Contestação à ação indenizatória por expurgos
inflacionários em caderneta de poupança.
EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA ..... VARA CÍVEL DA COMARCA DE ....., ESTADO
DO .....
AUTOS Nº .....
....., pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ sob o n.º ....., com
sede na Rua ....., n.º ....., Bairro ......, Cidade ....., Estado ....., CEP
....., representada neste ato por seu (sua) sócio(a) gerente Sr. (a). .....,
brasileiro (a), (estado civil), profissional da área de ....., portador (a) do
CIRG nº ..... e do CPF n.º ....., por intermédio de seu advogado (a) e bastante
procurador (a) (procuração em anexo - doc. 01), com escritório profissional sito
à Rua ....., nº ....., Bairro ....., Cidade ....., Estado ....., onde recebe
notificações e intimações, vem mui respeitosamente à presença de Vossa
Excelência apresentar
CONTESTAÇÃO
à ação de indenização interposta por ....., brasileiro (a), (estado civil),
profissional da área de ....., portador (a) do CIRG n.º ..... e do CPF n.º
....., residente e domiciliado (a) na Rua ....., n.º ....., Bairro ....., Cidade
....., Estado ....., pelos motivos de fato e de direito a seguir aduzidos.
PRELIMINARMENTE
1. DA NOMEAÇÃO À AUTORIA DO BANCO CENTRAL DO BRASIL E DA UNIÃO FEDERAL
De início, deve ser destacada a legislação que rege a matéria, sendo que
dispunha o artigo 12, § 2º, do Decreto-Lei nº 2.290 de 21/11/86 (art. 1º, § 2º):
"Os saldos de caderneta de poupança existentes no dia da vigência deste
decreto-lei, terão, até a próxima data, estabelecida contratualmente para
crédito de seus rendimentos, corrigidos pelo índice de Preços ao Consumidor ou
pelos rendimentos da Letra de Câmbio do Banco Central do Brasil, adotando-se o
que maior resultado obtiver."
No entanto, nos termos do Decreto-Lei nº 2.311, de 23.12.86, citado artigo
passou a ter a seguinte redação:
"Os saldos das cadernetas de poupança, bem como os do Fundo de Garantia de tempo
de Serviço (FGTS) e do Fundo de Participação - PIS/PASEP, serão corrigidos pelos
rendimentos das Letras de Câmbio do Banco Central do Brasil (LBC) ou por outro
índice que vier a ser fixado pelo Conselho Monetário Nacional, mantidas as taxas
de juros previstas na legislação em vigor."
Por sua vez, dispões a Resolução 1.338, de 15/06/87:
"III - Os saldos das cadernetas de poupança (...) serão atualizados, no mês de
julho de 1.987, pelo mesmo índice de variação de variação do valor nominal da
OTN."
"IV - A partir do mês de agosto de 1.987, os saldos referidos no item anterior
serão atualizados por um dos seguintes itens, comparados mês a mês:
a) A variação do valor nominal da OTN: ou,
b) O rendimento da LBC, que exceder o percentual fixo de 0,5% (meio por cento)."
Como se vê, tal resolução foi editada em perfeita sintonia com o comando
expresso do citado artigo 12, do Decreto-Lei nº 2.311/87, que, a toda evidência,
delegou ao Conselho Nacional competência para fixar outro índice de correção dos
saldos de depósitos em poupança.
Nos termos do art. 2º, § 1º, da Lei de Introdução ao Código Civil, o Decreto-Lei
nº 2.311/86 ao dar nova redação ao art. 12. do DL. 2.284/86, revogou o § 2º
deste artigo que previa a adoção do maior índice (IPC ou LBC) para a correção
dos saldos das poupanças. Cuida-se de revogação tácita em face da
incompatibilidade entre o critério adotado por cada Decreto-Lei.
Atente-se para o fato de que os dois parágrafos do referido art. 12 (Decreto-Lei
nº 2.311/86) limitam no tempo a utilização do índice de preços ao consumidor
(IPC), cujo abandono definitivo como índice obrigatório ocorreu no dia 28 de
fevereiro de 1.986. Daí em diante apenas permaneceu a facultatividade expressa
no caput do artigo 12: "ou por outro índice que vier a ser fixado pelo CMN."
Observa-se, ainda, que os demais decretos-leis que sucederam o de nº 2.311 (Decreto-Leis
nºs. 2.322, 2.335, 2.336, de 1987) nenhuma determinação fizeram para a
seletividade dos índices de correção monetária de cadernetas de poupança ou dos
outros fundos.
