Ação de rescisão de contrato verbal e/ ou anulação de negócio jurídico, tendo em vista o erro do requerente e o dolo da requerida.
EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA ..... VARA CÍVEL DA COMARCA DE ....., ESTADO
DO .....
......., australiano, portador do passaporte n.º (estado civil), profissional da
área de ....., portador (a) do CIRG n.º ..... e do CPF n.º ....., residente e
domiciliado (a) na Rua ....., n.º ....., Bairro ....., Cidade ....., Estado
....., por intermédio de seu (sua) advogado(a) e bastante procurador(a)
(procuração em anexo - doc. 01), com escritório profissional sito à Rua .....,
nº ....., Bairro ....., Cidade ....., Estado ....., onde recebe notificações e
intimações, vem mui respeitosamente à presença de Vossa Excelência propor
AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO VERBAL E/ OU ANULAÇÃO DE NEGÓCIO JURÍDICO C/C ACTIO
IN REM VERSO
em face de
....., brasileiro (a), (estado civil), profissional da área de ....., portador
(a) do CIRG n.º ..... e do CPF n.º ....., residente e domiciliado (a) na Rua
....., n.º ....., Bairro ....., Cidade ....., Estado ..... , pelos motivos de
fato e de direito a seguir aduzidos.
DOS FATOS
O autor é australiano, possui .... (....... e ........) anos de idade e é
cunhado da requerida.
O autor, não falando a língua portuguesa, foi convidado pelo seu único irmão e
cunhada para vir ao Brasil, no ano de .......
Como seu irmão era o único parente vivo, e este reside no Brasil há mais de
...... anos, não hesitou o autor em vir para cá, na condição de turista.
Ainda nesse ano, travou amizade com a requerida.
O autor possuía considerável economia pessoal, fruto de longa e árdua vida de
trabalho, fato que, levou a requerida, a induzi-lo em erro, da seguinte forma:
1) A requerida pediu ao autor para que lhe desse dinheiro para aquisição de
terreno no Balneário de .........., situado na Rua ..............., n.º
.........
2) Uma vez adquirido o terreno, a requerida construiria para o autor, sobrados
(residenciais), para que ele passasse os últimos dias de sua vida junto aos
seus;
3) Assim pactuados, confiando em sua cunhada, o autor retornou à
..............., de onde remeteu altas somas de dólares australianos para a
conta da requerida, conforme documentos que seguem em anexo;
4) Então, a requerida erigiu edificações sobre o terreno. Porém, o referido
terreno não foi adquirido em nome do autor, pois que, a requerida - ainda
gozando da confiança, mas na verdade em verdadeiro abuso - disse-lhe que como
era estrangeiro e não estava em pleno gozo da cidadania, não poderia ter a
propriedade em seu nome;
5) Assim, uma vez edificadas as construções, com o dinheiro exclusivamente do
autor, este retornou ao ..........., para enfim, desfrutar do que havia mandado
construir para si, com total espírito altruísta, possibilitando também o lazer
para os familiares da requerida;
6) Uma vez retornando ao Brasil, sem falar nosso idioma, o autor ainda possuía
dinheiro. A requerida então argumentou que aplicasse em poupança, contudo, que o
fizesse em conta conjunta pois ele não tinha identidade brasileira e fê-lo crer
que só poderia aplicar se tivesse solidariamente uma pessoa de nacionalidade
brasileira;
7) E assim foi feito, o autor além de adquirir o imóvel que foi colocado apenas
em nome da requerida, foi induzido a abrir conta em conjunto no Banco do
..........;
8) Depois que o autor forneceu os meios para a requerida locupletar-se,
permaneceu residindo no imóvel. Todavia, depois de negar "empréstimo" à
requerida, passou a ser maltratado pela mesma. A requerida passou a agredi-lo
verbalmente, ameaçando-o de "expulsão" já que nada daquilo era dele.
