Ação direta de inconstitucionalidade pela via de exceção.
EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA ..... VARA CRIMINAL DA COMARCA DE .....,
ESTADO DO .....
PROCESSO-CRIME Nº .....
O MINISTÉRIO PÚBLICO, através de seu promotor de Justiça abaixo subscrito, vem
mui respeitosamente, nos autos em que é indiciado ....., brasileiro (a), (estado
civil), profissional da área de ....., portador (a) do CIRG n.º ..... e do CPF
n.º ....., residente e domiciliado (a) na Rua ....., n.º ....., Bairro .....,
Cidade ....., Estado ....., à presença de Vossa Excelência propor
ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE INCIDENTAL OU POR VIA DE EXCEÇÃO (CONTROLE
CONCRETO)
em face de
ART. 124 DA LEI ESTADUAL Nº12.342/94, pelos motivos de fato e de direito a
seguir aduzidos.
DOS FATOS
"Os Estados e o Distrito Federal: o Legislativo, Executivo e o Judiciário não
podem ultrapassar os limites da competência privativa reservada à União para
legislar sobre Direito Processual Civil e Penal. Ad exemplum, não há como um dos
Poderes da República delegar funções legislativas a outro para legislar sobre
Direito Processual, consoante já decidiu o Colendo Supremo Tribunal Federal, no
Recurso Extraordinário 87.728/PR." (Altamiro J. dos Santos, "Competência
Privativa à União para legislar sobre Direito Processual Civil e Penal..
Concorrente aos Estados e Distrito Federal. Tese de Inconstitucionalidade, in
Paraná Judiciário, v. 31.p.34).
"A imparcialidade do juiz, mais do que simples atributo da função jurisdicional,
é vista hodiernamente como seu caráter essencial, sendo o princípio do juiz
natural erigido em núcleo essencial do exercício da função. Mais do que o
direito subjetivo da parte e para além do conteúdo individualista dos direitos
processuais, o princípio do Juiz Natural e garantia da própria jurisdição, seu
elemento essencial, sua qualificação substancial. Sem o Juiz Natural, não há
função jurisdicional possível." (ADA PELLEGRINI GRINOVER e outros, "In As
Nulidades no Processo Penal, 5ª edição, Malheiros Editoras, 1996, pág. 41).
"A questão da inconstitucionalidade pode ser levantada nos feitos submetidos a
julgamento, a instâncias de parte, ex offício pelo Juiz e pelo Ministério
Público quando este seja parte no processo. O reconhecimento às partes de
legitimidade processual ativa para suscitarem o incidente de
inconstitucionalidade justifica-se pelo fato do incidente ou exceção ser um meio
idôneos de elas defenderem interesses subjetivos. A legitimidade processual
ativa do Juiz a quo ou do Ministério Público quando seja parte no processo
explica-se pela vinculação dos órgãos jurisdicionais aos princípios da
constitucionalidade e da unidade da ordem jurídica." (JOSÉ JOAQUIM CANOTILHO,
"In Direito Constitucional, 6ª edição, Livraria Almeidina, Coimbra - 1993, pág.
1047).
Trata-se de Procedimento Administrativo Criminal inaugurado por Auto de Infração
lavrado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (IBAMA) com o desiderato de
apurar, em todas as suas circunstâncias, crime, em tese, previsto na Lei nº
9.605/98, que dispõe sobre as sanções penais e administrativa derivada de
condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, ocorrido na Comarca
de..........................
A distribuição do presente procedimento administrativo criminal, para essa
Unidade Judicial, operou-se de forma direta, por tratar-se de Vara Privativa e
única "com jurisdição em todo o Estado", por força do dispositivo 124 da Lei
Estadual nº 12.342, de 28 de julho de 1994 (CÓDIGO DE DIVISÃO E ORGANIZAÇÃO
JUDICIÁRIA) com a Redação dada pela Lei nº 12.929, de 13/7/99, que assegura ao
Juízo da 18ª Vara Criminal, "competência privativa, para processar e julgar, com
jurisdição em todo território do Estado, os delitos cometidos contra o Meio
Ambiente".
