Ação civil pública proposta em decorrência de matadouro que utiliza de brutal violência no abate de animais, além de não ser dotado de política sanitária.
EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA ..... VARA DA FAZENDA PÚBLICA DE .....
AUTOS Nº .....
O Ministério Público do Estado de ....., por seu Promotor de Justiça
infra-assinado, no uso de suas atribuições legais, vem respeitosamente perante
Vossa Excelência, com fundamento no artigo 5º da Lei nº 7.347/85, propor
AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE LIMINAR
em face de
Prefeitura Municipal de ....., situada na rua ....., n. ..... , responsável pelo
MATADOURO MUNICIPAL daquela cidade, pelos motivos de fato e de direito a seguir
aduzidos.
DOS FATOS
Instaurou-se, na Primeira Promotoria de....., o Inquérito Civil de número .....
(que fica fazendo parte integrante da presente), com o intuito de apurar notícia
de falta de higiene e fiscalização no abate e no comércio de carnes bovinas no
matadouro municipal.
Conforme Laudo de Vistoria juntado a fls. ..... dos inclusos autos de Inquérito
Civil, observou-se, no local, a ausência de requisitos técnicos mínimos que
permitam a manipulação de carcaças de forma higiênica, concluindo que as
instalações do Matadouro Municipal são irregulares frente às Leis Federais
1283/50 e 7889/89, e ainda a Lei Estadual 7705/92, e que tal matadouro só pode
funcionar devidamente adequado às normas técnicas vigentes e com inspeção
higiênico-sanitária por médico veterinário, na forma da Lei 5517/68 e Lei
Estadual 8208/92. Concluiu-se, por fim, que, se forem manipuladas carcaças no
Matadouro Municipal, estar-se-á colocando em risco a saúde pública.
Nova vistoria foi realizada naquele Matadouro, agora instruída com fotografias
que demonstram que o estabelecimento não é dotado de pavimentação e fica
localizado na zona urbana, próximo a residências. Os currais são inadequados,
sem cordão sanitário e muito próximos ao estabelecimento. Não há bloqueio
sanitário na entrada do pátio e a pocilga fica contínua ao estabelecimento. O
estabelecimento não é dotado de forro, o que permite a entrada de pássaros e
poeira. A sala de matança não tem delimitação de área de vômito, canaleta de
sangria, além de não dispor de equipamentos suficientes para a realização dos
procedimentos. A sala onde ficam as carcaças para expedição tem acesso direto ao
sanitário, através de uma porta. Constatou-se a presença de machado e marreta no
interior da sala de matança, o que sugere que o abate é feito por marretadas. A
sala de matança de suínos não possui trilhagem e os equipamentos necessários.
Concluiu-se que persistiam as irregularidades anteriormente mencionadas, e que,
pela infração à legislação acima citada, e pelas situações observadas no ato das
inspeções, a manipulação de carcaças no estabelecimento em questão coloca em
risco a saúde pública (fls. ..... dos inclusos autos de Inquérito Civil).
A fls. .... dos inclusos autos de Inquérito Civil consta termo de declarações
onde o sr......, chefe de Gabinete da Prefeitura de ....., comprometeu-se a
elaborar projeto, aprovado pelo escritório de Defesa Agropecuário de ....., para
a reforma e adequação legal do Matadouro de ....., no prazo de sessenta dias.
Escoado o prazo mencionado no parágrafo anterior, a Prefeitura informou,
mediante ofício, que não tem condições de suportar os gastos com a execução da
reforma do Matadouro Municipal (fls. ..... dos inclusos autos de Inquérito
Civil).
Novamente instada a informar sobre o início das reformas destinadas a adequar o
Matadouro Municipal às normas sanitárias e ambientais vigentes (fls. ..... dos
inclusos autos de inquérito civil) a Prefeitura Municipal novamente informou que
o Município não dispõe de recursos financeiros.
Não se nega que a carne bovina é necessária ao consumo humano. Contudo, a forma
como esses animais vêm sendo sacrificados, não obstante a humanidade
encontrar-se no limiar de um novo milênio, remonta a tempos primitivos, causando
repulsa àqueles que buscam estágios mais avançados de civilização.
Rudimentar por excelência, a marreta causa inquestionável sofrimento ao animal.
