Habeas corpus impetrado para trancamento de ação penal, ante a falta de provas da participação do paciente em crime.
EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
AUTOS Nº .....
....., brasileiro (a), portador (a) do CIRG n.º ..... e do CPF n.º .....,
advogado(a) e bastante procurador(a) do paciente, (procuração em anexo - doc.
01), com escritório profissional sito à Rua ....., nº ....., Bairro .....,
Cidade ....., Estado ....., onde recebe notificações e intimações, vem mui
respeitosamente, nos autos de nº ....., à presença de Vossa Excelência impetrar
HABEAS CORPUS
em favor de
....., brasileiro (a), (estado civil), profissional da área de ....., portador
(a) do CIRG n.º ..... e do CPF n.º ....., residente e domiciliado (a) na Rua
....., n.º ....., Bairro ....., Cidade ....., Estado ....., pelos motivos de
fato e de direito a seguir aduzidos.
DOS FATOS
Preliminarmente, esclarece o impetrante que os fatos serão relatados de
conformidade com as peças constantes dos autos do Recurso Especial n.º
............, do Superior Tribunal de Justiça, em três volumes, cuja numeração
de folhas será objeto de remissão pelo impetrante. Cópia dos autos referidos
instruem esta impetração e neles se encontra o substabelecimento de fl. .......
do ...º volume.
Com suporte em inquérito policial não concluído, o Ministério Público Federal,
em .... de ......... de ........, ofereceu denúncia contra o paciente e seu pai,
......................., hoje já falecido, ambos então diretores da
.................Corretora......, imputando-lhes, juntamente com outros, a
prática continuada do crime definido no parágrafo único do artigo 22 da Lei n.º
4.792/86, sendo o paciente o primeiro do rol dos denunciados (fls. ..........,
1º volume).
Todavia, em ...... de maio daquele mesmo ano, o MM. Juiz Federal da ....ª Vara
da Seção Judiciária do Estado ................ rejeitou a peça acusatória, pelos
motivos que podem ser assim resumidos:
a) a denúncia não atende os requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal,
pois "não trouxe os elementos necessários à configuração do crime que lhes
imputa, com as circunstâncias que o circunvolveram para bem caracterizá-lo, tais
como, o modo como foi perpetrado e os instrumentos usados";
b) a denúncia não indica "quais os elementos indiciários em que se apóia";
c) as chamadas "fraudes cambiais" envolvendo as empresas denunciadas entre
outras, foram objeto de profunda investigação policial nos autos do inquérito
policial n.º .............." e os " Excelentíssimos Procuradores da
República,.................... ....................................., secundaram
a conclusão policial, e em promoção oferecida com a circunstanciada denúncia que
sucedeu àquele inquérito, justificaram:
"Findas as diligências policiais, não se conseguiu reunir provas capazes de
sustentar uma ação penal, em face de ................., ...........,
............... e ...................., não ficando também, conforme salientou a
autoridade policial em seu relatório, caracterizado envolvimentos dos empregados
da .....Corretora......., nem tão pouco dos dirigentes das instituições
financeiras referidas na denúncia.
Do exposto, o Ministério Público requer arquivamento do presente, em relação
aquelas pessoas, reservando-se o direito de a qualquer momento, reunindo novas
provas, aditar a inicial".
Depois de reconhecer a existência de conexão entre os fatos que são objeto do
processo anterior e os dos autos em exame, a aconselhar a junção dos processos,
concluiu o insigne magistrado pela rejeição da denúncia (fls. .............,
...º volume).
Interposto recurso (fls. ........., ....º volume) e apresentadas suas razões
(fls. .............), subiram os autos ao Tribunal Regional Federal da ......ª
Região, tendo o Ministério Público, naquela instância, emitido parecer pelo
não-provimento do recurso (fls. ..............), mas a ................ Turma
daquele Tribunal deu-lhe provimento, por acórdão assim ementado:
"PENAL E PROCESSUAL PENAL. ART. 22 DA LEI N.º 7.492/86. REJEIÇÃO DE DENÚNCIA.
