Rescisão contratual cumulada com devolução de valores pagos.
EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA ..... VARA CÍVEL DA COMARCA DE ....., ESTADO
DO .....
....., brasileiro (a), (estado civil), profissional da área de ....., portador
(a) do CIRG n.º ..... e do CPF n.º ....., residente e domiciliado (a) na Rua
....., n.º ....., Bairro ....., Cidade ....., Estado ....., por intermédio de
seu (sua) advogado(a) e bastante procurador(a) (procuração em anexo - doc. 01),
com escritório profissional sito à Rua ....., nº ....., Bairro ....., Cidade
....., Estado ....., onde recebe notificações e intimações, vem mui
respeitosamente à presença de Vossa Excelência propor
AÇÃO ORDINÁRIA DE RESCISÃO CONTRATUAL COM DEVOLUÇÃO DOS VALORES PAGOS
em face de
....., pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ sob o n.º ....., com
sede na Rua ....., n.º ....., Bairro ......, Cidade ....., Estado ....., CEP
....., representada neste ato por seu (sua) sócio(a) gerente Sr. (a). .....,
brasileiro (a), (estado civil), profissional da área de ....., portador (a) do
CIRG nº ..... e do CPF n.º ....., pelos motivos de fato e de direito a seguir
aduzidos.
DOS FATOS
Conforme contrato particular de compromisso de compra e venda de imóvel, firmado
em ..../..../...., a ré vendeu à autora o apartamento ......, ......, com área
privativa de ......m2, área de uso comum de .....m2, situado na rua
............., .........., em ........
Ocorre, Excelência, que a alienação do apartamento em questão se operou mediante
contrato de adesão, redigido exclusivamente pela ré, tolhendo a autonomia
volitiva da autora, obrigando-a a aceitar inúmeras cláusulas leoninas para a
concretização do "sonho da casa própria".
Porquanto, face à dificuldade econômica em que se encontra a autora e diante das
inúmeras irregularidades constante de tal instrumento (abaixo elencadas), a
autora vem perante Vossa Excelência, solicitar a rescisão do contrato acima
citado a devolução dos valores pagos, e a nulidade das cláusulas contratuais
leoninas.
Cláusula .......
Nesta cláusula, ficou fixada, alternadamente, dois tipos de reajuste, o anual ou
"em periodicidade inferior que venha ser permitida pela legislação pertinente".
Ocorre, porém, que o consumidor deve saber exatamente a periodicidade dos
aumentos, os quais não podem ser alterados após a efetivação do contrato. A
fixação de periodicidade alternativa de aumentos de prestações caracteriza
modificação unilateral do contrato, o que é vedada pelo ordenamento jurídico
brasileiro, principalmente pelo CDC.
Cláusula ......
De acordo com o § primeiro da cláusula oitava, o saldo devedor é reajustado
mensalmente, conforme o índice pactuado. Tal não é possível, dado que da
combinação dessa atualização mensal do saldo devedor com a exigência da
atualização anual das parcelas (artigo 28 da Lei nº 9.069 de 29 de junho de
1995) é gerado um resíduo, o qual ofende os princípios fundamentais do nosso
ordenamento jurídico.
Contrário a existência desse resíduo vem decidindo os tribunais brasileiros.
Cita-se aqui, a título de exemplo, decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do
Rio de Janeiro:
"AÇÃO CIVIL PÚBLICA" - Construção Civil - Resíduo Inflacionário - Nulidade da
cláusula que o estabeleceu. (TJRJ, Proc. n.º 7.305/96 - 1ª Vara de Falências e
Concordatas, Rio de Janeiro, j. em 05.07.1996, Juiz Hélio Augusto de Assunção).
Cláusula ....
Como anteriormente exposto, a fixação de periodicidade alternativa de aumentos
de prestações caracteriza modificação unilateral do contrato, o que é vedada
pelo ordenamento jurídico brasileiro, principalmente pelo CDC.
Cláusula ......