Com efeito, preceitua o predito dispositivo Estadual:
"Art. 124 - Ao Juiz de Direito da 18ª Vara Criminal compete, ainda,
privativamente, processar e julgar, com jurisdição em todo território do Estado,
as ações decorrentes do Direito Ambiental ou Direito Ecológico destinadas a
garantir, dentre outros bens, a preservação da vida, a diversificação das
espécies a higidez ambiental e o equilíbrio ecológico, tais como as ações
penais, a ação civil pública, a ação coletiva para tutela dos interesses ou
direitos individuais homogêneos, as ações de reparação de danos pessoalmente
sofrido pelas vítimas de acidentes ecológicos, as ações coletivas de
responsabilidades civil pelos danos ambientais, as ações declaratórias de
nulidade de contratos administrativos lesivos ao meio ambiente e outras
decorrentes do Código Civil, do Código Penal, da Lei das Contravenções Penais,
de Código de Águas, do Código Florestal, do Código de Caça, do Código de Pesca,
do Código de Mineração e do Código Brasileiro do Ar."
A grande preocupação do Ministério Público, decorrente advento do destacado
dispositivo processual, situa-se nas conseqüências que o mesmo trás no sentido
de criar claramente uma "super competência processual", ao ponto de "invalidar"
ou "sepultar" à aplicação do Código de Processo Penal que, por ser uma
legislação federal, tem aplicação em todo o Território Brasileiro. Mais do que
isto, representa uma invasão de competência jurisdicional em afronta aos
princípios constitucionais do Estado Federativo (art. 1º, CF) Juiz Natural (art.
5º, LIII, CF), além de atentar contra o art. 22, inc. I, da predita Carta
Fundamental que cuida da competência privativa legislativa da União.
Tudo isso, será examinado com a máxima responsabilidade e pertinência jurídica,
à luz da Constituição Federal, das leis complementares atinentes a espécie, bem
como, aos olhos da jurisprudência, doutrina e Súmula, no decorrer da presente
Ação Incidental de Argüição de Inconstitucionalidade por Via de Exceção
(Controle Concreto).
DO DIREITO
1. DA COMPETÊNCIA LEGISLATIVA DA UNIÃO
As competências da União são dividas em legislativas e não legislativas, as
primeiras estão delineadas no art. 22 da Constituição Federal, enquanto as
últimas encontram-se elencadas no art. 21. Entretanto, ao assunto em mesa,
interessa apenas as primeiras competências.
Com efeito, o dispositivo 22 arrola as competências legislativas da alçada da
União. Cuida-se, portanto, de assunto sobre os quais compete à União
privativamente legislar. Esta é a regra. Contudo, o parágrafo único deste mesmo
artigo verbera que lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre
questões específicas das matérias relacionadas na retrocitada norma
constitucional.
Cuida-se, indubitável, de autorização constitucional que prevê uma delegação
possível de competências em prol dos Estados Membros. No entanto, essa delegação
limita-se tão-somente as questões específicas constantes das matérias
relacionadas nos incisos I a XXIX do aludido art. 22.
A despeito, oportuno é transcrever o dispositivo 22, inciso I e parágrafo único
da Carta Maior da República:
Art. 22. Competente privativamente à União legislar sobre:
"I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo,
aeronáutico, espacial e do trabalho;"
"Parágrafo único. Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre
questões específicas das matérias relacionadas neste artigo."
Observa-se à vista desarmada que no dispositivo acima transcrito estão arroladas
as principais legislações das ciências jurídicas (Direito civil, comercial,
penal, processual penal, etc) nos aspectos substantivo e adjetivo, legislações
estas aplicadas indistintamente em todo o Território Nacional.