Constrangido, o autor teve que sair do imóvel vindo à ..................... e
sem ter onde morar. Não teve outra alternativa que não a de alugar um
apartamento, quando poderia estar residindo e dispondo daquilo que deveria ser
seu de fato e de direito.
A requerida agiu com extrema insensibilidade movida pela cupidez ordinária
daqueles que cultuam o "deus mamon", ou seja, importando-se não com a
individualidade de seu benfeitor, antes, lançando-o à sorte e ao alheio em país
desconhecido.
O que entristece a qualquer um é o comportamento como esse da requerida, que
munida de um colete de indiferença, causa acerbos dissabores na vida de uma
pessoa honesta, cujas cãs demonstram sua fraqueza física.
Melhor sorte de tratamento mereceria o autor. Mas foi justamente no seio de seus
únicos parentes que encontrou o recrudescimento em virtude da ganância e avidez
causados pelo "germe" do dinheiro.
É de se frisar que a requerida ficou possuída de ira assim que o autor retirou
todo o seu dinheiro da conta corrente que era em conjunto com a requerida, isso
ocorreu entre os meses de .......... do corrente ano.
DO DIREITO
É certo que o direito positivo confere às pessoas a faculdade de provocar
efeitos jurídicos por intermédio de certos atos.
Assim, a autonomia da vontade, fruto das revoluções emancipatórias do século
XVIII, por assim dizer transformou o homem - de objeto para sujeito do direito -
fazendo em torno dela (da vontade) circular toda a órbita do direito.
Nessa linha, o negócio jurídico é o instrumento próprio para circulação dos
direitos. Ele é o meio de atuação das pessoas na esfera da sua autonomia. Os
negócios jurídicos auto-regulam os interesses dos manifestantes da vontade.
Seguindo este raciocínio há a classificação clássica dos negócios jurídicos:
negócio jurídico unilateral e negócios bilaterais. Apenas este importa para o
caso em tela, que como o próprio título sugere, dependem da manifestação da
vontade das duas partes, isto é, de dois consentimentos.
O contrato é uma espécie de negócio jurídico. Sempre que o negócio jurídico
necessitar da manifestação de duas vontades, estamos nos referindo a um
contrato.
Ulpiano definiu concisamente o que é o contrato: "est pactio duorum pluriumve in
idem placitum consensus" . Sem o concurso de duas ou mais pessoas não se pode
conceber a existência do contrato.
O contrato é um ato jurídico bilateral, pois depende de no mínimo duas
declarações de vontade, visando criar, modificar ou extinguir obrigações.
Diz Orlando Gomes que "negócio jurídico é toda declaração de vontade destinada à
produção de efeitos jurídicos ao intento prático do declarante, se reconhecido e
garantido pela lei"
Mister se faz que o impulso gerador da vontade não seja maculado pelo vício que
distorça sua manifestação.
E é aqui que reside a lide em questão.
Diz Orlando Gomes que "as razões que levam alguém a realizar determinado ato
jurídico podem resultar de falsa representação, que suscite desconformidade
entre a vontade real e a vontade declarada, quer espontânea, quer em
conseqüência da ação de outrem".
Como podemos perceber, o processo psíquico de formação da vontade não é
indiferente ao direito.
Por isso a doutrina salienta que:
"se alguém, por ignorância de certos fatos, realiza negócio jurídico, que não
realizaria se os conhecesse, a ordem jurídica não poderia deixar de lhe
proporcionar os meios para obter a invalidação ".
Ora, o negócio jurídico somente é perfeito quando, e somente quando, a vontade é
declarada de maneira lícita, livre e consciente, isto é, de acordo com a lei,
sem pressão física e moral e com correta percepção da realidade.
Vislumbra-se no caso em tela o ERRO, que é uma falsa percepção da realidade ou
falsa representação que influencia a vontade no processo de sua formação. O
agente, Diz Orlando Gomes, crê verdadeiro o que é falso, ou falso o que é
verdadeiro.
ERRO está ligado a ignorância e no caso em tela recaiu sobre a substância do
ato.