De modo que, quando da edição da Res. 1.338 do BACEN, vigia, como ainda vige, o
artigo 12 e § do Decreto-Lei nº 2.284/86 com a redação que lhe foi dada pelo
Decreto-Lei nº 2.311/86 o qual, como se viu, circunscreve a alternativa do
índice de correção à LBC outro índice, a critério do CMN.
E a competência do Conselho Monetário Nacional para editar normas que afetam o
mercado financeiro está plenamente assentada, inclusive perante o Supremo
Tribunal Federal.
Como afirmou Fábio Konder Comparato, em artigo publicado na Revista de Direito
Mercantil, Industrial, Econômico Financeiro, nº 8, 1.971, p. 61,
"Tais resoluções não constituem (...) um simples ato administrativo
regulamentar, mas sim o preenchimento de uma norma legal em branco, atuando,
portanto, com o necessário momento integrativo de seu conteúdo, e participando
da sua natureza."
Assim, sendo lícito ao CMN fixar qualquer índice para o reajuste dos saldos das
contas-poupança, plena de eficácia é a Resolução 1.338/87, que revogou a
Resolução 1.336/87, aonde se previa a correção dos saldos segundo a variação
nominal da OTN atualizada pelo maior índice entre o IPC e a LBC.
Nesse sentido o mesmo se diz da Medida Provisória nº 32, transformada na Lei nº
7.730/89 e também da Medida Provisória nº 168, sendo que em relação a esta
última houve ainda a questão dos recursos bloqueados.
No caso da Medida Provisória nº 168/90, as cadernetas de poupança existentes
sofreram o seguinte tratamento:
a) Aquelas cujo primeiro aniversário após a MP se deu ainda em março, tiveram no
dia do aniversário, o crédito de 73,64%, sendo o saldo excedente de NCz$
50.000,00 (quantia convertida em cruzeiro) transferidos para o Banco Central do
Brasil;
b) Aquelas cujo primeiro aniversário após a MP se deu em abril, tiveram também
no dia do aniversário, o crédito de 85,24%, sendo, igualmente, o saldo excedente
a NCz$ 50.000,00 transferidos para o Banco Central do Brasil.
Esse procedimento foi expressamente disciplinado pelo art. 6º da MP 168, que
determinou a conversão do valor de NCz$ 50.000,00 na data do primeiro
aniversário e pelo art. 9º que mandou transferir ao Banco Central do Brasil os
saldos não convertidos, obrigando os bancos a manter cadastros individualizados
em nome do titular de cada operação (par. único do mesmo art. 9º).
Assim, em ambos os casos acima referidos, os recursos bloqueados só permaneceram
aplicados na conta de poupança até o 1º aniversário pós-bloqueado. Nessa data
foi efetuado o crédito de rendimentos (de 73,64% ou 85,24% conforme o caso),
converteu-se a quantia de NCz$ 50.000,00 e o saldo não convertido foi
transferido ao Banco Central do Brasil, deixando, portanto, esse saldo de
representar uma aplicação em cadernetas de poupança.
Os recursos transferidos ao Banco Central do Brasil, por sua vez, passaram a
render (desde a data da transferência) correção monetária diária pelo BTNF mais
8% a.a. de juros (art. 6º, § 2º, da MP 168).
Assinala-se, a propósito, que esse critério de remuneração incidiu também sobre
os cruzados novos bloqueados e transferidos ao BACEN, originados de outras
aplicações financeiras (depósitos a prazo fixo, letras de câmbio, depósitos
inter-financeiros, debêntures, e outros ativos financeiros, inclusive recursos
captados pelas instituições financeiras por meio de operações compromissadas).
Até os recursos que estavam em depósitos à vista (conta corrente bancária), que
nada rendiam, passaram a ter idêntica remuneração. Confiram-se os arts. 5º, 6º e
7º da MP 168/90.
Como se percebe, em todas essas situações os ativos financeiros em cruzados
novos (quer, antes, fossem remunerados ou não, quer tivessem renda variável, ou
fixa, ou aleatória) existentes na data da Medida Provisória 168/90, enquanto não
convertidos em cruzeiros, passaram, a partir da sua transferência para o Banco
Central do Brasil, a perceber a mesma e idêntica remuneração (BTN diária + 6% a.
a.).
Qualquer eventual prejuízo que a autora possa alegar ter tido, em razão do
bloqueio e transferência de seus recursos para o Banco Central do Brasil,
decorre não de um ato do Contestante, mas sim de ato do Governo, lastreado na
referida MP 168/90, convertida na Lei nº 8.024/90.
Em suma, os recursos não estavam com o Contestante, que não atribui nenhuma
remuneração, nem alta, nem baixa, a esses valores.
O Banco Central do Brasil, desde que lhe foram transferidos os recursos,
tornou-se o único depositário dos NCz$ bloqueados.
