Interposição de ação civil coletiva de indenização por parte do PROCON, pleiteando a devolução de valores pagos em consórcio, ante desistência, com a devida correção monetária.
EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA .... VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE
.....
A COORDENADORIA ESTADUAL DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR - PROCON/...., órgão
da administração pública direta do Estado, pertencente à SECRETARIA DE ESTADO DA
JUSTIÇA E DA CIDADANIA - SEJU, instituída pela Lei nº 9609/91 e regulamentada
pelo Decreto nº 609/91, neste ato representada por .... (qualificação), por seus
advogados ao final assinados (também integrantes do PROCON/PR), vem mui
respeitosamente ante Vossa Excelência propor
AÇÃO CIVIL COLETIVA DE INDENIZAÇÃO
em face de
....., pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ sob o n.º ....., com
sede na Rua ....., n.º ....., Bairro ......, Cidade ....., Estado ....., CEP
....., representada neste ato por seu (sua) sócio(a) gerente Sr. (a). .....,
brasileiro (a), (estado civil), profissional da área de ....., portador (a) do
CIRG nº ..... e do CPF n.º ....., pelos motivos de fato e de direito a seguir
aduzidos.
DOS FATOS
PRELIMINARMENTE
DA LEGITIMIDADE ATIVA DO PROCON
O Código de Defesa do Consumidor - Lei nº 8078/90 - pretendeu estender a várias
entidades a possibilidade de promover a Defesa dos Interesses e/ou Direitos dos
Consumidores a fim de garantir instrumentos céleres e eficazes para a resolução
das violações que, por certo, ocorrem no dia a dia.
Para tanto, e dentro da filosofia do CDC, ao PROCON/.... foi conferida
legitimidade para que efetuasse a defesa dos interesses e/ou direitos dos
consumidores em juízo a título coletivo, conforme dispõe o artigo 82 do CDC.
Vejamos:
"Artigo 82: Para o fim do artigo 100, parágrafo único, são legitimados
concorrentemente:
I - ....
II - ....
III - As entidades e órgãos da administração direta ou indireta, ainda que sem
personalidade jurídica, especificamente destinados à Defesa de Direitos
Protegidos por este Código;"
Cabe ressaltar que a remissão feita pelo artigo 82, de maneira como se encontra
grafada, não corresponde à realidade, tratando-se de
"EVIDENTE ERRO NA REMISSÃO": "O ARTIGO 81, PARÁGRAFO ÚNICO É O DISPOSITIVO
CORRETO. É MANIFESTO O ERRO TIPOGRÁFICO, SENDO CORRETO REMISSÃO AO ARTIGO 81,
PARÁGRAFO ÚNICO, QUE CUIDA DA TUTELA COLETIVA DOS INTERESSES E DIREITOS DOS
CONSUMIDORES". (IN CÓDIGO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, 3º EDIÇÃO, EDITORA
FORENSE UNIVERSITÁRIA, 1993, PÁG. 508 E 509).
Por sua vez, o artigo 81 do CDC possui a seguinte redação:
"A DEFESA DOS INTERESSES E DIREITOS DOS CONSUMIDORES E DAS VÍTIMAS PODERÁ SER
EXERCIDA EM JUÍZO OU INDIVIDUALMENTE, OU A TÍTULO COLETIVO.
PARÁGRAFO ÚNICO - A DEFESA COLETIVA SERÁ EXERCIDA QUANDO SE TRATAR DE:
I - ....
II - INTERESSES OU DIREITOS COLETIVOS, ASSIM ENTENDIDOS, PARA EFEITOS DESTE
CÓDIGO, OS TRANSINDIVIDUAIS DE NATUREZA INDIVISÍVEL DE QUE SEJA TITULAR GRUPO,
CATEGORIA OU CLASSE DE PESSOAS LIGADAS ENTRE SI OU COM A PARTE CONTRÁRIA POR UMA
RELAÇÃO JURÍDICA BASE;
III - INTERESSES OU DIREITOS COLETIVOS, ASSIM ENTENDIDOS OS DECORRENTES DE
ORIGEM COMUM."
