Ação de consignação em pagamento, ante ao aumento abusivo das prestações relativas a financiamento de imóvel.
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DA ..... VARA DA JUSTIÇA FEDERAL DA
SUBSEÇÃO DE .... - SEÇÃO JUDICIÁRIA DO .....
....., brasileiro (a), (estado civil), profissional da área de ....., portador
(a) do CIRG n.º ..... e do CPF n.º ....., residente e domiciliado (a) na Rua
....., n.º ....., Bairro ....., Cidade ....., Estado ....., por intermédio de
seu (sua) advogado(a) e bastante procurador(a) (procuração em anexo - doc. 01),
com escritório profissional sito à Rua ....., nº ....., Bairro ....., Cidade
....., Estado ....., onde recebe notificações e intimações, vem mui
respeitosamente à presença de Vossa Excelência propor:
AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO COM PEDIDO DECLARATÓRIO
em face de
...., instituição financeira sob a forma de empresa pública, dotada de
personalidade jurídica de direito privado, regendo-se pelo estatuto aprovado
pelo Decreto nº 97.547/89, devendo ser citada em sua superintendência regional
do ...., sito na Rua .... nº ...., na Comarca de ...., pelos motivos de fato e
de direito a seguir aduzidos.
DOS FATOS
Em .../.../..., .... adquiriu o imóvel situado na Rua .... nº ...., na Comarca
de ...., conforme se observa da Certidão do Registro de Imóveis em anexo.
O referido imóvel foi adquirido através do Sistema Financeiro da Habitação -
SFH, pela assinatura de instrumento particular de compra e venda, mútuo com
obrigações e quitação e constituição de hipoteca, sendo rubricado pelas partes
em .../.../...
Em .../.../... foi averbado o cancelamento da referida hipoteca, conforme consta
no Registro em anexo.
Na mesma data, .../.../..., a Requerente adquiriu o referido imóvel, no valor de
R$ .... (....), sendo R$ .... (....) pagos diretamente pela adquirente à ...., e
R$ .... (....), financiados pela ...., através de uma hipoteca, firmada na ....
da matrícula do Registro de Imóveis, a ser paga em .... prestações mensais e
sucessivas, com o primeiro vencimento no dia .../.../..., no valor de R$ ....
(....). Foi fixada a taxa anual de juros nominal em ....% e Efetiva ....%. Em
garantia, foi dado o mencionado imóvel, avaliado em R$ .... (....). As demais
condições foram fixadas no Contrato, do qual foi arquivada uma via no Registro
de Imóveis.
Em linhas gerais, o Contrato fixa que:
a) o plano de reajuste aplicável às parcelas do financiamento é o PES - Plano de
Equivalência Salarial por Categoria Profissional, ou seja, a prestação e os
acessórios serão reajustados em função da data base da categoria profissional da
Requerente, mediante a aplicação de taxa de remuneração básica aplicável aos
depósitos de poupança com aniversário na assinatura do contrato, correspondente
ao período a que se refere a negociação salarial da data base a categoria
profissional do devedor, acrescido do percentual relativo ao ganho real de
salário definido pelo Conselho Monetário Nacional (cláusula décima);
b) o vencimento do primeiro encargo foi estipulado para o dia ..../..../....;
c) o coeficiente de equiparação salarial foi fixado na proporção de ....;
d) o prazo de amortização corresponde a .... meses;
e) a taxa anual de juros ficou estabelecida conforme o disposto na Matrícula do
Imóvel;
f) o percentual de comprometimento de renda familiar foi fixado no equivalente a
....%.
Todavia, no transcorrer da vigência do aludido financiamento, a Requerente
verificou que os encargos, a cada mês, estão se tornando excessivamente
onerosos, não guardando qualquer relação de proporcionalidade com o
comprometimento inicial de renda (equilíbrio prestação/renda), tampouco, com a
correção de vencimentos concedida à sua faixa salarial, conforme planilha
demonstrativa da evolução do aludido financiamento inclusa.