Inequívoca, pois, a ruptura ex lege da relação contratual em curso entre a
autora e este Contestante, em decorrência de intervenção do Poder do Estado com
base em manifestação formal de lei.
Bem de ver a Lei nº 8.024/90 constitui norma de ordem pública, de natureza
cogente, cuja aplicabilidade é imediata e obrigatória:
"As disposições normativas impregnadas de espírito de ordem pública econômica,
notadamente dirigista, aplicam-se imediatamente, sem que possam ser paralisadas
pela invocação de supostos direitos adquiridos. Assim, o contrato não lhe deve
ser contrário ou discrepante, quer na sua formação, quer quando produz seus
efeitos. As cláusulas discordantes do mandamento legal são substituídas
automaticamente pelas disposições normativas". (Orlando Gomes, Questões de
Direito Civil - Pareceres, pág. 356/361).
Dessa maneira, se da edição da Lei nº 8.024/90, que criou sistemática própria
para a correção dos ativos financeiros bloqueados junto ao BACEN (oriundos, no
caso, de depósitos em poupança), adveio prejuízo à autora, como afirma a
inicial, é de ser responsabilizado, exclusivamente, o Estado.
Corroborando esta assertiva, sustenta Cretella Jr.
"Responde o Estado sempre por atos danosos, causados quer por lei
inconstitucional, quer por lei constitucional". (in, O Estado e a Obrigação de
Indenizar - pág. 286).
No mesmo sentido, lição de Juary C. Silva (A Responsabilidade do Estado por Atos
Judiciários e Legislativos, pág. 267):
"Em substância, portanto, ambos os acórdãos proclamam idêntico princípio:
O Estado deve responder, se de uma lei tida como inconstitucional, derivam danos
para terceiros. Quer isso dizer que a responsabilidade no caso é do Poder
Público, ainda que os atos lesivos possam provir, em tese, de particulares.
Estes são a priori isentos de responsabilidade, no caso, pois quem age em
virtude de uma lei procede licitamente. A responsabilidade só pode ser do
Estado, que editou lei em desconformidade com a Constituição. Dessarte, uma vez
decretada pelo Judiciário a inconstitucionalidade, os atos praticados de acordo
com a lei assim considerada regutam-se a posteriori ilícitos, facultando-se aos
prejudicados reclamar do Poder Público o ressarcimento dos danos que tiveram
sofrido." Igualmente. Doutrina Yussef Said Cahali, in Responsabilidade Civil do
Estado, pág. 230.
Aliás, a responsabilidade da União já foi reconhecida pela jurisprudência, em
face de planos econômicos anteriores que, relativamente às cadernetas de
poupança, apenas haviam alterado índices de rendimento, mantendo íntegro, no
mais, o contrato.
Confira-se sentença proferida pelo Juiz de Direito de Passo Fundo/RS, autos nº
21189015445:
"Ora, quem se pauta comportamentalmente nos exatos termos da Lei e do contrato
não pode ser responsabilizado por prejuízos que se ocorrentes - não lhes deu
causa, nada tendo, por isso a indenizar a quem quer que seja. A modificação das
regras no curso do contrato somente pode ser debitada à lei e, por conseqüência,
ao órgão legiferante, em última análise, a União. Jamais as entidades
financeiras do País, que em nada contribuíram para tanto."
Na mesma linha, o entendimento do Juiz Federal da 5ª Vara - Seção Judiciária do
Paraná, nos autos nº 2.158/87, da ação ordinária proposta contra o Banco
Central:
"O conflito de interesses está entre os depositantes e Banco Central que fixa os
índices de correção. De nada adiantaria acionar os estabelecimentos bancários,
pois estes viriam a denunciar o Banco Central. E a lide resultaria no estado em
que se encontra. Correta, pois, a posição da inicial que, de plano, dirigiu o
pedido contra o Réu. Aliás, este reconhece na preliminar que é o ente com função
normativa para orientação, disciplina e controle do Sistema Financeiro da
Habitação."
Na hipótese sub-judice, com maior razão verifica-se a exclusiva responsabilidade
do Estado pois, como se viu, rompeu-se, por ato do príncipe, o contrato de
poupança firmado entre as partes: os saldos em cruzados novos não convertidos
foram transferidos ao Banco Central do Brasil, permanecendo o Contestante apenas
com a incumbência de escriturar as contas gráficas correspondentes.
