MÚTUO - CERCEAMENTO DE DEFESA - JULGAMENTO ANTECIPADO - INDEFERIMENTO DE
PROVA PERICIAL - ILIQUIDEZ - INCERTEZA - INEXIGIBILIDADE - ILEGALIDADE -
COBRANÇA - ENCARGOS CUMULADOS - ANATOCISMO - JUROS - LIMITE CONSTITUCIONAL
EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA ....ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE .... - ESTADO
DO ....
Autos nº .../... - Embargos à Execução
...., .... e ...., por seus advogados abaixo assinados, vêm respeitosamente,
perante Vossa Excelência, nos autos epigrafados, com fulcro no art. 513 e
seguintes do Código de Processo Civil, interpor tempestivamente o presente
recurso de
APELAÇÃO.
Requer-se, outrossim, seja o mesmo recebido e remetido a Superior Instância,
para exame e provimento, no sentido de reformar a r. sentença de fls. .... usque
....
N. Termos,
P. Deferimento.
...., .... de .... de ....
..................
Advogado
EXMOS. SRS. DOUTORES JUÍZES DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE ALÇADA DO ESTADO DO ....
Apelante: ...., .... e ....
Apelado: Banco ....
RAZÕES DE APELAÇÃO
Eminentes Julgadores,
Insurgem-se os Apelantes contra sentença proferida pelo MM. Juízo da ....ª Vara
Cível da Comarca de ...., a qual julgou improcedente os Embargos, condenando os
embargantes no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios de 15%
sobre o valor do débito atualizado.
BREVE RELATÓRIO DOS FATOS
1. Os Embargantes (ora Apelantes) ajuizaram Embargos à Execução contra o Banco
.... visando fosse declarada:
a) a ausência de liquidez, certeza e exigibilidade do valor executado;
b) a nulidade das cláusulas contratuais que infringem normas de ordem pública,
bem como a inexigibilidade dos valores delas recorrentes;
c) a impossibilidade de cobrança cumulativa de juros legais, moratórios,
comissão de permanência e multa contratual;
d) a impossibilidade de cobrança de juros acima do limite constitucionalmente
imposto.
Finalmente, na exordial dos Embargos, protestaram pela produção de todas as
provas em direito admitidas, especialmente o exame pericial dos extratos
bancários apresentados como prova documental na execução embargada.
2. Ressalte-se que todo o alegado foi fundamentado com dispositivos legais,
segundo a melhor doutrina, bem como, tendo-se trazido à colação jurisprudências
no mesmo sentido dos embargos apresentados.
3. O douto julgador "a quo", julgou antecipadamente a lide, julgando
improcedentes os embargos.
PRELIMINARMENTE
DA AUSÊNCIA DE LIQUIDEZ, CERTEZA E EXIGIBILIDADE
4. Os Apelantes afirmaram, bem como fundamentaram não poder o contrato de
abertura de crédito em conta corrente ser considerado título executivo, não
estando presentes todos os requisitos legais. Neste sentido também entende
Arnaldo Rizzardo:
"... o título executivo precisa ser capaz de trazer ao juiz, por si próprio e
sem o adminículo de qualquer meio de prova, a certeza de estar dando curso a uma
execução realmente fundada em obrigação existente e bem dimensionada a ela.
Abrir a possibilidade de principiar a execução assim com informes trazidos pelo
próprio credor (extratos em conta corrente) é inverter as coisas, autorizar a
penhora e deixar ao devedor o encargo de afastar a constrição já consumada. O
natural e inerente ao sistema da lei é o oposto: 'a agressão patrimonial só se
justifica e só pode começar quando estiver presente a tipicidade de um título
executivo previsto em lei, satisfeitas as exigências formais e indicados, pela
fonte autorizada, por lei (Estado ou devedor), o montante da obrigação'."
(Contratos de Crédito Bancário. 1ª Ed., RT, São Paulo, 1990, p. 57).
Embora tenha ocorrido a juntada dos extratos, não há expressa disposição
contratual acerca das taxas cobradas, além de que a descrição do cálculo
efetuado bem como, dos índices de atualização e acréscimos utilizados -
imprescindíveis na seara do processo de execução - não constam da inicial de
Execução. Portanto, não estando presentes alguns requisitos legais para tornar o
referido contrato em título executivo.
