Contestação de governo estadual em ação de indenização decorrente de prisão ilegal.
EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA ..... VARA VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA
COMARCA DE ....., ESTADO DO ....
AUTOS Nº .....
O ESTADO DE ............, pessoa jurídica de direito interno, representado pelo
Procurador de Estado que abaixo subscreve, recebendo as suas intimações na Rua
................, ....., ........, nesta Capital, vem, mui respeitosamente, nos
autos desta ação de indenização por danos morais promovida por ........, ante
Vossa Excelência apresentar
CONTESTAÇÃO
pelos motivos de fato e de direito a seguir aduzidos.
PRELIMINARMENTE
1. A Ausência de Capacidade Jurídica do "Governo do Estado de ............"
Os autores da presente ação pediram, na exordial, a citação do "Governo do
Estado de ............", conforme se pode visualizar à fl. 2 e 13.
Ocorre que o "Governo do Estado" é um órgão da administração direta sem
personalidade jurídica, nem mesmo judiciária, vale dizer, sem capacidade para
ser parte ou para estar em juízo.
Explica-se melhor: o art. 7o do Código de Processo Civil ensina que "toda pessoa
que se acha no exercício dos seus direitos tem capacidade para estar em juízo".
Ou seja, para que se possa (tenha capacidade de) estar em juízo faz-se
necessária que o ente tenha personalidade jurídica.
Obviamente, existem certos entes que, embora despersonalizados, possuem
capacidade para ser parte. É o caso dos espólios, da massa falida, da herança
jacente etc. Nesses casos, porém, a capacidade para estar em juízo é atribuída
expressamente pelo próprio Código de Processo Civil. Ou seja, o próprio CPC
cuida em excepcionar os casos em que entes despersonalizados podem estar em
juízo.
Contudo, não há norma alguma atribuindo esta capacidade (para estar em juízo ou
para ser parte) ao Governo do Estado. Tal ente, em hipótese alguma, pode ser
parte passiva em processos judiciais comuns ou especiais (salvo, obviamente,
para prestar informações em mandado de segurança). No caso, a ação deveria ter
sido proposta contra o Estado de ............ e não contra o Governo do Estado.
Dessa forma, demonstrada a total ausência de personalidade jurídica e judiciária
do Governo do Estado, requer-se que seja o Governo do Estado de ............
excluída da lide, extinguindo o processo, sem julgamento do mérito, ou, em caso
contrário, sejam intimados os autores para emendarem a inicial, requerendo a
citação da pessoa jurídica de direito público (Estado de ............), na
pessoa de seu representante legal, abrindo-se novamente o prazo (em quádruplo)
para apresentação da defesa do Estado.
2. A Inépcia da Inicial: Ausência de Requisitos Indispensáveis
Analisando os aspectos formais da petição inicial, verifica-se que ela não
preenche os requisitos legais necessários, na forma estipulada no Código de
Processo Civil.
Primeiramente, não há, no corpo da inicial, o endereço profissional dos patronos
dos autores.
Prescreve o Código de Processo Civil que compete ao advogado declarar, na
petição inicial, o endereço em que receberá intimações (art. 39, inc. I).
Como o advogado dos autores não informou, na petição inicial, o endereço em que
receberá intimações, o processo deve ser extinto, sem julgamento do mérito, dada
a ausência de pressuposto de constituição válida e regular da relação
processual.
Igualmente, compulsando a exordial, verifica-se que falta pedido de intimação do
representante do Ministério Público.
As normas do Código de Processo Civil, referente a este ponto, são bastante
claras. Vale reproduzi-las.
Primeiramente, cuida o art. 82 em elencar as situações em que é obrigatória a
participação do Ministério Público.
Eis os termos do dispositivo:
"art. 82. Compete ao Ministério Público intervir:
I - nas causas em que há interesses de incapazes;
II - nas causas concernentes ao estado da pessoa, pátrio poder, tutela,
curatela, interdição, casamento, declaração de ausência e disposição de última
vontade;
III - nas ações que envolvam litígios coletivos pela possa da terra rural e nas
demais causas em que há interesse público evidenciado pela natureza da lide ou
qualidade da parte" - grifamos.
Como se vê, o ponto que nos interessa é exatamente a parte final do inciso III,
que prescreve ser obrigatória a intervenção do Ministério público "nas demais
causas em que há interesse público evidenciado pela natureza da lide ou
qualidade da parte".
Em seguida, o art. 84, do CPC, determina que "quando a lei considerar
obrigatória a intervenção do Ministério Público, a parte promover-lhe-á a
intimação sob pena de nulidade do processo".