Sobre a matéria, decisão proferida pelo Juiz de Direito da 7º Vara Cível de São
Paulo, autos nº 974/91:
"(...) constata-se que os autores pleiteiam diferença de correção monetária
sobre valores convertidos de cruzeiros para cruzados novos e transferidos para o
Banco Central do Brasil (...) em se tratando de correção monetária (ou
atualização monetária) de cruzados novos, a legitimidade para responder pela
ação é do Banco Central do Brasil e a competência, para o julgamento da Justiça
Federal. Não é necessário fazer maiores considerações a respeito, pois o fato é
notório e a imprensa paulista noticiou durante muito tempo a existência de filas
enormes às portas do prédio da Justiça Federal para o ajuizamento de ações
relativas à liberação de cruzados novos, ou através de mandado de segurança ou
de medidas cautelares, com posterior ajuizamento de ações ordinárias, nestas se
pleiteando sempre, além da liberação, também a atualização monetária através dos
índices do IPC (...). Há que se ressaltar que o fato das contas gráficas terem
permanecido junto aos respectivos bancos, não lhes confere legitimidade para
responderem pela verba pleiteada pelos autores, uma vez que, efetivamente, todos
os cruzados novos estão contabilizados junto ao Banco Central do Brasil. Esse
fato é, inclusive, atestado pelos acórdãos que acompanham a inicial, todos
emanados da Justiça Federal."
Nesse contexto, afigura-se irrelevante o fato de ter a autora firmado com este
Contestante contratos .... referidos na inicial para o fim de conferir-lhe
legitimidade para a ação. A causa de pedir é o alegado ato ilícito sobrevindo,
que teria causado o prejuízo afirmado, ato esse de responsabilidade direta do
Estado.
Dessa maneira, simultaneamente à ilegitimidade de parte do Contestante para
figurar no polo passivo da ação, emerge a titularidade do Banco Central do
Brasil e da União Federal, cumprindo-se, pois, nomeá-los à autoria, nos termos
dos artigo 63 do CPC:
"Aplica-se também o disposto no artigo antecedente à ação de indenização
intentada pelo proprietário ou pelo titular de um direito sobre a coisa, toda
vez que o responsável pelos prejuízos alegar que praticou o ato por ordem, ou em
cumprimento de instruções de terceiros."
2. DA ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM
Ainda que não aceita a nomeação à autoria pelos nomeados, é de rigor seja
acolhida a ilegitimidade passiva do Contestante, na esteira dos argumentos já
expedidos, ora reiterados, julgando-se extinto o feito com base no art. 267, VI,
do CPC.
3. DA DENUNCIAÇÃO DA LIDE
Na hipótese de não acolhimento da preliminar retro argüida, impõe-se seja
denunciada à lide ao Banco Central do Brasil - depositário dos cruzados novos -
e à União Federal com fundamento no art. 70, III, do CPC.
Em face aos argumentos expedidos, sobreveio a procedência da ação, ad
argumentandum, inquestionável é o direito do Contestante de se voltar contra os
denunciados para reclamar o que for obrigado a despender nesta ação.
E o exercício desse direito de regresso, frise-se, é perfeitamente cabível via
denunciação da lide:
"A parte que enceta a denunciação da lide, o denunciante, ou tem um direito que
deve ser garantido pelo denunciado - transmitente ou é titular de eventual ação
regressiva em face do terceiro, porque demanda em virtude de ato deste". (Luiz
Fux, Intervenção de Terceiros pág. 31).
Ademais, cabe a denunciação da lide "sempre que, em face das relações de direito
material entre as partes envolvidas, ocorrer a possibilidade de decisões
contraditórias, na demanda principal e na demanda regressiva, se o terceiro não
ficar vinculado à primeira sentença". (Milton Flaks, Denunciação da Lide, pág.
171).
No caso em tela, há essa eventualidade pois em ambas as lides - principal e
regressiva - a decisão apreciará a legalidade e constitucionalidade de ato do
Governo Federa
DO MÉRITO
DOS FATOS
Em síntese, não concorda a autora contra a forma de atualização dos ativos
financeiros que mantém junto à agência do contestante (Cadernetas de Poupança),
quer disponíveis, quer bloqueados (MP 168), insurgindo-se contra a Resolução nº
1.338, de 15/06/87, do Banco Central do Brasil, bem assim contra a Medida
Provisória nº 32, transformada na Lei nº 7.730/89, e ainda contra a Medida
Provisória nº 168, transformada em Lei nº 8024/90, que introduziram modificações
na forma de cálculo dos rendimentos das "Cadernetas de Poupanças" sobre os
depósitos existentes nos meses de julho/87, janeiro/89 e março/90, questionando
a constitucionalidade das citadas leis, já que feriam direito adquirido.
Com isso, visa a condenação do contestante no pagamento das diferenças entre os
índices de correção incidentes sobre os depósitos então existentes, na forma
disposta na inicial.