- Somente nos casos previstos no artigo 43 do Código de Processo Penal é que o
juiz deve rejeitar in limine a denúncia. Se prova existe de que os denunciados
eram os dirigentes das empresas que realizaram as operações tipificadas no
artigo 22 da Lei nº 7.492/86, compete ao juiz receber a denúncia para apurar a
responsabilidade deles na prática dos atos delituosos, ainda que a exordial não
seja um primor de peça processual. - Recurso provido" (fls. ........., ....º
volume).
Também a ........ Turma do Superior Tribunal de Justiça embora tenha conhecido
do recurso especial interposto pelo paciente, negou-lhe provimento, limitando-se
a dizer que, nos delitos societários, basta "a narração genérica do delito, que
enseje o exercício da defesa" conforme precedentes do STF e do STJ (fls.
..........., .....º Volume).
Opostos embargos declaratórios, em virtude das evidentes omissões (fls.
...............), foram eles rejeitados, não obstante fosse pedida a concessão
de habeas corpus de ofício, pedido esse completamente ignorado (fls.
............).
Os acórdãos do Superior Tribunal de Justiça, que, negando provimento ao recurso
especial e rejeitando os embargos, ratificaram a decisão do Tribunal Regional
Federal da .......ª Região, são o objeto deste habeas corpus.
DO DIREITO
Quanto ao paciente e seu pai, já falecido, a denúncia, que pode ser lida às fls.
.......... do .....º Volume, se limita a dizer o seguinte:
"06. Os 2 (dois) primeiros denunciados atuaram como dirigentes da
.......Corretora....... à época dos fatos delituosos, sendo o primeiro o
acionista majoritário da empresa".
Se é certo que, nos crimes chamados societários, não é de se exigir que a
denúncia descreva pormenorizadamente a conduta participativa de cada um, não é
menos certo que não se pode admitir uma acusação que consagre mera
responsabilidade objetiva em matéria penal, como fez a denúncia em questão, já
que o paciente foi denunciado pelo simples fato de ser dirigente e acionista
majoritário da Corretora ...............
Mesmo que a denúncia tivesse imputado ao paciente alguma conduta capitulável no
artigo 22 da Lei n.º 7.492/86, que define os crimes contra o sistema financeiro
nacional, ainda assim não teria ela respaldo em nenhum indício de sua
participação nos fatos.
E é princípio comezinho de direito processual penal que qualquer denúncia deverá
estar fundamentada em elementos probatórios, ao menos indiciários, autorizadores
de sua formalização.
Denúncia, sem respaldo em elementos suficientes para gerar, ao menos, suspeita,
constitui falta de justa causa para a ação penal e, consequentemente,
constrangimento ilegal.
Na sempre atual lição de José Frederico Marques:
"Sem justa causa ou interesse processual, não pode haver acusação, e tampouco,
como é óbvio, exercício da ação penal. E em que consiste a justa causa? No
conjunto de elementos e circunstâncias que tornem viável a pretensão punitiva.
Somente quando há viabilidade da pretensão é que existe condição para
constituir-se um processo justo. Do contrário, a coação resultante da persecutio
criminis, ou do processo, será ilegal, ex vi do que preceitua o art. 648, I, do
Código de Processo Penal. De outra parte, a viabilidade da pretensão punitiva é
auferida em razão da provável existência de crime e respectiva autoria, a tornar
possível sentença condenatória" (Tratado de Direito Processual Penal, Saraiva,
São Paulo, 1980, 1ª Ed., 2º Volume, pags. 73/74).