Finalmente, o art. 246 e seu parágrafo único são incisivos ao dispor que:
"art. 246. É nulo o processo, quando o Ministério Público não for intimado a
acompanhar o feito em que deva intervir".
"Parágrafo único. Se o processo tiver corrido, sem conhecimento do Ministério
Público, o juiz o anulará a partir do momento em que o órgão deveria ter sido
intimado".
Como se vê, mais uma vez a parte Autora não fez presente um dos pressupostos
essenciais para a válida formação do processo. Em se tratando de demanda onde o
interesse público é cristalino e insofismável, denotado pela própria qualidade
da parte Requerida, bem como por ser o Ministério Público responsável pelo
controle externo da polícia, imprescindível que fosse vindicado pedido para a
intimação do Ministério Público.
Ausente pressuposto de constituição e de desenvolvimento válido e regular do
processo, impõe-se a EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DE MÉRITO, consoante
determinação do artigo 267, inciso IV do Código de Processo Civil, o que desde
já se requer.
3. A Ausência de Documentos Indispensáveis à Propositura da Ação
A petição inicial é a peça inaugural do processo, pela qual o autor provoca a
atividade jurisdicional. Juntamente com a exordial, o autor deverá juntar os
documentos indispensáveis a propositura da ação, sob pena de preclusão
consumativa, não podendo haver posterior complementação de documentos já
existentes por parte do autor.
Conforme disposições expressas da Lei Processual Civil:
"Art. 282 - A petição inicial indicará:... omissis
VI - as provas com que o Autor pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados;
... omissis"
"Art. 283 - A petição inicial será instruída com os documentos indispensáveis à
propositura da ação".
"Art. 396 - Compete à parte instruir a petição inicial (art. 283), ou a resposta
(art. 297), com os documentos destinados a provar-lhe as alegações".
Ora, os papéis trazidos aos autos a lume de prova não demonstram, de forma
alguma, a existência do alegado direito à indenização.
Não logrou os Requerentes sequer desincumbirem-se do ônus da prova da existência
do fato jurídico que, a seu ver, produziu em suas esferas jurídicas o direito a
serem ressarcidos. Os fatos meramente alegados e não provados, não se prestam a
embasar uma pretensão jurídica. Não são fatos, mas meras especulações. Não basta
alegar, há que se provar.
Os únicos documentos acostados pelos Autores, que se revela inidôneo para fins
de comprovação judicial do que quer que seja, foram certidões negativas das
polícias alagoanas.
Nenhum dos fatos jurídicos cuja existência seria imprescindível para viabilizar,
ao menos, a pretensão dos Autors - a suposta prisão ilegal, o aborto, a
impossibilidade de ter novos filhos da esposa do requerente - foi comprovado.
Bastavam a juntada de laudos médicos, notícias de jornais, qualquer documento
que pudesse demonstrar a verdade das alegações autorais. Nada disso foi feito.
Não tendo instruído a exordial com os documentos imprescindíveis, os requerentes
ignoraram completamente os ditames legais dos artigos 282, VI; 283; 396 e 801, V
da Lei Processual, tendo sido atingido pela preclusão consumativa, vez que
praticou incorretamente o ato exigido para alcançar o objetivo pretendido, não
sendo legalmente permitida a repetição.
Com tal postura omissiva, o Requerente atingiu frontalmente a regra específica
relativa ao ônus da prova, conforme prescreve o Estatuto de Ritos:
"Art. 333 - O ônus da prova incumbe:
I - ao Autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;
II - ao Réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo
do direito do Autor". ..omissis (Grifos nossos)
Sobre esse ponto, salutar a transcrição de lição doutrinária:
"Segundo a regra estatuída por Paulo, compilada por Justiniano, a prova incumbe
a quem afirma e não a quem nega a existência de um fato (Dig. XXII, 3, 2). O
autor precisa demonstrar em juízo a existência do ato ou fato por ele descrito
na inicial como ensejador de seu direito." (NERY JUNIOR, Nelson. Código de
Processo Civil Comentado e legislação processual civil em vigor. 3ª ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 615).
A inexistência de prova documental imprescindível na petição inicial caracteriza
a ausência de pressuposto de constituição válida e regular da relação
processual, por torná-la inapta ao desenvolvimento válido e regular do processo.
Assim sendo, diante do exposto, vem requerer a Vossa Excelência o indeferimento
da petição inicial e a consequente extinção do processo sem julgamento de
mérito, em conformidade com os ditames legais dos artigos 267, IV; 282, VI; 283;
333; 365; 384; 396 e 801, V, todos do Código de Processo Civil.