Extraí-se dos autos que a lide circunscreve-se à matéria de direito, onde
discute-se a ocorrência ou não de "direito adquirido" da autora às diferenças
percentuais com relação às "Cadernetas de Poupança" cujas datas base ou de
"aniversário" antecederam as modificações introduzidas.
DO DIREITO
1. DA LEI Nº 8.024/90 CRITÉRIO PARA A ATUALIZAÇÃO ATIVOS FINANCEIROS BLOQUEADOS
INEXISTÊNCIA DE OFENSA A DIREITO ADQUIRIDO. PREPONDERÂNCIA DA NORMA DE ORDEM
PÚBLICA.
A Lei nº 8.024/90 respeitou os princípios da irretroatividade e da isonomia.
Com efeito, citada norma não atingiu imediatamente os contratos cujo período
mensal para percepção dos rendimentos se encontravam em curso: dispõs a lei que
as quantias que excederem o limite de NCz$ 50.000,00,
"Serão atualizadas monetariamente pela variação do BTN Fiscal, verificada entre
a data do próximo crédito de rendimento e a data da conversão, acrescidas de
juros equivalente a 6% (seis por cento) ao ano ou fração 'pró rata' (§ 2º do
art. 6º)."
Isso porque, após o "próximo crédito", os recursos foram transferidos para o
Banco Central do Brasil.
Daí porque os investidores, cuja data base da poupança no mês de março foi
anterior a 14.03.90, tiveram preservado o seu direito à correção e juros,
perfazendo o total de 85,24%, creditados no 1º aniversário, seguinte, que se deu
em abril /90.
Relativamente às poupanças cujo primeiro aniversário posterior ao plano se deu
em março, tiveram, igualmente, preservado o direito aos rendimentos do período
em curso, sendo-lhes creditado, nas respectivas datas base, seguintes à edição
da lei, os rendimentos integrais relativos ao período (73,64%).
Só a partir do crédito relativo ao período que estava em curso (73,64% ou
85,24%, conforme o caso) é que (Antes de Iniciar o Período Seguinte) os recursos
foram transferidos ao Banco Central do Brasil.
Conclui-se, pois, que a lei dispensou tratamento igual a todos os poupadores, na
medida em que a transferência para Banco Central (e, em decorrência, o novo
critério de remuneração) só se deu, qualquer que fosse o aniversário da
poupança, na data do "próximo crédito de rendimento", ou seja, não atingiu os
rendimentos relativos ao período anterior, nem os do período que já se
encontrava em curso quando da edição do plano governamental.
Por conseguinte, não há que se falar em ofensa a direito adquirido da autora. Os
efeitos da nova lei projetaram-se para o futuro.
Logo, inaplicável, na hipótese em exame, o percentual de ....% pretendido pela
autora.
Relativamente às .... com data-base anterior à .... de .... de ...., não é
devido o percentual de ....% pretendido pela autora, pois a estas .... já foi
creditado este índice.
Ressalta-se, por oportuno, a legitimidade da alteração de regime contratual por
norma afeta à economia, portanto de ordem pública e de natureza cogente.
A respeito, parecer do Professor Orlando Gomes, que vale pela clareza de suas
próprias palavras:
"Sempre que uma lei é editada nesse domínio (o campo da legislação econômica
interventiva) o conteúdo dos contratos atingi tem de se adaptar às suas
inovações; semelhante adaptação verifica-se por força da aplicação imediata da
leis desse teor, sustentada como prática necessária à funcionalidade da
legislação econômica dirigista; derroga-se com essa inter-temporal que resguarda
os contratos de qualquer intervenção legislativa decorrente de lei posterior à
sua conclusão."
Essa, inclusive, tem sido a orientação do Superior Tribunal de Justiça:
"Constitucionalidade dos decretos-leis sobre 'finanças públicas', ao editarem
normas com a intenção de obter a estabilidade econômica no país.
Normas de ordem pública, que implicam na derrogação de cláusulas de contratos em
curso". (R. Esp. nº 3683 - SP - 90.00057 54-0; j. 11.09.90, v.u; DJU 09.10.90).
Na mesma linha: R. Esp. nº 2595 - SP (Bol. AASP nº 1.662, pág. 259), R. Esp. nºs
5015 e 3931 (Bol. AASP nº 1647, págs. 24 e 23).
Do exposto, resta evidente que não há violação de direito adquirido, sendo
oportuno frisar que:
O conceito do instituto foi fixado em lei (art. 6º, § 2º, da Lei de Introdução
ao Código Civil), ficando restrito àqueles direitos cujo efetivo exercício
esteja na dependência exclusiva de uma ato do seu titular.