Nos tribunais do Brasil tem prevalecido o entendimento de que o ERRO SUBSTANCIAL
que é capaz de provocar a anulabilidade do negócio jurídico, em conformidade com
os preceitos dos artigos 138 e ss. do CCB, deve ser escusável e real (RT
666/147).
E mais:
"Em cada caso deve-se analisar a cultura, a inteligência e especialmente a
atividade profissional daquele que o alega" (RT 520/147).
Como salientado pela jurisprudência acima, o autor não tinha a "cultura"
necessária sobre o funcionamento de diversas coisas no Brasil, entre as quais, o
do regime de propriedade e comércio bancário.
Todavia, em que pese o autor estar incorrendo em ERRO, este defeito do negócio
jurídico recebe o tratamento de DOLO, vez que a manifestação de vontade do autor
não foi exteriorizada unilateralmente, antes, partiu de manobra ou maquinação da
requerida, feita com o propósito de obter a declaração de vontade que não seria
emitida se o autor não fosse enganado.
Ora, sendo a requerida sua cunhada, sendo o autor idoso e não tendo qualquer
conhecimento de nossa língua, facilmente se percebe que foi induzido.
Não há DOLO sem vontade de enganar. É necessário que o autor da malícia tenha a
intenção de induzir o deceptus em erro.
"O dolo pode ser caracterizado pelo abuso cometido por quem se aproveita do
estado psíquico desequilibrado de outrem, dando-lhe informação errônea para
incutir-lhe a falsa idéia de realizar negócio interessante" (RT 602/58).
É evidente que através da indução em ERRO (DOLO) a requerida experimentou um
enriquecimento sem causa enquanto que simultaneamente o autor experimentou um
empobrecimento, fato relevante para a "actio in rem verso".
Muitos estrangeiros aportaram nesse país com a esperança de ter vida melhor. É
notária a condição xenófila de nosso povo. No caso do autor, o mesmo veio para
cá com mais de .... anos de idade, não na esperança de ter melhor condição
financeira, pois esta já estava definida, veio para o Brasil para abrigar-se no
seio de pessoas familiares, amigas, e para sua surpresa foi visto como "fonte"
de subsistência (arrimo) de pessoas ávidas pelo locupletamento fácil e a custa
de quem é inerme.
Assim, tais negócios, eivados de vício de consentimento, como o do caso em
questão, não podem produzir efeitos, portanto, o ordenamento jurídico
confere-lhe o grau de NULO. Como tal negócio foi efetivado com infração ao
preceito legal de ordem pública, sua ANULAÇÃO deve ser reconhecida, porquanto
tal forma é vedada em lei, pois que a declaração emanou de DOLO da parte
requerida.
Está claro que o autor não iria comprar um terreno e mandar que nele fosse
construído sem poder desfrutar de tal intento.
Logicamente tal negócio deve ser tido como NULO porque houve má-fé da requerida.
O que o autor tenciona é ANULAÇÃO da escrituração e registro do imóvel situado
na Rua ..........., n.º......, onde figura como proprietária a requerida.
Tais fatos narrados até então, são de conhecimento da vizinha de imóvel do
autor, a advogada .........
Também o advogado ............. que visitou o autor na .........., tem
conhecimento que o mesmo enviou dinheiro para o Brasil, com o intuito de
adquirir o imóvel e propiciar sua construção.
A autora deverá provar, se não admitir que foi o autor o agente que propiciou a
aquisição e construção do imóvel, a sua fonte de renda, eis que sendo
.............., dificilmente conseguiria, em tão pouco tempo, o objeto da
presente lide.
A requerida deverá acostar aos autos suas últimas duas declarações de imposto de
renda, para provar suas posses.
Como requisito indispensável ao reconhecimento do enriquecimento ilícito ou do
enriquecimento sem causa, está caracterizado pelos documentos acostados, que
houve um prejuízo real para o autor e simultaneamente houve lucro indébito para
a requerida, ou seja, há prova de que o autor sofreu diminuição no seu
patrimônio e que a requerida logrou um aumento correspondente àquela diminuição,
de maneira sub-reptícia, porque não houve causa que justificasse tal aquisição
de patrimônio por parte da requerida.
