AÇÃO ORDINÁRIA DE INDENIZAÇÃO - MANIFESTAÇÃO SOBRE A RÉPLICA
EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA M.M. __ª VARA CÍVEL.
COMARCA DE ____________- ___.
Processo nº
____________, qualificada nos autos do processo nº ____________, AÇÃO
INDENIZATÓRIA que lhe movem ____________ e ____________, vem respeitosamente, em
atenção ao contido na NE ___/____ (fls. __), dizer e requerer conforme segue:
DA INÉPCIA DA INICIAL
1. Embora os Autores afirmem que "(...) nem mesmo nos Requerimentos ou ao
longo das razões de defesa, existe expressamente ou implicitamente, alegação das
Preliminares enunciadas no art. 301 do CPC" (fls. __), é fácil verificar-se que
tal aspecto foi abordado na contestação, em seus itens 1 a 3 (fls. __) e 33 a 36
(fls. __).
2. Todavia, antes de se extinguir o processo com base na inépcia da inicial,
é necessário ao menos empreender-se a tentativa de identificação da causa de
pedir e do pedido, verificar se ambos existem e se entre eles há nexo.
3. Mesmo que, para tal verificação, demande-se tremendo esforço de
interpretação.
4. E, com vistas a isso, a Ré chegou à conclusão de que a causa de pedir é o
vício de consentimento (erro), que acarretaria a anulação do negócio, o que se
verifica nas seguintes assertivas dos Autores:
"A requerida mostrou pessoalmente o imóvel para os requerentes, indicando,
inicialmente, o nº ______, indicado num esdrúxulo mapa, anexo."
(fls. ___)
"Os requerentes, desta vez acompanhados de um corretor de imóveis da
Imobiliária ____________, verificaram não ser o imóvel indicado, mas, o imóvel
nº ______, conforme mapa apresentado pela requerida" (fls. ___)
"Verificando, então, junto à Prefeitura Municipal de ____________, souberam
não se tratar de área rural, mas, de LOTEAMENTO IRREGULAR". (fls. ___)
"Contudo, o mapa elaborado na época, indicando o LOTEAMENTO ____________,
traz a certeza da burla, está, também, indicado no documento a criação do
loteamento. Assim, fica bem caracterizado a intenção de enganarem os
requerentes, corroborado pela indicação trocada do imóvel." (fls. ___)
"Afasta-se, também, toda e qualquer alegação de não terem os requerentes,
tomado imediatamente posse do imóvel, pois, restava dúvidas e indicação errônea
a cerca do lote."
(fls. ___)
"Os requerentes ficaram por longo tempo buscando junto à requerida, depois,
com a corretora de imóveis, onde o anterior proprietário trabalhava, Sr.
____________, para localizar especificamente o terreno comprado (...)" (fls.
___)
5. O pedido feito é o seguinte: "2) requer, aplicação da pena de indenização,
por perdas e danos, considerando o valor pago pelo terreno, acrescido de juros
de mora, correção monetária e custas processuais" (fls. ___).
6. Embora verifique-se que, dos fatos narrados resulte a interpretação de que
a alegação feita é de existência de vício de consentimento, o pedido feito é de
aplicação de "pena de indenização".
7. Todavia, ao pedirem a "indenização", os autores querem receber de volta o
que pagaram pelo terreno. Isto nada mais é que pedir que a sentença anule o
contrato e, assim, produza o efeito de fazer com que as partes retornem ao
estado anterior.
8. É o que ensina Orlando Gomes (Contratos, 15ª ed., 1995. ed. Forense, p.
182):
"Seja qual for a causa, a resolução é modo de dissolução dos contratos com
traços nítidos e inconfundíveis, embora se assemelhe no modo de exercício e nos
efeitos, à anulação. Um contrato anulável deixa de existir no momento em que sua
invalidade é decretada por iniciativa do interessado. Ao contrário do contrato
nulo, que não produz efeitos desde sua formação, o contrato anulável é eficaz
até o momento em que é anulado, produzindo efeitos, portanto, durante algum
tempo. Mas, declarada a sua anulação extingue-se como se fosse resolvido. Para
ser anulado, é preciso, como ocorre na resolução, que o interessado requeira ao
juiz a invalidação. Extingue-se unicamente por efeito de sentença judicial.
Supõe a anulação, com efeito, a intervenção do juiz. Por isso se diz que é
nulidade dependente de rescisão. No modo de exercício, por conseguinte, anulação
e resolução se parecem, pois que se realizam mediante ação judicial. Assim
também nos efeitos. A anulação, assim como a resolução, tem efeito retroativo.