De sua vez, o aludido parágrafo único, também, não reclama o mínimo esforço de
mente para sua interpretação, pois o mesmo não cuida de competência supletiva,
nem tampouco de competências concorrentes sobre as matérias delineadas nos
incisos do art. 22. Limita-se, portanto, as questões específicas.
Destarte, não há como confundir que caiba aos Estados Membro uma verdadeira
competência supletiva sobre esses assuntos, em decorrência da lei complementar
mencionada. Em primeiro lugar, porque a nossa Constituição adotou o sistema que
busca realizar o equilíbrio federativo, por meio de uma repartição de
competências, fundamentada na técnica de enumeração dos poderes da União, com
poderes remanescentes para os Estados e poderes definidos indicativamente para
os Municípios, com amparo nos arts. 21 e 22, 25, § 1º e 30. Porquanto delimitou
de forma explicita e exaustiva o campo de atuação de cada Entidade
Governamental.
Por outra banda, a lei admitida no parágrafo único do art. 22, não tem condão
para transferir uma competência da mesma natureza daquela auferida pela União.
Isso porque a própria lei complementar está limitada ao seu alcance, só podendo
autorizar legislação sobre questões específicas, das matérias relacionadas no
aludido dispositivo.
Conclui-se, portanto, que no caso vertente, não há de que se falar em
competências concorrentes ou competência supletiva entre a União e os Estados
Membro. Aliás, estas competências vêm explicitamente positivas no texto
constitucional legal, como é o caso do art. 24, senão vejamos: " Compete à
União, aos Estados Membro e ao Distrito Federal legislar concorrentemente
sobre:..".
Como decorre de norma da Lei Maior, o assunto acerca de matéria processual penal
é objeto de disciplinamento em legislação editada privativamente pela União. Não
podendo o Estado (Código de Divisão e Organização Judiciária) dispor ou legislar
quanto à competência em função de território (competência processual), pois,
assim procedendo será inconstitucional, por infração à exclusividade da
competência legislativa da União sobre o assunto(art. 22, I,CF).
Acerca do assunto assim tem entendido reiteradamente a Jurisprudência pátria:
"A competência em razão do território é fixada na lei federal. Cabe ao
legislador estadual distribuí-la entre os diversos Juízos da mesma
circunscrição. Assim, poderá determinar que, na Comarca da capital, as
autarquias estaduais respondem perante a Vara da Fazenda. Não, entretanto, que
naquela hajam de ser propostas todas as ações em que figurem como parte, se, de
acordo com as leis de processo, a competência deva atribuir-se a Juizes sediados
em outras circunscrições. (STJ - REsp. nº 13.649 - São Paulo (91.0016463-1) -
Rel. Min. Eduardo Ribeiro).
"PROCESSUAL CIVIL - AGRAVO REGIMENTAL - FAZENDA PÚBLICA - COMPETÊNCIA DE FORO O
ARTS. 99 E 100. CPC.
1. O Estado-membro não tem foro privilegiado, mas Juízo privativo (vara
especializada), nas causas que deva correr nas Comarca da Capital, quando a
Fazenda for Autora Ré ou Interveniente. Nas causas pertencentes a à competência
territorial de qualquer outra Comarca não pode a Lei de Organização Judiciária
atrair essas causas para o foro da CAPITAL, ARTS. 94, 99 E 100, IV, "a", CPC).
2. PRECEDENTES DA JURISPRUDÊNCIA.
3. Agravo improvido." (Ag. Reg. No AG. Nº 58.282-5-MG-(94.0033898-8) - Rel. Min.
Milton Luiz Pereira - Julg. Em 14.12.94 - Publ. DJ de 20.02.95).