A situação fática, objeto da presente medida judicial, caracteriza-se por ser
uma violação a direitos individuais homogêneos de todos os adquirentes de planos
de consórcio com a requerida, quando da desistência do grupo ou da
impossibilidade de pagamento das prestações.
Neste sentido, aponta o magistério de KATSUO WATANABE, registrado no libro
"CÓDIGO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR COMENTADO PELOS AUTORES DO
ANTEPROJETO", enquadra-se na categoria de direitos individuais homogêneos
aqueles "DECORRENTES DE ORIGEM COMUM, PERMITINDO A TUTELA DELES A TÍTULO
COLETIVO".
Ainda, segundo WATANABE, "ORIGEM COMUM NÃO SIGNIFICA NECESSARIAMENTE UMA UNIDADE
FACTUAL OU TEMPORAL".
A origem comum dos contratos de adesão firmados entre os consumidores com a
administradora de consórcio é muito clara, estando este órgão habilitado a
buscar a tutela coletiva para defender os direitos a eles inerentes.
DO MÉRITO
DOS FATOS
Desde a sua criação, o PROCON/.... tem recebido diversas reclamações a respeito
da não devolução dos valores pagos corrigidos monetariamente, por parte das
administradoras de consórcios, aos consorciados/consumidores que porventura
desistiram ou tornaram-se inadimplentes em seus respectivos grupos.
Diante desta situação, o PROCON/.... procurou intermediar um acordo entre a
requerida e os consumidores a fim de que a devolução dos valores pagos fosse
feita em condições previamente acordadas, evitando, desta forma, demanda
judicial.
Infelizmente a requerida não manifestou disposição no sentido de devolver os
valores pagos, recusando-se a firmar qualquer tipo de acordo, pretendendo tão
somente devolver os valores pagos sem correção monetária.
É importante ressaltar que, o alto índice de desistência e inadimplência dos
consórcios se deve aos planos que atingiram a ordem econômica, onde os preços
dos veículos dispararam, superando inclusive a inflação, o que não ocorreu com
os salários dos consumidores.
Diante do posicionamento da requerida, a expressiva quantidade de consumidores
que estão sendo prejudicados, e esgotados todos os meios sucessórios para
composição entre as partes, o PROCON/.... busca a tutela jurisdicional, a fim de
amparar juridicamente a pretensão dos consumidores em receber os valores pagos
com os devidos acréscimos legais, bem como a correção monetária.
DO DIREITO
O consórcio, figura contratual amplamente utilizada na atualidade, tem como
característica principal a reunião de um determinado número de pessoas com o
objetivo comum de adquirirem bens determinados, para cada consorciado.
Esta relação entre as partes é materializada pelo denominado "CONTRATO DE
ADESÃO", que guarda como característica a inexistência da livre discussão que
precede normalmente a formação dos contratos, ou seja, o consorciado se sujeita
ao estabelecido previamente pela administradora, que impõe àquele a sua vontade.
Em razão disto, a cláusula deste, que só admite os direitos do consorciado
desistente ou inadimplente de reaver as parcelas pagas sem correção monetária, é
"LEONINA, ABUSIVA E ATENTATÓRIA" a boa-fé que deve reger os negócios jurídicos,
vez que possibilita o enriquecimento sem causa da administradora do consórcio, a
ora requerida.
É importante salientarmos que, tal vantagem não reverte em favor do grupo, mas
para a própria administradora, uma vez que o consorciado desistente ou
inadimplente será substituído por outro, e este pagará as prestações em atraso,
pelo valor atual da mesma, não refletindo qualquer prejuízo ao grupo.
Como vimos, a situação mencionada acima é extremamente injusta, revestindo-se de
uma ilegalidade flagrante, pois há uma onerosidade excessiva para o devedor, bem
como um enriquecimento injusto para o credor.
Esta situação colide com a legislação vigente, que procura dar proteção a parte
menos favorecida.