Esclarece Clóvis Beviláqua (Código Civil dos Estados Unidos do Brasil,
comentado, Ed. Rio, 1.975, p. 101), em comentários ao art. 3º da lei nº
3.071/16, alterada pela lei nº 3.725/19, que
"...Para que o direito possa ser exercido pelo titular ou por seu representante,
é necessário:
a) Que se tenha originado de um fato jurídico, de acordo com a lei do tempo, em
que se formou ou produziu;
b) Que tenha entrado para o patrimônio do indivíduo..."
E mais adiante:
"... Acham-se no patrimônio os direitos que podem ser exercidos..."
Confira-se, ainda, a lição de Caio Mário da Silva Pereira (Instituição de
Direito Civil, vol. I, 10ª. Ed. Forense, RJ., p. 13 e segs.), evidenciando que o
direito pátrio, na matéria, pautou-se pela adoção das teses subjetivistas,
afastadas pelo Decreto-Lei nº 4.657/42, mas retomadas pela Lei nº 3.238/57.
Assim, analisando a definição de CABBA, aponta o mestre:
a) Como todo direito se origina de um fato ... é preceito que o fato gerador do
direito adquirido tenha ocorrido por inteiro. Se trata-se de um fato simples, é
facílimo precisá-lo; mas se é um fato complexo, necessário será apurar-se se
todos os elementos constitutivos já se acham realizados na pendência da lei a
que é contemporâneo.
b) Não se confunde com o direito adquirido totalmente consumado, pois este já
produziu todos os seus efeitos, enquanto que o direito adquirido continua tal,
muito embora venha a gerar conseqüências posteriormente ao tempo em que tem
eficácia a lei modificadora.
c) Para que se tenha como adquirido, é mister, ainda, a sua integração no
patrimônio do sujeito.
Do direito distinguem-se a expectativa de direito e as meras faculdades legais.
Enquanto o direito adquirido é a conseqüência de fato aquisitivo que se realizou
por inteiro, a expectativa de direito, que traduz uma simples esperança, resulta
de um fato aquisitivo incompleto...
Na situação em foco, ao vincular-se a correção monetária dos saldos depositados
em contas de poupança a índice devidamente nominado, mas cujo valor seja fixado
a posteriori, não houve incorporação ao patrimônio do poupador de um número
certo e determinado como sendo tal índice. Tal somente ocorreria se a correção
fosse Pré-Fixada. Tinham os depositantes, portanto, mera expectativa de direito,
circunstância não tutelada constitucionalmente.
Os critérios fixados pela Resolução nº 1.338 do Banco Central do Brasil bem como
posteriormente, pela Medida Provisória nº 32, caracterizam a esperança que tinha
a autora de obter a correção monetária dos saldos depositados segundo os moldes
ali traçados. Esperança esta não tutelada juridicamente, e frustrada pelas
alterações então introduzidas. Na expressão de Caio Mário da Silva Pereira,
houve
"fato aquisitivo incompleto."
Não há ato jurídico perfeito. Este é, novamente segundo Clóvis Beviláqua,
aquele,
"... Já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou ..."
Acresce Caio Mário da Silva Pereira que
"... É o fato plenamente constituído, cujos requisitos se cumpriram, na
pendência da lei cujo império se realizou..."
É, aliás, o que dispõe o parágrafo 1º do art. 6º, da Lei de Introdução do Código
Civil.
No caso presente, a obrigação de corrigir monetariamente os saldos de contas de
poupança surge com a combinação de dois fatores: o depósito e transcurso de um
certo tempo (um mês). Não se consuma, não se constituí o ato gerador de direito
à correção Apenas com o depósito. Se assim fosse, o poupador poderia,
suponha-se, 15 dias após o depósito postular o saque do saldo corrigido e
acrescido de juros, de forma proporcional. Ora, isto não é verdadeiro. O ato
jurídico, aqui, se aperfeiçoa com o transcurso do período mínimo fixado para que
se faça jus à correção monetária (um mês). Perfeitos seriam os atos jurídicos
cujos períodos tivessem transcorridos (um mês) antes do advento da Resolução nº
1.338 do Banco Central e mencionada Medida Provisória. Em relação a estes, mesmo
que o saque não tivesse ocorrido, seria ilícito recalcular a correção para
aplicar a nova lei. Mas não é esta a questão em exame. Os autores apenas fizeram
depositar antes da Resolução 1.338. Não se aperfeiçoou o ato jurídico gerador do
seu direito.
J.M. de Carvalhos Santos, em seu "Código Civil Brasileiro Interpretado", 10ª.
Edição, págs. 40 e segs., levanta duas hipótese para a caracterização do direito
adquirido:
a) O direito cujo exercício esteja inteiramente no arbítrio do respectivo
titular, ou alguém por ele: e
b) O direito cujo exercício, para estar inteiramente no arbítrio do respectivo
titular, ou de alguém por ele, dependa apenas:
de um termo já fixado, ou de uma condição já estabelecida, contanto que não seja
alterável ao arbítrio de outrem.