Provado está também o nexo causal entre o empobrecimento e o enriquecimento das
partes.
Os documentos denominados de n.º ...... até o n.º ......., são extratos do
"................" (banco).
No primeiro deles se verifica que da ........ o autor enviou à requerida as
importâncias de U$ ................ e ............... (dólares ..........) que
foram creditados na conta da requerida (n.º ....................).
Pelo documento n.º ...... houve remessa de mais U$ .....................
(dólares ................). Percebe-se que pelo documento n.º ..... houve
emissão de mais U$ ..................... (dólares ............................).
Pelo documento n.º .... houve a emissão de mais ................. (dólares
.............). Pelo documento n.º ..... houve a emissão de U$
...................., U$ .................... e U$ ........................
Verifica-se que nesses documentos consta a Cidade de Destino - ................,
bem como as respectivas datas: ...... e ..../.... todos no ano de .........
As remessas totalizam a importância de U$ ........... e ............... mil e
......... e ............. e ........... dólares .......... e .......... e .....
centavos).
O documento de n.º ....., extrato do Banco do .................. da conta da
requerida, apresenta em ..../.... saldo de R$ ...........
Pelo documento n.º ..... e ....., verifica-se a emissão de .... cheques da conta
do autor, que era em conjunto com a requerida, um para pagamento das
................. da construção. Frise-se que os cheques eram "assinados" pela
própria requerida, eis que o autor não escrevia em português, sendo que até
nesse momento, a requerida gozava da confiança do autor, dado os laços de
"contra-parentesco".
Pelo documento n.º .... houve emissão de cheque pelo autor de R$ ........... da
referida conta em conjunto, também assinado pela requerida, agora para o
pagamento da .....ª parcela para construtora.
O documento n.º ..... é a prova de pagamento feito à ............ Verifica-se
nele que o total do contrato era de R$ .......
O documento n.º .... prova que o autor tencionava a divisão, justamente para
valer-se da propriedade e poder transmiti-la aos herdeiros.
Como o autor enviou mais de U$ ........... dólares .............. (cuja
referencial de cotação é de ...... reais) e pagou diversas contas estando aqui,
inclusive a da construtora, conforme se provou, no valor de R$
...................., o autor despendeu a quantia de R$ .......... mil.
DOS PEDIDOS
a) Requer que a ré seja citada no endereço acima mencionado;
b) Requer que seja reconhecida a ANULAÇÃO do negócio havido entre as partes,
dado o induzimento em erro sofrido pelo autor, dado o DOLO da requerida,
c) Tratando-se de pedido alternativo, não sendo acolhida a pretensão do item
acima, requer que seja rescindido o contrato verbal entre as partes e que está
consubstanciado na escritura pública de compromisso de compra e venda do
referido imóvel e benfeitorias, tendo por objeto o sobrado n.º..... de
.......... m², local denominado ..............;
d) Requer o depoimento pessoal da ré;
e) Requer o deferimento de todos os meios de prova admitidas pelo direito, muito
especialmente a prova testemunhal e documental;
f) Se esse juízo rescindir ou anular ambos os contratos, remetendo às partes ao
status quo ante, deverá mandar que se adjudique o imóvel em nome do autor ou a
quem ele determinar;
g) A presente demanda seja levada ao conhecimento, para anotação, no registro de
imóvel, ....a circunscrição;
h) Esse juízo obrigue a ré a instruir os autos com suas declarações de IR dos
anos de ........... e ..........;
i) Por fim, que haja condenação da ré nas custas processuais e honorários
advocatícios;
Dá-se à causa o valor de R$ .......
Nesses Termos,
Pede Deferimento.
[Local], [dia] de [mês] de [ano].
[Assinatura do Advogado]
[Número de Inscrição na OAB]