Tudo o que foi executado anteriormente desaparece como se o contrato jamais
tivesse existido. Sob esse aspecto, também é como a resolução.
Mas não se confundem. Distinguem-se pela causa. A anulação tem as seguintes
causas: 1ª) incapacidade relativa de um dos contratantes; 2ª) vício do
consentimento."
9. Também merecem transcrição outros comentários do autor acerca da anulação
de contrato (op. cit. p. 194 e 195):
"A nulidade é incurável, mas os contratos anuláveis podem ser purificados.
Sana-se o vício originário e, em conseqüência, convalesce.
A convalescença dá-se por três modos:
a) a confirmação;
b) a convalidação;
c) a prescrição.
(...)
Convalesce finalmente o contrato anulável pela prescrição. Se a parte
legitimada a propor a ação de anulação não age no lapso de tempo estabelecido na
lei para a defesa do seu interesse, tranca-se a possibilidade de anular o
contrato via de ação, o que, no entanto, poderá obter-se por via de exceção.
Extinto o direito à anulação, o contrato convalesce, tornando-se definitivos
seus efeitos."
10. Esclarecido o que ocorre no plano do direito material, resta esclarecer
como, de acordo com o direito processual, pode subsistir uma ação que narra uma
causa de pedir de anulação contratual e termina por pedir "indenização":
"Ao lado da falta do pedido ou da causa de pedir, a lei contempla, como
espécie de inépcia, a incompatibilidade, desarmonia ou desencontro entre a causa
de pedir e o pedido.
A petição inicial contém um silogismo. É lição velha. Nela está uma premissa
maior (fundamentos de direito), uma premissa menor (fundamentos de fato) e uma
conclusão (pedido). Consequentemente, entre os três membros desse silogismo deve
haver, para que se apresente como tal, um nexo lógico. Portanto, se o fato não
autoriza as conseqüências jurídicas, a conclusão é falha; se as conseqüências
jurídicas não guardam coerência com os fatos, igualmente; e, por último, se a
conclusão está em desarmonia com as premissas, ela é inconseqüente.(...)
Dêem-me os fatos e lhes darei o direito (da mihi factum dabo tibi jus), velho
e conhecido brocardo que afirma saber o juiz o direito, apenas cumprindo às
partes indicar-lhe os fatos e explicar as conseqüências pretendidas. Isso
significa não haver necessidade de o autor, como já visto, se exato na indicação
dos dispositivos legais aplicáveis, nem mesmo na nomeação correta da figura
típica configurada pelo fato que narrou. O que lhe cumpre é narrar o fato com
clareza e precisão e concluir postulando as conseqüências que desse fato
juridicamente decorrem. Seu risco e seu erro é colocar mal os fatos ou concluir
mal em relação aos fatos que expôs.(...)
Se os fatos narrados, entretanto, guardam coerência lógica com o pedido
formulado, pouco importa a tipificação que lhes deu o autor: a petição inicial
não será inepta, porquanto a sentença pela procedência é possível, sem violação
do princípio dispositivo."
(J.J. Calmon de Passos, Comentários ao Código de Processo Civil, 7ª ed.,
1994, Forense, p. 265 e 266)
"Inepta é a petição inicial quando: a) os fatos tenham sido narrados de tal
maneira que deles não se possa tirar o que serviria à exposição de causa para a
lide; b) os fundamentos jurídicos, de que se valeu a parte ou o procurador
judicial, são tão evidentemente inadmissíveis, ou ininteligíveis, que nenhuma
sentença poderia ser dada com base neles; c) se o pedido é eivado de incerteza
absoluta(...)
A letra b) compreende: a impossibilidade física dos fatos narrados; a
impossibilidade gnoseológica ou cognoscitiva, pela ininteligibilidade, ou por
falta de sentido; a impossibilidade lógica, pela perplexidade ou contradição das
proposições sobre os fatos, ou sobre os fundamentos jurídicos; a impossibilidade
jurídica, pela falta de qualquer admissibilidade conceptual ou proposicional no
direito; a impossibilidade moral, que se subsume na anterior, uma vez que é em
virtude de regras de direito que se atende à relevância da moral nos atos
jurídicos, materiais ou processuais.(...)