Vejamos as normas existentes que se aplicam ao caso em espécie:
"ARTIGO 51, INCISO IV E PARÁGRAFO 1, INCISOS I, II, III DO CÓDIGO DE DEFESA DO
CONSUMIDOR( LEI 8078/90):
IV - ESTABELECEM OBRIGAÇÕES CONSIDERADAS INÍQUAS, ABUSIVAS, QUE COLOQUEM O
CONSUMIDOR EM DESVANTAGEM EXAGERADA, OU A EQUIDADE;
PARÁGRAFO 1º: PRESUME-SE EXAGERADA, ENTRE OUTROS CASOS, A VANTAGEM QUE:
I - OFENDE OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO SISTEMA JURÍDICO A QUE PERTENCE;
II - RESTRINGE DIREITOS OU OBRIGAÇÕES FUNDAMENTAIS INERENTES A NATUREZA DO
CONTRATO, DE TAL MODO A AMEAÇAR SEU OBJETO OU O EQUILÍBRIO CONTRATUAL;
III - SE MOSTRA EXCESSIVAMENTE ONEROSA PARA O CONSUMIDOR, CONSIDERANDO-SE A
NATUREZA E O CONTEÚDO DO CONTRATO, O INTERESSE DAS PARTES E OUTRAS
CIRCUNSTÂNCIAS PECULIARES AO CASO."
Vejamos ainda o que dispõe o artigo 53 do Código de Defesa do Consumidor:
"ARTIGO 53: NOS CONTRATOS DE COMPRA E VENDA DE MÓVEIS OU IMÓVEIS MEDIANTE O
PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES, BEM COMO NAS ALIENAÇÕES FIDUCIÁRIAS EM GARANTIA,
CONSIDERAM-SE NULAS DE PLENO DIREITO AS CLÁUSULAS QUE ESTABELEÇAM A PERDA TOTAL
DAS PRESTAÇÕES PAGAS EM BENEFÍCIO DO CREDOR QUE, EM RAZÃO DO INADIMPLEMENTO,
PLEITEAR A RESOLUÇÃO DO CONTRATO E A RETOMADA DO PRODUTO ALIENADO.
PARÁGRAFO 2º: NOS CONTRATOS DO SISTEMA DE CONSÓRCIO DE PRODUTOS DURÁVEIS, A
COMPENSAÇÃO OU A RESTITUIÇÃO DAS PARCELAS QUITADAS, NA FORMA DESTE ARTIGO, TERÁ
DESCONTADA, ALÉM DA VANTAGEM ECONÔMICA AUFERIDA COM A FRUIÇÃO, OS PREJUÍZOS QUE
O DESISTENTE OU INADIMPLEMENTO CAUSAR AO GRUPO."
Nos contratos de adesão, as cláusulas duvidosas sempre se interpretam em favor
dos aderentes, não só quando obscuras ou duvidosas, mas igualmente quando
contrárias aos princípios basilares do ordenamento jurídico.
Esta interpretação atende ao princípio que veda o locupletamento indevido.
Assim, a cláusula contratual que exclui da devolução a correção monetária,
também viola princípio da ordem pública, que veda o enriquecimento sem causa.
Como se não bastasse a legislação vigente, temos também como subsídio a nossa
pretensão, a jurisprudência que já se posicionou de forma clara e concisa.
Com a finalidade de dirimir qualquer dúvida que ainda pudesse existir a respeito
do caso em espécie, o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA emitiu Súmula nº 35. Vejamos:
"INCIDE CORREÇÃO MONETÁRIA SOBRE AS PRESTAÇÕES PAGAS, QUANDO SUA RESTITUIÇÃO EM
VIRTUDE DA RETIRADA OU EXCLUSÃO DO PARTICIPANTE DE PLANO DE CONSÓRCIO."
"IN CASU", esta decisão pacificou e eliminou qualquer outra discussão ou celeuma
que ainda perdurasse.
Tem-se como certo e assentado na doutrina e jurisprudência a utilização do
padrão monetário.
A necessidade de que os negócios jurídicos encetados com prazo de vencimento
devam ser corrigidos ocorre em virtude do índice corretor ter por objeto a
reposição da substância corroída pela inflação, fato que estabelece igualdade
entre as partes contratantes e que não pode deixar de existir numa economia
legal, buscando tratamento isonômico.
