RECURSO E RAZÕES - FURTO SIMPLES - TENTATIVA - CRIME IMPOSSÍVEL -
PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA ___ VARA CRIMINAL DA COMARCA
DE _________________ (__).
processo-crime n.º ____________________
objeto: apelação de sentença condenatória e oferecimento de razões.
________________________, brasileiro, convivente, dos serviços gerais,
residente e domiciliado nesta cidade de ________________, pelo Defensor Público
subfirmado, vem, respeitosamente, a presença de Vossa Excelência, nos autos do
processo crime em epígrafe, ciente da sentença condenatória de folhas ________,
interpor, no prazo legal, o presente recurso de apelação, por força do artigo
593, inciso I, do Código de Processo Penal, combinado com o artigo 128, inciso
I, da Lei Complementar n.º 80 de 12.01.94, eis encontrar-se desavindo,
irresignado e inconformado com apontado decisum, que lhe foi prejudicial e
adverso.
ISTO POSTO, REQUER:
I.- Recebimento da presente peça, com as razões que lhe emprestam lastro,
franqueando-se a contradita ao ilustre integrante do parquet, remetendo-o, após,
ao Tribunal Superior, para a devida e necessária reapreciação da matéria alvo de
férreo litígio.
Nesses Termos
Pede Deferimento.
____________________, ___ de ____________ de 2.0__.
_______________________________
DEFENSOR PÚBLICO SUBSTITUTO
OAB/UF _____________.
EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO __________________.
COLENDA CÂMARA JULGADORA
ÍNCLITO RELATOR
"A verossimilhança, por maior que seja, não é jamais a verdade ou a certeza,
e somente esta autoriza uma sentença condenatória. Condenar um possível
delinqüente é condenar um possível inocente" [*] NELSON HUNGRIA, Comentários ao
Código Penal, 1981, vol. V, p. 65)
RAZÕES AO RECURSO DE APELAÇÃO FORMULADAS POR:
__________________________________
Volve-se o presente recurso contra sentença condenatória editada pela notável
e operoso julgador monocrático titular da _____ Vara Criminal da Comarca de
___________________, DOUTOR ____________________, o qual em oferecendo respaldo
de agnição à denúncia, condenou o apelante a expiar, pela pena de (05) cinco
meses e (20) vinte dias de reclusão, acrescida da reprimenda pecuniária cifrada
em (10) dez dias-multa, dando-o como incurso nas sanções do artigo 155, caput,
conjugado com o artigo 14, inciso II, ambos do Código Penal sob a clausura do
regime semi-aberto.
A irresignação do apelante, ponto aríete da presente peça, centra-se e
condensa-se em três tópicos assim delineados: num primeiro momento, advogará
pelo reconhecimento do crime impossível, visto que o réu não implementou o tipo;
num segundo momento, pugnará pelo reconhecimento, em grau de revista, do
princípio da insignificância penal; e, por derradeiro, postulará pelo expunção
da circunstância agravante da reincidência, ante sua notória
inconstitucionalidade.
Passa-se, pois, a análise, seqüencial dos pontos alvo de discussão.
1.) CRIME IMPOSSÍVEL
Segundo reluz dos elementos de prova coligidos no deambular da demanda, temos
que o delito imputado ao apelante é considerado pelo pretórios pátrios, como
crime impossível, na medida em que o recorrente foi flagrado, quando ainda se
encontrava no interior da residência da vítima, sendo que os passos do réu foram
monitorados pela última, consoante depreende-se pelo depoimento prestado por
esta à folha _____:
"... Na ocasião referida pela denúncia, o depoente chegou em casa quando viu
que o acusado estava saindo de dentro de sua residência, carregando uma
lixadeira de uma furadeira. Disse ele que tinha entrado para ir ao banheiro. Em
seguida correu, largando os objetos no lado da porta, enquanto o depoente foi
ver a sua mulher e o seu filho. Gritou para seu patrão deter o acusado, que
acabou sendo preso pela Polícia...."
"... O acusado deixou os objetos do lado de dentro da casa. Não chegou a
tirar para a rua..."
Ora, tendo a ação desencadeada pelo réu sido controlada pela sedizente
vítima, desde a primeira hora, aliado ao fato de o recorrente ter restituído os
objeto cobiçados de forma espontânea - sequer transpôs os umbrais da morada na
posse destes - tem-se, por incontroverso, que a conduta pelo mesmo encetada,
longe está de configurar o delito de furto, antes se subsume ao crime
impossível.