Assim, vendo-se a Requerente na impossibilidade de continuar arcando com o
pagamento das prestações, por estarem sendo calculadas de maneira a comprometer
sua renda mensal em um patamar superior ao que ficou estabelecido no contrato,
vem propor a presente ação de consignação em pagamento, para garantir o
adimplemento das prestações vincendas, de acordo com as previsões contratuais,
com base no art. 973, I, do Código Civil, tendo em vista que a Requerida vem,
indiretamente, recusando-se a receber os valores corretos, na medida em que
emite os bloqueios de pagamento com valores que desrespeitam os índices do
Contrato.
DO DIREITO
A) DO SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO E DO PLANO DE EQUIVALÊNCIA SALARIAL
Com a instituição do Sistema Financeiro da Habitação, criado pela Lei nº 4.380,
de 21 de agosto de 1964, adotou-se o princípio de que:
"O reajustamento das prestações da casa própria deve ser de acordo com os
índices equivalentes aos adotados para a correção dos salários dos mutuários."
Utilizando-se de uma interpretação teleológica pode-se admitir que tal norma
busca promover e facilitar a aquisição da casa própria à classes de baixa renda,
resguardando condições aos mutuários de saldar o crédito habitacional
financiado, conforme relação de proporcionalidade com a correção nominal de seus
vencimentos, conforme preconiza o art. 5º e demais aplicáveis, da lei
supramencionada.
Posteriormente, foi editado o Decreto-lei nº 19/66, que prevê, em seu art. 1º, a
autorização para o reajustamento das prestações com base na variação do salário
mínimo, atendendo assim, as necessidades das famílias de baixa renda, em
respeito às finalidades do Sistema Financeiro da Habitação.
Com o advento da Lei nº 6.205, de 29 de abril de 1975, o salário-mínimo foi
excluído como coeficiente de correção monetária das prestações e, como diretriz
de correção das prestações da casa própria, foi eleito o fator de reajustamento
salarial do mutuário.
Destarte, o BNH, no item 1, de sua Resolução nº 81/80, estabeleceu que no plano
de equivalência salarial, a prestação considerada seria multiplicada pelo
coeficiente de Equiparação Salarial em vigor na data da assinatura do contrato
de financiamento. Tal disposição foi repetida nas demais resoluções, tais como
as de nº 157/82, 14/84 e 19/84.
Em .... de .... de ...., o Decreto nº 88.371, em seu artigo 1º, define que:
"O reajustamento das prestações mensais devidas pelos mutuários do SFH não
excederá o reajustamento percentual nominal dos limites superiores das
respectivas taxas salariais dos mesmos."
Dando novos contornos ao Plano de Equivalência Salarial.
Finalmente, em 19 de setembro de 1984, o BNH, (hoje sucedido pela União
Federal), instituiu o Decreto-lei nº 2.164, adotando o Plano de Equivalência
Salarial por Categoria Profissional - PES/CP como critério de reajustamento das
prestações do SFH, como dispõe o seu art. 9º e seus parágrafos.
Ademais, destaca-se a regra disposta no art. 10º, § 1º, do Decreto-lei nº
2.284/86, que veda qualquer outra sistemática senão a do PES/CP como fator de
reajustamento dos encargos mensais, como se lê adiante:
"Art. 10º
(...)
§ 1º - Em nenhuma hipótese a prestação do Sistema Financeiro da Habitação será
superior à equivalência salarial da categoria profissional do mutuário."
Assim, fica estabelecido como único critério para o reajuste das prestações do
PES/CP o percentual nominal dos limites superiores das respectivas taxas
salariais, sendo este um indexador que reflete exatamente o percebimento dos
mutuários.
Consectário dessa estipulação, é o disposto no § 5º, do art. 9º, do Decreto-lei
nº 2.164/84, com redação dada pelo art. 22, § 5º, da Lei nº 8.004/90, que
instituiu a relação de proporcionalidade entre as prestações SFH e os salários
dos mutuários.
Do exposto, percebe-se que através do Plano de Equivalência Salarial por
Categoria Profissional o Sistema Financeiro da Habitação procura atender sua
principal finalidade: incentivar a população de baixa renda à aquisição da casa
própria, oferecendo condições de financiamento compatíveis com os rendimentos
dos mutuários. Aliás, o E. STJ já se manifestou sobre os objetivos do SFH, no
seguinte sentido:
"O objetivo maior da lei que criou e instituiu o Plano Nacional da Habitação foi
o da manutenção do equilíbrio contratual entre a renda do Mutuário e o valor da
prestação." (REsp nº 39.086-9 - ES, Rel. Antônio de Pádua Ribeiro, 2ª Turma do
STJ, julgamento em 24.11.93).