Prevê este parágrafo a substituição do índice pactuado como indexador, caso ele
seja extinto, pelo índice que vier a medir a variação dos custos da construção
civil no ......., para a atualização do saldo devedor. Há duas irregularidades.
Uma, a já exposta acima: proibição de atualização mensal do resíduo. Duas, não é
possível adotar como parâmetro de atualização do saldo devedor, em caso de
extinção do índice pactuado como indexador, o que vier a medir a variação dos
custos e insumos da construção civil, a nível estadual, uma vez que não se pode
contratar sobre índices regionais e de pouco ou nenhum conhecimento do mutuário.
Tal disposição só favorece o contratado em prejuízo do consumidor-contratante.
Cláusula .... - da Rescisão
Esta cláusula (....) que trata da resolução contratual por inadimplência do
comprador, vem demonstrar claramente, o desequilíbrio do contrato, posto que tal
exigência não se faz à ré. Em caso de inadimplência do contrato por parte da
Vendedora, qual a penalidade para ela? No contrato não foi previsto. Determina a
lei que o contrato deve impor condições iguais para as partes e, no caso
presente, tal não foi obedecido, o que demonstra a abusividade do contrato, que
por este e outros motivos deve ser imediatamente rescindido.
Cláusula ..... -
Por esta cláusula, ocorrida a rescisão prevista na cláusula décima quarta e
décima Quinta, das quantias até então entregues à Vendedora serão deduzidas as
perdas e danos estipuladas e as custas judiciais e honorários de advogado
mencionados na cláusula vigésima sétima, atualizados monetariamente pelo índice
e critério estipulados no presente contrato.
Abatidos os valores sob os títulos acima, será feita pela Vendedora ao Comprador
a devolução do saldo remanescente, retendo em seu poder a parte resultante desse
saldo, a título de perdas e danos.
Antes da fala sobre as retenções indevidas, que deverá ser longa, passa-se a
discutir, de pronto, a respeito da obrigatoriedade de o consumidor ressarcir os
custos de cobrança de sua obrigação. Apenas a consulta ao Artigo 51, XII, do CDC
resolve a questão. Pela proibição contida nesse dispositivo legal, vê-se que a
cláusula em análise é nula de pleno direito, dado que o contrato não estabelece
igual obrigação à ré. Veja, Excelência, a clareza solar do dispositivo
mencionado:
"Artigo 51 - São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais
relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: (....); XII - obriguem o
consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual
direito lhe seja conferido contra o fornecedor".
Em relação a cláusula de decaimento, deve-se dizer que as retenções estipuladas
são exorbitantes. Elas só vêm propiciar o enriquecimento sem causa do fornecedor
em detrimento do consumidor, que se empobrece por conta da avareza criminosa da
empreendedora e vendedora.
O artigo 53 do Código de Defesa do Consumidor proíbe a perda total da
importância adiantada ao fornecedor:
"Art. 53 - Nos contratos de compra e venda de móveis ou imóveis mediante
pagamento em prestações, bem como nas alienações fiduciárias em garantia,
consideram-se nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam a perda total
das prestações pagas em benefício do credor que, em razão do inadimplemento,
pleitear a resolução do contrato e a retomada do produto alienado".
Ora, a lei considera nula a cláusula que estabeleça a perda total das
prestações, significando com isso que a empresa contratada pode reter parte do
que foi pago. Claro que contra isso ninguém se levanta. O que contraria a lei é
a retenção abusiva, que causa enriquecimento ilícito de um e o empobrecimento
injusto de outro. Em se falando em relação de consumidor, todos os valores pagos
ou retidos devem representar uma prestação. O fornecedor não pode exigir
contraprestações gratuitas, sob pena de caracterização de apropriação indébita.