Na primeira hipótese, para que o direito possa ser exercido pelo titular, é
necessário:
a) Que se tenha originado de um fato jurídico, de acordo com a lei do tempo em
que se formou ou produziu;
b) Que tenha entrado para o patrimônio do indivíduo.
Prosseguindo, aduz o insigne jurista:
"Razão, portanto, teve o douto Epitáfio Pessoa, quando disse nesta síntese
perfeita:
Para que se tenha direito a alguma coisa, a primeira coisa é, naturalmente, que
essa coisa exista. Enquanto isso não ocorre, ter-se-á, quando muito, uma
expectativa."
De sorte que, uma só condição daquelas essenciais que não se tenha realizado, já
se não poderá falar em direito adquirido. Há apenas mera expectativa de direito,
que, para se tornar verdadeiro direito adquirido, esta ainda dependente da
verificação de acontecimentos posteriores. O direito adquirido já se integrou no
passado, enquanto que a mera expectativa depende de acontecimento futuros para
poder se converter em verdadeiro direito.
Se o direito adquirido se distingue assim da mera expectativa de direito, também
se deve distinguir do direito já consumado: o direito adquirido deve ser uma
conseqüência de um fato idôneo a produzi-lo. É preciso mais que a ocasião de
fazê-lo valer não se tenha apresentado antes da atuação de uma lei nova sobre o
mesmo fato jurídico já sucedido, mas ainda não feito valer em toda sua extensão,
não consumado. Basta existir in potenza - e nisso se firma a distinção entre o
direito adquirido e direito consumado (Gabba, "Teoria della retroatt. delle
leggi", vol. 1.33).
Voltando à hipótese dos autos, vamos verificar que esta não foi a primeira vez
que determinação "de interesse público" veio alterar a forma de remuneração das
cadernetas de poupança, e nos parece insofismável a legitimidade da delegação de
poderes legalmente imposta ao Conselho Monetário Nacional para determinar e
fixar índices de correção monetária para atualização de seus saldos.
Ora, se a autora já tinha ciência inequívoca de que a remuneração das cadernetas
de poupança, desde há muito, têm seus índices e critérios de correção fixados
pelo BACEM em atenção às conveniências da política econômico-financeira do
governo, não há como admitir-se a procedência do insurgimento manifestado na
inicial. Não se pode dizer que a autora se viu surpreendida pela mudança do
índice e tampouco falar-se em direito adquirido, à vista do disposto no artigo
12, § 2º, do Decreto-Lei nº 2.284/86, com a redação que lhe deu o Decreto-Lei nº
2.290/86 (artigo 1º, § 2º).
Portanto, sob duplo aspecto improcede a demanda. Primeiro, porque a autora
notoriamente tinha ciência que as regras para remuneração de suas poupanças são
dirigidas por aquele órgão governamental, que, por conveniência de ordem pública
- de interesse geral - fixa os índices a serem utilizados de conformidade com as
mudanças de rumo da economia nacional; segundo - e principalmente - porque,
efetivamente, a teor dos ensinamentos doutrinários, não lhe socorre o argumento
do direito adquirido, pois enquanto não decorridos os trinta dias da data base -
ou do "aniversário" - nada lhes garante a remuneração respectiva. Assim, no
dizer de J.M. de Carvalho Santos, o direito não entrou para o patrimônio do
autor, razão porque dispõe ele, apenas, de uma expectativa de direito, que,
induvidosamente, não corresponde a um direito adquirido.
Nesse sentido, a sentença proferida nos autos do Mandato de Segurança nº
11-532/87, onde se debatia questão idêntica à sub-judice, de onde se destaca:
"Parafraseando a proficiente promoção da representante do Ministério Público
Federal, não há falar mesmo em direito adquirido, pois a Resolução nº 1.336, de
11/06/87, foi revogada em 15/06/87 antes, portanto, do mês de julho (decurso de
tempo), que seria o fato jurídico aquisitivo do direito de ver corrigido o saldo
da conta-poupança segundo o critério previsto na Resolução revogada, e pela
incorrência do fato jurídico, segue-se que este direito não se incorporou ao
patrimônio do impetrante para ser regularmente exercido."
De outro lado, cabe destacar que os textos legais em exame são continentes de
normas de ordem pública, o que na lição de Miguel Reale ("Lições Preliminares de
Direito', Ed. Bushatsky, 1.973, p. 154/155):
"... Implica na exigência irrevogável do seu cumprimento, quaisquer que sejam as
intenções ou desejos das partes contratantes, ou dos indivíduos a que se
destinam. O Estado não subsistiria, nem a sociedade poderia lograr seus fins, se
não existissem certas regras dotadas de conteúdo estável, cuja obrigatoriedade
não fosse insuscetível de alteração pela vontade dos obrigados..."