Ainda, em torno da matéria em foco, relevante é transcrever trechos do
pertinente e vencedor voto da lavra do eminente Min. Milton Luiz Pereira, por
ocasião do julgamento do Recurso Especial n º 34.816-3, Minas Gerais
(94.0012601-6), "verbis":
"...As regras de competência dispostas nas Leis de Organização Judiciária dos
Estados, com cediço, não podem dispor sobre competência de foro, tão-somente de
Juízo, criando especialização de órgãos para determinada matéria ou pessoa,
porém, no mesmo foro ou Comarca. Isso porque a Competência de foro, conforme
art. 22, inciso I, da Carta da República em vigor pertence a iniciativa
legislativa exclusiva da União já que se trata, evidentemente, de norma de
Direito.
Ensina, a esse respeito, Cândido Rangel Dinamarca que...
"...A distribuição entre Vara correspondente à competência de Juízo, cuja
disciplina incumbe às leis de Organização Judiciária. Distribuição entre
Comarcas é competência de foro. Regra de competência de foro, ou territorial,
não pertence à organização judiciária, mas ao próprio Direito Processual Civil.
Por isso, estão no Código de Processo Civil (arts. 94-100). Constitui erro
pensar que, atribuindo a Lei de Organização Judiciária às Varas Fazendárias
competência para as causas em que é parte o Estado (competência de Juízo), com
isso elas tenham força para atrair essas causas para o foro da Capital. Se a Lei
de Organização Judiciária pretendesse isso, seria inconstitucional, por infração
à exclusividade da competência legislativa da União sobre o assunto..." (in RT
622/76).
Outra não é, a posição da doutrina mansa e pacífica, senão vejamos:
"No Brasil, a distribuição de competência é feita em diversos níveis
jurídicos-positivos, assim considerando numa primeira aproximação a) na
Constituição Federal, a determinação de competência de cada uma das
Justiças(competência jurisdicional) e dos Tribunais Superiores da União
(competência hierárquica e recursal); b) na lei federal (Códigos de Processo
Penal, civil, etc), principalmente as regras sobre o foro competente (Comarcas);
c) nas Constituições Estaduais, a competência hierárquica (originária e
recursal) dos Tribunais locais; d) nas leis de organização judiciária, as regras
sobre competência de juízo (varas especializadas)." (Ada Pellegrini Grinover,
Antonio Scare Fernandes e Antonio Magalhães Gomes Filho, As Nulidades do
Processo Penal, 5ª edição, Malheiros Editores, 1996, pág. 40).
Da mesma forma, entende o festejado Mestre José Afonso da Silva, em seus
comentários, ao questionado preceito da Lei Magna:
"A nossa constituição adota esse sistema complexo que busca realizar o
equilíbrio federativo, por meio de uma repartição de competências que se
fundamenta na técnica da enumeração dos poderes da União (art.21 e 22), com
poderes remanescentes para os Estados (art.25,§ 1º) e poderes definidos
indicativamente para os Municípios (art.30), em que a competência para
estabelecer políticas gerais cabe à União, enquanto se defere aos Estados e até
os Municípios a competência suplementar."
De sua vez, verbera o eminente constitucionalista CELSO RIBEIRO BASTOS:
"Praticamente tudo que foi escrito sobre inconstitucionalidade o foi
relativamente à por ação. É aquela que se caracteriza pela prática de um ato,
pela edição de uma lei ou pela materialização de um comportamento, em
antagonismo ao preceituado na Constituição. É pois uma inconstitucionalidade
positiva, cujo remédio é a sua nulificação. ("CELSO RIBEIRO BASTOS, "In Curso de
Direito Constitucional, 16ª edição, Editora Saraiva, 1995, pág. 341/342).
É evidente, como já se afirmou, que a competência para legislar sobre Direito
Processual Penal é privativa da União. A lei de Organização Judiciária local
está limitada tão-somente a legislar sobre distribuição entre Varas
correspondentes à competência de juízo(varas especializadas), e por autorização
de lei complementar, "questões específicas" (art. 22, § único, CF), não podendo,
portanto, legislar sobre competência territorial resultante da lei processual
penal (federal). Aliás, esta matéria é batida e rebatida, porquanto sumulada
pelo Venerado Superior Tribunal de Justiça. Observe-se a Súmula 206, "verbis":
"A existência de vara privativa, instituída por lei estadual, não altera a
competência territorial resultante das leis de processo."