Destarte, os contratos firmados com base no Sistema Financeiro da Habitação,
mormente os que adotam o PES/CP, devem buscar os objetivos consagrados pela
legislação acima mencionada.
B) DO DESCUMPRIMENTO DO CONTRATO PELA REQUERIDA
Em análise ao contrato firmado no presente caso concreto, pode-se observar,
então, a adoção dos princípios e normas do Sistema Financeiro da Habitação,
através da inclusão de cláusulas adotando o Plano de Equivalência Salarial por
Categoria Profissional.
Assim, deve-se considerar que o Contrato, enquanto instituto jurídico, reflete
as opções políticas de determinado momento histórico, conforme sustenta Enzo
Roppo:
"A disciplina jurídica do contrato corresponde instrumentalmente à realização de
objetivos e interesses valorados consoante as opções políticas e, por isso
mesmo, contingentes e historicamente mutáveis, daí resulta que o próprio modo de
ser e de se conformar do contrato como instituto jurídico, não pode deixar de
sofrer a influência decisiva do tipo de organização político-social a cada
momento firmada." (ROPPO, Enzo. O Contrato. Coimbra: Almedina, 1988, p. 24).
Destarte, é forçoso reconhecer que o presente contrato reflete a opção do Estado
em proporcionar um incentivo à população de baixa renda à aquisição da casa
própria.
Assim sendo, é imprescindível, para os objetivos almejados pelo SFH, que a
instituição financeira cumpra todas as disposições contratuais. Ademais, como se
sabe, o contrato serve para conferir segurança jurídica às partes que celebram
um acordo de vontades. É o que se depreende do chamado "Princípio da Força
Obrigatória", definido por Orlando Gomes como:
"A regra de que o contrato é lei entre as partes. Celebrado que seja, com
observância de todos os pressupostos e requisitos necessários à sua validade,
deve ser executado pelas partes como se suas cláusulas fossem preceitos legais
imperativos." (GOMES, Orlando. Contratos. 12ª edição, Rio de Janeiro: Forense,
1987, p. 36. Ainda no mesmo sentido, WALD, Arnold. Obrigações e contratos. 12ª
edição, São Paulo: RT, 1995, p. 161 e ss.).
Deste modo, fica uma vez mais ressaltada a importância do cumprimento, pelas
partes, de todas as disposições contratuais.
Todavia, desde .... de ....., a Requerida vêm procedendo de forma irregular,
ofendendo notadamente o PES/CP, em flagrante descumprimento do disposto no
Contrato.
Tal irregularidade pode ser constatada no que diz com o descumprimento da
Cláusula 11ª, que prevê:
"CLÁUSULA DÉCIMA PRIMEIRA - Aos DEVEDORES é assegurado que, na aplicação de
qualquer reajuste, a participação da prestação mensal na renda familiar atual
não excederá a relação prestação/renda familiar verificada na data da assinatura
deste contrato, cujo percentual consta na letra "C" deste instrumento, (...)."
Para demonstração do referido descumprimento contratual, cabe uma análise da
tabela demonstrativa:
MÊS SAL. BÁSICO SAL. LÍQUIDO SAL. BRUTO VALOR PREST COMPROMETIM. * VAL. PAGO
MÁX. VAL. DEV. DIFERENÇAS
..../.... .... .... .... .... ..../.... .... .... ....
..../.... .... .... .... .... ..../.... .... .... ....
..../.... .... .... .... .... ..../.... .... .... ....
..../.... .... .... .... .... ..../.... .... .... ....
..../.... .... .... .... .... ..../.... .... .... ....
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..../.... .... .... .... .... ..../.... .... .... ....
..../.... .... .... .... .... ..../.... .... .... ....
..../.... .... .... .... .... ..../.... .... .... ....
..../.... .... .... .... .... ..../.... .... .... ....
* Os valores consignados nesta coluna correspondem ao percentual de
comprometimento da renda da Requerente, sendo os primeiros referentes à renda
líquida e os segundos à bruta.
