Contestação à medida cautelar inominada, sob alegação
de existência de usucapião de servidão.
EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA ..... VARA CÍVEL DA COMARCA DE ....., ESTADO
DO .....
AUTOS Nº ......
....., brasileiro (a), (estado civil), profissional da área de ....., portador
(a) do CIRG n.º ..... e do CPF n.º ....., residente e domiciliado (a) na Rua
....., n.º ....., Bairro ....., Cidade ....., Estado ....., por intermédio de
seu (sua) advogado(a) e bastante procurador(a) (procuração em anexo - doc. 01),
com escritório profissional sito à Rua ....., nº ....., Bairro ....., Cidade
....., Estado ....., onde recebe notificações e intimações, vem mui
respeitosamente à presença de Vossa Excelência apresentar
CONTESTAÇÃO
à ação cautelar inominada interposta por ....., brasileiro (a), (estado civil),
profissional da área de ....., portador (a) do CIRG n.º ..... e do CPF n.º
....., residente e domiciliado (a) na Rua ....., n.º ....., Bairro ....., Cidade
....., Estado ....., pelos motivos de fato e de direito a seguir aduzidos.
PRELIMINARMENTE
DA EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO, FACE A IMPOSSIBILIDADE
JURÍDICA DO PEDIDO PELO MEIO PROCESSUAL UTILIZADO
De uma simples análise dos autos, percebe-se que a Autora ajuizou a AÇÃO
CAUTELAR INOMINADA, visando a derrubada de uma cerca construída pela Requerida,
alegando para tanto tratar-se o local da citada cerca de uma VIA PÚBLICA. No
entanto, deixou de mencionar qual seria a ação principal a ser intentada para
provar seu pretenso direito.
Atendendo ao que foi requerido, esse MM. Juízo acabou por conceder liminar de
cunho eminentemente satisfativo, contrariando os bons ensinamentos de direito.
Este caráter satisfativo reside no fato de ter esse MM. Juízo autorizado a
derrubada da cerca existente no local, sem o conhecimento da natureza da área
(pública ou privada), resolvendo questão de ordem material. Como se faz público
e notório no mundo jurídico, as medidas cautelares têm um caráter de segurança e
destinam-se a garantir o resultado útil de outro processo, considerado
principal.
Assim, a liminar concedida contrariou a lei, a doutrina e a melhor
jurisprudência, senão vejamos:
"A medida cautelar tem natureza instrumental, destinando-se a garantir a
eficácia e a utilidade da futura ação principal, e, assim sendo, não pode ter
caráter satisfativo". (Ag.Instr. 59775300, Ac. 14.305, Juiz Cordeiro Cleve,
julg. 29/10/97, 2ª Câm. Cível/TJ.PR)
"A concessão de medida liminar satisfativa em ação cautelar inominada representa
indevida antecipação da execução, sem existência do título executivo". (Ag.Instr.
48861700, Ac Un. 1711, Sexta Câm Civ TJ/PR, julg. 14/08/96)
Vê-se que a liminar concedida contrariou a lei e a melhor forma de direito e
justiça e que o meio processual utilizado pela Autora foi por deveras
inadequado, merecendo total repúdio tal pleito. Assim entende a mais moderna
jurisprudência:
"IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 796, 806, 807 E
808, I, DO CPC. A LIDE CAUTELAR É LIDE DE SEGURANÇA E DESTINA-SE A GARANTIR O
RESULTADO ÚTIL DO OUTRO PROCESSO, CONSIDERADO PRINCIPAL..."
"HÁ IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO AUTOR EM UTILIZAR DA TUTELA CAUTELAR COMO TUTELA
COGNOSCITIVA, PARA DIRIMIR CONFLITOS DE DIREITO MATERIAL, POR NÃO TER SUPERFÍCIE
SUFICIENTE PARA ANTECIPAR DECISÃO SOBRE O MÉRITO DA LIDE, NEM DIZER QUEM TEM
RAZÃO, O QUE SÓ PODERÁ SER FEITO NA AÇÃO PRINCIPAL". (Ap. Civ. 78.193-3, 8ª Cam.
Civ.PR, DJ 08/12/95). Grifos Nossos.
Pelo exposto acima, cristalinamente percebe-se que o meio processual escolhido
pelo Autor para reivindicar seu pretenso direito é completamente inadequado e
repudiado pela lei e pela jurisprudência.
Outrossim, cumpre ressaltar, que a preliminar ora argüida tem caráter absoluto,
devendo ser examinada de plano conforme orientação recente do nosso STF, senão
vejamos:
"Impossibilidade jurídica do pedido pelo meio processual utilizado é preliminar
cujo exame antecede ao da ilegitimidade passiva ad causam, dado o caráter
absoluto daquela em face do relativo desta" (STF Pleno: RTJ 135/70)
Cumpre ressaltar ainda, que a Autora não logrou informar qual a ação principal
que pretende ajuizar contra a Requerida. Não bastassem as razões acima, que por
si só levam à extinção do feito sem julgamento do mérito, este fato também
também leva ao mesmo caminho:
"Deve ser julgado extinto o processo cautelar, por falta de menção, na inicial,
da ação principal a ser proposta e seu fundamento". (RT 476/140, 506/143, RF
292/326, JTA 35/252)
Dessa forma, deve o presente feito ser extinto, sem julgamento de mérito, na
forma do art. 267, VI do CPC, haja vista a evidente impossibilidade jurídica do
pedido pelo meio processual utilizado.