Tudo isso, origina-se do princípio da Supremacia da Constituição, que tem como
premissa a rigidez constitucional, e é a idéia central subjacente a todos os
sistemas jurídicos modernos. De modo que a Constituição situa-se no vértice de
todo o sistema legal, servindo como fundamento de validade das demais disposição
normativas. Assim, a Carta Fundamental pátria, por ser escrita e rígida, goza de
superioridade jurídica em relação às outra leis, que não poderão ter existência
legítima se com ela contrastarem, como ocorre no caso sob exame.
Vê-se, portanto, que o dispositivo 124 da Lei Estadual nº 12.342, de 28 de julho
de 1994, com redação dada pela Lei nº 12.929, de 13/7/99, atenta,
demasiadamente, contra os princípios do Estado Federativo e do Juiz Natural
consagrados nos arts. 1º e 5º, inc. LIII, respectivamente, da Carta Magna, bem
como contra o dispositivo 22, inciso I, da predita Carta Maior que dispõe sobre
competência legislativa privativa da União, por isso, vibra de
inconstitucionalidade.
2. DO PRINCÍPIO FEDERATIVO
Indubitavelmente, o princípio do Estado Federativo esculpido no art. 1º da
Constituição é uma das vigas mestras sobre as quais se eleva o travejamento
constitucional.
A federação é a forma mais sofisticada de se organizar o poder dentro do Estado.
Ela implica uma repartição delicada de competências entre o órgão do poder
central, denominado União, e os Estados-Membros. Esta partilha de competências
entre tais entidades públicas é bastante rígida, em especial no que tange as
competências legislativas que estão explicitamente postas nos arts. 21,22, 25, §
1º e 30 da Carta Fundamental da República. Exatamente para evitar que ocorra
invasão de competência, a ponto de uma lei estadual ou mesmo federal conflitar
com uma norma constitucional ou princípio constitucional.
A pedra de toque da federação é exatamente a distribuição de poder, preservando
a autonomia dos entes políticos que a compõem para não ocorrer invasão de
competência, em especial a competência legislativa.
Com efeito, centrado no princípio federativo que consagra a autonomia das
Unidades Federadas, no Brasil, a distribuição de competências e efetivadas em
diversos níveis juridicos-positivos, dentro os tais cabe privativamente à União
legislar sobre Códigos de Processo Penal, Civil, etc, principalmente as regras
sobre o foro competente (Comarcas).
Atente-se, portanto, que quando se fala em federalismo, em Direito
Constitucional, quer-se referir a uma forma de Estado, denominada federação ou
Estado-federado, caracterizada pela união de coletividades públicas dotadas de
autonomias político-constitucional, autonomia federativa. Com efeito, no Estado
Federado as atribuições da União e das unidades federadas são fixadas na
Constituição, por meio de uma distribuição de competências. De modo que, a
invasão de competência consiste em atentar contra o princípio do Estado federado
esculpido no art. 1º do predito Diploma Maior.
Portanto, deve o princípio federativo informar o legislador infraconstitucional
que está obrigado acatar tal princípio na elaboração das leis ordinárias, bem
como os intérpretes da Constituição, a começar pelos membros do Poder
Judiciário.
Destarte, no vertente caso, o Estado (Código de Divisão e Organização
Judiciária) ao legislar matéria de competência privativa da União, indubitável,
afrontou aquele festejado princípio constitucional.
3. DO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL
Em face da competência do local da infração, surge, naturalmente, o princípio do
Juiz Natural inserido no art. 5º, inciso LIII da Constituição Federal, que
preceitua: "Ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade
competente.".
