Impugnação à contestação, alegando a inadimplência de contratante no pacto para aquisição de casa própria.
EXCELENTÍSSIMO DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA ..... VARA CÍVEL DA COMARCA DE
...........
AUTOS N.º ..../....
....., pessoa jurídica de direito público, com sede na Rua ....., n.º .....,
Bairro ......, Cidade ....., Estado ....., CEP ....., representada neste ato por
....., brasileiro (a), (estado civil), profissional da área de ....., portador
(a) do CIRG nº ..... e do CPF n.º ....., por intermédio de seu advogado (a) e
bastante procurador (a) (procuração em anexo - doc. 01), vem mui respeitosamente
à presença de Vossa Excelência apresentar
IMPUGNAÇÃO À CONTESTAÇÃO
pelos motivos de fato e de direito a seguir aduzidos.
PRELIMINARMENTE
Do Descabimento da Denunciação da Lide
O instituto da denunciação da lide constitui-se em verdadeira ação regressiva
num mesmo processo, "proponível tanto pelo autor como pelo réu, sendo citada
como denunciada aquela pessoa contra quem o denunciante terá uma pretensão
indenizatória", caso venha a sucumbir na ação principal (CARNEIRO, Athos Gusmão.
Intervenção de Terceiros. São Paulo: Saraiva, 2ª ed., 1983. p. 63).
Todavia, o cabimento deste ato reclama a configuração de uma das hipóteses
previstas no artigo 70 do Código de Processo Civil, no caso inexistente, pois:
a) a denunciada não é alienante do bem e tampouco se está a reivindicar o mesmo
(inciso I); b) a denunciada também não é proprietária ou possuidora indireta do
imóvel (inciso II); e, c) a lei e o contrato sub judice não autorizam a
transferência dos direitos de aquisição do bem sem a prévia, expressa e escrita
anuência da Autora, razão pela qual incabível qualquer indenização em sede de
ação regressiva.
A propósito, nos termos da Cláusula Trigésima Segunda do contrato, "Poderá o
PROMITENTE COMPRADOR ceder os direitos e obrigações decorrentes da promessa de
compra e venda, desde que obtida a prévia, expressa e escrita anuência da
PROMITENTE VENDEDORA, a quem é assegurado o direito de preferência na aquisição
da unidade predial e, ainda, que o PROMITENTE COMPRADOR se encontre em dia com
todas as suas obrigações." (grifos nossos).
Como se vê, a despeito das condições expressas do contrato quanto à cessão dos
direitos nele previstos, nem os Réus e tampouco a denunciada juntaram qualquer
documento demonstrando terem obtido a anuência expressa e escrita da Autora para
a celebração do contrato de fls. .... E não demonstram porque não obtiveram.
Frise-se, ainda, que os pagamentos das parcelas, entre o momento no qual se
operou referida cessão e a caracterização do inadimplemento, foram efetuados
junto à Caixa Econômica Federal, ou mediante depósito bancário, e não junto à
Autora.
O fato desta ter tratado de assuntos do imóvel com os proprietários da Autora,
ou da Construtora haver exigido pagamento pela transferência do bem (5% do seu
valor), ou ainda dela ter comparecido perante o PROCON juntamente com a empresa
(a Reclamação lá proposta não foi julgada, sendo arquivada em decorrência da
presente demanda), em nada auxiliam, pois nestas ocasiões a transferência já
havia se operado sem o consentimento da Autora, a qual não estava obrigada a
aceitar - como de fato não aceita - a denunciada como promissária compradora.
Máxime diante da violação do seu direito de preferência na aquisição do imóvel,
previsto na citada Cláusula .........
A propósito, vislumbra-se clara tentativa dos Réus de se eximirem das
responsabilidades contratualmente assumidas, mediante a denunciação postulada.
