ESTADO DE NECESSIDADE - PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - RECURSO E RAZÕES
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA ____ª VARA CRIMINAL DA
COMARCA DE _________
Processo-crime nº _________
Objeto: apelação de sentença condenatória e oferecimento de razões
_________, brasileiro, convivente, desempregado, católico, residente e
domiciliado nessa cidade de _________, pelo Defensor subfirmado, vem,
respeitosamente, a presença de Vossa Excelência, nos autos do processo crime em
epígrafe, ciente da sentença condenatória de folha ____ até ____, interpor, no
prazo legal, o presente recurso de apelação, por força do artigo 593, inciso I,
do Código de Processo Penal, combinado com o artigo 128, inciso I, da Lei
Complementar nº 80 de 12.01.94, eis encontrar-se desavindo, irresignado e
inconformado com apontado decisum, que lhe foi prejudicial e adverso.
ISTO POSTO, REQUER:
I.- Recebimento da presente peça, com as razões que lhe emprestam lastro,
franqueando-se a contradita ao ilustre representante do parquet, remetendo-o,
após ao Tribunal Superior, para a devida e necessária reapreciação da matéria
alvo de férreo litígio.
Nesses Termos
Pede Deferimento
_________, ____ de _________ de _____.
Defensor
OAB/UF
EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO _________
COLENDA CÂMARA JULGADORA
ÍNCLITO RELATOR
* Necessitas non habet legem. Sto. Agostinho.
RAZÕES AO RECURSO DE APELAÇÃO FORMULADAS POR: _________
Volve-se o presente recurso contra sentença condenatória editada pelo notável
julgador monocrático, em regime de exceção, da ____ª Vara Criminal da Comarca de
_________, DOUTOR _________, o qual em oferecendo respaldo parcial de agnição à
denúncia, condenou o apelante a pena de (10) dez dias multa, dando-o como
incurso nas sanções dos artigo 155 caput, combinado com o § 2º, do mesmo artigo
155, ambos conjugados com o artigo 14, inciso II, ambos do Código Penal.
A irresignação do apelante, ponto aríete da presente peça, condensa-se e
centra-se em um dois tópicos, assim delineados: num primeiro momento, reiterará
que a conduta palmilhada pelo réu, se subsume ao "estado de necessidade", causa
de exclusão da antijuridicidade, contemplada pelo artigo 24 do Código Penal;
para, num segundo e derradeiro momento, postular pela incidência do princípio da
insignificância, ao caso submetido a desate.
Passa-se, pois, a análise do pontos alvos de debate.
Segundo o relato dramático, efetuado pelo apelante em seu termo de
interrogatório de folha ____, o mesmo viu-se compelido a furtar, ante ao
situação desesperadora de que refém, eis que desempregado e faminto, procurava
algo para alimentar a si e a sua família que padecia por privações de toda
ordem.
Nas palavras literais do réu: "... bateu na casa da vítima, ninguém atendeu,
entrou no pátio abriu a tramela da garagem, onda na verdade funcionava um
depósito. O interrogando estava desempregado, tem família e queria encontrar
algumas coisa para comer..."
Em roborando a situação de extrema penúria que afligia o réu e sua família, é
o depoimento da companheira convivente deste, à folha ____, onde é enfática em
asseverar: "... Disse que quando do fato a depoente e o réu estavam passando
bastante necessidade, pois a mesma recém havia conseguido um emprego e aquele
estava desempregado. Disse que as necessidades que passavam era com relação a
comida"
Frente a tal quadro, fácil de se inferir que o apelante teve transtornado seu
estado de ânimo, e num ato extremo, impregnado de profunda comoção, arquitetou
verdadeira intentona (manobra louca e desesperada) para obtenção de estipêndio,
a qual restou malograda, frente sua inexperiência, e total ingenuidade, no orbe
delinquencial.
Em verdade, ante ao contexto fáctico vivenciado pelo apelante, não lhe era
exigível comportamento diverso, uma vez que se impunha como questão de honra,
que o genitor varão, portador de uma paternidade responsável, conseguisse no
mínimo prover sua família dos gêneros alimentícios de primeira necessidade -
afastando o expecto da morte pela inanição - mesmo que para tanto, tivesse que
vender o bem da vida de que se assenhoreou de forma efêmera, para convertê-lo em
numerário, num segundo momento.
Obtempere-se, que a sentença, aqui parcimoniosamente hostilizada, embora
reconheça e proclame a situação de extrema penúria padecia pelo recorrente, ao
tempo do fato, pretensamente delituoso, entende, que a mesma não é de per se
suficiente, para autorizar o reconhecimento da excludente legal.