Em verdade, esse princípio constitucional corresponde à garantia de que ninguém
pode ser subtraído ao seu juiz constitucional competente. Deve ser interpretado,
portanto, como garantia do Juiz constitucionalmente competente para processar e
julgar. Não será Juiz natural, por isso, o Juiz constitucionalmente
incompetente, e o processo por ele instruído e julgado é por demais inexistente.
Ora, é por demais discrepante, se por exemplo, uma pessoa comete um crime numa
Comarca do interior do Estado do Ceara e, portanto, ser processado e julgado por
uma Vara Criminal da Comarca de Fortaleza, Comarca adversa daquela que ocorreu o
fato delituoso, a exceção dos casos decorrentes do foro privilegiado com
previsão na Carta Fundamental da República, que trata-se de competência
originária. Não tem o mínimo cabimento, nem tampouco, a mínima razoabilidade ou
lógica.
O pior é que, à luz do retrocitado dispositivo 124, ora guerreado, o Juiz da
Comarca do interior (Juiz Natural), onde se consumar crime contra o meio
ambiente, fica limitada, pois, a praticar atos processuais em torno do fato,
apenas na condição de Juiz deprecado, inclusive, a rigor, não pode sequer
arbitrar fiança. Tudo isso, em decorrência da inconstitucional competência
privativa e exclusiva, criada sem a mínima racionalidade ou critério, pelo nulo
e inaplicável dispositivo.
Relativamente ao Princípio Constitucional do Juiz Natural, o eminente e culto
Ministro CELSO DE MELO um dos maiores constitucionalistas pátrio, integrante da
2ª Turma do Excelso Supremo Tribunal Federal, na condição de relator, ao
apreciar o Habeas Corpus nº 79.865/RS, ministrou uma verdadeira, autêntica e
brilhante aula, sobre a matéria, vejamos:
"O POSTULADO DO JUIZ NATURAL REPRESENTA GARANTIA CONSTITUCIONAL INDISPONÍVEL
ASSEGURADA A QUALQUER RÉU, EM SEDE DE PERSECUÇÃO PENAL. - O princípio da
naturalidade do Juiz representa uma das mais importantes matrizes
político-ideológicas que conformam a própria atividade legislativa do Estado e
condicionam o desempenho, por parte do Poder Público, das funções de caráter
penal-persecutório, notadamente quando exercias em sede judicial. O postulante
do Juiz natural reveste-se, em sua projeção político-jurídica, de dupla função
instrumental, pois, enquanto garantia indisponível, tem por titular qualquer
pessoa exposta, em juízo criminal à ação persecutória do Estado, e, enquanto
limitação insuperável, representa fator de restrição q eu incide sobre os órgãos
do poder estatal incumbidos de promover, judicialmente, a repressão criminal.
É irrecusável, em nosso sistema de direito constitucional positivo - considerar
o princípio do Juiz natural - que ninguém poderá ser privado de sua liberdade
senão mediante julgamento pela autoridade judicial competente. Nenhuma pessoa,
em conseqüência, poderá ser subtraída ao seu juiz natural. A nova Constituição
do Brasil, ao proclamar as liberdades públicas - que representam limitações
expressivas aos Poderes do Estado - consagrou, agora de modo explícito, o
postulado fundamental do Juiz natural. O art. 5º, LIII, da Carta Política,
prescreve que "Ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade
competente."
Seguindo as mesmas pegadas estão os eminentes mestres ADA PELLEGRINI GRINOVER,
ANTONIO SCARAMNCE FERNANDES E ANTONIO MAGALHÃES GOMES FILHO, "In As Nulidade no
Processo Penal, 5ª edição, Malheiros Editores, 1996, pág. 42".
"Todavia, o juiz natural é cediço para o exercício da jurisdição. Sem ele, a
própria relação processual não pode nascer, é apenas aparente, é um
não-processo. Estamos aqui, inquestionavelmente, perante um verdadeiro
pressuposto de existência do processo, em cuja ausência não se pode falar em
mera nulidade da relação processual."