Destarte, em análise à tabela demonstrativa, pode-se perceber que a Requerida,
durante os últimos .... meses, vem, constantemente, descumprindo as cláusulas
contratuais, já indicadas, vem que determinam que as prestações cobradas não
possam ultrapassar um percentual de ....% (....) da renda familiar líquida da
Requerida.
Ademais, a única hipótese admissível de reajuste seria a que determina aplicação
da taxa básica de remuneração da poupança, incidindo nos valores das prestações.
Entretanto, analisando a tabela demonstrativa transparece que já no primeiro mês
(.../...) houve excesso no valor cobrado, vez que atingiu ....% (....) da renda
líquida da Requerente. Desse modo, mesmo que os reajustes fossem aplicados
contratualmente, ou seja, de acordo com a taxa da poupança, o que efetivamente
não ocorreu, jamais poderia haver reajuste, posto que já ultrapassava o teto
estabelecido.
Tendo em vista o exposto, transparece que houve abuso nos valores cobrados.
Desse modo, a Requerente, por diversas ocasiões, efetuou o pagamento do valor
exigido pela Requerida, e quando não o fez, ainda assim, pagou um valor acima do
justo. Assim, mister se faz salientar que a última coluna traz valores
referentes às diferenças entre os valores cobrados e os valores exigíveis.
Portanto, analisando, a referida coluna, salta aos olhos os valores registrados
em descumprimento às cláusulas contratuais, porque os referidos valores
demonstram a existência de uma diferença em favor da Requerente de R$ ....
(....).
Destarte, pela ilegalidade das atitudes da Requerida, desrespeitando,
constantemente, o contrato firmado com a ora Requerente, cobrando valores
extremamente abusivos, é que deve ser efetuada a compensação dos valores pagos a
maior, atualizados pela correção monetária e acrescidos de juros de mora.
Ora, dos cálculos apresentados, fica evidente que as prestações vêm sendo
reajustadas de modo a comprometer os vencimentos da Requerente muito acima dos
....% previstos no Contrato.
Deve-se observar, ainda, que o referido percentual deve ser calculado sobre o
valor líquido de seus rendimentos. Tal interpretação se impõe de uma análise
teleológica do Plano de Equivalência Salarial.
Isto porque, como restou demonstrado, o referido PES/CP foi criado com o
objetivo de proporcionar à população de baixa renda condições efetivas de
obtenção da casa própria. Para tanto, estabelece, em relação ao financiamento,
um comprometimento máximo da renda familiar, o que deve ser respeitado pelo
órgão financiador.
Sendo assim, parece evidente que não se alcançam os objetivos do referido PES/CP
se forem tomados como padrão de referencial a remuneração bruta dos mutuários.
Como se sabe, o valor líquido de remuneração é o que representa o efetivo ganho
salarial mensal do mutuário, valor sobre o qual se baseará seu orçamento.
Destarte, o índice de comprometimento decorrente do financiamento de imóvel,
para atender os verdadeiros fins do Sistema Financeiro da Habitação, deve ser
calculado com base neste referencial.
Assim, são importantes as colocações de Arnold Wald, em comentário ao princípio
da boa-fé:
"[este princípio] determina que a interpretação dos contratos se faça de acordo
com a inteligência simples e adequada, que for mais conforma à boa-fé e ao
verdadeiro espírito e natureza do contrato." (WALD, Arnold, op. cit., p. 165).
Ora, de todo o exposto, é evidente que os objetivos do presente contrato dizem
com os objetivos do SFH, exaustivamente expostos nos itens anteriores, razão
pela qual se impõe a interpretação de que o comprometimento deve considerar a
renda líquida da Requerente.
Ademais, considerando-se que o presente contrato trata-se de um contrato de
consumo, conforme entendimento pacífico, a interpretação de que o
comprometimento da renda mensal deve ser calculado com base no valor líquido dos
vencimentos da Requerente se impõe, com base no art. 47, do Código de Defesa do
Consumidor.
O referido artigo prevê o seguinte:
"Art. 47. As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável
ao consumidor."
Segundo Carlos Alberto Bittar:
"Os princípios que regem o Código do Consumidor são de várias espécies e visam
consagrar a proteção ao consumidor, tendo em vista o reconhecimento da sua
vulnerabilidade, assim, assentam a tutela sob tríplice controle: o do Estado, o
do Consumidor e de suas entidades de representação." (BITTAR, Carlos Alberto.