Desferida na cabeça do boi, o qual instintivamente mexe-se em atitudes
defensivas, a marretada não raras vezes é reiterada seguidamente, até que o
semovente caia desfalecido.
A carne de um boi morto nessas condições, como está cientificamente comprovado,
possui acentuado índice de TOXINAS, substâncias essas liberadas pelo organismo
do animal abatido por método cruel. Trata-se do processo da glicólise,
transformação do glicogênio em ácido lático, que afeta a textura, o sabor e a
conservação da carne.
No Estado de ....., entretanto, a Lei nº 7.705, de 19 de fevereiro de 1992, traz
em seu bojo uma pioneira iniciativa no País, a de PROIBIR o abate por meios
cruéis. Segundo essa Lei, a marreta e a choupa - instrumentos medievais de
matança - passam a ter uso proibido. E, como alternativa legal, estabelece o
emprego de MÉTODOS CIENTÍFICOS no abate, dentre os quais a pistola de impacto,
instrumento de percussão mecânica que insensibiliza o animal - pelo cérebro -
antes da sangria.
Veda, ainda, o abate de fêmeas em gestação, que tenham tido parto recente ou de
animais doentes (artigo 3º), assim como o sacrifício de qualquer animal que não
tenha permanecido pelo menos 24 (vinte e quatro) horas em descanso. Diz seu
artigo 6º, destarte, que os animais que estiveram aguardando o abate não poderão
ser alvos de maus-tratos, provocação ou outras formas de falsa diversão pública,
ou ainda, sujeitos a qualquer condição que provoque estresse ou sofrimento
físico ou psíquico.
A Organização Mundial de Saúde, aliás, recomenda a aplicação de métodos modernos
no abate de animais destinados ao consumo. Morte instantânea e sem dor, conforme
preconiza a Declaração Universal dos Direitos dos Animais, da qual o Brasil é
signatário desde 1978. Daí porque, ao nosso ver, existindo lei que disciplina o
abate de animais destinados ao consumo, nada mais correto do que os municípios
adequarem-se a ela, como obrigação antes de tudo moral.
Ademais, segundo acima exposto, não há observância dos requisitos de ordem
técnica e legal para o funcionamento do Matadouro, colocando em risco a
população que consome a carne oriunda de tal Matadouro.
DO DIREITO
Como ensinam os modernos processualistas, o processo é instrumento de
pacificação social, devendo proporcionar tudo aquilo que o autor receberia não
fosse a pretensão resistida do réu.
Ou no dizer do Grande Mestre Cândido Rangel Dinamarco, em sua magistral obra "A
Instrumentalidade do Processo" : "a função jurisdicional e a legislação estão
ligadas pela unidade do escopo fundamental de ambas: a paz social." ( "in" ob.
cit. p. 159 - 3ª edição - Malheiros Editores).
Emerge da situação fática que a tutela liminar é a única hábil e capaz a evitar
danos irreparáveis ou de difícil reparação.
A liminar que ora se pleiteia vem prevista no artigo 12, Lei n° 7.347/85.
Ambos os requisitos reclamados para a concessão da liminar estão presentes, a
saber: o fumus boni iures e o periculum in mora.
No que tange ao primeiro pressuposto, pelos documentos constantes do
procedimento de investigação preliminar, que instruem esta petição inicial, bem
como pela abordagem exaustiva que se fez nesta peça processual, percebe-se que
existe não só a aparência do bom direito, mas sim prova inequívoca dos fatos
aqui articulados.
A requerida, na qualidade de responsável pelo abate de gado bovino e suíno no
Matadouro Municipal, deve promover a adequação do Matadouro às exigências de
ordem técnica e legal, o que até o presente momento não ocorreu.
Quanto ao segundo requisito, isto é, o risco de dano irreparável ou de difícil
reparação em caso de demora na prestação jurisdicional, restou igualmente
demonstrado.
Como ensina Betina Rizzato Lara, em sua obra "Liminares no Processo Civil" : "a
primeira característica da liminar é a urgência, pois visa solucionar o problema
da demora na finalização do processo."( "in" op. cit. p. 200 - Editora Revista
dos Tribunais).