Também, como não poderia deixar de ser, a orientação vetusta dessa excelsa Corte
é no sentido, como se vê do excerto da ementa do v. acórdão prolatado no Habeas
Corpus n.º 73.271-2, de São Paulo, Relator o eminente Ministro Celso de Mello:
"O Ministério Público, para validamente formular a denúncia penal, deve ter por
suporte uma necessária base empírica, a fim de que o exercício desse grave
dever-poder não se transforme em instrumento de injusta persecução estatal. O
ajuizamento da ação penal condenatória supõe a existência de justa causa, que se
tem por inocorrente quando o comportamento atribuído ao réu 'nem mesmo em tese
constitui crime, ou quando, configurando uma infração penal, resulta de pura
criação mental da acusação' (RF 150/393, Rel. Min. OROZIMBO NONATO)" (in DJU de
4.10.96, p. 37.100).
No caso em tela, a acusação contra o paciente, além de não ter suporte em um
mínimo de indício, ignora o enunciado da Súmula 524 desse colendo Supremo
Tribunal Federal, como adiante se demonstrará.
Nem se diga que o deslinde da questão aqui posta exige investigação probatória,
incompatível com o procedimento do habeas corpus, porquanto a recusa em examinar
os elementos de prova que serviram de suporte a uma denúncia, para se poder
concluir se existe, ou não, justa causa, redundará em irreparável ofensa à
dignidade das pessoas, decorrente da injusta submissão destas a uma ação penal,
cujo caráter constrangedor é inegável.
Vale, aqui, transcrever lição de Jorge Alberto Romeiro:
"Os pedidos de arquivamento e de absolvição não importam em renúncia nem em
desistência da ação penal. O primeiro não impede posterior denúncia (art. 18 do
Código de Processo Penal). Ao segundo não se vincula a sentença do juiz, que
pode concluir com a condenação do acusado. O contrário seria confundir a
necessidade e a irrevogabilidade da ação penal pública com os mais repugnantes
princípios de injustiça, seria, como acentua muito bem José Duarte, a 'ditadura
do Ministério Público que levaria o desassossego aos cidadãos honestos, pois
que, sistematicamente, ofereceria denúncia, acusaria qualquer indivíduo, sem
prova, sem indício de sua culpabilidade, sem positivação do crime'" (Da Ação
Penal, Forense, Rio, 1978, 2ª Ed., pág. 160 - grifos do impetrante).
Por isso, em face de uma acusação sem o mínimo de suspeita, principalmente sobre
a autoria do delito, torna-se imperativo abandonar o tabu processual consistente
na afirmação, infelizmente ainda hoje com feição de axioma, de que em habeas
corpus é vedado o exame de provas, o que levará o paciente a continuar sofrendo
um injusto e revoltante constrangimento, que fere a sua dignidade pessoal,
sequer reparável pela futura e inarredável sentença absolutória.
Mas é preciso reconhecer que essa excelsa Corte, há muito, não adota a cômoda
posição de, em casos como o presente, alegar a impossibilidade de examinar prova
em habeas corpus, bastando lembrar que o enunciado sumular n.º 524 ("Arquivado o
inquérito policial, por despacho do juiz, a requerimento do promotor de justiça,
não pode a ação penal ser iniciada, sem novas provas") traz implícito o
reconhecimento de que há necessidade de se examinar a prova em que se
fundamentou a denúncia, tal como ocorreu no julgamento do RHC 57.191-3/RJ, Rel.
Min. Décio Miranda, em acórdão unânime da 2ª Turma, que deferiu a ordem para
trancar a ação penal, após examinar a prova tida como nova e reconhecer que ela
não modificava o panorama probatório existente à época do arquivamento (RTJ
91/831).
No presente caso, o Inquérito Policial que serviu de suporte à denúncia é um dos
muitos inquéritos, fruto de mero desmembramento de outro, denominado
Inquérito-Mãe, em que se apuraram fatos idênticos, praticados em continuação
delituosa, e, como bem observou O MM. Juiz Federal de primeiro grau, são
conexos.