Nesse particular, a jurisprudência, fruto do labor de inúmeros magistrados, dá a
medida exata do percentual a ser retido, "in verbis":
"CONTRATO - Compra e venda - Rescisão - Perda dos valores já pagos - Acolhimento
que ensejaria enriquecimento indevido, em face da ausência de prejuízo -
Cláusula leonina configurada - Verba Indevida - Recurso não provido." (Apelação
Cível no 186.199-2 - São Paulo - Apelantes e apelados: Neide Maria de Oliveira
Camargo e W.R.C. Incorporações Ltda. - RJTJESP, ED. LEX - 137/91).
"No compromisso de compra e venda com cláusula de arrependimento, a devolução do
sinal, por quem o deu, ou a sua restituição em dobro, por quem o recebeu, exclui
indenização maior a título de perdas e danos, salvo os juros moratórios e os
encargos do processo." (Súmula n.º 412 do STF)
"COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA - Rescisão - Cláusula Penal - Perdas e danos
consubstanciados na perda das quantias pagas - Pagamento de parcela substancial
do preço que a torna excessivamente onerosa para o réu - Construtora, ademais,
que lucrará com a rescisão contratual - Ofensa ao artigo 53, caput, de Código de
Defesa do Consumidor, aplicável até mesmo aos atos pretéritos, ou em julgamento
- Devolução das importâncias pagas ordenadas - Recursos providos para esse fim."
"CONTRATO - Rescisão - Cláusula penal - Perdas e danos consubstanciados na perda
das quantias pagas - Interpretação que deve ser feita em favor do aderente -
Acolhimento da cláusula, ademais, que conduziria a condenação do próprio direito
- Devolução das importâncias pagas ordenadas - Recursos próprios para esse fim."
(Apelação Cível n.º 197.165-2 - São Paulo - Apelante: Osvaldo Rodrigues -
Apelada Construtora e Administradora Taquaral S.A. - RJTJESP, Ed. LEX - 139/41)
"RESCISÃO CONTRATUAL - Contrato de Adesão e o Código de Defesa do Consumidor -
Aplicação imediata - Excessiva onerosidade da cláusula penal - Ofensa ao art.
53, caput da Lei 8078/90."
"O contrato de adesão possibilita a intervenção judicial, para a correção de
cláusulas excessivamente onerosas para a parte aderente. O Código de Proteção e
Defesa do Consumidor, cujas normas são de ordem pública e de interesse social
(art. 1o), considera nulas de pleno direito, cláusulas que estabeleçam a perda
total das prestações pagas, no caso de resolução do contrato de compra e venda
de coisa móvel ou imóvel, por inadimplemento do comprador (art. 53). Esta
disposição, por ser de ordem pública, aplica-se aos contratos anteriores ao
referido estatuto legal, de forma a nulificar a cláusula do contrato que
estabelece a perda". (TJSP - Ap. Cível 197.165-2/3 - SP - 11a Câm. Civil Rel.
Des. Pinheiro Franco - j. 22.10.92 - m. v.)
"Aplicam-se as normas do Código de Defesa do Consumidor aos contratos de
execução diferida, não obstante ter sido pactuado antes da vigência deste
diploma legal - art. 1o. Improcedem o pedido de perdas das parcelas pagas,
porque nula é a cláusula contratual que a estabelece, face a sua abusividade". (TJDF
- Ap. Cível 31.902/94 - DF - 3a T. - Rel. Des. Nancy Andrighi - j. 16.05.94 - m.
v.)
"Ainda que pactuada anteriormente à vigência do Código de defesa do Consumidor,
a cláusula penal que estipula a perda de todas as importâncias pagas é
draconiana e deve ser reduzida aos seus limites, perdendo o promissário
inadimplente apenas o sinal, assegurando o seu direito de reaver as demais
quantias, corrigidas após o desembolso e com juros de 6% ao ano, a partir da
citação". (Ac. Da 4a Câm. Civ. Do TAMG - Ap. Civ. 158.893-4 - Rel. Juiz Jarbas
Ladeira - j. 6.10.93).
"Eficácia na resolução. Desfazendo a relação contratual e os seus efeitos, a
resolução determina o retorno ao estado anterior, inclusive a devolução das
parcelas do preço já pagas, exceto o sinal, por força de expressa norma legal
(CC, art. 1097)". (RT 653/193).
