EXCESSO DE VELOCIDADE - LESÃO CORPORAL - CULPA - DANO MATERIAL - ACIDENTE
DE TRÂNSITO - OMISSÃO DE SOCORRO
EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA ....ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE ....
AÇÃO PENAL - AUTOS Nº .../...
AUTORA: JUSTIÇA PÚBLICA
RÉ: ....
ALEGAÇÕES FINAIS PELA DEFESA
MM. Juiz:
1. Consta da denúncia que: "No dia ....., por volta das .... horas, na Av.
...., cruzamento com a Rua .... nº ...., a denunciada, dirigindo o veículo ....,
...., placas ...., colidiu com a moto ...., placas ...., dirigida pela vítima
...., o qual, em virtude da colisão, sofreu as lesões corporais graves,
descritas nos laudos periciais de fls. e fls., lesões estas que incapacitaram-no
para as ocupações habituais por mais de trinta dias. - A denunciada, segundo
consta, deu causa ao acidente, por manifesta imprudência, pois estando parada no
acostamento, sentido ...., ao movimentar seu veículo tentou fazer brusca manobra
de contorno à esquerda, sem assegurar-se de que poderia concluí-la com
segurança, interceptando em conseqüência a trajetória da motocicleta, cujo
motorista, sem ter como evitar o choque, colidiu transversalmente com o ....,
que estava 'atravessado' na pista. Faltou, portanto, a denunciada, com o dever
de cuidado exigível de todo motorista, em idêntica situação, sendo-lhe
previsível o resultado. Após o acidente, a denunciada ficou nas proximidades,
lamentando os danos materiais em seu carro, enquanto a vítima estava desmaiada
no chão, não prestando ela socorro à vítima (que só foi socorrida, cerca de dez
minutos após, por terceiros), conquanto pudesse fazê-lo sem risco para sua
segurança pessoal".
2. A defesa, nessa oportunidade, passará a demonstrar que as alegações
constantes da inicial de fls. .... e ...., divergem em totalidade da realidade
fática que exaure do substrato probatório carreado aos Autos. Atentamos para o
fato de que não houve inobservância pela ré do cuidado necessário objetivo,
posto que essa, cautelosamente, ao verificar as condições de trafegabilidade com
segurança, adentrou na pista direita e, sinalizando, passou para a esquerda,
efetuando quase por completo a conversão à esquerda, quando foi abalroada pelo
motociclo da vítima que encontrava-se desgovernado, em razão da excessiva
velocidade que empreendia. Logo, o fato delitivo imputado à Ré, descrito no §
6º, do art. 129 do CPC, é atípico.
3. Ademais, a culpa pelo acidente, que resultou lesões corporais graves (por
mais de trinta dias) à vítima, decorreu única e exclusivamente desta, que
empreendia alta velocidade em seu motociclo. Logo, está patente a culpa
consciente da vítima, por ter infringido uma norma de cuidado. O resultado
reside na atitude interior do infrator. Existe clara previsão do resultado,
assumindo este todos os riscos que a sua im-prudência poderia causar; incorrendo
em culpa grave, a qual envolveu forte dose de descaso, de temeridade e de
desatenção.
A ré, ao adentrar na pista, para convergir à esquerda, observou todas as
cautelas necessárias, para a segurança do trânsito, não obstante, agiu em
relação à vítima, calcada no princípio da confiança, que estipula que cada um
espera que os outros, no tráfego de veículos, cumpram as normas de cuidado.
Assim, era imprevisível à ré, que o motociclo conduzido pela vítima, estivesse
em velocidade excessiva, a tal ponto de desgovernar-se e vir a abalroar seu
veículo que estava quase por completo nos limites do canteiro central, para
efetuar a conversão à esquerda.
Insta salientar, que a ...., local onde aconteceu o acidente, é uma via de
grande movimento, com intensa circulação de pessoas, consistindo em um motivo
plausível e coerente para os veículos trafegarem por ela, atentando para a
velocidade máxima permitida no local.
