de
investigação.
Até mesmo ao cidadão é lícito exigir do Poder Público Municipal o acesso às
contas públicas, conforme regra estatuída no § 3o. do art. 31 da Constituição
Federal de 1988, que obriga o Município colocá-las à disposição por um prazo de
60 (sessenta) dias. Verifique-se o texto constitucional:Art. 31.
A fiscalização do Município será exercida pelo Poder Legislativo Municipal,
mediante controle externo, e pelos sistemas de controle interno do Poder
Executivo Municipal, na forma da lei. § 3o.
As contas dos Municípios ficarão, durante sessenta dias, anualmente, à
disposição de qualquer contribuinte, para exame e apreciação, o qual poderá
questionar-lhes a legitimidade, nos termos da lei. (grifo nosso)
Em conseqüência, os dados bancários relativos às operações de interesse do
Estado (latu sensu), notadamente os indispensáveis para viabilizar o desempenho
de função constitucional de fiscalização, não estão compreendidos pelo direito à
privacidade, nos moldes definidos pelo inciso X, do artigo 5º da CF/88, já que,
como visto, a abrangência deste dispositivo somente atinge pessoas físicas ou
jurídicas de direito privado, com direito à intimidade, não sendo o caso da
Pessoa Jurídica de Direito Público, obviamente.
E nem poderia ser diferente, pois, do contrário, a função fiscalizadora das
contas públicas ficaria esvaziada, tornando-se inviável, frente à ausência de
instrumentos eficazes para a sua promoção.
Tal ilação é intuitiva, pois o legislador constituinte, ao estatuir regras para
tutela da privacidade e da intimidade, jamais iria objetivar garantir o segredo
de movimentação e gestão de dinheiro público, o que daria azo à prática
escancarada de atos de improbidade administrativa, mormente aqueles ligados à
malversação e desvio de verbas públicas, acobertados pelo manto quase que
insuperável do segredo bancário.
De mais a mais, as contas municipais não podem se constituir numa caixinha de
segredos que somente o Prefeito Municipal tem acesso.
Como ordálio do que fora verberado, pinga da pena alvissareira do Ministro
SEPÚLVEDA PERTENCE, da Excelsa Corte Suprema Brasileira, a lição que cai como
luva ao caso em co-mento, lançada no Mandado de Segurança n. 21.729-4/DF,
impetrado pelo ..... S/A contra ato do Procurador-Geral da República,
consistente em requisição deste de quebra de sigilo bancário aquele Banco.
Vejamos:... No caso, entretanto, há um dado, para mim bastante, já acentuado por
vários dos senhores Ministros: a revelação de que o mecanismo de equalização das
taxas de juros importa utilização de recursos públicos, de recursos do Tesouro
Nacional para viabilizar as questionadas operações de crédito privilegiando à
lavoura canavieira.
Há, pois, como objeto das indagações do Procurador-Geral ao ....., não operações
bancárias comuns, mas atos de gestão de dinheiros públicos.
ORA, EM MATÉRIA DE GESTÃO DE DINHEIRO PÚBLICO, NÃO HÁ SIGILO PRIVADO, SEJA ELE
DE STATUS CONSTITUCIONAL OU MERAMENTE LEGAL, A OPOR-SE AO PRINCÍPIO BASILAR DA
PUBLICIDADE DA ADMINISTRAÇÃO REPUBLICANA. (grifos propositais, não originais)
(texto em anexo)
Bem se vê que preocupou-se sobremaneira a Suprema Corte em afastar a incidência
do SIGILO BANCÁRIO sobre as contas públicas, em homenagem ao que se chamou de
PRINCÍPIO BASILAR DA PUBLICIDADE DA ADMINISTRAÇÃO REPUBLICANA, tanto que, com
dito entendimento, validou a requisição do Ministério Público Federal ao Banco
impetrante, o que, inclusive, reforça o entendimento sobre a possibilidade de
quebra de sigilo direta pelo Parquet.Num rápido lampejo e, com vistas à
descortinar sobre o que pode ser alvo de sigilo na Administração, nada melhor
que o saudoso e perfulgente mestre HELY LOPES MEIRELLES para lecionar sobre o
tema:
Em princípio, todo ato administrativo deve ser publicado, porque pública é a
Administração que o realiza, só se admitindo sigilo nos casos de segurança
nacional, investigações policiais ou interesse superior da Administração a ser
preservado em processo previamente declarado sigiloso nos termos do Dec. Federal
79.099, de 6.1.77... (in "Direito Administrativo Brasileiro", 20a. Edição, Ed.
Malheiros, pg. 86) (grifos propositais)
Portanto, as contas públicas não se incluem no rol dos atos ou documentos da
Administração que admitem sigilo.DO PEDIDO:Ex Positis e, com vistas a encontrar
subsídios e provas de possível desvio ou malversação da verba pública depositada
nas contas correntes da Prefeitura Municipal de ............., até para instruir
futura ação civil pública de improbidade administrativa, pugna-se por sua QUEBRA
DE SIGILO.
DOS PEDIDOS
Para tanto, REQUER-SE:- seja oficiado ao BANCO ......., agência única de
........., n. ...., REQUISITANDO-LHE o histórico pormenorizado (extrato) das
movimentações financeiras efetuadas nas contas correntes ns. ...., .... (......)
e .... (....), agência de ............., desde o mês de ...... de ..... até a
presente data, informando ainda se existe alguma aplicação financeira derivada
e/ou vinculada nas mencionadas contas correntes, com seu respectivo valor, tudo
isso a ser fornecido no prazo de 15 (quinze) dias úteis a este Juízo, sob pena
de incursão em crime de desobediência e no capitulado no art. 10 da Lei Federal
n. 7.347/85;-
Requer-se, outrossim, que também sejam REQUISITADAS as cópias de todos os
cheques emitidos em referidas contas e a identificação dos seus destinatários
(com vistas a saber o destino dos gastos), assim como quaisquer outras
autorizações de saques, ambos com valores superiores à R$ ......., tudo no
período de ......... de .... até a presente data, a serem enviados pelo Banco no
prazo de 20 (vinte) dias úteis, sob pena de incursão em crime de desobediência e
no capitulado no art. 10 da Lei Federal n. 7.347/85.Em busca da transparência,
da probidade e da lisura com a coisa pública.
Nesses Termos,
Pede Deferimento.
[Local], [dia] de [mês] de [ano].
[Assinatura]