Pertinente é o magistério de José Carlos Barbosa Moreira, ao se referir à tutela
preventiva dos interesses coletivos ou difusos:
"Se a Justiça civil tem aí um papel a desempenhar, ele será necessariamente o de
prover no sentido de prevenir ofensas a tais interesses, ou pelo menos de
fazê-las cessar o mais depressa possível e evitar-lhes a repetição; nunca o de
simplesmente oferecer aos interessados o pífio consolo de uma indenização que de
modo nenhum os compensaria adequadamente do prejuízo acaso sofrido, insuscetível
de medir-se com o metro da pecúnia". ( "in" Temas de Direito Processual,
Saraiva, 1988, p. 24).
Tal situação não pode prevalecer. Ante o iminente risco à saúde pública
provocado pela irregular atividade do aludido Matadouro, é de se fazer cessar a
sua atividade, até que se ajuste às exigências técnicas e legais.
Tal providência não pode e não deve aguardar o julgamento final do feito, sob
pena do provimento jurisdicional tornar-se imprestável diante de uma situação
consumada de dano irreparável e de difícil reparação.
Pelo exposto, torna-se mister requerer a Vossa Excelência, com abrigo no artigo
12, da Lei n° 7.347/85, que seja determinado LIMINARMENTE , o cumprimento da
seguinte obrigação de não fazer:
Que seja a requerida compelida, imediatamente, a cessar qualquer atividade
relacionada ao abate e à comercialização de animais no Matadouro Municipal de
....., até que haja adequação às normas legais e técnicas vigentes, mediante
comprovação nos autos.
Nos termos do artigo 11, da Lei n° 7.347/85, requer-se a pena de multa diária,
em valor equivalente a 20 (vinte) salários mínimos, por dia, pelo descumprimento
da obrigação de não fazer, sem prejuízo de caracterização de crime de
desobediência.
Requer-se, outrossim, seja oficiado à Polícia Civil de....., bem como à
Secretaria de Agricultura e Abastecimento - Coordenadoria de Defesa Agropecuária
- Escritório de Defesa Agropecuário de .... (rua .....) para que fiscalizem o
cumprimento da medida liminar concedida, com o envio ao Juízo de relatórios
mensais das fiscalizações empreendidas.
DOS PEDIDOS
Ante ao exposto, requer o Ministério Público:
1. a citação da ré, na pessoa de seu Representante Legal, no endereço
consignado, com os benefícios do artigo 172, § 2°, do Código de Processo Civil,
para apresentar a resposta à presente ação, no prazo de Lei, sob pena de
revelia;
2. a procedência da ação, condenando-se a ré no pagamento das custas,
emolumentos e outros encargos, com base no artigo 18, da Lei n° 7.347/85;
3. a condenação da ré ao cumprimento da seguinte OBRIGAÇÕES DE FAZER:
Promover a adequação das instalações e das atividades do Matadouro Municipal de
..... às exigências técnicas e legais, sob a supervisão da Secretaria de
Agricultura e Abastecimento do Governo do Estado de .....
4. condenação da ré na OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER:
Paralisação de qualquer atividade no mencionando Matadouro até que suas
instalações e suas atividades se ajustem às normas técnicas e legais
pertinentes, mediante comprovação nos autos;
5. condenação ao pagamento de multa diária, no valor de 20 (vinte) salários
mínimos, por dia de mora, pelo descumprimento de alguma obrigação de fazer ou
não fazer, devidas a partir do término do prazo estipulado na sentença.
Requer-se, desde logo, a dispensa do pagamento de custas, emolumentos e outros
encargos, nos temos do artigo 18, da Lei n° 7.347/85.
Requer-se, outrossim, que não seja o autor condenado, em hipótese alguma, ao
pagamento de honorários advocatícios, consoante aresto do Superior Tribunal de
Justiça, em Recurso Especial n° 28.715-0/SP, de 31.08.94, v.u. , Primeira Turma
- rel. Ministro Milton Luiz Pereira.
Protesta provar o alegado por todos os meios de prova admitidos em direito, em
especial pela perícia, inspeção judicial, oitiva de testemunhas e ainda pela
juntada de documentos novos que venham a colaborar com a elucidação dos fatos
articulados.
Dá-se á causa o valor de R$ .....
Nesses Termos,
Pede Deferimento.
[Local], [dia] de [mês] de [ano].
[Assinatura]