O juiz há de ter prudência e certa magnanimidade no declarar inepta a petição
(1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, 17 de outubro de 1949, R. dos T., 201,
581, O D., 64, 201: '...deve ser medida de exceção, usada com a máxima cautela,
a fim de que o Estado não se furte à prestação jurisdicional, devida, em
princípio, aos cidadãos'; 2ª Turma do Tribunal de Justiça d Espírito Santo, 6 de
fevereiro de 1950, R. dos T., de J., V, 52: 'O ideal seria, não há dúvida,
pedidos bem articulados e processos bem ordenados. Mas, se a triste realidade é
outra, cumpre ao tribunal, sempre que possível, aproveitar os processos
irregulares, além de demorados e custosos, e decidir afinal a contenda, no seu
merecimento'; 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, 13 de
março de 1950, R. F., 139, 277: 'Não obstante confusa, não é inepta a petição
inicial, desde que, por sua leitura, se fique sabendo o que o autor
pretende'(...)"
(Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, Tomo II, 2ª ed.,
1958, Forense, p. 423 e ss.)
"O fato que o autor alega, seja no crime ou no cível, recebe da lei
determinada qualificação jurídica. Por exemplo, o matar alguém capitula-se como
crime de homicídio (CP, art. 121); forçar alguém, mediante violência física ou
ameaça, a celebrar um contrato configura coação (vício do consentimento, CC,
art. 98, c/c art. 147, inc. II). Mas o que constitui a causa petendi é apenas a
exposição dos fatos, não a sua qualificação jurídica. Por isso é que, se a
qualificação jurídica estiver errada, mas mesmo assim o pedido formulado tiver
relação com os fatos narrados, o juiz não negará o provimento jurisdicional
(...)."
(Antonio Carlos de Araújo Cintra et alli, Teoria Geral do Processo, 10ª ed.,
Malheiros , 1994, p. 259)
11. Dessa forma, embora a qualificação jurídica dada pelos Autores
(indenizatória), não se coadune com os fatos narrados, pode o processo
subsistir.
12. A intenção da Ré, ao não pedir em contestação a extinção do processo sem
julgamento de mérito, por inépcia da inicial, é que seja aproveitada a relação
processual, reconhecendo-se a prescrição.
13. O que evitaria que os Autores batessem à porta do Foro novamente, com
outra ação, narrando os mesmos fatos, com o mesmo pedido, mas com "nome"
diferente.
DO LITISCONSÓRCIO
14. Manifestam-se os Autores, ainda, a respeito da inexistência de
litisconsórcio passivo necessário (fls. ___).
15. Seu entendimento é no sentido de que seria o caso de denunciação da lide
, a ser promovida pela Ré (fls. ___).
16. Com relação ao litisconsórcio necessário, o CPC assim dispõe:
"Art. 47. Há litisconsórcio necessário quando, por disposição de lei ou pela
natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme
para todas as partes; caso em que a eficácia da sentença dependerá da citação de
todos os litisconsortes no processo.
Parágrafo único. O juiz ordenará ao autor que promova a citação de todos os
litisconsortes necessários, dentro do prazo que assinar, sob pena de declarar
extinto o processo."
17. Na doutrina encontra-se comentário a respeito de quando existe a
necessidade de sentença uniforme a todos:
"Na segunda proposição, haverá litisconsórcio necessário quando, 'pela
natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme
para todas as partes'. Mas a proposição é inábil para, sozinha, definir a
existência do litisconsórcio daquele tipo, porque, como já se mostrou, a decisão
uniforme pode acontecer em caso de litisconsórcio facultativo (...). Para
completar a delimitação dos casos de litisconsórcio necessário, é preciso usar a
regra da parte final do artigo, o qual diz que, quando houver esse tipo de
litisconsórcio, 'a eficácia da sentença dependerá da citação de todos os
litisconsortes no processo'.
Citação só se faz de réu, nunca de autor, ou de terceiro. Vale dizer que, em
conseqüência, quando o litisconsórcio decorrer da obrigatoriedade de decisão
uniforme da causa, ele só será necessário se for passivo, isto é, se a relação
jurídica em discussão ou o direito em litígio tiverem vários titulares.
(...)
Surge, então, naturalmente, a pergunta: quando é que, pela natureza da
relação jurídica, a decisão deve ser uniforme em relação a todos os
interessados?
Chiovenda, em lição que até hoje influi, entende que a necessidade de decisão
uniforme só existe quando a ação for constitutiva, porque esse tipo de ação tem
como característica modificar um estado jurídico. E, se esse estado jurídico
interessa a várias pessoas, a modificação somente poderá ser feita para
prevalecer em relação a todas elas, e, nesse caso, é imprescindível sejam todas
elas participantes do processo.
(...)