Direitos do Consumidor, 2ª edição, Rio de Janeiro: Forense Universitária
Biblioteca Jurídica, 1990).
Como se vê, é neste sentido que se impõe a interpretação da regra
supramencionada da maneira como aqui se propõe.
Do exposto, não restam dúvidas sobre o fato de que o cálculo do comprometimento
da prestação de financiamento deve ser realizado de acordo com o valor líquido
dos vencimentos da Requerente, seja em atendimento aos fins do Sistema
Financeiro da Habitação e do Plano de Equivalência Salarial, seja em função da
aplicação do art. 47, do Código do Consumidor, Lei nº 8.078/90.
Nem argumente a Requerida que o contrato prevê a possibilidade de reajuste
conforme a taxa de remuneração básica da poupança e, sendo assim, os valores
cobrados nas prestações estariam corretos.
Ora, é bem verdade que existe a previsão contratual de reajustes conforme a
correção monetária. Contudo, em hipótese alguma pode ser afastada a cláusula
décima primeira, ou seja, ainda que sejam reajustadas as prestações, não se pode
admitir um comprometimento maior da renda familiar do que o previsto
contratualmente, no presente caso concreto, de ....%.
Ainda em relação ao descumprimento do contrato pela Requerida, deve-se analisar
que a cláusula décima segunda estabelece a possibilidade de inserção de
diferenças nas parcelas subseqüentes, em determinadas hipóteses, desde que
respeitado o índice máximo de comprometimento da renda familiar. Assim, prevê o
seguinte:
"CLÁUSULA DÉCIMA SEGUNDA - Na hipótese de ocorrer reajuste da prestação em
percentual inferior ao obtido pela aplicação do disposto no caput e Parágrafo
Primeiro e Segundo da Cláusula Décima, a diferença será incorporada em futuros
reajustes de prestações até o limite de que trata o caput da Cláusula Décima
Primeira."
Destarte, ainda que a Requerida alegue que o valor das prestações, em alguns
meses, extrapolou o estabelecido no contrato, em função da possibilidade da
cláusula décima segunda, em nenhum momento pode ser afastada a cláusula décima
primeira, que estabelece, como já se demonstrou, o comprometimento da renda
líquida em um percentual máximo de ....%.
Assim, uma vez mais pode-se constatar a irregularidade da conduta da Requerida.
Finalmente, pode-se ressaltar que a Requerida vêm descumprindo o art. 39, XI, do
Código do Consumidor, que prevê o seguinte:
"Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas
abusivas:
(...)
XI - aplicar fórmula ou índice de reajuste diverso do legal ou contratualmente
estabelecido."
Ora, em análise à planilha demonstrativa de cálculos, e aos demais argumentos
expostos, resta claro que a Requerida não cumpriu o contrato, em flagrante
descumprimento da norma acima mencionada, na medida em que vem aplicando fórmula
de reajuste diversa da previamente estabelecida.
Destarte, pode-se concluir que as imposições da Requerida tornam impraticável a
aquisição da casa própria, notadamente pela disparidade existente entre a
correção mensal aplicada sobre o valor das prestações e a falta de uma diretriz
que se coadune com os vencimentos da Requerida, característica que é inerente
dos objetivos sociais do SFH e condição exclusiva de sua existência.
Aliás, a jurisprudência tem analisado as questões relativas à matéria discutida
no presente caso concreto, decidindo que a existência de qualquer afronta à
modalidade de reajuste com base no PES/CP, como ocorre no caso em tela,
contraria o fim social atinente ao SFH, beneficiando exclusivamente os
interesses econômicos das instituições financeiras, acarretando injustamente aos
mutuários prejuízos de grande monta.
Neste sentido, decidiu o E. Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul, na Apelação
Cível nº 12.076/94, julgada em 19.03.94, conforme o Boletim de Jurisprudência da
LBJ, 084/186:
"SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO - SFH. CASA PRÓPRIA. MÚTUO. CORREÇÃO MONETÁRIA.
Contrato que, contraditoriamente, insere cláusulas firmando a equivalência
salarial e ao mesmo tempo exigindo a correção das prestações por índices
diferentes da variação salarial.