Frente a tal peculiaridade, inexistiu crime, por ausência de tipificação,
seguindo-se, aqui a dicção do artigo 17 do Código Penal. Neste sentido é a mais
remansosa jurisprudência que jorra das cortes de justiça:
"Crime impossível. Caracterização. Tentativa de furto onde a res esteve sob
vigilância de segurança que percebeu a ação do suspeito. Bem juridicamente
tutelado que não esteve sob risco de expropriação. (...) A tutela jurídica visa
a proteger os bens do patrimônio da vítima. Se a res esteve sob a vigilância de
‘segurança’, que percebeu a ação do suspeito, e a qualquer tempo poderia evitar
a prática delituosa, o bem juridicamente tutelado não esteve sob risco de
expropriação, tratando-se de crime impossível. A presença do funcionário não é a
de testemunhar delitos, mas evitá-los. O crime não envolve apenas a realização
típica, mas, também, a superação de meios defensivos empregados pela vítima, ou
que haja relativo sucesso na tentativa de sua consumação"(RT 750/721)
"Quando a res permanece protegida, tornando absolutamente ineficaz o emprego
adotado pelo agente, surge a figura da tentativa impossível" (JTACRIM: 64/256).
2.) PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA PENAL
Sobremais, consigne-se, que o fato imputado ao réu, vem despido de
potencialidade lesiva, na medida em que os bens da vida alvo de efêmera e
episódica detenção, sequer saíram da esfera de disponibilidade da vítima.
Nas palavra literais da testemunha compromissada ________________ à folha
____:"...".
Salta, pois, aos olhos, que a vítima não padeceu qualquer abalo em seu
tesouro, sendo pois, injusto e deletério venha o réu a sofrer as conseqüências
de um fato em si inócuo.
Aferido, pois, o contexto fáctico, o mesmo conduz ao reconhecimento do
princípio da insignificância, apregoado pelo Direito Penal mínimo, o qual possui
como força motriz, exorcizar o delito, em tela, fazendo-o fenecer, ante ausência
de tipicidade.
Nesta alheta e diapasão, assoma imperioso o decalque de jurisprudência que
jorra dos pretórios:
"Ainda que formalmente a conduta executada pelo sujeito ativo preencha os
elementos compositivos da norma incriminadora, mas não de forma substancial, é
de se absolver o agente por atipicidade do comportamento realizado, porque o
Direito Penal, em razão de sua natureza fragmentária e subsidiária só deve
intervir, para impor uma sanção, quando a conduta praticada por outrem ofenda um
bem jurídico considerado essencial à vida em comum ou à personalidade do homem
de forma intensa e relevante que resulte uma danosidade que lesione ou o coloque
em perigo concreto" (TACRIM, ap. n.º 988.073/2, Rel. MÁRCIO BÁRTOLI, 03.01.1966)
"As preocupações do Direito Penal devem se atear aos fatos graves, aos
chamados espaço de conflito social, jamais interferindo no espaço de consenso.
Vale dizer, a moderna Criminologia sugere seja ela a ultima ratio da tutela dos
bens jurídicos, a tornar viável, inclusive, o princípio da insignificância, sob
cuja inspiração e persecução penal deve desprazer o fato típico de escassa ou
nenhuma lesividade" (TACRIM, ap. n.º 909.871/5, Rel. DYRCEU CINTRA,
22.06.1.995).
Conseqüentemente, a sentença estigmatizada, por se encontrar lastreada em
premissas inverossímeis, estéreis e titubeantes, clama e implora por sua
reforma, missão, esta, reservada aos Preeminentes e Preclaros Desembargadores,
que compõem essa Augusta Câmara Criminal.
3.) DA REINCIDÊNCIA
Outrossim, inadmissível, tenha o recorrido agravada sua pena pela
reincidência, haja vista, que pelo delito anterior o réu já foi penalizado, não
podendo o mesmo expiar duas vezes pelo mesmo fato - ainda que a exasperação da
pena venha dissimulada pela agravante estratificada no artigo 61, inciso I, do
Código Penal - sob o risco de incidir-se num bis in idem, flagrantemente
inconstitucional.
Neste sentido, já decidiu o Terceiro Grupo Criminal, nos embargos
infringentes n.º 70.000.916.106, em 16 de junho de 2000 cuja ementa assoma de
obrigatória transcrição:
EMBARGOS INFRINGENTES - AGRAVAÇÃO DA PENA PELA REINCIDÊNCIA. A agravação da
pena pela reincidência, caracteriza bis in idem. Um mesmo fato não pode ser
tomado em consideração duplamente porque possibilita uma inadmissível reiteração
no exercício do jus puniendi do Estado.
Embargos acolhidos para que prevaleça o voto minoritário que afasta o
acréscimo da pena pela reincidência. Predominância dos votos mais favoráveis do
empate.