Reforçando estes argumentos, os Embargantes (ora Apelantes) trouxeram à colação
entendimento firmado pelo Egrégio STJ neste sentido:
"O contrato de abertura de crédito rotativo, desde que acompanhado do respectivo
extrato de movimentação da conta-corrente e presentes os demais requisitos
legais, impende ser considerado como título executivo extrajudicial.
Possibilidade, em sede de embargos, de impugnar-se o demonstrativo contábil
elaborado pela instituição financeira com lançamentos abusivos ou em desacordo
com os termos do instrumento contratual." (STJ - 4ª Turma, REsp. 11.037-0-DF,
rel. Min. Sálvio de Figueiredo, j. 12.05.92, negaram provimento, v.u., DJU
08.06.92, p. 8620, 2ª col., em.).
Isto posto, não poderia o I. Juiz monocrático, deixar de acatar as alegações dos
Apelantes para não considerar o contrato de abertura de crédito em conta
corrente título executivo, em face de não estarem presentes todos os requisitos
legais, sendo imperativa a reforma da r. sentença.
CERCEAMENTO DE DEFESA
5. Outrossim, houve cerceamento de defesa.
Nos embargos, postularam os Apelantes a produção de provas, notadamente a
pericial. Entretanto, optou o Juízo monocrático pelo julgamento antecipado da
lide.
6. Ora, no caso em tela, a produção de prova é de fundamental importância eis
que importa diretamente ao julgamento do mérito.
A realização da perícia se faz necessária na medida em que somente após análise
do Sr. Perito será possível verificar a existência de cláusulas abusivas e seus
reflexos sobre o montante geral do débito.
7. Constitui cerceamento de defesa o julgamento sem o deferimento de provas sem
as quais se torna inviável a análise da questão central da controvérsia.
Dispõe o art. 130 do Código de Processo Civil:
"Art. 130. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as
provas necessárias a instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis
ou meramente protelatórias."
Neste sentido, entendeu o Egrégio STJ:
"O julgamento antecipado da lide deve acontecer evidenciada a desnecessidade de
produção de prova; de outro modo, caracterizado fica o cerceamento de defesa.
Recurso Especial atendido." (STJ - 4ª Turma, REsp. 29.172-4-ES, Min. Fontes de
Alencar, j. em 09.02.93, deram provimento, v.u. DJU 15.03.93, p. 3.821, 2ª col.
em.).
8. Ocorre que a respeitável sentença, ao partir para o julgamento antecipado da
lide, deixou de referir-se ao pleito de produção de provas, suprindo esta fase.
Por outro lado, ainda, em determinado momento, a referida sentença torna-se
contraditória.
Conforme mencionado, entendeu o MM. Juiz singular:
"De sorte que não está configurada a prática de anatocismo, aliás em momento
algum demonstrada pelos embargantes, que não apresentaram um cálculo, sequer,
limitando-se a deduzir a alegação, de forma absolutamente genérica, como
genérica é afirmação, de que houve cumulação de comissão de permanência com
correção monetária."
Ora, tais deduções só poderão ser comprovadas através da fase probatória, não
havendo elementos para que o ilustre julgador assegure não estar configurada a
prática de anatocismo.
9. Ocorre, portanto, que não sendo permitido aos Apelantes produzirem prova para
demonstrarem os fatos que alegaram, fica evidente a violação ao artigo 5º, LV,
da Carta Federal, que preconiza:
"Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
(...)
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em
geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a
ela inerentes;"
Desta forma, impõe-se seja anulada a r. sentença, permitindo a produção
probatória, para que se faculte aos Apelantes o pleno exercício do direito de
defesa.
Neste sentido:
"A exemplo do que ocorre nos casos dos arts. 329 e 330 do CPC - 'o juiz
declarará', 'o juiz conhecerá', o preceito do Parágrafo único do art. 740 do
mesmo diploma legal é cogente:
'Não se realizará audiência'. Entretanto, se houver provas a produzir em
audiência e não forem inúteis ou meramente protelatórias - como 'in casu' - o
julgamento antecipado da lide importará em cerceamento de defesa, devendo ser
anulada a sentença." (RTJ 84/606, RT 488/95, 500/130)
DO DIREITO
DA ILEGALIDADE DA COBRANÇA COM A CUMULAÇÃO DE VERBAS
10. Entendeu o I. Magistrado pela legalidade da cumulação de verbas limitando-se
a fundamentar apenas com o princípio da força obrigatória dos contratos (pacta
sunt servanda).