Diante do que foi exaustivamente dissecado, restou deveras esclarecido que, no
caso sob exame, aplica-se a teoria do resultado, considerando-se para os fins de
competência o lugar em que se consumou o fato criminoso. Cuida-se exatamente da
competência ratione loci, ou seja, o lugar da infração, com previsão no art. 69,
inc. I, c/c o art. 70, ambos da Lei de Ritos Penais pátria.
Ao eleger o foro do lugar da infração, o legislador federal, assim o fez com
pertinência e responsabilidade, e não por acaso, eis que levou em consideração o
princípio da racionalidade no sentido de que - o local onde foi violada a lei e,
por conseguinte, provocada a ação social, deve ser eleito como sendo o local
destinado ao julgamento do delinqüente -. Nesse lugar, seja ou não domicílio do
infrator, há maior facilidade de serem coligidos os devidos esclarecimentos e
provas necessárias. Ademais, é o lugar onde o exemplo da repressão se faz mais
imprescindível, assim pela sua impressão moral, como mesmo para satisfação do
ofendido, de seus parentes e amigos. Por último, é o Juiz do lugar fato que
conhece os pormenores que circulam aquele.
De certo, não há como pretender evitar ou sanar a gritante inconstitucionalidade
exposta no longo dispositivo 124 do Código de Divisão e Organização do Estado do
Ceará, por ferir demasiadamente os artigos 1º e 5º, inc. LIII da Carta
Fundamental da República, que cuidam dos princípios do Estado Federativo e do
Juiz Natural, além do dispositivo 22, inciso I, da sobredita Carta Maior.
Imperando-se, portanto, que seja a evidenciada norma estadual, declarada
inconstitucional, no presente fato concreto, através de via de exceção.
4. DO CONTROLE DA INCONSTITUCIONALIDADE INCIDENTAL OU POR VIA DE EXCEÇÃO
(CONTROLE CONCRETO)
No sistema constitucional brasileiro o controle jurisdicional da
constitucionalidade das leis consagra duas formas básicas, quais sejam: controle
por via de ação e o controle por via de exceção ou controle concreto.
O controle por via de exceção ou incidental, opera-se somente em caso concreto,
quando, no transcorrer de uma pretensão judiciária, uma das partes suscita, em
torno da causa, a objeção de inconstitucionalidade da lei que se lhe quer
aplicar. Com efeito, a decisão só se estende às partes litigantes ou envolvida
com o fato concreto, objeto da argüição de inconstitucionalidade.
Por outro turno, a competência para fiscalizar a constitucionalidade das leis é
reconhecida a qualquer Juiz chamado a fazer a aplicação de uma determinada lei a
um caso concreto submetida a apreciação judicial. Assim, qualquer juiz que tem
de decidir um caso concreto está obrigado, em virtude de sua vinculação pela
constituição, a examinar se as normas jurídicas aplicáveis ao caso são ou não
válidas.
Indubitavelmente, é da competência e dever do Poder Judiciário interpretar a
lei. Aqueles que a aplicam aos casos particulares devem, necessariamente,
explaná-la, interpretá-la. Se duas leis se contrariam, o Juiz deve decidir sobre
o seu âmbito de aplicação. Obviamente, se uma lei estiver em contradição com a
Constituição Federal, e se tanto uma como outra forem aplicáveis ao caso, de
modo a que o juiz tem que decidir de acordo com a Constituição rejeitando a lei,
por ser esta inconstitucional, porquanto é a Carta Magna e não a lei ordinária
que há de regular o caso a que ambos dizem respeito.