No mesmo momento, é a posição adotada pela 6ª Câmara Criminal do Tribunal de
Justiça do Estado, na apelação criminal n.º 70.000.847.699, cujo decalque
veicula-se inarredável, por ferir com maestria e propriedade a matéria submetida
a desate.
FURTO. CONSUMAÇÃO. MOMENTO. O CRIME DE FURTO SE CONSUMA, SE APERFEIÇOA,
QUANDO OCORRE A INVERSÃO DA POSSE DA RES, OU SEJA, O AGENTE PASSA A TER A
TRANQÜILA DETENÇÃO DA COISA, AINDA QUE POR CURTO ESPAÇO DE TEMPO, E LONGE DA
VIGILÂNCIA DA VÍTIMA. PENA. DOSIMETRIA. REINCIDÊNCIA. DESVALOR DE AGRAVAMENTO.
CONSIDERANDO A GARANTIA CONSTITUCIONAL DA LIBERDADE, DEVE-SE, FAZENDO UMA
RELEITURA DA LEI PENAL, APENAS DAR VALOR POSITIVO AS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DA
CONDUTA SOCIAL E PERSONALIDADE. SÓ PODEM SER CONSIDERADAS PARA BENEFICIAR O
ACUSADO, E NÃO MAIS PARA LHE AGRAVAR A PENA. E DENTRO DESTE RACIOCÍNIO, TAMBÉM
TEM-SE QUE AFASTAR O AGRAVAMENTO DA PUNIÇÃO PELA REINCIDÊNCIA. INCLUÍ-LA COMO
CAUSA DE AGRAVAÇÃO DE PENA, NÃO LEVA EM CONTA QUE O DELINQÜENTE REINCIDENTE NEM
SEMPRE E O MAIS PERVERSO, O MAIS CULPÁVEL, O MAIS PERIGOSO EM CONFRONTO COM O
PRIMÁRIO. ALÉM DISSO, MÃO PODE O PRÓPRIO ESTADO, UM DOS ESTIMULADORES DA
REINCIDÊNCIA, NA MEDIDA EM QUE SUBMETE O CONDENADO A UM PROCESSO DESSOCIALIZADOR,
DESESTRUTURADO SUA PERSONALIDADE POR MEIO DE UM SISTEMA PENITENCIÁRIO DESUMANO E
MARGINALIZADOR, DEPOIS EXIGIR QUE SE EXACERBE A PUNIÇÃO A PRETEXTO DE QUE O
AGENTE DESRESPEITOU A SENTENÇA ANTERIOR, DESPREZOU A FORMAL ADVERTÊNCIA EXPRESSA
NESSA CONDENAÇÃO E, ASSIM, REVELOU UMA CULPABILIDADE MAIS INTENSA. (09 FLS)
(Apelação Crime nº 70000847699, 6ª Câmara Criminal do TJRS, Garibaldi, REL.
DESEMBARGADOR DOUTOR SYLVIO BAPTISTA NETO. j. 27.04.2000).
Porquanto, cumpre exorcizar-se a agravante da reincidência, glosando-se da
pena-base, o mês legado (vide folha ____), afora redimensionar-se a pena
definitiva, alterando-se, por decorrência, o regime de cumprimento da pena, o
qual de semi-aberto, passará para o aberto.
ANTE AO EXPOSTO, REQUER:
I.- Seja acolhida a primeira tese esgrimida pelo réu, e por decorrência
decretada sua absolvição, forte no artigo 386, inciso III, face subsumir-se a
conduta pelo mesmo palmilhada, ao crime impossível.
II.- Na longínqua e remotíssima hipótese de não ser acolhida a tese mor,
reunida no item supra, seja o réu, de igual sorte, absolvido a teor do artigo
386, inciso III, do Código de Processo Penal, face incidir na conduta pelo mesmo
testilhada, o princípio da insignificância penal.
III.- Em qualquer circunstância, seja reputada tida e havida como
inconstitucional a majoração da pena-base, frente a reincidência, expurgando-se
da sanção corporal (1) um mês legado pela agravante, bem como alterando-se o
regime de cumprimento da pena, para o aberto.
Certos estejam Vossas Excelências, mormente o Insigne e Culto Doutor
Desembargador Relator do feito, que em assim decidindo, estarão julgando de
acordo com o direito e, sobretudo, restabelecendo, perfazendo e restaurando, na
gênese do verbo, o primado da JUSTIÇA!
____________________, em ___ de ___________ de 2.0__.
_______________________________
DEFENSOR PÚBLICO SUBSTITUTO
OAB/UF ______________.