Ação penal pública contra faculdade, exigindo-se correção de práticas abusivas contra alunos inadimplentes.
EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL DA COMARCA DE
......
O Ministério Público Estadual, por seu Promotor de Justiça subscritor, no
exercício de suas atribuições legais, vem a presença de Vossa Excelência propor
AÇÃO PENAL PÚBLICA
em face de
....., pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ sob o n.º ....., com
sede na Rua ....., n.º ....., Bairro ......, Cidade ....., Estado ....., CEP
....., a ser citado por seu (sua) sócio(a) gerente Sr. (a). ....., brasileiro
(a), (estado civil), profissional da área de ....., portador (a) do CIRG nº
..... e do CPF n.º ....., pelos motivos de fato e de direito a seguir aduzidos.
DOS FATOS
Consta das peças informativas inclusas, que o denunciando, na qualidade de
Reitor Magnífico da Universidade................., vem aplicando medidas
psico-pedagógicas proibidas por lei contra os alunos cujos pais se encontram
inadimplentes, com o fim de forçá-los a saldarem as dívidas existentes.
Entre as medidas antipedagógicas mais freqüentes adotadas pelo predito reitor,
pode-se citar as seguintes: a) proibição de ingresso nas dependências da
instituição, já que as entradas são monitoradas por catracas que não se abrem se
o aluno estiver inadimplente; b) proibição, por conseqüência, de freqüentar as
aulas, de fazer provas regulares, provas substitutivas e recuperações; c)
proibição: de ter acesso às notas; às folhas de provas; de colar grau; de
entregar monografia; d) retirada de alunos de sala de aula; e) imposição de
vexames e humilhações públicas; f) não fornecimento: de histórico escolar; de
transferência; de programa das disciplinas cursadas; de guia padrão de
equivalência; de diplomas; de boletins; g) negativa de fornecimento de "certidão
comprobatória de escolaridade", para o fim de o estudante arrumar emprego, já
que não conta ainda com o diploma de curso superior; h) cancelamento ou rescisão
de contrato.
Tanto é verdade o acima referendado que a acadêmica.................., conforme
reclamação em anexo, teve seu pedido de expedição de atestado de matrícula
indeferido por motivo de inadimplência, conforme lhe foi confirmado pela Senhora
Coordenadora de Assuntos Estudantis, Professora ............i. Como se não
bastasse, por motivo também de inadimplência, a mencionada estudante não pode
ter acesso as suas notas.
A negativa da expedição do referido atestado trouxe grande prejuízo a estudante,
posto que precisava de tal documento para renovar, junto ao Banco do Brasil, o
contrato de estágio que estava vencendo por aqueles dias.
O denunciando, ao contrário do que o fatos comprovam, disse, ao ser ouvido no
Inquérito Policial nº..............., f. 54, que a instituição que dirige sempre
cumpriu rigorosamente todas as normas legais e que nunca tomou qualquer medida
pedagógica contra os alunos inadimplentes.
Como se ele fosse o mais inocente dos mortais, que nunca determinou o
cometimento de qualquer ilegalidade contra os alunos, dando a entender que as
ordens de tomar medidas vexatórias, abusivas e que exponham os acadêmicos a
ridículo não partem deles, disse que, no caso de ................., "nunca
recebeu tal solicitação, mesmo porque se houvesse teria concedido, respeitando a
MP 1477-54".
o segundo depoimento da vítima prestada na Promotoria de Justiça do Consumidor
de.........., no dia .........., não só demonstra o crime praticado, como também
seu total desamparo, posto que os órgãos de defesa do consumidor nada fizeram em
sua defesa, pelo que parece deram total apoio à instituição dirigida pelo
denunciando.
Eis o teor de seu depoimento:
"A reclamante alega que compareceu na Defensoria Pública e foi atendida pela
Dra..........., Defensora Pública, que requisitou junto à........, através do OF
nº ........., a entrega do referido Atestado de Comprovante de Matrícula, sob
pena de serem tomadas as medidas judiciais cabíveis e com fundamento na Medida
Provisória nº 1.477-46 de 27.02.98, que prevê a proibição da retenção de
documentos escolares e outros documentos por motivo de inadimplência. Assim, a
reclamante compareceu na Tesouraria da Universidade e pediu que recebessem o
ofício, sendo que o funcionário Luiz a encaminhou para a Assessoria Jurídica.