Nesta condição, tais preceitos legais teriam, até mesmo, aplicação retroativa,
afastando, assim, a incidência dos argumentos trazidos com o pedido.
Destaca Washington de Barros Monteiro que:
"... Em regra, todas as normas de direito público têm aplicação imediata..."
Acrescenta Carvalho Santos;
"... Daí o respeito aos interesses e os direitos adquiridos particulares ter de
ceder lugar, submetendo-se aos interesses de ordem geral, aos interesses de
ordem pública, com os quais não podem entrar em conflito, porque preponderam,
têm supremacia, de vez que os interesses da coletividade prevalecem sobre os
interesses individuais.
Onde quer que haja necessidade, por interesse de ordem superior, de sacrificar
os direitos de outrem, não se nega a possibilidade da lei ter efeito retroativo,
ainda que vá ferir direitos adquiridos, ato jurídico perfeito ou coisa
julgada..."
Na mesma direção, o entendimento da jurisprudência, consoante acórdão proferido
pelo Supremo Tribunal Federal, onde se debatia, também, a incidência de norma de
direito público, de natureza monetária, sobre as situações em curso:
"... É evidente que essas leis possuem natureza monetária. O fato econômico mais
grave, que corrói há décadas a vida do País, é a inflação. Nada mais natural ,
portanto, que o governo cumpra o dever elementar de ditar normas de indexação
monetária, no desesperado afã de disciplinar o mal, já que não pode extirpá-lo
de vez..."
Sobre a aplicação imediata dessas leis, arremata:
"As leis monetárias, pela própria transcendência de Direito Público de que se
revestem, são de aplicação imediata, segundo o consenso dos mestres de Direito
transitório, sobre os contratos em curso e, bem assim, sobre qualquer relação
jurídica de outra natureza, pública ou privada, não ressalvada pelo novo
texto...". (RTJ 115/379).
Como ali afirmado, com base nos ensinamentos de Roubier, as leis monetárias
incidem sobre os contratos vigentes.
Ressalta-se ainda, que a adoção de Medidas Provisórias com força de lei, pelo
Presidente da República, está prevista na Constituição Federal (art. 62). E a
relevância e urgência da Medida Provisória nº 32, posteriormente convertida na
Lei nº 7.730/89, parece-nos extreme de dúvidas.
De resto, não caracterizados os prejuízos da autora propalados na inicial, à
vista do fim precípuo da poupança: "o resguardo dos poupadores, principalmente
os pequenos, contra os efeitos da inflação". Com efeito: nos meses subsequentes
ao mês de janeiro de 1.989, principalmente em fevereiro, março e abril, os
rendimentos das cadernetas de poupança foram incrivelmente superiores aos
respectivos índices inflacionários, de sorte que, considerando-se o fundamento
da demanda exarado pela própria autora, eventual prejuízo não corresponderá à
grandeza disposta na exordial.
Ainda, resta repetir, frisando, que a alteração na forma de remuneração da
Caderneta de Poupança não constitui novidade: não podendo ignorar-se, ademais,
as disposições do art. 12 e § do Decreto-Lei nº 2.284/86, com a redação que lhe
foi dada pelo Dec. Lei nº 2.311/86, a delegar ao Conselho Monetário Nacional o
estabelecimento do critério para a remuneração do capital poupado.
DOS PEDIDOS
Diante do exposto, requer-se:
A intimação da autora para que se manifeste sobre nomeação à autoria; na
hipótese de acolhimento, os autos deverão ser redistribuídos para a Justiça
Federal.
Se não aceita a nomeação, a extinção do processo por ser o contestante parte
manifestamente ilegítima nos termos do artigo 267, in. VI, do Código de Processo
Civil;
Se não isso, seja determinada a citação do Banco Central do Brasil e da União
Federal na qualidade de denunciados da lide pelo contestante, deslocando-se a
competência para a Justiça Federal;
Ainda, o julgamento antecipado da lide, por tratar-se de matéria eminentemente
de direito e pela total improcedência do pedido relativamente ao Contestante,
arcando a autora com os ônus sucumbenciais.
Por cautela, protesta-se por todos os meios de provas em direito admitidos,
especialmente o depoimento pessoal da autora, oitiva de testemunhas e juntadas
de documentos.
Nesses Termos,
Pede Deferimento.
[Local], [dia] de [mês] de [ano].
[Assinatura do Advogado]
[Número de Inscrição na OAB]