PRELIMINAR DE MÉRITO
A Prescrição do Direito dos Autores
Ainda como matéria preliminar de mérito, deve ser alegada a prescrição
fulminante do direito dos autores.
Sustentaram que, no dia 1 de setembro de 1995, foram detidos por policiais
militares.
Em 31 de agosto deste ano, intentaram os requerentes a ação, visando justamente
condenar o Estado-réu indenizá-los pelos supostos danos morais causados.
O despacho inicial do juiz processante, prolatado no rosto da exordial e
determinando a citação do réu, deu-se em 14 de setembro de 1994.
O Estado de ............ foi devidamente citado em 27 de setembro de 1994, data
em que houve a juntada do mandado de citação pelo serventuário da Justiça.
Em face dessas datas, e para tornar mais fácil a visualização dos argumentos que
serão expendidos, vale elaborar um quadro cronológico:
DATA FATO
1/9/1995 Suposta prisão ilegal
14/9/2000 Despacho inicial do juiz
27/9/2000 Juntada do mandado de citação
Constitui ponto pacífico: as ações contra a Fazenda Pública prescrevem em cinco
anos do ato ou fato do qual se originaram. É o que, taxativamente, positiva o
art. 1o do Decreto nº 20.910/32.
O termo inicial do prazo prescrição é justamente a data da ocorrência da
violação do direito positivo, a ensejar uma ação exercitável.
Como ensina AGNELO AMORIM FILHO, em texto clássico sobre a prescrição, "é que a
lesão dá origem a uma ação, e a possibilidade de propositura desta, com o fim de
reclamar uma prestação destinada a restaurar o direito, é que concorre para
criar aquele estado de intranqüilidade social que o instituto da prescrição
procura evitar" (Critério Científico para Distinguir a Prescrição da Decadência
e para Identificar as Ações Imprescritíveis. Revista Forense 193/37).
No caso dos autos, qual foi o fato que ensejou a propositura da ação? Muito
simples: a suposta prisão ilegal, que - na forma sustentada pelos autores -
ocorreu em 1/9/1995.
Considerando-se, portanto, que o prazo prescricional começou a fluir no dia
1/9/1995, é incontestável que ocorreu a prescrição, vez que a interrupção do
prazo prescricional ocorre com o despacho ordenatório da Citação
De fato, a interrupção do prazo prescricional não ocorre com a simples
propositura da ação, pois a mera interposição de ação judicial não tem o condão
de interromper o prazo de prescrição.
Realmente, a lei processual é clara ao afirmar que a prescrição é interrompida
somente com o despacho que ordena a citação, desde que a citação seja válida e
se concretize. Esta é a melhor ilação que se extrai do art. 219 do CPC e dos
seus parágrafos:
"art. 219. A citação válida torna prevento o juízo, induz litispendência e faz
litigiosa a coisa e, ainda quando ordenada por juiz incompetente, constitui em
mora o devedor e interrompe a prescrição.
§ 1º A interrupção da prescrição retroagirá à data da propositura da ação.
§ 2o Incumbe à parte promover a citação do réu nos dez dias subseqüentes ao
despacho que a ordenar, não ficando prejudicada pela demora imputável
exclusivamente ao serviço judiciário.
§ 3o Não sendo citado o réu, o juiz prorrogará o prazo até o máximo de noventa
dias.
§ 4o Não se efetuando a citação nos prazos mencionados nos parágrafos
antecedentes, haver-se-á por não interrompida a prescrição.
§ 5o Não se tratando de direitos patrimoniais, o juiz poderá, de ofício,
conhecer da prescrição e decretá-la de imediato.
§ 6o Passada em julgado a sentença, a que se refere o parágrafo anterior, o
escrivão comunicará ao réu o resultado do julgamento".
Dessa forma, é o despacho do juiz - e não a propositura da ação - que tem o
efeito material de interromper o prazo prescritivo.
Percebe-se, com isso, que prescrita está a ação, vez que o despacho ordenatório
da citação ocorreu apenas em 14 de setembro de 2000, ou seja, há mais de cinco
anos da eventual detenção.
É importante observar que esta interpretação é a mais favorável ao próprio
recorrido, tendo em vista que o Código Civil ainda é mais severo do que o Código
de Processo Civil: enquanto este dispõe que o despacho do juiz interrompe a
prescrição, aquele diz que somente a própria citação é que produz este efeito
(art. 172, inc. I). Porém, na lição de SILVIO RODRIGUES, o preceito do Código
Civil foi modificado pelo art. 166, §2o, do Código de Processo Civil de 1939,
refundido pelo art. 219 do Código de 1973, "de maneira que o despacho que a
ordena, e não a citação propriamente dita, é que tem o condão de interromper a
prescrição. Todavia, sua eficácia fica dependendo de a citação efetuar-se no
prazo concedido pela lei" (Direito Civil. vol. 1, 25a ed. Saraiva, São Paulo,
1995, p. 335).