Outrossim, cumpre mencionar que a velocidade permitida para o local é de 40
Km/h.
A jurisprudência tem sido unânime neste sentido, a saber:
"Age com imprudência crassa aquele que imprime velocidade excessiva ao
veículo incompatível com as condições do local, de molde a criar condições para
ocorrência de sinistro" (Ap. 336.451 - 8ª Câm. do TACrimSP, 1984, Rel. Jarbas
Mazzoni).
"Velocidade incompatível: é manifesta a imprudência do motorista que imprime
ao veículo velocidade incompatível com o local e as circunstâncias, dada a
previsibilidade das consequências que tal conduta pode ocasionar" (Ap. 303.497,
4ª Câm. do TACrimSP, 1984, Rel. Nelson Schiesari).
"VIA PREFERENCIAL - Cruzamento - A preferência estabelecida para a passagem
nos cruzamentos é relativa, no sentido de que nem sempre se pode ter como isento
de culpa, pelas conse-quências de colisões de veículos, o condutor daquele a que
competir a prioridade". (2 ª Câm. Crim. do TA-GB, apel. cr. nº 7.982, v. un. em
31-10-1973, rel. Raul Ribeiro, Arquivos do Trib. de Alçada da GB - 12/237).
" O excesso de velocidade, por si só, basta para definir a culpa, ainda que
outra causa tenha concorrido para o evento." (Ap. 205.615, 5ª Câm. do TACrimSP,
1980, Rel. Carlos Antoni-ni, JTACrimSP, 64:185).
O documento de fls. ...., demonstra a posição dos veículos após o impacto,
comprovando que a vítima, face a sua imprudência, pela velocidade excessiva que
empreendia em seu conduzido, veio a abalroar o veículo da Ré, quando este estava
praticamente, por completo, no canteiro central, não conseguindo aquela, manter
o controle sobre seu motociclo.
Ainda, os documentos de fls. .... a ...., corroboram as alegações retro, de
que a vítima encontrava-se em alta velocidade. Logo, assim agindo,
imprudentemente, assumiu os riscos que tal ato poderia ocasionar,
enquadrando-se, portanto, por sua atitude irresponsável, na modalidade de culpa
consciente.
Assim, é uníssono que a excessiva velocidade da vítima foi o motivo que
levou-a a desgovernar-se e abalroar o veículo da Ré, que não interceptou sua
trajetória, como alegado na Denúncia, visto que a distância que se encontrava a
moto, proporcionava a esta última tempo suficiente para realizar uma conversão
satisfatória.
Logo, não há falar-se que a Ré faltou com o dever de cuidado exigível de todo
motorista, visto que tal atitude decorreu, em verdade, da vítima, que ao
encontrar-se em alta velocidade, assumiu os riscos de que tal conduta poderia
ocasionar, sendo-lhe previsível o resultado de que poderia perder o controle de
seu conduzido e colocar outras pessoas em perigo, sendo exclusivamente sua a
culpa pelas lesões corporais sofridas, em razão do acidente a que deu causa.
Os depoimentos acostados às fls. .... e .... dos Autos, comprovam a
verdadeira autoria e culpabilidade pelas lesões corporais causadas à vítima, que
decorreu exclusivamente desta, pela sua imprudência, em conduzir seu motociclo
em alta velocidade, em via urbana, de grande movimento.
O depoimento testemunhal do Sr. ...., às fls. ...., rechaça os argumentos ora
expendidos, ao relatar: "O depoente viu que a moto vinha no sentido
bairro-centro mas estava ainda longe e daria tempo para o depoente ingressar na
pista".
Ressalte-se ainda, que referida testemunha foi a única que observou os
momentos preliminares ao acontecimento do acidente, inclusive tendo observado o
percurso da moto até a colisão. As demais testemunhas, inclusive as de acusação,
apenas avistaram o acidente, no momento do impacto, nada podendo relatar quanto
ao procedimento do condutor da motocicleta, principalmente no que concerne à
velocidade que estava.