Em casos tais desmerece acolhida o requerimento, verbis:
"Se o denunciante intenta eximir-se da responsabilidade pelo evento danoso,
atribuindo-a com exclusividade a terceiro, não há como dizer-se situada a
espécie na esfera da influência do art. 70, III, do CPC, de modo a admitir-se a
denunciação da lide, por isso que, em tal hipótese, não se divisa o direito de
regresso, decorrente de lei ou do contrato." (STJ - 3ª Turma, REsp 36.056-0-MG,
rel. Min. Costa Leite, j. 31.8.93, DJU 18.10.93, p. 21.876, 2ª col.).
E mais:
"Não estando o terceiro, por lei ou por contrato, obrigado a ressarcir ao
denunciante os prejuízos que venha a sofrer com o resultado da ação, não viola o
art. 70, III, CPC, o acórdão que indefere a pretendida denunciação da lide."
(RSTJ 88/164).
Caso a denunciada se julgue lesada, deve buscar em sede de outra ação a
reparação de seus direitos contra os Requeridos, os quais com ela celebraram
contrato de cessão de direitos sem obter a anuência da Autora, violando expressa
disposição contratual.
Portanto, é a presente preliminar para requerer seja reconhecida a nulidade do
contrato de fls. ...., com base nos incisos III e IV, do artigo 166 do Novo
Código Civil brasileiro, declarando, de conseqüência e com fundamento no artigo
267, VI do Código de Processo Civil, a ilegitimidade passiva da denunciada.
DO MÉRITO
Todavia, caso V. Exa. não entenda pela exclusão da lide da denunciada, a Autora,
fundada no princípio da eventualidade, passa a deduzir defesa de mérito.
Conforme se observa às fls. ...., item II, a denunciada confessa não ter
conseguido quitar as prestações, "tornado-se então inadimplente.".
Ora, uma vez confessada a mora, restou caracterizada a quebra do contrato,
possibilitando a rescisão do mesmo com base na Cláusula ........... e nos
artigos 475, 476 e 477 do Novo Código Civil.
Requer-se, portanto, o julgamento antecipado da lide, vez que, além da confissão
em relação à mora acima mencionada, as questões sobre as quais versam a presente
lide são unicamente de direito.
Inicialmente, não se pode deixar de observar o princípio da força obrigatória
dos contratos, pedra angular da segurança do comércio jurídico. Na evolução
histórica do contrato, doutrina, jurisprudência e lei jamais se afastaram da
idéia de conceituá-lo como sendo o acordo de vontades, tendente a criar,
modificar ou extinguir um direito.
O contrato enfocado resulta da atualidade: as relações entre a população e o
comércio são por meio de condições diversas impressas com antecipação. Em
conseqüência do dinamismo do capitalismo econômico há formação de grandes
empresas, consequentemente o aumento de produção e maior ampliação da área de
consumidores.
Em decorrência disso, existe um tráfego em massa quanto às transações negociais:
os contratos são celebrados em massa, por ter-se como impossível formular
contratos singulares com cada um dos clientes. Houve, então, necessidade e
premência de racionalização e organização de um contrato único ou contrato
padrão. Ele foi cristalizado em formulários impressos.
O mestre Orlando Gomes ensina: "o contrato é lei entre as partes... deve ser
executado pelas partes, como se as cláusulas fossem preceitos imperativos. O
contrato obriga os contratantes, sejam quais forem as circunstâncias em que
tenha de ser cumprido. Estipulado validamente seu conteúdo, vale dizer definidos
os direitos e obrigações de cada parte, as respectivas cláusulas têm, para os
contratantes, força obrigatória. Diz-se que é intangível, para significar-se à
irretratabilidade do acordo de vontades". ( in Contratos, Rio de Janeiro,
Forense, 12ª. edição, p. 38 - grifo nosso) .
Do princípio, resultam algumas conseqüências de máximo interesse para a hipótese
sub judice: a) a impossibilidade do contratante poder ad nutum libertar-se de
tais vínculos por efeito de sua própria deliberação, a menos que tal direito se
haja reservado; b) intangibilidade do conteúdo dos contratos; e, c) as cláusulas
contratuais não podem ser alteradas judicialmente, seja qual for a razão
invocada por uma das partes.