Entrementes, se forem aquilatadas com serenidade, imparcialidade e
comedimento, as circunstâncias fácticas a que subjugado o recorrente, tem-se,
por inarredável, que emprestar-se trânsito a tese pelo mesmo argüida, desde a
aurora da lide.
A inexistência de pecúnio para fazer frente com as necessidade básicas de sua
família, aliado a situação funesta de encontrar-se desempregado, desencadeou no
apelante (pessoa pobre e de poucas luzes), verdadeira metamorfose em seu ser, o
qual amargou a perda do juízo crítico, e converteu-se num títere.
Acuado e premido, porquanto, toldado em sua autodeterminação, buscou,
instintivamente, como ultima ratio, furtar "em plena luz do dia", no intuito
primeiro e único de arregimentar o numerário de que tanto carecia.
Tal conduta, evidencia, de forma inconcussa, o estado de necessidade,
sopesadas, para tanto, as peculiares circunstâncias que presidiram o evento.
Aliás, de antanho, os Padres da Igreja, exortam a ter-se piedade e
comiseração, para com o indigente, uma vez que também esse possui por direito
natural, o legado sobre os bens terrenos: Ipsis litteris:
"Não deverás repelir o indigente. Terás tudo em comum com teu irmão e não
dirás que um bem é teu, porque, se se partilham os bens imortais, quanto mais
devem ser partilhados os bens passageiros" in, FÉ CRISTÃ E COMPROMISSO SOCIAL,
São Paulo, 1.983, Paulinas, 2ª edição, página 166, -Pierre Bigo sj. e Fernando
Bastos de Ávila sj.
Outrossim, registre-se, que o fato imputado ao réu, vem despido de
pontencialidade lesiva, na medida se restringe a uma pretensa tentativa de
furto, encontrando-se, pois, albergado, pelo princípio da insignificância,
apregoado pelo Direito Penal mínimo, o qual possui como força motriz, exorcizar
o delito em tela, fazendo-o fenecer, ante ausência de tipicidade.
Nesse momento, assoma imperioso o decalque de jurisprudência que jorra dos
pretórios:
"Ainda que formalmente a conduta executada pelo sujeito ativo preencha os
elementos compositivos da norma incriminadora, mas não de forma substancial, é
de se absolver o agente por atipicidade do comportamento realizado, porque o
Direito Penal, em razão de sua natureza fragmentária e subsidiária só deve
intervir, para impor uma sanção, quando a conduta praticada por outrem ofenda um
bem jurídico considerado essencial à vida em comum ou à personalidade do homem
de forma intensa e relevante que resulte uma danosidade que lesione ou o coloque
em perigo concreto" (TACRIM, ap. nº 988.073/2, Rel. MÁRCIO BÁRTOLI, 03.01.1966)
"As preocupações do Direito Penal devem se atear aos fatos graves, aos
chamados espaço de conflito social, jamais interferindo no espaço de consenso.
Vale dizer, a moderna Criminologia sugere seja ela a ultima ratio da tutela dos
bens jurídicos, a tornar viável, inclusive, o princípio da insignificância, sob
cuja inspiração e persecução penal deve desprazer o fato típico de escassa ou
nenhuma lesividade" (TACRIM, ap. nº 909.871/5, Rel. DYRCEU CINTRA, 22.06.1.995).
Conseqüentemente, a sentença gerada, por se encontrar lastreada em premissas
inverossímeis, estéreis e claudicantes, clama e implora por sua reforma, missão,
esta, reservada aos Preeminentes e Preclaros Desembargadores, que compõem essa
Augusta Câmara Secular de Justiça.
ANTE AO EXPOSTO, REQUER:
I.- Seja cassada a sentença judiciosamente buscada desconstituir,
reconhecendo-se em prol do apelante, a causa de exclusão da antijuridicidade,
estratificada no artigo 24 do Código Penal, eis implementados os requisito
legais, para sua concreção.
II.- Na longínqua e remotíssima hipótese de não ser acolhida a tese mor,
reunida no item supra, seja o réu, de igual sorte, absolvido a teor do artigo
386, inciso III, do Código de Processo Penal, face incidir na conduta pelo mesmo
testilhada, o princípio da insignificância penal.
Certos estejam Vossas Excelências, mormente o Insigne e Culto Doutor
Desembargador Relator do feito, que em assim decidindo, estarão julgando de
acordo com o direito e, sobretudo, restabelecendo, perfazendo e restaurando, na
gênese do verbo, o primado da JUSTIÇA!
_________, ____ de _________ de _____.
Defensor
OAB/UF