Ofensa a princípios do Código de Defesa do Consumidor e ao Decreto-lei nº
2.349/87, sendo que este último, ao permitir a satisfação do saldo devedor até
resíduo final, mesmo que através da prorrogação do contrato, não afastou a
equivalência das prestações à renda salarial.
Recurso Provido para dar pela procedência da ação."
Ainda sustentando o mesmo entendimento:
"CONTRATOS - SFH - REAJUSTE DAS PRESTAÇÕES - PLANO DE ATUALIZAÇÃO MISTO - PAM -
INCONSTITUCIONALIDADE - AUTÔNOMOS.
(...)
2. Plano de Equivalência Salarial da Lei nº 4.380/64 a ser observado em todos os
contratos do SFH, consubstanciado na proporcionalidade do aumento das prestações
com o salário auferido pelo mutuário." (Ap. Cível nº 94.01.129993-2/BA,
unanimidade da 4ª Turma do TRF da 1ª Região, 29.03.95, in DJ de 17.04.95).
"DIREITO ADMINISTRATIVO. CONTRATO DE MÚTUO PARA AQUISIÇÃO DA CASA PRÓPRIA,
SUBORDINADO AO SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO.
A prestação do Sistema Financeiro da Habitação manterá sempre a equivalência
salarial como referência à categoria profissional do mutuário, em conformidade
com o que preceitua o Decreto-lei nº 2.284/86, art. 10º, parágrafo primeiro,
independentemente do indexador que venha a ser escolhido." (Acórdão unânime da
2ª Turma do TRF da 3ª Região, AMS 92.03.1987-9/SP, in IOB 3/7762).
"ADMINISTRATIVO - MÚTUO - SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO - REAJUSTE DAS
PRESTAÇÕES.
(...)
4. A correlação entre o valor da prestação e o valor da capacidade do
contribuinte do mutuário é imprescindível para a manutenção do contrato. Não
obedecida a equivalência prestação-salário, inviabilizada está a aquisição da
casa própria. A capacidade de pagamento não pode ficar comprometida com um
reajuste exorbitante que leve o mutuário a uma situação aflitiva ou que lhe
venha a acarretar a perda do imóvel." (Ap. Cível nº 92.0104498-4/BA, Rel. Juiz
Tourinho Neto, TRF 1ª Região, 3ª Turma, in DJ nº 61, 30.03.96, p. 7.334).
Aliás, ratificando o posicionamento dos tribunais acima mencionados, o E. STJ
vem sustentando o seguinte:
"RECURSO ESPECIAL. SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO. REAJUSTAMENTO. PLANO DE
EQUIVALÊNCIA SALARIAL.
1. O reajustamento das prestações dos contratos de financiamento pelo Sistema
Financeiro da Habitação deve obedecer à equação econômico-financeira dos
contratos celebrados." (Resp. nº 16.409-0 - DF - Relator: Min. Peçanha Martins,
2ª Turma do STJ).
No mesmo sentido, decidiu o E. STJ nos seguintes julgados: Recurso Especial nº
3.108 - BA, Relator o Ministro Vicente Cernicchiaro, em julgamento realizado em
06.06.90; Recurso Especial nº 39.086-9 - ES, Relator o Ministro Antônio de Pádua
Ribeiro, em julgamento realizado em 24.11.93; Recurso Especial nº 29.028-8 - RS,
Relator o Ministro José de Jesus Filho, julgamento em 02.12.92.
Como se vê, o índice de majoramento das prestações habitacionais superou, em
muito, a equivalência salarial estabelecida no contrato celebrado no âmbito do
SFH, vislumbrando-se o rompimento da comutatividade contratual, razão pela qual
se justifica a presente Ação de Consignação em Pagamento.
Esta situação, como já mencionado, tem causado uma situação insuportável para a
Requerente, razão pela qual requer-se, deste d. juízo, seja o presente pedido
declaratório julgado procedente, para que a Requerente passe a depositar em
juízo as prestações vincendas, referentes ao financiamento de seu imóvel,
calculadas com base no comprometimento máximo de sua renda familiar, no
percentual de ....%, em cumprimento ao Contrato.