Esse tratamento conferido ao contrato não só decorre do dever moral, pelo qual
toda pessoa deve honrar a palavra empenhada, mas também como decorrência da
autonomia de vontade dos contratantes que, em alienação voluntária da liberdade,
utilizaram-se da faculdade de pactuar.
Calcado em tais fundamentos, conclui Orlando Gomes (ob. cit., p. 39) que:
"..... não seria possível admitir que a superveniência de acontecimentos
determinantes da ruptura do equilíbrio das prestações pudesse autorizar a
intervenção do Estado, pelo órgão de sua magistratura, para restaurá-lo ou
liberar a parte sacrificada. Cada qual que suporte os prejuízos provenientes do
contrato. Se aceitou condições contratuais extremamente desvantajosas, à
presunção de que foram estipuladas validamente, impede se socorra da autoridade
judicial para obter a suavização, ou a libertação. Pacta sunt servanda. Ao
Direito é indiferente a situação a que fique reduzido para cumprir a palavra
dada."
Nestas condições, o princípio da força obrigatória dos contratos, por si só,
elide as alegações que fundamentam a contestação apresentada, pois: a) as partes
ajustaram livremente o valor das parcelas, bem como a periodicidade do indexador
de correção monetária e dos juros; e, b) o contrato, mesmo da espécie de adesão,
não é nulo, posto que firmado livremente pelos contratantes e amparado
legalmente.
A respeito disto, pronunciou-se o Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São
Paulo, através do seguinte acórdão, sintetizado:
"Caracterizando-se o contrato do fato de uma das partes aceitar tacitamente
cláusulas e condições previamente estabelecidas, deve ser qualificado como de
adesão. Aceitando-o, não pode posteriormente, negar validade ao avençado." (RT
609/118)
Nessa esteira, o argumento expendido pela denunciada, de que as parcelas
aumentaram abusivamente ante a correção em periodicidade menor da permitida em
lei e a ocorrência de capitalização, não merece guarida.
E, com efeito, caso fosse observado o prazo mínimo de doze meses, tal como
previsto no artigo 28 da Lei n.º 9.069/95 invocado pela denunciada, a correção
monetária acumulada neste período teria de ser aplicada numa única parcela, o
que comprometeria seriamente o adimplemento das prestações. Por esta razão os
Requeridos concordaram em que o reajuste fosse aplicado mês a mês. De igual
forma, inocorreu capitalização, pois a base de cálculo das parcelas vincendas
correspondia às vencidas acrescidas somente da correção, sem considerar a
aplicação de juros de 1% (um por cento) do mês anterior.
Insurgência há, ainda, quanto à incidência da correção pelo CUB - Custo Unitário
Básico. No entanto, mesmo nos contratos de promessa de compra e venda de imóveis
firmados após ..../..../...., para o reajuste das parcelas é permitida a
utilização de qualquer índice setorial pactuado entre as partes (CUB, INCC,
etc.), inclusive, após a entrega das chaves do imóvel (Medida Provisória 542,
publicada no D.O.U. de 01.07.94, a qual foi reeditada mensalmente até 06/95,
quando foi convertida na Lei 9.069, de 29.06.95, publicada no D.O.U. de 30.06.95
e medidas complementares ao Plano Real M.P. 1.620-38 de 10.06.98, publicada no
D.O.U. de 12.06.98).
Segundo reza o artigo 27, parágrafo primeiro, inciso II da Lei 9.069/95,
"A correção, em virtude de disposição legal ou estipulação de negócio jurídico,
de expressão monetária de obrigação pecuniária contraída a partir de 1º. de
julho de 1994, inclusive, somente poderá dar-se pela variação acumulada do
Índice de Preços ao Consumidor, Série r-IPC-r.
Parágrafo Primeiro: O disposto neste artigo não se aplica:
II - aos contratos pelos quais a empresa se obrigue a vender bens para entrega
futura, prestar ou fornecer serviços a serem produzidos, cujo preço poderá ser
reajustado em função do custo de produção ou variação de índice que reflita a
variação ponderada dos custos dos insumos utilizados."