Neste diapasão, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça perfilhou este
entendimento, proscrevendo quaisquer cobranças ou retenções aleatórias. Ademais,
estabeleceu o índex de 10% do valor quitado como suficiente para suprir
eventuais despesas da incorporadora. Como exemplo trazemos à colação os
seguintes julgados: Resp. 59.524-DF, Resp. 51.019-SP e Resp. 45.511-SP.
Em relação ao limite de 10% (dez por cento), assim já se pronunciou a 1a Turma
Recursal dos Juizados Especiais Cíveis do Estado do Rio Grande do Sul, no
processo 011968.7592.4, onde foi relator o Juiz Claudir Fidelis Faccenda:
"É aceita a cláusula penal ou redutor válido para a retenção de parte dos
valores recebidos em contratos de compra e venda de imóveis em prestações, desde
que em percentual não superior a 10%, limite imposto pelo CDC".
Não faz sentido o argumento das incorporados de que o contratante que deu causa
à rescisão deve arcar com os gastos com advogado, corretor, publicidade,
intermediação e pagamento de administradora, dado que esses valores já são
estipulados na planilha de custo da obra, não podendo esses valores serem
cobrados em duplicidade. Por outro lado, quem contrata esses profissionais é que
deve arcar com ônus da contratação e procurar elaborar com eles avenças que não
venham a prejudicar os consumidores. Demais a mais, o risco do empreendimento
deve ser do fornecedor-comerciante e não do consumidor.
In casu, cumpre frisar que a retenção aleatória, na hipótese de resolução por
parte do consumidor, desconfigura o equilíbrio contratual, atribuindo inúmeras
vantagens à incorporadora. Porquanto, irrefragável a ilação de locupletamento
ilícito, visto que ao empreendedor nenhum prejuízo resulta. Patente é a ofensa
ao inciso II, do art. 51 do CDC, in verbis:
"Art. 51 - São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais
relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
(...)
II - subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos
previstos neste Código".
Ademais, mesmo que a negativa de devolução se desse a título de cláusula penal,
por ser leonina não poderia prevalecer, pois:
"Não há que se falar em obrigatoriedade do contrato, posto que o CDC, pela
supremacia, se sobrepõe à autonomia da vontade, ao considerar, em seus artigos
51, II, IV e XV e 53, ineficazes de pleno direito, porque abusivas as cláusulas
penais estipuladas em contrato de adesão, consolidando, com isso a proteção
jurisdicional ao economicamente mais fraco". (Acórdãos do Tribunal de Justiça da
Bahia, Recurso Civil, In Revista do Consumidor, órgão oficial do Brasilcon, n.º
17, pág. 243/244, janeiro/março - 1996).
Por sintetizar a explanação em epígrafe, transladou-se a ementa proferida na
Apelação Cível no 31.170, apreciada pela Segunda Turma Cível do Tribunal de
Justiça do Distrito Federal:
"I - Correta é a sentença que inadmite cláusula que atribui a uma das partes
vantagens desmesuradas, concedendo-lhe lucros desproporcionais em relação à sua
contraprestação contratual.
II - O princípio da autonomia da vontade não pode estabelecer uma compensação de
perdas e danos que, produza, em lugar de uma justa reparação, um enriquecimento
sem causa.
III - Sentença confirmada. Apelação desprovida".
Seja a título de cláusula penal, seja a título de perdas e danos, os tribunais
brasileiros, inclusive o Superior Tribunal de Justiça, admite a retenção de
apenas 10% do valor pago. Cabendo salientar que alguns tribunais, em caso
concreto, não tem admitido retenção alguma, por entenderem que qualquer
percentual de retenção ocasionaria enriquecimento ilícito.
Assim, pelas decisões que vêm sendo tomadas pelos tribunais, deve-se firmar que
a retenção permitida pelo artigo 53 do Código de Defesa do Consumidor é de 10%
do valor já pago, que é a quantia mais que suficiente para saldar eventuais
gastos despendidos pela incorporadora e administradora.