Mas esse ponto de vista foi vantajosamente refutado por Redenti, o qual
mostra que não se deve ter em vista a natureza da ação e da sentença, mas sim a
relação jurídica sobre a qual ela incide. Argumenta ele que é inadmissível
afirmar que a ação de anulação de um contrato com vários contratantes (ação
constitutiva) acarreta a formação de litisconsórcio necessário, enquanto a ação
para declarar a nulidade absoluta desse mesmo contrato (ação declaratória) não
leve também à formação daquele tipo de litisconsórcio. Assim, se a ação vai
versar sobre direitos de todos, vai declarar nulo o contrato, é de rigor a
formação do litisconsórcio necessário."
(Celso Agrícola Barbi, Comentários ao Código de Processo Civil, 9ª ed., vol.
I, 1994, Forense, p. 165 e 166)
18. O comentário acima reproduzido bem se ajusta ao caso em tela.
19. Como seria possível anular-se o contrato se um dos contratantes não
integra o processo?
20. O contrato seria anulado somente entre um vendedor e os compradores e
permaneceria válido com relação ao outro vendedor?
21. Verifica-se que o caso é realmente de litisconsórcio passivo necessário e
não de denunciação da lide.
22. Não há evicção. Não é caso de direito regressivo, pois, como acima foi
demonstrado, a causa de pedir da ação é a anulação de um contrato.
DO MÉRITO
23. Embora a impugnação quanto ao mérito já tenha sido objeto da contestação
de fls. ___, algumas questões suscitadas na réplica merecem consideração.
24. Os Autores dizem que a Ré tenta induzir o Juízo em erro, alterando a
verdade dos fatos.
25. Isso é puro falatório, eis que não se atreveram os Autores a fazer pedido
de condenação por litigância de má-fé.
26. Como amplamente demonstrado acima (item nº 3), ressaltando-se, ipsis
litteris, a narração dos fatos feita na inicial, o caso é de anulação de
contrato, chame-se a ação de anulatória, indenizatória, ou outro nome qualquer.
27. Transcrevendo afirmação feita em contestação, de que "somente perceberam
o erro quando estiveram no local acompanhados de um corretor de imóveis da
Imobiliária ____________, cujo nome não apontaram", alegam que tal afirmação não
corresponde ao ocorrido.
28. Dizem que, na verdade, "(...) aduziu-se que os requerentes, no local,
constataram existir no local morador, dizendo-se proprietários. A constatação
deu-se no momento que foi mostrado o imóvel pela requerida, mediante o mapa
acostado" (fls. ___).
29. Dessa frase, verdadeiro monumento a obscuridade e a ambigüidade, podem
advir as seguintes conclusões: a)através do mapa viram que o local estava
ocupado (o que seria absurdo); b) que, tendo estado no local, juntamente com a
requerida, verificaram que o imóvel estava ocupado.
30. Se estava o imóvel ocupado (o que se diz por mera argumentação), se viram
que estava ocupado, porque compraram?
31. Invocam, a seguir, a Lei do Parcelamento do Solo Urbano, dizendo que a Ré
não cumpriu as exigências legais quando efetuou a venda.
32. Ora, como já afirmado em contestação, a Ré adquiriu e vendeu o imóvel com
boa-fé. Não tinha obrigação alguma de saber se o loteamento era ou não regular.
33. Os requisitos da Lei nº 6.766/79 devem ser observados por aquele que
constitui loteamento, o loteador.
34. Loteador é o proprietário do imóvel a ser loteado, do conjunto todo; o
que não era o caso da Ré, proprietária de fração ideal.
35. Todavia, existe disposição da Lei nº 6.766/79 aplicável à questão, e que
traz orientação a respeito do que deveriam ter feito os Autores para
regularizarem o registro de seu imóvel:
"Art. 41 - Regularizado o loteamento ou desmembramento pela Prefeitura
Municipal, ou pelo Distrito Federal quando for o caso, o adquirente do lote,
comprovando o depósito de todas as prestações do preço avençado, poderá obter o
registro de propriedade do lote adquirido, valendo para tanto o compromisso de
venda e compra devidamente firmado."
36. Poderiam, ainda, voltar-se contra quem injustamente possua o imóvel que
lhes pertence, eis que o mesmo não "perdeu-se" como afirmam.
37. O imóvel está onde sempre esteve. Se outros o ocupam hoje, isto se deu
por inércia dos proprietários.
Isto Posto, requer:
a) Seja ordenado aos Autores que promovam a citação do Sr. ____________,
litisconsorte passivo necessário;
b) Seja julgada antecipadamente a lide, na forma do art. 330, I, do CPC, eis
que não existe necessidade de produzir prova em audiência;
c) Reitera a Ré o quanto pedido em contestação.
N. Termos,
P. E. Deferimento.
____________, ___ de __________ de 20__.
p.p. ____________
OAB/