Se este não for o entendimento de V. Exa., o que realmente não se espera, passa
a Requerida a contestar o feito.
DO MÉRITO
Informa a Autora em sua inicial, que construiu um edifício sobre o lote de
terreno matriculado no Registro de Imóveis desta Cidade sob o n.º
...................., e que tal lote faz divisa com o imóvel de propriedade da
Requerida, o qual encontra-se matriculado sob o n.º ................ Alega que
entre os citados imóveis existe uma VIA PÚBLICA e que a Requerida simplesmente
construiu uma cerca e um portão, impedindo, de forma violenta e arbitrária, a
passagem e o uso de tal "via pública". Com base nestas afirmações, esse MM.
Juízo deferiu medida liminar a fim de autorizar a derrubada da cerca e portão
existentes na área.
Ora Exa., as afirmações feitas pela Autora são mentirosas, levianas e foram
expostas de uma forma maliciosa visando confundir esse MM. Juízo, fazendo crer
que a passagem de acesso ao imóvel da Requerida trata-se de uma via pública.
De forma alguma a passagem existente entre os citados imóveis caracteriza-se
como uma via pública. É, na verdade, uma servidão de passagem, pois o imóvel da
Requerida encontra-se encravado entre os lotes da quadra, não possuindo frente
ou saída para a rua.
Do latim via (caminho, estrada, rota), é empregado vulgarmente para designar o
caminho, por onde se realiza o trânsito de pessoas ou veículos. Via Pública, por
sua vez, é a rua, ou a estrada, construída pelo poder público para a utilização
de todos ou para serventia comum (Vocabulário Jurídico, De Plácido e Silva, Vol.
IV, Forense, 12ª Ed, p.483). Ora! A área em questão de forma alguma se amolda a
este conceito, pois serve única e exclusivamente de caminho à casa da Requerida.
Ademais, há aproximadamente vinte anos a mesma faz uso da servidão sem que
qualquer cidadão a tenha reivindicado para uso próprio ou da população.
Cabe ressaltar, que a dita servidão está descrita na matrícula do imóvel;
"...confronta com terrenos de ....m, na lateral direita; ....., com um caminho
de ...........m, travessão;..., com área total de ............m2".
Não se pode deixar passar in albis, o fato de que a própria administração
pública reconhece a servidão em favor da Requerida. No pequeno croqui fornecido
pela Prefeitura bem como no talão do IPTU do exercício de ......... (em anexo),
a Municipalidade cobra o citado imposto sobre uma área de ......... m2, deixando
claro ainda que o imóvel situa-se no meio da quadra.
O Código Civil assim preceitua em seu art. 1285
"O dono do prédio que não tiver acesso a via pública, nascente ou porto, pode,
mediante pagamento de indenização cabal constranger o vizinho a lhe dar
passagem, cujo rumo será judicialmente fixado, se necessário.
O terreno da Autora não se encontra encravado. Muito pelo contrário, possui
frente para a via pública, não necessitando de nenhuma servidão para alcançar a
rua. Tanto a lei como a jurisprudência reconhecem que para existir o direito
sobre uma servidão, cumpre se provar a imperiosa necessidade desta para se
chegar a via pública. É requisito essencial o encravamento do terreno. Sem estes
requisitos não há que se falar em direito de uso ou gozo sobre terreno de
terceiros."
Assim vêm se manifestando nossos tribunais:
"SERVIDÃO DE PASSAGEM - imóvel lindeiro - existência de opções de saída - pedido
inviável. O direito de passagem forçada reside na necessidade de locomoção e não
protege a conveniência de quem já dispõe de outras vias para atingir a estrada
principal, sob pena de comprometimento a garantia constitucional do direito de
propriedade. Recurso provido para declarar improcedente o pedido". (Ap.Civel
52126-2, Tibagi, Vara Cível, Ac. 3902, 2a. Câm. Civel - TA/PR, Juiz Walter
Borges Carneiro)
As fotos acostadas aos autos mostram que o prédio construído pela Autora possui
frente para a rua. Ademais, a entrada da garagem, principal alegação da Autora
para a propositura da presente ação, pode perfeitamente ser construída na frente
do edifício. Inclusive a Municipalidade aprova os projetos de construção nestes
termos, quando o edifício não está localizado em terreno de esquina (que é o
caso em tela).
A construção da entrada da garagem pela lateral do terreno, utilizando-se da
passagem que é exclusiva da Requerida, afigura-se uma comodidade para a Autora.