Chegando lá, foi atendida pela Drª. ..............., uma das advogadas da
......, que lhe disse para deixar os documentos necessários, ou seja, o ofício
da Defensora, o requerimento devidamente preenchido, assim como R$ 7,00 que é o
valor cobrado pela Universidade para fornecer o Atestado, alegando que tudo
seria passado para a profª........., pró-reitora da Universidade.
No outro dia, a reclamante telefonou e conversou com a advogada supracitada, que
lhe disse para buscar todos os documentos, inclusive o dinheiro, pois a
pró-reitora tinha indeferido, sendo que isto foi-lhe dito apenas verbalmente. A
reclamante declara que a Universidade não colocou nenhum despacho de
indeferimento especificando o motivo e nem sequer um carimbo da tesouraria.
Dessa maneira, estando evidente o descumprimento por parte da Universidade, a
reclamante não sabendo como proceder, compareceu ao PROCON, onde lhe disseram
para retornar junto ao órgão onde tinha feito a primeira reclamação."
Além de os funcionários do réus estarem orientados a não atenderem os alunos em
dificuldades financeiras, ainda os humilham, fazem com que eles percam tempo
arrumando documentos que não servirão para nada e por fim indeferem verbalmente
os pedidos, com o fim de que não haja prova do delito. São astutos, imorais e
vingativos. E ainda dizem que não receberam qualquer solicitação dos acadêmicos
inadimplentes.
Mesmo que o réu não tenha dado as ordens, deixando, assim, de exercer as funções
inerentes ao seu cargo, é ele um omisso e sua omissão, nesse caso, é relevante,
deve, também por esse motivo, responder pelo crime praticado.
O comportamento do denunciando, seja por comissão ou por omissão, não só está
trazendo desgaste para os alunos, mas também para todos os órgãos de defesa do
consumidor, principalmente para o Judiciário, que tem que ficar julgando
infindáveis mandados de segurança e ações de obrigação de não fazer, com pedido
de liminar, por conta das atitudes desajustadas do supramencionado reitor.
A Justiça há de tomar uma medida urgente e drástica, para que tais ilegalidades
cessem de imediato. Buscando esse fim, o Ministério Público Estadual, na área
criminal, está ingressando com inúmeras denúncias contra o referido cidadão e,
na esfera civil, promoveu recentemente uma ação civil pública, com pedido de
liminar, conforme atesta a cópia da inicial em anexo.
DO DIREITO
O Código de Defesa do Consumidor não admite, de forma alguma, que o consumidor
seja exposto a ridículo, nem submetido a qualquer tipo de constrangimento ou
ameaça. Tanto é verdade que dispõe penalidades civil e penal para tais
comportamentos.
A penalidade civil (econômica) está prevista no seu artigo 42, parágrafo único,
assim redigida:
"Art. 42. Na cobrança de débitos o consumidor inadimplente não será exposto a
ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.
Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à
repetição do indébito, por valor igual ao dobro ao que pagou em excesso,
acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano
justificável."
A medida penal está disposta em seu artigo 71, que tem a seguinte redação:
"Art. 71. Utilizar, na cobrança de dívidas, de ameaça, coação, constrangimento
físico ou moral, afirmações falsas, incorretas ou enganosas ou de qualquer outro
procedimento que exponha o consumidor, injustificadamente, a ridículo ou
interfira com seu trabalho, descanso ou lazer:
Pena - Detenção de 3 (três) meses a 1 (um) ano e multa."
Embora o delito de "Exercício Arbitrário das Próprias Razões" seja objeto de
ação penal de iniciativa privada, vale aqui ressaltar a prática também desse
crime, como se pode perceber pela simples leitura do artigo 345 do Código Penal,
assim redigido:
"Art. 345 - Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora
legítima, salvo quando a lei o permite".
De forma cristalina, se verifica que a atitude tomada pelo Reitor da Yyyyyyyy
traz aos acadêmicos constrangimento não autorizado por lei, expondo-os a
ridículo injustificado.
A Lei nº 9.870, de 23 de novembro de 1999, que trata da matéria, não só não
permite o comportamento do denunciando como também o proíbe expressamente, como
se vê pelo disposto em seu artigo 6º, "caput" e § 1º, "in verbis":
"Art. 6º São proibidas a suspensão de provas escolares, a retenção de documentos
escolares ou a aplicação de quaisquer outras penalidades pedagógicas por motivo
de inadimplemento, sujeitando-se o contratante, no que couber, às sanções legais
e administrativas, compatíveis com o Código de Defesa do Consumidor, e com os
arts. 177 e 1.092 do Código Civil Brasileiro, caso a inadimplência perdure por
mais de noventa dias.