C) DO CABIMENTO DA PRESENTE AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO
Como se viu, no presente caso concreto, foi firmado um Contrato de Financiamento
com a ...., dentro do Sistema Financeiro da Habitação, sendo adotado o PES/CP
como forma de reajuste das prestações.
Porém, como restou demonstrado, as cláusulas contratuais vêm sendo
reiteradamente descumpridas pela Requerida, principalmente a cláusula décima
primeira, que prevê como índice máximo de comprometimento da renda da Requerente
um percentual de ....%.
O referido descumprimento contratual vem ocorrendo, então, na medida em que a
Requerida vem emitindo os bloquetos de pagamento fixando valores em desacordo
com as cláusulas contratuais, como se vê da planilha demonstrativa.
Assim, é possível perceber que, indiretamente, a Requerida tem se recusado a
receber o pagamento na forma previamente estabelecida.
Destarte, a Requerente vê-se na impossibilidade de continuar pagando as
prestações nos valores em que vêm sendo cobrados.
Assim, para que a Requerente continue cumprindo sua obrigação, sem submeter-se a
prejuízos não previstos contratualmente, justifica-se a presente Ação de
Consignação em Pagamento, nos termos do art. 335, I, do Código Civil, c.c. os
arts. 890 e seguintes, do Código de Processo Civil.
Aliás, neste sentido decidiu, recentemente, o douto juízo da ....ª Vara Federal
da Comarca de ...., nos seguintes termos:
"Julgo procedente a presente ação consignatória para (...) declarar extinta a
obrigação representada pelas prestações consignadas em juízo, na exata
conformidade com o índice de reajuste reconhecido, subordinando-se os
requerentes a eventual complemento dos depósitos, conforme o que for apurado em
liquidação de sentença." (Ação de Consignação em Pagamento com Pedido
Declaratório nº 94.0015971-4, em trâmite na 8ª Vara Federal de Curitiba).
DOS PEDIDOS
Diante do exposto, requer, a Vossa Excelência, que julgue procedente a presente
Ação de Consignação em Pagamento, em todos os seus termos, para:
a) declarar que o reajuste das prestações referentes ao financiamento da casa
própria da Requerente deve ser estabelecido de acordo com o percentual fixado
como o referencial máximo de comprometimento da renda familiar da Requerente,
conforme acima demonstrado;
b) deferir o depósito das prestações vincendas, nos termos legais, dando-se
efeito de pagamento à respectiva quantia devida, a qual foi corretamente
calculada com base no Plano de Equivalência Salarial;
c) por tratar-se de prestação continuada, requer-se seja continuada a
consignação dos valores das prestações vincendas, conforme regra disposta no
892, do Código de Processo Civil, as quais serão corrigidas em consonância com o
avençado contratualmente e à legislação superveniente, sendo que o vencimento
das prestações dá-se em todo dia .... de cada mês;
d) dar por subsistentes os depósitos efetuados no presente processo, com efeito
de pagamento, cessando sobre a Requerente quaisquer efeitos de mora sobre tais
importes, inibindo sua inclusão nos cadastros, internos e setoriais, do sistema
bancário, como inadimplente, coibindo as ameaças e constrangimentos de praxe
utilizados pelo Sistema Financeiro da Habitação;
e) requer, ainda, seja determinada a citação da ...., na pessoa de seu
representante legal, no endereço inicialmente declinado, para, querendo,
proceder à defesa das argumentações dispendidas na presente, sob pena dos
efeitos da revelia, assim como, a citação da instituição financeira para
levantar os montantes dos valores consignados em juízo;
f) a produção de todos os meios de prova em direito admitidos, especialmente
pela prova documental, que fica desde já requerida, e ademais imprescindíveis
para a instrução da causa;
g) a intimação do ilustre órgão do Ministério Público Federal, para se
manifestar no presente feito;
h) requer a condenação das Requeridas aos consectários legais da sucumbência;
i) a concessão do benefício da justiça gratuita para a Requerente, que é pobre
na acepção jurídica do termo, não tendo condições de arcar com as custas
judiciais e honorários advocatícios sem prejuízo de seu sustento, conforme
declaração de situação econômica em anexo.
Dá-se à causa o valor de R$ ......
Nesses Termos,
Pede Deferimento.
[Local], [dia] de [mês] de [ano].
[Assinatura do Advogado]
[Número de Inscrição na OAB]