2.1.4.1. A Demora na Citação, por Culpa Exclusiva do Autor, Justifica o
Acolhimento da Argüição de Prescrição (Inteligência da Súmula 106 do STJ)
Por último, em nome do princípio processual da eventualidade, é preciso
ressaltar que a pequena demora que existiu entre a data da propositura da ação e
a data do despacho ordenatório da citação ocorreu por culpa exclusiva do
recorrido, e não da máquina judiciária, que atuou com a devida presteza.
Realmente, quando a petição inicial reuniu as condições de ser despachada, o
prazo prescricional já havia, praticamente, se consumado.
In casu, o recorrido protocolou a ação no período da tarde do último dia de
consumação do suposto prazo prescricional (fl. 2v.). Dessa forma, percebe-se que
mesmo que o magistrado tivesse sido diligente, despachando dentro dos dois dias
exigidos pela lei adjetiva (art. 189, inc. I, do CPC), a prescrição se
consumaria, donde concluir que o retardamento do despacho do juiz processante e
da própria citação ocorreu apenas por negligência, desídia e relapso dos
autores, jamais por motivos inerentes aos mecanismos da Justiça.
Esclareça-se melhor: os requerentes tiveram cinco anos para propor a ação.
Porém, negligentemente, deixaram para propor a ação apenas no último dia do
prazo. E o pior: somente no período da tarde foi protocolada a petição inicial.
Pior ainda: mesmo sabendo que o prazo já estava a poucas horas da prescrição,
não diligenciaram junto ao juiz para que este despachasse logo, no mesmo dia em
que foi protocolada a ação. Que culpa teve, então, a máquina judiciária?
Absolutamente nenhuma! Pelo contrário, somente a parte autora foi responsável
pela consumação do prazo prescritivo.
Seguindo essa linha de pensamento, a jurisprudência pátria é uníssona em acolher
a prescrição em casos semelhante:
"Consuma-se a decadência se, por culpa do autor, resulta impossível a lavratura
oportuna do despacho ordinatório da citação" (RTJ 121/32)
"A distribuição do pedido, por si só, não tem o condão de interromper ou de
afastar a decadência (CPC, art. 220); apenas o despacho ordenando a citação é
que produz tal efeito (CPC, art. 219, §1o; RT 471/84). É certo que 'proposta a
ação no prazo fixado para o seu exercício, a demora na citação por motivos
inerentes ao mecanismo da Justiça, não justifica o acolhimento da argüição de
prescrição ou decadência' (STJ, súmula n. 106). Porém, para que tenha incidência
a regra contida na súmula, cumpre à parte promover todos os atos de sua
exclusiva competência para viabilizar aquele despacho" (TJSC, Apelação Cível
97.0006222-2, 14 de abril de 1998).
"Se o autor, apesar de protocolizar a petição dentro do biênio, não obteve, por
inércia, o despacho ordenando a citação naquele prazo, operou-se a decadência do
direito à rescisão" (STF, RE 114.920, Min. Carlos Madeira; RT 636/234).
"O art. 263 do CPC é expresso: não basta a propositura da ação (distribuição ou
despacho da inicial) para interromper a prescrição ou impedir se consume a
decadência; é mister despacho ordenando a citação ou, no mandado de segurança,
determinando a requisição de informações (RT 471/84)" (ACMS 4279, Des. Rubem
Córdova).
"Se a citação não for promovida dentro do prazo legal, consuma-se a decadência,
inobstante ajuizada a rescisória no biênio, uma vez verificado que o
retardamento daquele ato se deu por negligência do autor" (2o TACSP, JTACP-RT
93/381).
E mais:
"Somente se perquire a ocorrência, ou não, de obstáculo judicial à efetivação da
citação, após a satisfação, pelo autor, dos dois requisitos contidos nos §§ 2o e
3o do art. 219 do CPC como tais, entendidos o ato de proporcionar ao oficial de
justiça os meios necessários ao cumprimento do mandato, antecipando despesas e
fiscalizando o cumprimento e requerer, não citado o réu, a prorrogação por mais
noventa dias" (TAMG, Agr. 4195, rel. juiz Bady Curi).
Em conclusão final: a prescrição da ação proposta pelos autores, por todas essas
razões, é irrefutável e esférica, isto é, pode ser vislumbrada de qualquer
ângulo em que se ponha o operador do direto. Este sim, deve ser o entendimento.