Ainda, o contrato, mediante esta cláusula, prevê que, em caso de resolução, as
quantias pagas somente serão devolvidas em parcelas mensais e em número idêntico
ao de prestações quitadas, devidamente corrigidas, a partir de 30 dias da
rescisão, deduzidas as reduções fixadas.
Há aqui flagrante ofensa ao direito do consumidor. Ora, se eventuais prejuízos
da vendedora já são abatidos no próprio ato da rescisão, não há motivo para
reter o capital (a não ser a avidez materialista da requerida), vedado que é o
enriquecimento ilícito em nossa grei. Portanto, deduzidas as despesas, a quantia
restante deve ser devolvida de imediato, devidamente corrigida e acrescida dos
juros legais.
Isso sem contar que a ré já trabalhou com o capital da autora por um bom tempo,
aumentando, assim, seu patrimônio.
CLÁUSULA ..... :
Esta cláusula (29ª) demonstra mais uma vez, claramente, o desequilíbrio do
contrato, posto que tal exigência não se faz à ré. Em caso de "recomendações,
solicitações ou manifestações" por parte da Vendedora, qual a exigência imposta
a ela? No contrato não foi previsto .
DO DIREITO
Determina a lei que o contrato deve impor condições iguais para as partes e, no
caso presente, tal não foi obedecido, o que demonstra a abusividade do contrato,
que por este e outros motivos deve ser imediatamente rescindido.
Tanto no direito pátrio quanto no direito estrangeiro é proibido o uso de
cláusulas abusivas em contratos de relação de consumo, em ambos os direitos a
conseqüência do uso desse tipo de cláusulas é uma só: o reconhecimento de sua
nulidade.
Sobre o assunto, a doutrina lusitana dispõe:
"O consumidor deve ter em atenção a possibilidade de serem inseridas, neste tipo
de contratos, cláusulas abusivas, isto é, formuladas de tal forma que obriguem
os consumidores contra a própria vontade, contra os seus interesses ou mesmo em
violação de normas legais.
As cláusulas proibidas são nulas, ou seja, não produzem qualquer efeito válido e
qualquer interessado pode invocar essa nulidade, a todo o tempo, perante o
fornecedor ou perante os tribunais. (....).
Por outro lado, as cláusulas que normalmente passem despercebidas, ou pela
epígrafe enganosa ou pela especial apresentação gráfica (por, exemplo, em
caracteres reduzidos), não geram também quaisquer obrigações para o consumidor.
Proibição de utilização das cláusulas abusivas:
A lei oferece outro caminho, visando já não tanto o seu contrato em particular,
mas a proibição da utilização de cláusulas abusivas em qualquer contrato.
No direito brasileiro, o Artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor dispõe que
são nulas de pleno direito, não produzindo qualquer efeito, as cláusulas
abusivas.
Inegável a ingerência do princípio da autonomia da vontade no direito
contratual. Tal asserção, aliás, integra o próprio contexto evolutivo da livre
iniciativa e da liberdade mercantil, cujo pressuposto vestibular é igualdade das
partes.
Se de um lado sazonaram os regulamentos acerca do "pacta sunt servanda", não
menos certo é que estes devem ser analisados com extrema desconfiança, mormente
quando a ferir interesses coletivos e homogêneos.
Indubitavelmente, esta máxima cede diante do interesse público na subjugação do
equilíbrio nas relações de consumo. Ausente este requisito, iníquo qualquer
dispositivo pactuado.
A maioria das transações imobiliárias opera-se através da assinatura de
documentos nefastos, cujo conteúdo encerra patente agressão aos ditames legais,
quer omitindo cláusulas essenciais, quer limitando direitos por lei assegurados.
São os chamados contratos de adesão, ardil predileto dos gananciosos, onde não
há vez para as exigências dos consumidores. Sua previsão legal encontra-se
positivada em nosso CDC, no art. 54, "caput", in verbis:
"Art. 54 - Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas
pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de
produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar
substancialmente seu conteúdo".