Na verdade, trata-se de uma questão "estética", pois a entrada lateral torna o
edifício mais bonito. Se a Prefeitura aprovou o projeto do edifício na forma em
que se encontra, foi porque a Autora induziu-a em erro, fazendo crer que seu
terreno compreendia até a passagem da Requerida. Ademais, nos projetos
apresentados, não se vislumbra o local da porta da garagem.
Outro fato que não se pode deixar de trazer aos autos, é que a Autora, quando do
início da construção do prédio, levantou um muro de alvenaria no exato local
onde encontrava-se a cerca derrubada por força da liminar nestes autos
concedida. Esta assertiva será devidamente comprovada por esse MM. Juízo, quando
da apresentação de uma fita de vídeo gravada pela Requerida ou por meio de
inspeção judicial.
Ad argumentando tantum, desde o início da obra a Autora vem incomodando a
Requerida no que tange aos direitos de vizinhança. Foram invasões não
autorizadas, sujeiras generalizadas de materiais de construção, falta de telas
protetoras etc... Certa vez, a moradora da residência, irmã da Requerida, quase
foi atingida por tijolos que despencaram da obra da Autora. Desde então as
crianças que moram na casa de propriedade da Ré não mais puderam desfrutar do
pequeno espaço da servidão para suas brincadeiras.
Após a ocorrência de alguns desses incidentes desagradáveis, a Autora construiu
um enorme muro de alvenaria na divisa do seu terreno com a servidão da
Requerida, alegando que com tal medida todos os problemas se resolveriam. A
requerida, ingenuamente e sem conhecimento de engenharia e construções, achou
que realmente sua servidão estava garantida da invasão do prédio vizinho. Pura
ilusão. Na verdade o muro foi construído para encobrir a intenção da autora de
apropriar-se futuramente da servidão. Assim, sem visão do que estava sendo
construído, a Requerida não teve tempo para ajuizar a ação de nunciação de obra
nova, capaz de embargar a construção e assegurar seu direito. Depois de
concluída a obra e sem perigo de embargo, a Autora retirou o muro e apropriou-se
indevidamente da única passagem da Requerida para a rua.
Inconformada com a atitude desleal da Requerente, rapidamente a Requerida
instalou uma cerca na divisa do terreno, garantindo assim sua passagem. Porém,
infelizmente, esse MM. Juízo acabou por conceder a liminar pleiteada pela
Autora, autorizando a derrubada de tal divisa.
Agora, a Autora faz-se de vítima alegando que a Requerida "violentamente"
impediu-a de utilizar a passagem. Alega que usava a passagem para a entrada de
materiais na obra e que repentinamente viu a dita passagem bloqueada. Essas
alegações não passam de mentiras. Servem única e exclusivamente para uma coisa:
INDUZIR ESSE MM. JUÍZO A ERRO! A Requerente, em nenhum momento da construção do
edifício utilizou-se da servidão, pois, como já dito, havia construído um muro
de alvenaria em tal divisa.
Por fim, oportuno se faz destacar que a ré utiliza-se da servidão, conforme já
citado acima, há aproximadamente vinte anos, sem oposição, de forma pública,
mansa e pacífica, requisitos estes a autorizar-lhe a aquisição da propriedade da
referida área, eis que consumada a prescrição aquisitiva. Assim prescreve o art.
1379 do Código civil:
"O exercício incontestado e contínuo de uma servidão aparente, por dez anos, nos
termos do art. 1242, autoriza o interessado a registrá-la em seu nome no
Registro de Imóveis, valendo-lhe como título a sentença que julgar consumado a
usucapião".
Parágrafo único. "Se o possuidor não tiver título, o prazo da usucapião será de
vinte anos".
Frise-se que a Requerida já está providenciando a documentação necessária para a
propositura da ação de usucapião, e muito em breve ajuizará tal medida.
DOS PEDIDOS
EX POSITIS, serve a presente para requerer seja julgada extinta a presente ação,
nos termos da PRELIMINAR argüida e em consonância com o art. 267, VI do CPC. Se
assim não entender V. Exa., que se digne julgar extinto o feito haja vista a
falta de menção na Cautelar, sobre qual ação será intentada a título de lide
principal. Se não julgar extinto o processo pelas fortes razões acima descritas,
seja imediatamente cassada a liminar concedida face a carência de previsão legal
para sua concessão ou, ainda assim não entendendo, determine que a Autora se
abstenha de efetuar qualquer tipo de obra ou benfeitoria na passagem em
discussão, até que seja resolvida esta lide.
Requer também seja realizada inspeção judicial; oficiada a Municipalidade para
manifestar-se sobre a natureza da área em litígio; a aceitação da fita de vídeo
depositada em Cartório como prova; além do depoimento pessoal das partes e da
documentação acostada. Ainda requer a condenação da Autora ao pagamento das
custas processuais e honorários advocatícios, os quais deverão ser arbitrados
por V. Exa..
No mérito, seja julgada improcedente a ação cautelar intentada, haja vista
tratar-se a área em questão de servidão exclusiva da Requerida e não de via
pública.
Nesses Termos,
Pede Deferimento.
[Local], [dia] de [mês] de [ano].
[Assinatura do Advogado]
[Número de Inscrição na OAB]