Por isso, a restituição atualizada do valor pago é explicitamente justa e legal,
uma vez que adequa o mesmo à realidade social e econômica, caso contrário, o
valor restituído é de ser tido como draconiano e contrário a lei.
Assim, a correção monetária não é um "PLUS", que se acrescenta ao crédito, mas
um "MINUS" que se evita, não ocasionando significativo dano ao desistente.
Pelo espírito da legislação dos consórcios, que visa a proteção da poupança
popular, não se pode penalizar, na atual crise inflacionária, os milhares de
integrantes da classe média, que, muitas vezes, lançam mão da única maneira de
adquirirem um determinado bem.
A não inclusão da correção monetária na devolução é uma imoralidade social, eis
que vem causar locupletamento indevido das administradoras, vislumbrando-se
inclusive indícios de crime contra a economia popular.
Além disso, numa sociedade em que o fenômeno inflacionário já se incorporou ao
cotidiano das pessoas, a devolução "SIMPLICITER" das quantias pagas, após o
encerramento do plano, eqüivaleria a não devolver.
É importante registrar que o BANCO CENTRAL DO BRASIL - BACEN, através das
Circulares nº 2195 e 2196, ambas de 30.06.92, publicadas no Diário Oficial da
União de 01.07.92, teve como finalidade a normalização e o equilíbrio nas
relações entre as administradoras de consórcios e consorciados/consumidores.
A nova regulamentação prevê que o participante que desistir ou tornar-se
inadimplente receberá as quantias pagas com correção monetária, mas terá que
arcar com uma multa que pode variar de 5% a 20%.
Nos casos em que o desistente ou inadimplente já tiver pago mais de 80% do valor
do objetivo, estará isento do pagamento de multa e receberá integralmente os
valores pagos com correção pelo mesmo índice de reajuste das prestações (vide
artigo 64 e 65 da Circular do BACEN nº 2196).
No entanto, as novas regras não contemplam os grupos em andamento ou findos,
formados anteriormente as portarias mencionadas, que continuam regidos pelas
disposições anteriores.
Verifica-se, pois, que o próprio órgão governamental, responsável pela
regulamentação e fiscalização das normas a serem seguidas pelas administradoras
de consórcios, reconheceu a existência de um desequilíbrio criado pela regra
anterior, que penaliza de forma injusta o consumidor.
DOS PEDIDOS
Como restou provado, a pretensão do PROCON/.... deve prosperar, cabendo a
requerida o dever de devolver todas as parcelas pagas com a devida atualização
monetária, sendo que deverão ser pagos juros de mora a partir do vencimento do
grupo que o peticionário integrava.
Pelas razões aduzidas, requer de Vossa Excelência, o seguinte:
- seja a presente ação julgada procedente, reconhecendo o direito dos
consumidores em perceber as parcelas pagas com a devida correção monetária,
acrescidos de juros de mora a partir do vencimento do grupo que os consumidores
integravam, cujo valor deverá ser apurado na liquidação por simples cálculos;
- a citação da requerida, no endereço indicado, para querendo, contestar a
presente, dentro do prazo legal, sob pena de revelia;
- a citação do representante do MINISTÉRIO PÚBLICO, para atuar como fiscal da
lei, conforme prevê o artigo 92 do CDC;
- recebida a ação, deverá ser aberto prazo para que os interessados possam
intervir nos processos como litisconsortes, conforme dispõe o artigo 94 do CDC;
- a condenação da requerida ao pagamento das custas processuais e honorários
advocatícios na base de 20% sobre o valor da condenação, que será apurada por
liquidação.
Requer para provar o alegado, todos os meios de provas em direito admitidos,
especialmente a juntada de documentos nas hipóteses legais previstas.
Dá-se à causa o valor provisório de R$ .....
Nas ações coletivas de que trata o CDC não haverá adiantamento de custas,
emolumentos e honorários periciais, conforme dispõe o artigo 87 do CDC.
Nesses Termos,
Pede Deferimento.
[Local], [dia] de [mês] de [ano].
[Assinatura do Advogado]
[Número de Inscrição na OAB]