Assim, como bem salienta Leonardo Roscoe Bessa, Promotor de Justiça do Distrito
Federal,
"é utópico falar-se nesta área em liberdade contratual e autonomia da vontade.
Não há qualquer espaço para expressão da vontade do consumidor. O propalado 'pacta
sunt servanda' deve ser olhado com forte desconfiança. E, ainda, depois de
'celebrado' o contrato, havendo divergência quanto à legalidade de alguma
cláusula, caberá a ele o 'ônus' de acionar a empresa, já que esta tem sempre a
posse antecipada de parte do preço".
Ora, como bem se explicitou, não há que se questionar o desequilíbrio existente
no caso sub judice. Embaídas por uma lábia extremamente sedutora, várias pessoas
confiaram suas reservas patrimoniais à administração da requerida, na esperança
de adquirir um imóvel residencial.
Deste modo, estando repleto de cláusulas restritivas e ajustes leoninos, a
reformulação e a nulidade das cláusulas contratuais impõe-se de forma soberana.
Na Apelação Cível n.º 213.070 - 1, onde foi Relator o Juiz Duarte de Paula, a 3a
Terceira Câmara do TRIBUNAL DE ALÇADA DE MINAS GERAIS, analisando a existência
de cláusulas abusivas em contratos de adesão, assim decidiu:
"A lei veda a imposição destas cláusulas, mormente quando utilizadas em
contratos de adesão, onde a superioridade econômica e jurídica de uma das partes
leva a imposição de todas as cláusulas do negócio sem qualquer possibilidade de
discussão da parte mais fraca. A esta cabe somente aderir ou não aderir ao
contrato, como um todo, sem previsão alguma de negociação para efeito de acordo,
já que o contrato lhe é apresentado pronto, estereotipado, alheio a qualquer
restrição humana, fato que compromete sobremaneira o prestígio da autonomia da
vontade". (Ac. Da 3a Câm. Civ. Do TAMG - ApCiv 213.070 - 1 - rel. Juiz Duarte de
Paula - j. 15.05.1996 - v.u.)
Na atual fase de globalização, bem assim da corrida tecnológica averiguada nos
diversos métodos de produção, é o consumidor o alvo imediato das ávidas
concentrações capitalistas. A peça mais frágil nesta execrável corrente de
dominação econômica.
Outrossim, a Constituição Federal e o Código do Consumidor, como instrumentos da
Justiça que são, patrocinam arrimo ao consumidor indefeso, esbulhado em seus
direitos, proporcionando o acesso àquilo que lhe é próprio. Altercando sobre sua
hipossuficiência, reza o artigo 4o deste Códex:
"Art. 4o - A política Nacional de Relações de Consumo tem por objetivo o
atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde
e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua
qualidade de vida, bem como a transferência e harmonia das relações de consumo,
atendidos os seguintes princípios:
I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo".
À Magistratura incumbe zelar por relações sociais harmônicas, bem assim
propugnar pelo equilíbrio ora inexistente, expungindo do contrato todas as
cláusulas abusivas. Nos termos da lei protetiva, principalmente no que dispõe
seu artigo 51:
"Artigo 51 - São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais
relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por
vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou
disposição de direitos. Nas relações de consumo entre fornecedor e o consumidor,
pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis;
II - subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos
previstos neste Código;
(....);
IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquias, abusivas, que coloquem o
consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a
eqüidade;
(....);
VIII - imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico
pelo consumidor;
(....);
X - permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de
maneira unilateral;
(....);
XII - obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação,
sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor;
XIII - autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a
qualidade do contrato, após sua celebração;
(....);
XV - estejam em desacordo com o sistema de proteção do consumidor;
XVI - possibilitem a renúncia do direito de indenização por benfeitorias
necessárias.
§ 1º - Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que:
I - ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence;
II - restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do
contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou o equilíbrio contratual;
III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a
natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias
peculiares ao caso.