A comissão de permanência nada mais é do que correção monetária acrescida de
juros superiores aos normalmente praticados no mercado. Cumular a cobrança de
comissão de permanência como correção monetária de débito ou outras taxas de
juros configura, pois, prática ilegal.
11. Neste sentido é a súmula do Egrégio Superior Tribunal de Justiça:
"Súmula 30 - A comissão de permanência e a correção monetária são inacumuláveis."
12. Veja-se, por exemplo, trechos extraídos do voto do Ilustre Ministro Sálvio
de Figueiredo nos Embargos de Divergência nº 4.909 - MG, julgado em 09.09.91 (in
LEX - 29 JSTJ e TRF, p. 46):
"Como salientei anteriormente, se resoluções do Banco Central autorizam os
Bancos 'cobrar de seus devedores por dia de atraso no pagamento ou na liquidação
de seus débitos além dos juros de mora na forma da legislação em vigor, comissão
de permanência, que será calculada às mesmas taxas pactuadas no contrato
original ou à taxa de mercado do dia de pagamento', evidencia-se que a comissão
de permanência não apenas constitui meio de pressão sobre o mutuário para a
quitação pontual do débito, mas também mecanismo de atualização do crédito, de
acordo com as taxas de mercado. Em síntese, a comissão de permanência, ao lado
de seu aspecto remuneratório, acentuado nos v. acórdãos do Pretório Excelso,
também contempla o aspecto atualizador da moeda, razão pela qual, a meu juízo,
ressalvando posicionamento mais lúcido, a indiscriminada cumulação dessa
comissão com a correção monetária, destinada à atualização da nossa moeda,
constitui injustável abuso, que o Direito não pode obrigar, sobretudo quando se
conhece a realidade econômica brasileira, na qual a população se mostra cada vez
mais pobre e as instituições financeiras apresentam anualmente balanços com
superávites cada vez mais opulentos."
Impossível, pois, o entendimento da r. sentença, no sentido de ser legítimo
cobrar-se o débito com a cumulação pretendida, sendo necessária a vedação de sua
aplicação ao presente caso, pelo controle jurisdicional.
ANATOCISMO
13. No tocante a este título a sentença que se busca reformar, embora tenha
enumerado fatos denunciadores da existência de anatocismo, dispositivos legais e
Súmula do STF que implicam na proibição da sua prática, entende não estar
configurada tal prática, afirmando:
"Há valor à título de juros, devidos em decorrência da mora, de sorte que não
está configurada a prática de anatocismo ..."
Ora, é inadmissível entender não estar configurada a prática de anatocismo,
sendo que não foi dada, aos apelantes, a possibilidade de provarem o seu
direito, face ao julgamento
antecipado da lide.
Deve-se salientar, ainda, que o único argumento utilizado na decisão, para não
reconhecer a existência de anatocismo foi a ausência de provas, caracterizando,
portanto a necessidade de reformulação da sentença.
14. A situação, em questão, configura anatocismo por parte do Banco,
proporcionando seu enriquecimento ilícito em detrimento da Apelante.
Como sabemos, o anatocismo é vedado no ordenamento jurídico brasileiro, pela Lei
de Usura, pela Resolução 1.129 do Banco Central e pela Constituição Federal.
15. O anatocismo está expressamente proibido pelo teor do art. 4º, do Decreto nº
22.626/33. Inobstante o "nomem iuris", o referido veículo normativo, pelo
fenômeno da recepção, tem eficácia de Lei Ordinária. O seu conteúdo está
reconhecido na Súmula 121 do Supremo Tribunal Federal, ao declarar a
impossibilidade da cobrança de juros sobre juros. Esposando este entendimento
trazemos à colação julgado no Superior Tribunal de Justiça que assim decidiu a
respeito da matéria:
"... súmula 121 não está superada pela de número 596. Na verdade, embora
relacionada ambas com juros e com o Decreto nº 22.626/33, apresentam nítida
distinção. (... omissis ...)