Os julgados acima transcritos levam a esta conclusão.
DO MÉRITO
DOS FATOS
Os autores, segundo alegam, teriam sido, na noite do dia ....o de ....... de
......, "presos", na Delegacia de Furtos e Roubos do ............, para que
informassem o paradeiro de................, que tinha envolvimentos com o
.............
Em seguida, foram para a Delegacia da Rua ............, sob o comando, na época,
do Delegado Dr. ............, sendo liberados logo após.
Sustentam ainda - sem fazer qualquer prova do alegado, nem demonstrar qualquer
nexo de causalidade entre os fatos - que a esposa do requerente ...............,
na época, aguardava o nascimento de seu primeiro filho, mas sofreu um aborto,
passando mais de 4 anos para iniciar novo processo de gravidez.
Em razão desses fatos, pediram indenização por danos morais, na vultosa quantia
de R$ ............. para cada, como compensação pela dor sofrida.
Esses foram os fatos narrados pelos autores. Ocorre, douto magistrado, que não
foi exatamente isso que aconteceu, naqueles primeiros dias de .........
Na verdade, omitiram os autores fatos extremamente relevantes para a obtenção da
justa solução ao caso concreto.
Olvidaram os requerentes em explicar que tudo teve início com o assalto ao Banco
..........., agência de .........., ............, ocorrido naquela época.
Neste assalto, houve o seqüestro do gerente e outros servidores da agência
bancária, bem como a morte de Policial Militar.
Os assaltantes-seqüestradores, logo após o assalto, vieram para o Estado de
............, onde possuíam parentes (inclusive, os requerentes, que eram
parentes diretos de um deles), cuja prisão preventiva já estava decretada.
A Secretaria de Segurança Pública de ............, responsável pela libertação
dos reféns, descobriu que os criminosos estariam mantendo contatos com os seus
familiares, inclusive com os autores.
Por esta razão, no intuito de facilitar a negociação para a libertação dos
reféns, foi requisitada a presença dos autores, para ajudarem na intermediação,
ou melhor, na negociação da soltura do seqüestrados, evitando-se, com isso, que
uma tragédia ainda maior ocorresse.
Assinale-se que, em qualquer lugar do mundo, em hipóteses tais, onde há reféns
ameaçados de morte, a presença dos familiares dos seqüestradores é de
fundamental importância para a negociação entre a polícia e os infratores.
A par disso, informa-se que, dada a singeleza da operação, envolvendo criminosos
de alta periculosidade, a atuação do "............" era extremamente necessária
e, por isso, foi requerida, sendo eles que se dirigiram à casa dos autores,
determinando que comparecessem à delegacia para ajudar na negociação com os
seqüestradores. Nenhum abuso houve nesse momento, conforme demonstrará o
responsável por esta divisão de operações especiais, o Senhor .............
No caso dos autos, os autores não foram presos (nem sequer em cela ficaram), não
foram ameaçados, muito menos torturados ou constrangidos de qualquer forma. Eles
próprios se predispuseram a ajudar a polícia, buscando salvar a própria vida de
seu parente, que, inegavelmente, estava ameaçada.
Os próprios autores admitem que a esposa de ............, "obstinada, não se
afastou das grades que trancafiavam o seu marido" (fl. 3). Ora, será que um
preso teria tamanha liberdade em ter presente sua esposa, a toda hora, a seu
lado? É claro que não...
Na realidade, prisão não houve. Os requerentes ficaram na Delegacia apenas o
tempo necessário à libertação dos reféns e negociação com os seqüestradores. Não
foram "três dias" como afirmam os autores; mas o momento em que eles se
predispuseram a ajudar na negociação, por livre e espontânea vontade. Nem sequer
foi aberto inquérito policial; a idoneidade e a inocência dos autores jamais
foram questionadas. O depoimento das testemunhas arroladas hão de comprovar este
fato, sobretudo do Delegado responsável pelo caso, Senhor ............, hoje já
aposentado.
O mais relevante é que a operação foi sucedida com êxito. Os reféns foram
libertados com vida, o que demonstra o importante trabalho da polícia neste
caso, onde houve tanto clamor público.
Assim, conforme se demonstrará ao cabo desta petição, o pedido desta ação, caso
não sejam comprovados todos os fatos narrados ao longo da instrução (que
certamente não serão), é completamente insubsistente, além de, inegavelmente,
ser excessivo o valor pleiteado. Vejamos.