Há que se lembrar, no mais, que em razão do imóvel ter sido adquirido ainda em
construção, o indexador utilizado consistiu naquele indicado pela lei.
Por outro lado, a despeito da obra encontrar-se concluída, não se pode perder de
vista que a compra e venda teve em mira entrega futura. Sendo este o objeto do
contrato e estando o mesmo sob a égide do direito privado, a utilização do
índice é absolutamente possível, eis que não há vedação para tanto.
Desta forma, mais uma vez, o contrato de promessa de compra e venda encontra-se
aparelhado, o que faz cair por terra as alegações declinadas na contestação da
denunciada.
Portanto, Excelência, ainda que superada a preliminar, no mérito revelam-se
totalmente destituídos de fundamento os argumentos expendidos pela denunciada.
O Código de Defesa do Consumidor considera nula a cláusula contratual que: a)
estabeleça obrigações iníquas ou abusivas; b) coloquem o consumidor em
desvantagem exagerada; ou, c) sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade
(CDC - art. 51, IV).
Como vantagem exagerada, reputa aquela que ofende os princípios fundamentais do
sistema jurídico ao qual pertence, restringe direitos ou obrigações fundamentais
à natureza do contrato, ameaçando seu objeto ou o equilíbrio contratual e onerem
excessivamente o consumidor, dada à natureza e conteúdo do contrato, o interesse
das partes e outras peculiaridades do caso (CDC - art. 51, § 1º).
Ao se analisar o contrato sub judice, observa-se que as atitudes reveladoras de
má-fé, ofensa ao sistema jurídico, ameaça ao equilíbrio contratual, entre
outras, têm partido dos Requeridos e da denunciada, vez que o imóvel vem sendo
utilizado por esta última (segundo alega, pois a Autora desconhecia tal fato),
gratuitamente, desde ..../..../.... Assim sendo e diante da confissão de sua
mora (fls. ....), pergunta-se: a que título a denunciada ainda permanece no
imóvel?
A toda evidência, inexiste qualquer abusividade no Parágrafo primeiro, da
Cláusula ......., o qual simplesmente estabelece a obrigação de desocupação do
imóvel uma vez caracterizada a mora. E, muito menos, no Parágrafo primeiro da
Cláusula ..........., pois a multa lá estabelecida decorre de ato ilícito.
E este está cristalizado nos prejuízos crescentes que a Autora vêm
experimentando, pois a denunciada permanece no imóvel sem efetuar qualquer
pagamento há vários meses e, ainda, impede a venda ou a prática de qualquer
outro ato de disposição sobre o bem. Somente na visão ingênua da denunciada - se
assim podemos classificar a sua afirmação - "a Requerente receberá o imóvel e o
alienará normalmente sem qualquer prejuízo." (fls. ....). Ora, mas como ficam os
meses em que a mesma ocupou o imóvel gratuitamente? E a sua deterioração? E a
desvalorização? E a violação do direito de propriedade?
Por mais este prisma, sem qualquer amparo as alegações da denunciada.
DOS PEDIDOS
Isto posto e por tudo mais que dos autos consta, é a presente para ratificar os
pedidos formulados na peça exordial, requerendo:
a) a juntada do substabelecimento em anexo;
b) a concessão da liminar de reintegração de posse, expedindo-se o competente
mandado;
c) a decretação da ilegitimidade passiva ad causam da denunciada (CPC - art.
267, VI), nos termos da fundamentação expendida na preliminar suscitada;
d) no mérito, seja proferido julgamento antecipado da lide (CPC - art. 330), com
a procedência da ação em todos os seus termos, tornando definitiva a liminar de
reintegração de posse e condenando os Réus no pagamento da indenização por
perdas e danos postulada, das custas processuais e dos honorários advocatícios.
Nesses Termos,
Pede Deferimento.
[Local], [dia] de [mês] de [ano].
[Assinatura do Advogado]
[Número de Inscrição na OAB]