Enquanto o enunciado nº 596 se refere ao art. 1º, do Decreto nº 22.626/33, o
verbete 121 se apóia no art. 4º do mesmo diploma, guardando sintonia com a regra
que veda o anatocismo, ou seja, a cobrança de juros sobre juros." (RE nº
1.285-GO. 4ª Turma. Unânime. 04.11.89).
Vale ainda ressaltar que a Medida Provisória (1.410/86) que alterou as
disposições do referido Decreto nº 22.626/33, que legalizou os juros
capitalizados tem seu início de vigência somente após sua publicação do dia 21
de março de 1996. Como o valor exeqüendo é anterior a esta data, refuta-se
qualquer tentativa da cobrança dos juros capitalizados.
DA MULTA CONTRATUAL
16. No tocante à multa contratual a douta sentença limitou-se a dizer que é
permitida conforme a súmula 616, do STF, no percentual de 10%, estando dentro do
limite legal.
O I. Magistrado ao analisar este item equivocou-se, notadamente quanto à
cobrança desta cumulativamente com a comissão de permanência. Neste sentido, foi
trazida à colação o entendimento do E. Superior Tribunal de Justiça:
"EXECUÇÃO PROMOVIDA POR INSTITUIÇÃO FINANCEIRA - MULTA CONTRATUAL -
INEXIGIBILIDADE CUMULATIVAMENTE COM A COMISSÃO DE PERMANÊNCIA.
Nas execuções promovidas por instituições financeiras, a multa contratual não
pode ser exigida conjuntamente com a comissão de permanência e com os juros
legais de mora. Resolução 1.129 do Banco Central, editando decisão do Conselho
Monetário Nacional, proferido nos termos do art. 4º, VI e XI, da Lei nº 4.595,
de 31.12.64. Recurso Especial provido em parte." (REsp. nº 90.0010584-1; Rel.
Min. Athos Carneiro; p. DJU 09.09.91).
17. Por outro lado, o Código de Defesa do Consumidor, como demonstrado no início
desta peça recursal, é totalmente aplicável aos contratos celebrados com
instituições financeiras e, por conseqüência, o instrumento que se está
discutindo nos presentes autos está condicionado aos ditames do CDC e seus
respectivos consectários.
Ocorre que, conforme delineado pelo Banco Apelado às fls. .... da inicial de
execução, a multa de mora corresponde a um percentual de 10%, ferindo o disposto
no § 1º, do art. 52, do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078, de 11 de
outubro de 1990):
"Art. 52. No fornecimento de produtos ou serviços que envolva outorga de crédito
ou concessão de financiamento ao consumidor, o fornecedor deverá, entre outros
requisitos, informá-lo prévia e adequadamente sobre:
(...)
§ 1º - As multas de mora decorrentes do inadimplemento de obrigação no termo não
poderão ser superiores a dois por cento do valor da prestação."
A redação do § 1º, do art. 52, do Código de Defesa do Consumidor foi alterada
pela Lei nº 9.289, de 1º de agosto de 1996 (in DOU de 02.08.96), tornando
insubsistente a pretensão do Banco Apelado de efetuar a cobrança da multa de 10%
sobre o valor da avença.
O PEDIDO
18. Diante do exposto requer-se, respeitosamente, este E. Tribunal, digne-se:
a) acolher as argüições preliminares de cerceamento de defesa e ausência de
liquidez, certeza e exigibilidade, anulando-se o processo a partir da sentença -
inclusive, determinando o seguimento do feito para a produção probatória;
b) se assim não entenderam Vossas Excelências, requer-se seja reformada a r.
sentença de fls. para o fim de declarar:
- a nulidade das cláusulas contratuais que infringem normas pública, assim como
a exigibilidade dos valores delas decorrentes;
- a impossibilidade de cobrança cumulativa e capitalizada de juros legais,
moratórios, comissão de permanência e multa contratual; e
- a impossibilidade de cobrança de juros acima do limite constitucionalmente
imposto.
N. Termos,
P. Deferimento.
...., .... de .... de ....
..................
Advogado
..................
Advogado