DO DIREITO
1. Brevíssimas Consideração Acerca da Responsabilidade Extracontratual do Estado
Constitui ponto pacífico: a responsabilidade extracontratual do Estado por danos
derivados de comportamentos administrativos de seus agentes é objetiva, ou seja,
independe da culpa do agente. É o que se extrai de uma adequada ilação do
dispositivo constitucional insculpido no § 6o, art. 37:
"§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado
prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa
qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o
responsável nos casos de dolo ou culpa."
Com efeito, evoluindo da total irresponsabilidade dos atos praticados pelos
agentes públicos, em decorrência do princípio norteador dos regimes absolutistas
segundo o qual o rei nunca erra ("the king can no wrong"), o conceito de
responsabilidade pública da Administração, sempre crescendo em direção à
proteção dos Administrados, atingiu um estágio de evolução - compatível com o
espírito democrático e solidário de um Estado de Direito - pelo que a obrigação
de indenizar surge tão só da equação: FATO + DANO + NEXO CAUSAL. É a Teoria do
Risco Administrativo, na qual a jurisprudência pátria tem-se firmado:
"RESPONSABILIDADE CIVIL DO PODER PÚBLICO - TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO -
EXEGESE. De acordo com o art. 37, § 6º, da CF, as pessoas jurídicas de direito
público respondem pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a
terceiros. Nosso legislador constitucional adota a teoria do risco
administrativo, e por esta não se exige a prova da culpa do agente público. São
suficientes para caracterizar a sua responsabilidade a prova do dano causado
pelo agente público e o nexo causal entre a ação do agente e os danos" (STJ -
Ac. unân. da 1ª T. publ. em 8-11-93 - Rec. Esp. 38.666-7-SP - Rel. Min. Garcia
Vieira - Advs.: Maria Beatriz de Biagi Barros e Carlos Alberto de Freitas).
A doutrina autorizada de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, seguindo a lição do
Prof. OSWALDO ARANHA BANDEIRA DE MELLO, defende que só se configura a
responsabilidade fundada na teoria do risco-proveito, se se atentar contra a
igualdade de todos diante dos encargos públicos, em lhe atribuindo danos
anormais, acima dos comuns, inerentes à vida em sociedade (Curso de Direito
Administrativo. 5a ed., Malheiros, São Paulo, 1994, p. 506). Em idêntico
sentido, CARLOS ARI SUNDFELD:
"quando em pauta a responsabilidade estatal por comportamentos lícitos, mister
que o dano sofrido seja anormal (isto é, excedente das inconveniências comuns da
vida em socidade) e especial (ou seja, atinja sujeitos determinados, não as
pessoas em geral)" (Fundamentos de Direito Público. 4a ed. Malheiros, São Paulo,
2000, p. 183).
Ora, no caso dos autos, as conseqüências suportadas pelos autores em decorrência
da investigação criminal instaurada para a soltura dos reféns foram, a
princípio, normais, inerentes à vida em sociedade, principalmente por se
tratarem os autores parentes de um homem periculoso, membro do ............, com
participação em asasalto, com vítimas e seqüestro de pessoas trabalhadoras e que
estava sendo perseguido pela Polícia, estando, por conseqüência, sujeito a
controles mais rigorosos por parte da população.
Em nome do interesse público, consistente na libertação dos reféns, fica patente
a legitimidade de todo o procedimento investigatório, não dando ensanchas a
qualquer indenização por danos à moral dos autores.
Ressalte-se que, em momento algum, se pôs em dúvida o inocência dos autores.
Tanto que nem sequer foi aberto inquérito policial.
Havia, in casu, a necessidade imperiosa da ajuda dos autores na soltura dos
reféns. Somente eles - familiares do seqüestrador - teriam condições de manter
um diálogo amistoso e racional, evitando-se o pior desfecho que um seqüestro
pode ter: a morte do refém e dos seqüestradores.
2. A colisão de direitos fundamentais (Interesse Público vs. Interesse Privado)
As normas constitucionais vivem em permanente estado de tensão latente. Muitas
vezes, elas parecem conflitantes, antagônicas até. Essa tensão existente entre
as normas é conseqüência da própria carga valorativa inserta na Constituição,
que, desde o seu nascedouro, incorpora, em uma sociedade pluralista, os
interesses das diversas classes componentes do Poder Constituinte Originário.