"Artigo 52 - No fornecimento de produtos ou serviços que envolva outorga de
crédito ou concessão de financiamento ao consumidor, o fornecedor deverá, entre
outros requisitos, informá-lo prévia e adequadamente sobre:
I - preço do produto ou serviço em moeda corrente nacional;
II - montante dos juros de mora e da taxa efetiva anual de juros;
III - acréscimos legalmente previstos;
IV - número e periodicidade das prestações;
V - soma total a pagar, com e sem financiamento.
§ 1º - As multas de mora decorrentes do inadimplemento de obrigações no seu
termo não poderão ser superiores a 2% (dois por cento) do valor da prestação.
(Nova redação dada pelo Art. 1º da Lei n.º 9.298, de 1/08/96).
Pontifica Nelson Nery Júnior que
"Por sistema de proteção ao consumidor há de se entender não apenas o Código de
Defesa do Consumidor, mas, também, aqueles diplomas legais, que, indiretamente,
visem a proteção do consumidor, entre os quais pode-se citar a Lei de Economia
Popular (Lei 1.521/51)".
Em comentários a esta Lei, Nelson Hungria declara guerra aos dardanários,
profiteurs e burlões, que não sabem acomodar seu próprio interesse com os do
público, desconhecendo que direito algum pode ser exercido em contraste com o
princípio da solidariedade social.
Assevera, ainda, o jurisconsulto:
"As ávidas concentrações capitalistas, o arbítrio dos interesses individuais
coligados, a opressão econômica, a artificial desnormalização dos preços, os
lucros onzenários, o indevido enriquecimento de alguns em prejuízo do maior
número, as arapucas para a captação do dinheiro do povo, as cláusulas leoninas
nas vendas a prestações, o viciamento dos pesos e medidas, e, em geral, as
burlas empregadas em detrimento da bolsa popular já não poderão vingar
impunemente".
Neste sentido torna-se imprescindível a atuação jurisdicional a fim de repelir
as cláusulas abusivas, retificar as imperfeições contratuais, bem como suprir as
omissões verificadas, restabelecendo o equilíbrio nas relações de consumo.
DOS PEDIDOS
Ante o todo acima exposto, face a difícil situação econômica enfrentada pela
autora, bem como, das inúmeras cláusulas leoninas constantes do presente
Contrato Particular de Compromisso de Compra e Venda de Imóvel, requer:
a) a citação da ré, na pessoa do seu representante legal, através de mandado, no
endereço declinado, para apresentar a defesa que desejar;
b) a rescisão do presente contrato, ante a dificuldade econômica enfrentada pela
autora, a qual não pode mais dar continuidade aos pagamentos estipulados em tal
instrumento, sendo devolvido de imediato os valores já pagos, devidamente
corrigidos e acrescidos dos juros legais.
c) a nulidade das cláusulas contratuais ....... e seus parágrafos, em face das
ilegalidades existentes, extirpando-as do contrato, nos termos do Artigo 51 e
incisos do CDC,
d) que a retenção permitida, seja àquela disposta pelo artigo 53 do Código de
Defesa do Consumidor (10% do valor já pago), que é a quantia mais que suficiente
para saldar eventuais gastos despendidos pela ré.
e) contestada ou não, sejam os pedidos julgados procedentes com a declaração da
rescisão do contrato havido entre as partes e a devolução imediata dos valores
já pagos, observando a retenção permitida pelo art. 53 do CDC, conforme
fundamentação, condenando ainda a ré, ao pagamento das custas processuais e
honorários advocatícios;
A autora pretende provar o alegado através de todos os meios de prova em direito
admitidos, inclusive o depoimento pessoal do representante legal da ré e
inquirição das testemunhas, caso necessário.
Dá-se à causa o valor de R$ .....
Nesses Termos,
Pede Deferimento.
[Local], [dia] de [mês] de [ano].
[Assinatura do Advogado]
[Número de Inscrição na OAB]