O próprio membro do Ministério Público Federal, autor da denúncia aqui
questionada, em completa desarmonia com seus colegas e até mesmo consigo
próprio, firmou-a em ..... de ............. de ........, quando a imprensa
escrita resolveu rememorar os fatos descobertos em .........., noticiados pelo
próprio paciente às autoridades federais da época. Instigado pelos meios de
comunicação social, o açodamento do autor da denúncia foi o responsável pelo
oferecimento desta, sem que o inquérito policial tivesse sido concluído e sem
que existisse qualquer prova nova de participação do paciente nos fatos
delituosos.
De fato, anteriormente, em ........ de ............... de ............, os
Procuradores da República, ............................, ofereceram a denúncia
que se encontra, por cópia, às fls. .........., relatando fatos delituosos que
são continuação daqueles descritos na denúncia ora questionada, figurando o
paciente, então, como testemunha, ao mesmo tempo em que os autores da aludida
peça acusatória pediram explicitamente o arquivamento quanto a ele (fl.
.........).
E mais: o autor da denúncia contra o paciente, ora impugnada, empolgado pelo
noticiário da imprensa, esqueceu-se de que, em ...... de .......... de
............, ele próprio formalizara outra denúncia sobre fatos constitutivos
de continuação delituosa envolvendo a ........Corretora ............, mas não
incluiu o paciente no rol dos denunciados, como se constata às fls.
.............
Outras denúncias há, com suporte em outros inquéritos desmembrados daquele
primeiro, em que o paciente figura, apenas, como testemunha, sendo que uma delas
descreve fatos relativos à mesma empresa fictícia ..................... Ltda.,
objeto da denúncia de que trata esta impetração (fls. ...............).
Sequer o paciente foi ouvido no inquérito que ensejou a denúncia, havendo nele
apenas cópia de declarações suas prestadas no inquérito originário, em que, como
já se demonstrou acima, houve expresso arquivamento quanto a ele. Aliás, a quase
totalidade das peças que o compõem são cópias extraídas do inquérito originário.
Sendo inquestionável a existência de conexão entre os fatos narrados na denúncia
ora impugnada e na denúncia anterior em que houve o pedido de arquivamento
quanto ao paciente, não era lícito ao Ministério Público, sem novas provas,
denunciá-lo, consoante o enunciado da Súmula 524 dessa excelsa Corte.
É interessante observar que a pressa em denunciar o paciente fez com que o autor
da denúncia só considerasse parte dos fatos em apuração naquele inquérito, fruto
de desmembramento, pois denunciou apenas os fatos relativos a guias de
importação e contratos de câmbio com o Banco .............., quando o inquérito
tratava, também, de contratos com o Banco ...................., conforme anexo
........ constante às fls. .............., do .....º Volume. Ficarão tais fatos
definitivamente arquivados, em razão do açodamento de um dos membros do
Ministério Público em denunciar o paciente, cujo nome estava, à época, nas
páginas dos jornais?
Que o Direito Penal deve ter como destinatário todos aqueles que cometem crime,
e não apenas os economicamente desprotegidos, é anseio de todos. Mas que não se
abandonem os critérios de justiça e se abuse do poder de denunciar somente
porque se trata de pessoa, cujo campo de atuação profissional é o
econômico-financeiro.
DOS PEDIDOS
Por todo o exposto, estando evidente o constrangimento ilegal imposto ao
paciente, em virtude do recebimento de uma denúncia que não tem suporte em um
mínimo de indício de sua participação nos fatos delituosos, e tendo em vista que
estes são mera continuação delituosa de outros fatos já denunciados, com relação
aos quais houve explícito pedido de arquivamento, no que tange ao paciente,
caracterizando-se, pois, a denúncia em questão como afronta ao enunciado n.º 524
da jurisprudência predominante desse Tribunal Maior, pede e espera o impetrante
a concessão da ordem de habeas corpus, para trancar a ação penal.
Nesses Termos,
Pede Deferimento.
[Local], [dia] de [mês] de [ano].
[Assinatura do Advogado]
[Número de Inscrição na OAB]