Esses interesses, como não poderia deixar de ser, em diversos momentos não se
harmonizam entre si em virtude de representarem a vontade política de classes
sociais antagônicas. Surge, então, dessa pluralidade de concepções - típica em
um "Estado Democrático de Direito" que é a fórmula política adotada por nós - um
estado permanente de conflito (colisão) entre as normas constitucionais. Como
explica MÜLLER, a Constituição é de si mesma um repositório de princípios às
vezes antagônicos e controversos, que exprimem o armistício na guerra
institucional da sociedade de classes, mas não retiram à Constituição seu teor
de heterogeneidade e contradições inerentes, visíveis até mesmo pelo aspecto
técnico na desordem e no caráter dispersivo com que se amontoam, à consideração
do hermeneuta, matéria jurídica, programas políticos, conteúdos sociais e
ideológicos, fundamentos do regime, regras materialmente transitórias embora
formalmente institucionalizadas de maneira permanente e que fazem, enfim, da
Constituição um navio que recebe e transporta todas as cargas possíveis, de
acordo com as necessidades, o método e os sentimentos da época (BONAVIDES,
Paulo. Curso de Direito Constitucional. p. 460).
Analisando o presente caso sob uma ótica constitucional, perceber-se-á que se
está diante de uma colisão de direitos fundamentais: o direito dos autores (que,
na verdade, não foi violado) e o direito à vida dos reféns e da própria
sociedade em ver capturado os seqüestradores e assaltantes de uma instituição
bancária. Surge, mais uma vez, o interesse público em confronto com o interesse
privado. E qual a solução para este conflito, já que ambos os direitos possuem
fundamento constitucional?
Quem nos fornece esta resposta é o jurista RONALD DWORKIN, através do que ele
denominou dimensão de peso e importância dos princípios (dimension of weights).
Na sua clássica obra Taking Rights Seriously, após explicar que as regras
jurídicas são aplicáveis por completo ou não são, de modo absoluto, aplicada
(dimensão do tudo ou nada), o prof. da Universidade de Oxford diz que os
princípios "possuem uma dimensão que não é própria das regras jurídicas: a
dimensão do peso ou importância. Assim, quando se entrecruzam vários princípios,
quem há de resolver o conflito deve levar em conta o peso relativo de cada um
deles (...). As regras não possuem tal dimensão. Não podemos afirmar que uma
delas, no interior do sistema normativo, é mais importante do que outra, de modo
que, no caso de conflito entre ambas, deve prevalecer uma em virtude de seu peso
maior. Se duas regras entram em conflito, uma delas não é válida" (apud
ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de Princípios Constitucionais. Revista dos
Tribunais, São Paulo, 1999, p. 65).
Portanto, somente diante do caso concreto será possível resolver o problema da
aparente colisão de princípios, através de um ponderação (objetiva e subjetiva)
de valores, pois, ao contrário do que ocorre com a antinomia de regras, não há,
a priori, critérios formais (meta-normas) e standards preestabelecidos para
resolvê-lo. O intérprete, no caso concreto, através de uma análise
necessariamente tópica, terá que verificar, seguindo critérios objetivos e
subjetivos , qual o valor que o ordenamento, em seu conjunto, deseja preservar
naquela situação.
In casu, afigura-se que o ordenamento jurídico - e, sintomaticamente, a
sociedade - deseja preservar mesmo é o interesse público, decorrente da captura
e punição de perigosos criminosos, principalmente pelo aumento do nível da
violência nos dias de hoje, bem como ao próprio bem jurídico maior, que é a vida
dos reféns e desses próprios delinqüentes.
A sociedade não suporta mais tanta violência. É possível, a princípio, submeter
os cidadãos a investigações, inquéritos e processos criminais, sempre que houver
razões suficientes para tanto. O que não se pode é permitir, atonitamente, a
morte de trabalhadores, ocasionada pela inércia da polícia. É a vida dos reféns
que estavam em jogo; aliás, era também a vida dos próprios seqüestradores. Por
isso, os requerentes possuíam todo o interesse em participar das negociações,
visando salvar seu próprio parente.
O bem jurídico vida, neste caso, deve prevalecer sobre qualquer outro direito
que esteja em jogo. Qualquer transtorno sofrido pelos autores é risível, em
confronto com o interesse social em ver preservada a vida dos reféns.
Por todas essas razões, a presente ação - caso não fiquem sobejamente
comprovados os fatos narrados - deve ser extinta, julgando-se improcedente o
pedido autoral, restabelecendo o direito fundamental da sociedade de, pelo
menos, tentar capturar os criminosos, sem que se corra o risco de se ter sempre
e sempre que se indenizar o indivíduo toda vez que sua ajuda for imprescindível
à solução do caso. Seria como colocar uma espada de Dâmocles sobre as cabeças
dos agentes públicos responsáveis pelas investigações.