Dessume-se, portanto, que a culpa pelo acidente provêm exclusivamente da
vítima, consistindo em um fato sofismático a condenação da Ré, por lesão
corporal culposa.
Se após as ponderações acima, restarem ainda dúvidas a Vossa Excelência de
quem tenha sido o responsável pelo acidente que causou lesões corporais à
vítima, pugna a Ré, por sua absolvição, visto que no Direito Penal inexiste
presunção de culpa.
A inteligência jurisprudencial tem se colimado com as postulações supra:
"Havendo dúvida quanto à responsabilidade dos motoristas que se chocaram em
cruzamento, absolve-se." (TACrSP, Ap. 201.283, RT 538/381).
4. No tocante à acusação de omissão de socorro, não tem cabimento tais
alegações, uma vez que desprovidas de qualquer respaldo probatório.
A Ré em momento algum omitiu socorro, logo após o acidente sua primeira
providência foi no sentido de pedir para os populares que encontravam-se no
local, que ajudassem-na a colocar a vítima em seu veículo, para que pudesse
levá-la ao hospital.
Porém, logo em seguida, parou uma picape Fiat e colocaram a vítima em sua
carroceria, visto que era um modo mais fácil de conduzi-la, uma vez que esta
poderia permanecer deitada até o hospital e sem riscos de ser colocada em má
posição.
Improcedem a acusação do Digno Representante do Ministério Público, de que
enquanto a vítima permanecia desmaiada no chão, a Ré ficou nas proximidades,
lamentando os danos materiais em seu carro.
Até o momento da vítima ser levada para o hospital, que foi logo em seguida
ao acidente, a Ré permaneceu no local, pedindo ajuda para colocar a vítima em
seu carro, para encaminhá-la ao hospital. Os documentos de fls. .... corroboram
totalmente o ora alegado.
Cabel salientar, que inexiste qualquer prova de que a Ré deixou de prestar
socorro á vítima, mesmo os depoimentos testemunhais de acusação, em nenhum
momento, relatam tal atitude, de onde conclui-se que realmente não houve omissão
de socorro por parte da Ré.
O entendimento jurisprudencial tem se firmado no sentido de que, a omissão de
socorro (qualificadora) não prevalece, se no local havia outras pessoas que
socorreram a vítima (TACrSP, Ap. 257.099, Julgados 71/313; Ap. 223.443, Julgados
67/387; Ap. 195.721, RT 543/383).
Em que pese não tenha havido omissão de socorro, ressaltamos para o fato de
que não existem provas no presente Processo da ocorrência desta, portanto, a
imputação de tal qualificadora à Ré, viria a contrariar o princípio do estado de
inocência, o qual estabelece que até prova em contrário, todos são inocentes,
ressaltando para o fato, de que não se pode presumir a culpa em matéria penal.
Ela precisa ficar provada acima de qualquer dúvida, baseada em prova concreta e
induvidosa, não podendo o agente ser condenado por deduções, ilações ou
presunções. Nesse sentido, TACrSP, Ap. 258.703, Julgados 73/274.
5. O Termo de Acordo em anexo, demonstra que não restou nenhum prejuízo
material à vítima em razão do acidente, visto que a Ré, impregnada de espírito
de solidariedade, indenizou-a de todas as despesas havidas.
Por derradeiro, se faz necessário mencionar que a Ré é primária, com bons
antecedentes, mãe de família, exímia motorista, sem nunca ter se envolvido em
outro acidente de trânsito.
6. Diante do exposto, considerando que a culpa pelas lesões corporais
causadas à vítima, em razão de acidente de trânsito, decorreram única e
exclusivamente desta e que não houve omissão de socorro por parte da Ré,
considerando ainda, o princípio do estado de inocência que não restou prejuízo
de qualquer ordem à vítima, requer a Vossa Excelência se digne em julgar
improcedente a Ação, absolvendo a Ré, com base no art. 386, VI do Código de
Processo Penal.
Nestes termos,
Pede deferimento.
...., .... de .... de ....
..................
Advogado