§ 1º Os estabelecimentos de ensino fundamental, médio e superior deverão
expedir, a qualquer tempo, os documentos de transferência de seus alunos,
independentemente de sua adimplência ou da adoção de procedimentos legais de
cobranças judiciais."
A Medida Provisória nº 1.890-XX, que disciplinou a matéria até o dia 23 de
novembro do corrente ano de 1999, quando foi sancionada a Lei de Mensalidades
Escolares, não dispunha de forma diferente, como comprova seu artigo 7º:
"Art. 7º - São proibidas a suspensão de provas escolares, a retenção de
documentos escolares, inclusive os de transferência, ou a aplicação de quaisquer
outras penalidades pedagógicas, por motivo de inadimplemento." (f. 163 dos autos
de IC 031/98).
A Lei nº 8.170, de 17 de janeiro de 1991, que vinha sendo mantida revogada por
sucessivas Medidas Provisórias e agora, definitivamente, pela Lei de Mensalidade
Escolar, apresentava idênticas proibições em seu artigo 4º.
Embora o estabelecimento dirigido pelo denunciando tenha o direito de receber os
valores que lhe são devidos, não pode ele lançar mãos de meios proibidos por lei
para tanto. Deve ele se valer dos "procedimentos legais de cobranças judiciais",
como previsto pelo parágrafo 1º, "in fine", do artigo 6º da Lei 9.870/99.
Nesse sentido já vinha decido o Judiciário, como se vê pelos traslados abaixo:
"Vê-se, pois, que a instituição de ensino deve usar dos meios legais disponíveis
para o recebimento de seu crédito e não vedar o acesso da impetrante a
documentos de interesse de sua vida acadêmica" (Dra Janete Lima Miguel, Juíza
Federal Substituta, ao conceder liminar no Mandado de Segurança nº 98.3128-6).
"ADMINISTRATIVO. ENSINO SUPERIOR. CANCELAMENTO DE FREQÜÊNCIA POR ATRASO NO
PAGAMENTO DAS MENSALIDADES Não há previsão legal para cancelamento de matrícula
por falta ou atraso no pagamento de mensalidades. Todo débito se extingue, se
não atendido a tempo, através de execução compulsória judicial e não pela coação
administrativa." (AMS Nº 89.01.15450-6/MG - Relator: Euclydes Aguiar - TRF da 1ª
Região, 1ª Turma - DJU de 26.03.90, Seção II, 4.987).
Aliás, o próprio contrato usado pela ré já prevê as medidas que ela deve e pode
tomar em caso de inadimplência que, em verdade, não são poucos, como se vê pelo
disposto nas cláusulas 8ª, parágrafo segundo, e 9ª(1).
Assim, não há como negar que o denunciando infringiu o artigo 71 do Código de
Defesa do Consumidor, ao negar a expedição de atestado de matrícula e ao impedir
a acadêmica Analice Silva Guimarães Guerra Amarilho de ter acesso as suas notas
de provas.
DOS PEDIDOS
Posto isso, o Ministério Público, com base nas peças de informação em anexo,
cuja juntada requer aos autos, requer nos termos do artigo 76 da Lei nº 9099/95,
imediata aplicação de pena restritiva de direitos, dentre ela a obrigação de o
denunciando cessar suas medidas ilegais, abusivas e vexatórias contra os
acadêmicos inadimplentes, sob pena de pagamento de multa a ser fixado por esse
juiz, por cada comportamento que for tomada em desfavor dos acadêmicos e
contrário ao ordenamento jurídico vigente.
Em não sendo aceita a proposta pelo autor ou por seu advogado que detiver
poderes especiais para tanto ou em não sendo possível a aplicação de tal medida,
requer, então o Ministério Público:
recebimento desta denúncia contra................., brasileiro, casado, filho
de............ e de............, natural de Campo Grande, MS, Reitor da
................., inscrito no RG do ME sob o nº ..., residente e domiciliado
nesta cidade, na Rua ..., podendo ser encontrado também no endereço comercial na
Rua ...;
a instauração do competente processo-crime, para o fim de condenar o denunciado
nas penas previstas no artigo 71 da Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do
Consumidor);
a citação e intimação dele, para os fins legais;
a vinda para os autos dos seus antecedentes criminais; e
a intimação das pessoas abaixo arroladas, para, sob as penas da lei, deporem em
juízo sobre o fato.
Nesses Termos,
Pede Deferimento.
[Local], [dia] de [mês] de [ano].
[Assinatura]