Discorrendo acerca da matéria o eminente e douto constitucionalista PAULO
BONAVIDES, In Curso de Direito Constitucional, 6ª edição, 1996, Malheiros
Editoras Ltda, págs. 273/274, ministra que:
"O controle por via de exceção, aplicado às inconstitucionalidades legislativas,
ocorre unicamente dentro das seguintes circunstâncias: quando, no curso de um
pleito judicial, uma das partes levanta, em defesa de sua causa, a objeção de
inconstitucionalidade da lhe que se lhe quer aplicar.
Sem o caso concreto(a lide) e sem a provocação de uma das partes, não haverá
intervenção judicial, cujo julgamento só se estende às partes em juízo. A
sentença que liquida a controvérsia constitucional não conduz à anulação da lei,
mas tão-somente à sua não-aplicação ao caso particular, objeto da demanda. É
controle por via incidental.
A lei que ofende a Constituição não desaparece assim da ordem jurídica, do corpo
ou sistema das leis, podendo ainda ter aplicação noutro feito, a menos que o
poder competente a revogue. De modo que o julgamento não ataca a lei em tese ou
in abstrato, nem importa o formal cancelamento das suas disposições, cuja
aplicação fica unicamente tolhida para a espécie demandada. É a chamada
relatividade da coisa julgada. Nada obsta pois a que noutro processo, possa a
mesma lei ser eventualmente aplicada."
No caso em mesa, a inconstitucionalidade do artigo 124 do referido Código de
Divisão e Organização Judiciária do Estado do Ceará, é tão notória e vibrante a
ponto de aparentar haver "revogado" os dispositivos 69, I e 70, do Código de
Processo Penal, lei federal, cuja elaboração deu-se em plena observância aos
ditames legais atinentes a espécie, em especial o art. 22, inc. I da
Constituição Federal da República.
DOS PEDIDOS
EX POSITIS, fulcrado nos dispositivos e princípios constitucionais, legislações
infra-constitucionais, Súmula, jurisprudência e doutrina invocados no decorrer
da presente postulação, o Ministério Público requer o seguinte:
1. Que a título de Questão Prejudicial seja declarado por sentença, a
inconstitucionalidade do art. 124, no sentido de considerá-la nula, negando-lhe
aplicação ao presente caso concreto, cuja decisão deve alcançar apenas e
tão-somente às partes envolvidas no procedimento administrativo criminal em
análise;
2. Em decorrência, seja aplicado a espécie a regra contida nos arts. 69, I e 70
(competência ratione loci), ambos do Diploma Processual Penal pátrio, c/c o art.
5º, inciso LIII da Constituição Federal (princípio do juiz natural),
remetendo-se, portanto, o presente feito criminal para a Comarca de TIANGUÁ,
considerada, sem dúvida, o Juiz Natural para processá-lo e julgá-lo;
3. Que seja a Excelentíssima Senhora Procuradora Geral de Justiça do Estado do
Ceará, comunicada da decisão, a fim de examinar, se deve ou não deve, em torno
dos fatos, formular Representação de Ação de Inconstitucionalidade Direta, a sua
Excelência Senhor Procurador Geral da República, - que à luz do art. 103 inciso
IV da Carta Fundamental da República, dispõe de competência para promover a
referida Ação Constitucional, junto ao Supremo Tribunal Federal -, com o
desiderato de expelir do ordenamento jurídico, a questionada norma estadual;
devendo, pois, tal comunicado, acompanhar cópia da presente postulação de
Argüição de Inconstitucionalidade por via de exceção ou incidental; e
4. Seja também encaminhada cópia da presente postulação, ao Excelentíssimo
Senhor Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça, Poder institucional este, que
dispõe privativamente, de iniciativa legislativa, no tocante a matéria de
Organização Judiciária do Estado do Ceará, com objetivo de, obviamente, em
achando conveniente, examinar o assunto em foco e, de acordo com o convencimento
daquela Augusta Corte Maior do Estado, adotar a providência legislativa cabível
a espécie.
Nesses Termos,
Pede Deferimento.
[Local], [dia] de [mês] de [ano].
[Assinatura]