A título de corroboração de tudo o que foi exposto, vale colacionar decisão
judicial em prol do que foi defendido, que ressalta bem o não cabimento de danos
morais em casos como este:
"RESPONSABILIDADE CIVIL. CONDENAÇÃO CRIMINAL DESCONSTITUÍDA PELA DÚVIDA. DANO
MORAL. INEXISTÊNCIA. A utilização dos meios conferidos por lei às pessoas para
realizar um interesse juridicamente tutelado não constitui abuso ou violação de
direito de que resulte a obrigação de indenizar, salvo se houver má fé, erro
palmar ou injustificável teimosia de quem os emprega" (Apelação cível 37.912,
Terceira Câmara Civil, 26 de novembro de 1991, PUBLICADO NO DJESC nº 8.395 - Pág
07 - 10/12/91, Relator: Des. Eder Graf).
Em conclusão final: a ausência da responsabilidade civil do Estado, no presente
caso, por todas as razões expostas pode ser vislumbrada facilmente. Este sim
deve ser o entendimento. O julgado acima transcrito leva a esta conclusão.
3. A necessária redução da verba pleiteada
Por fim, é preciso ressaltar que o valor pleiteado pelos autores estão
totalmente fora dos padrões racionais, sobretudo se se levar em conta a situação
financeira do Estado de ............, neste triste período de sua história.
É preciso, pois, reduzir os valores pleiteados, caso se julgue procedente o
pedido, a quantias que não levem o Estado ao empobrecimento, em contrapartida a
um inegável enriquecimento sem causa por parte dos autores.
DOS PEDIDOS
Ante a tudo o que foi exposto, demonstrada a improcedência do pleito do autor,
considerando, ainda, estarem prescritas as verbas pleiteadas, espera e pede o
ESTADO DE ............ que Vossa Excelência, apreciando estas razões de defesa e
por todos os argumentos expendidos:
1) receba a presente contestação;
2) determine a citação de todos os servidores públicos que agiram com dolo ou
culpa neste caso para integrarem a lide como litisdenunciado (denunciação à
lide) ou, do contrário, caso não se admita a denunciação à lide em casos tais,
declare, expressamente, o direito de, no futuro, em eventual hipótese de ser
julgado procedente o pedido da ação, o Estado propor ação regressiva contra
todos os servidores públicos envolvidos no caso, cujos nomes serão descobertos
ao cabo da instrução processual, tendo em vista que somente os autores poderão
indicar quem agiu com dolo ou culpa;
3) determine a produção de todos os tipos de prova em direito admitidos,
principalmente a juntada posterior de documentos, visando aquilatar a presença
da verdade substancial e não meramente formal;
4) extinga o processo, sem julgamento do mérito, dada a ausência de capacidade
jurídica do Governo do Estado de ............ para ser parte ou intime o autor
para emendar a inicial, indicando não o Governo do Estado, mas o próprio Estado
de ............ para integrar a lide;
5) ou, sucessivamente, declare a inépcia da petição inicial, tendo em vista a
ausência de requisitos legais (falta do endereço do patrono dos autores, falta
de requerimento de intimação do membro do Ministério Público e ausência de
documentos indispensáveis a propositura da ação) ou, igualmente, intime o autor
para emendar a inicial, indicando o endereço onde receberá intimações, bem como
para requerer a intimação do representante do Ministério Público, que é o órgão
responsável pelo controle externo da polícia;
6) ainda de forma sucessiva, extinga o processo, com julgamento do mérito, tendo
em vista a consumação da prescrição da ação, vez que os fatos narrados ocorreram
há mais de cinco anos (lembra-se que a interrupção da prescrição somente se dá
com o despacho ordenatório da citação, conforme demonstrado);
7) ultrapassados os argumentos acima expendidos, julgue totalmente improcedente
o pedido desta ação em todos os seus termos, em razão da não comprovação das
alegações autorais e da ausência de responsabilidade civil do Estado no presente
caso, uma vez que havia a imperiosa necessidade da participação dos autores,
visando a libertação dos reféns, através da negociação com os seqüestradores;
8) em caso contrário, ou seja, caso fique comprovado que houve abuso, arbitre um
valor indenizatório compatível com a situação financeira do réu e dos próprio
autores, sob pena de se configurar verdadeiro enriquecimento ilícito, sobretudo
por se ter em vista a relevância da atuação da polícia neste caso;
9) por fim, condene o autor ao pagamento das custas processuais e honorários
advocatícios de sucumbência, arbitrados em 20% (vinte por cento) sobre o valor
atribuído à causa.
Nesses Termos,
Pede Deferimento.
[Local], [dia] de [mês] de [ano].
[Assinatura do Advogado]
[Número de Inscrição na OAB]